Resumo:Para concretizar a locação de um imóvel, deve o locatário ficar atento às condições do imóvel locado, do condomínio edilício que este integra, como ao regulamento interno de condomínio. Assim, se possuir animal doméstico, para se evitarem maiores inconvenientes, é prudente que o locatário tenha conhecimento se poderá transitar com seu animal pelo condomínio sem nenhum embaraço. Este estudo tem por finalidade apontar e definir a possibilidade ou não de manter a criação de animal doméstico em condomínio edilício.
Palavras-chave: Direito imobiliário. Locação de imóveis. Direito de vizinhança. Animal doméstico.
Abstract:To realize the lease of a property, the lessee should be aware of the condition of the leased property, the building condominium that integrates this, like condominium rules. Thus, if pet has, to avoid major inconveniences, it is prudent that the tenant is aware if you move with your pet by the condominium without any embarrassment. This study aims to pinpoint and define whether or not to keep creating domestic animal in building condominium.
Keywords: Real estate law. Property lease. Right neighborhood. Domestic animal.
Sumário: 1. Animais em condomínio edilício.
1.Animais em condomínio edilício
Ante as preocupações habituais de início da locação, o locatário acaba, por vezes, dando pouca importância para o fato de possuir animal e ter de observar em sede de convenção de condomínio se há permissão ou não para habitar com o seu pet.
É sabido que os animais domésticos fazem parte da vida de muitas famílias. Portanto, a prévia ciência de impedimento ou de qualquer outro embaraço para criação de animais em condomínio edilício poderia, seguramente, ser motivo para provocar o desfazimento da negociação, ainda na fase das tratativas.
Vale ressaltar que para possuir um animal em apartamento se deve contar, em especial, com o bom senso do locatário. Isso quer dizer que não é razoável que o locatário crie animal de porte grande, que amedronte os demais condôminos ou mesmo comprometa a segurança, nem também crie animal exótico que tire o sossego dos moradores.
Habitar com animal pouco comum não é problema, como na hipótese de furão, de hamster e de chinchila, dentre outros, tendo em conta que estes, em geral, não são propensos a gerar grandes incômodos.
O caso em tela tem íntima relação com o direito de vizinhança, onde os moradores de imóveis contíguos não podem tolerar interferências que agravem condições normais de habitabilidade, de segurança, de sossego e de saúde. De tal modo, como assegura o Código Civil de 2002, ocorrendo uma destas lesões, que certamente comprometem a dignidade da pessoa humana – direito fundamental tutelado pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 1º, inciso III -, o proprietário ou o possuidor de um bem pode fazer cessar as graves intervenções citadas advindas de propriedade vizinha.
“Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.” (BRASIL, 2002).
No mesmo sentido aborda a lei de nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 – “Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.” – dando ensejo para o uso adequado do imóvel locado ou, ainda, das áreas de utilização comum. As normas de boa vizinhança, como trata o artigo abaixo, determinam o comportamento desejado para a manutenção de uma ambiência justa e apropriada, com o fito de consolidar a coexistência harmônica.
“Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interêsses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.” (BRASIL, 1964).
Portanto, independente dos termos da convenção de condomínio, o proprietário ou possuidor direto de um bem não pode utilizar-se deste de modo a comprometer a habitabilidade, a segurança, o sossego e a saúde de seus vizinhos, porque lesa, sobretudo, a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, animais que não sejam de ambiente doméstico, podem trazer desconfortos incontornáveis às partes na locação, levando, até mesmo, ao encerramento da relação locatícia.
O evento é tão delicado e de complexa decisão que merece amparo judicial, para que se evitem abusos. Abaixo segue acórdão que concede antecipação de tutela para admitir ao possuidor de animal a permanência deste em seu imóvel. Vejamos:
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PERMANÊNCIA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO, DE PEQUENO PORTE, EM UNIDADE CONDOMINIAL. ABSTENÇÃO DA COBRANÇA DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. Diante da verossimilhança das alegações da parte autora e do risco de dano da demora no aguardo do resultado final do litígio, requisitos previstos no art. 273 do CPC, de ser concedida a medida antecipatória de permanência do animal de estimação do agravante em sua unidade condominial, abstendo-se o condomínio agravado de proceder, por qualquer meio, na cobrança da multa imposta pela manutenção do animal no apartamento. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Agravo de Instrumento Nº 70060885159, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 30/07/2014).
Como dito, conta-se com a razoabilidade na condução da situação, não se aceitando, portanto, excessos por parte do possuidor de animal doméstico. Podendo o locatário utilizar o elevador de serviço para evitar contato direito com os demais condôminos, posto que alguns têm medo ou fobia, deve assim o fazer, em respeito e em atenção a boa convivência.
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMINIO. AÇÃO COMINATÓRIA. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO. MANUTENÇÃO. Não há motivo para a proibição na unidade dos autores do cão de raça Golden Retriever, ainda mais que a decisão determinou a condução pelo elevador de serviço com a utilização de coleira ou guia. Em decisão monocrática, nego seguimento ao agravo de instrumento.” (Agravo de Instrumento Nº 70059448472, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22/04/2014).
Para comprovar os deveres citados e a atenção à convenção de condomínio, que assenta a livre vontade das partes, vale apresentar o seguinte acórdão como parâmetro, inclusive, para o limite de possuir animal de estimação:
“Ementa: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO COMINATÓRIA – AGRAVO RETIDO – OITIVA DE TESTEMUNHAS CONTRADITADAS COMO INFORMANTES – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – CRIAÇÃO DE CÃES – NÚMERO EXCESSIVO – INOBSERVÂNCIA DA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – PERTURBAÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS – ABSTENÇÃO DA CRIAÇÃO DOS ANIMAIS NA PROPRIEDADE – MEDIDA QUE SE IMPÕE.
O depoimento de testemunha suspeita, como informante, sem o compromisso, possui valor relativo e deve ser confrontando com outras provas existentes nos autos, o que ocorreu no caso em tela.
A convenção de condomínio faz lei entre os condôminos. Assim, se há norma que proíbe a manutenção de criadouro de animais, esta deve ser cumprida.
No caso dos autos, a quantidade de cães existente na propriedade do apelante permite a conclusão de que este mantém verdadeiro criadouro de animais, contrariando o que dispõe a norma interna do condomínio, impondo-se, por isso, a abstenção de tal prática pelo recorrente.” (Grifo nosso). (Apelação Cível nº 1.0647.12.005391-1/001, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça de MG, Relator(a): Des.(a) Luciano Pinto, Data de Julgamento: 31/07/2014, Data da publicação da súmula: 12/08/2014).
Assim, como se percebe, mais uma vez a razoabilidade se impõe, posto que o possuidor direito, mesmo sendo o proprietário, não pode por sua atitude descumprir os termos da convenção de condomínio, nem mesmo atacar a paz e o sossego dos condôminos, porque tal se reveste de abuso.
Segue mais um acordão para asseverar estas considerações. Mas, além disso, cabe acentuar que ao possuidor direito lesado assiste o direito de buscar a tutela do Poder Judiciário no sentido de fazer cessar os referidos incômodos, podendo, ainda, requerer a indenização por perdas e danos, perfeitamente cabível quando há exageros por parte do possuidor de animais domésticos.
“Ementa: INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO E VIZINHANCA. GUARDA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO (CÃES) NA PROPRIEDADE. MAU CHEIRO E INCOMÔDOS AOS VIZINHOS. PRETENSÃO DE IMPOR À RÉ A RETIRADA DOS ANIMAIS DA PROPRIEDADE. DESCABIMENTO. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MANTIDO. 1. É sabido que a legislação vigente protege os vizinhos do uso de prédio que extrapole a normalidade. Assim, o ocupante de um prédio tem a favor de si o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha venha a prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. 2. No caso dos autos, a autora apresentou farta documentação comprobatória do uso nocivo do direito de propriedade pela parte requerida, uma vez que os vizinhos convivem com níveis excessivos de ruídos e mau cheiro causados pelos animais, o que lhes atingiu o sossego, gerando um incômodo de proporções suficientes a ensejar o dever de indenizar os danos morais daí advindos. 3. No que diz com o montante da condenação, tem-se que a decisão hostilizada merece manutenção, pois a verba indenizatória foi fixada em atenção às peculiaridades do caso concreto, especialmente a condição sócio-econômica das partes, sem denotar insignificância, tampouco se mostrando elevada, ao ponto de enriquecer a ofendida. 4. De outra banda, descabe o pedido de retirada dos animais da propriedade, uma vez que a convenção do condomínio autoriza a guarda de animais no interior das unidades residenciais, não fazendo referência à quantidade. Sendo assim, incumbe à administração do condomínio fiscalizar, impor limites e aplicar penalidades, através dos meios cabíveis. 5. Portanto, de rigor a manutenção da sentença de parcial procedência da ação. RECURSO IMPROVIDO.” (Grifo nosso). (Recurso Cível Nº 71004510988, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernanda Carravetta Vilande, Julgado em 07/08/2013).
Depois dessas observações, constata-se que o possuidor direto deve ter a cautela de sempre, antes de adentrar em imóvel a ser locado, verificar junto ao proprietário, ou mesmo com o próprio condomínio, se em sede de convenção de condomínio há qualquer disposição impedindo a criação de animais.
A convenção de condomínio corresponde à lei entre as partes, como se extrai de acórdão acima – com data de julgamento: 31/07/2014, do Tribunal de Justiça de MG -, porque comporta direitos e deveres firmados em virtude de pacta sunt servanda, da livre estipulação das partes, no caso, os condôminos. Deste modo, o novo morador deve se atentar para os termos deste documento condominial, e, segui-lo rigorosamente.
Gediel Claudino de Araujo Júnior trata sobre princípio que se amolda ao caso em comento, qual seja, o princípio da obrigatoriedade da convenção.
“A fim de dar segurança jurídica às partes envolvidas no contrato, temos por fim o “princípio da obrigatoriedade da convenção” (pacta sunt servanda). Com efeito, a fim de dar efetividade aos contratos, a lei prevê sanções para aquele que deixa de cumpri-lo, escusando-se apenas a inadimplência fruto de caso fortuito ou forma maior (art. 393, CC).” (ARAUJO JÚNIOR, 2013, p. 51).
Por tudo exposto, se o pretenso locatário quer manter o pet em seu convívio, deve, primeiramente, informar-se sobre a possibilidade ou não da criação deste em âmbito condominial. Se, contudo, for permitido por meio de convenção de condomínio, que seja exercido seu direito com prudência e com zelo em face dos direitos dos demais condôminos, sem que haja choques contra a dignidade da pessoa humana e o direito de vizinhança, os quais garantem a convivência pacífica, jungida do bem-estar e da paz social.
O que não se admite é a discriminação de que tipos de animais podem entrar em condomínio, porque limita demais o direito de propriedade, estabelecido no art. 5º, inciso XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A não ser que tais animais causem imensos inconvenientes e desconfortos aos demais habitantes e, verdadeiramente, exponham-lhes ao perigo, a degradação da saúde e do sossego.
Informações Sobre o Autor
Adriano Barreto Espíndola Santos
Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Especialista em Direito Público Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado