Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado período histórico da humanidade. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos Climáticos. Injustiça Climática. Direitos Humanos.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos de Solidariedade; 6 Direitos Humanos Climáticos: A Injustiça Climática como potencializadora do alargamento dos Direitos Humanos
1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna
Ao ter como substrato de edificação as ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado período histórico da humanidade. “A evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria experiência da vida humana em sociedade”[4], como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre a construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram difundidos instrumentos que objetivavam a proteção individual em relação ao Estado. “O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”, como bem afiança Alexandre de Moraes[5]. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
“Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na Babilônia) foi a primeira codificação a relatar os direitos comuns aos homens e a mencionar leis de proteção aos mais fracos. O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à família, à honra, à dignidade, proteção especial aos órfãos e aos mais fracos. O Código de Hamurabi também limitava o poder por um monarca absoluto. Nas disposições finais do Código, fez constar que aos súditos era proporcionada moradia, justiça, habitação adequada, segurança contra os perturbadores, saúde e paz”[6].
Ainda nesta toada, nas polis gregas, notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um direito natural, superior ao direito positivo, “pela distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela própria natureza humana”[7], consoante evidenciam Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira, que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção, na visão adotada, excluía aqueles. “É na Grécia antiga que surgem os primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres humanos a partir do momento que nascessem com vida”[9].
O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça descentralização política, isto é, a coexistência de múltiplos centros de poder, influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas atividade comercial. Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade, no medievo, estava dividida em três estamentos, quais sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de trabalhar para o sustento de todos. “Durante a Idade Média, apesar da organização feudal e da rígida separação de classes, com a consequente relação de subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos documentos jurídicos reconheciam a existência dos direitos humanos”[10], tendo como traço característico a limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de documentos escritos reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio de forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em que vigiam. Dentre estes documentos, é possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra, em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos barões em razão do aumento de exações fiscais para financiar a estruturação de campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11]. A Carta de João sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias, proporcionalidade entre a pena e o delito[12], devido processo legal[13], acesso à Justiça[14], liberdade de locomoção[15] e livre entrada e saída do país[16].
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna, outros documentos, com clara feição humanista, foram promulgados, dentre os quais é possível mencionar o Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a proibição de detenções arbitrárias[17], reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do devido processo legal[18]. Com efeito, o diploma em comento foi confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar, ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado com o fortalecimento e afirmação das instituições parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo desmedido passa a ceder diante das imposições democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a liberdade através de um documento escrito que seria encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe concederia a liberdade provisória, ficando o acusado, apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi considerada como axioma inspirador para maciça parte dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem enfoca Comparato[19]. Enfim, diversos foram os documentos surgidos no velho continente que trouxeram o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os marcos de uma transição entre o autoritarismo e o absolutismo estatal para uma época de reconhecimento dos direitos humanos fundamentais[20].
As treze colônias inglesas, instaladas no recém-descoberto continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram elaborados diversos textos que objetivavam definir os direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia, de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro detentor[21], e trouxe certas particularidades como a liberdade de impressa[22], por exemplo. Como bem destaca Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurança, registrando o início do nascimento dos direitos humanos na história[24]. “Basicamente, a Declaração se preocupa com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes”[25], como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia. Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o documento não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da Federação, desde que constasse, no texto constitucional, a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos fundamentais[26]. Assim, surgiram as primeiras dez emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes direitos fundamentais: igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da livre manifestação do pensamento[27].
3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade
No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, com grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois inexistia, por parte dos governantes, a observância dos direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por meio da tributação, eram obrigados a sustentar os privilégios das minorias que detinham o poder. Com efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na órbita política[28]. O mesmo ocorria com a população pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de contenda contra os detentores do poder, protestos e aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo, mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto humano; a segunda característica referia-se ao alcance dos direitos conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade, da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal, da presunção de inocência[33], tal como liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento[34].
Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação política, diretamente ou por meio de eleições. “Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade”[35], aspecto este que passa a ser característico da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele das relações individuais e sociais.
4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade
Com o advento da Revolução Industrial, é verificável no continente europeu, precipuamente, a instalação de um cenário pautado na exploração do proletariado. O contingente de trabalhadores não estava restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo crianças, os quais eram expostos a condições degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas, unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal absteve-se de se imiscuir na economia e, com o beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa explorar e “coisificar” a massa trabalhadora, reduzindo seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a maioria[36]. A massa de trabalhadores e desempregados vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns textos de grande relevância, os quais combatiam a exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É possível citar, em um primeiro momento, como proeminente documento elaborado durante este período, a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1848, que apresentou uma ampliação em termos de direitos humanos fundamentais. “Além dos direitos humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos desempregados”[37]. Posteriormente, em 1917, a Constituição Mexicana[38], refletindo os ideários decorrentes da consolidação dos direitos de segunda dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais com maciça tendência social, a exemplo da limitação da carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos contratos de trabalho, além de estabelecer a obrigatoriedade da educação primária básica, bem como gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de 1919, trouxe grandes avanços nos direitos socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao trabalho, à liberdade de associação, melhores condições de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho e para a proteção à maternidade. Além dos direitos sociais expressamente insculpidos, a Constituição de Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente “ao instituir que o Império procuraria obter uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade, um mínimo de direitos sociais”[39], tal como estabelecer que os operários e empregados seriam chamados a colaborar com os patrões, na regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição do Povo Trabalhador e Explorado[40], elaborada pela antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía ideias revolucionárias e propagandistas, pois não enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais como a abolição da propriedade privada, o confisco dos bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras inovações na relação laboral. Dentre as inovações introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical, magistratura do trabalho, possibilidade de contratos coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho, remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do repouso semanal remunerado, previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de previdência, assistência, educação e instrução sociais[41].
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de natureza econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o integram as condições materiais tidas por seus defensores como imprescindíveis para que, desta feita, possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social, mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e que, por consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os direitos de segunda dimensão “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal”[42]. Os direitos alcançados pela rubrica em comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos humanos fundamentais rumo às sendas da História é paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos fundamentais apresenta uma ampla capacidade de incorporar desafios. “Sua primeira geração enfrentou problemas do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais”[43], como bem evidencia Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos de Solidariedade
Conforme fora visto no tópico anterior, os direitos humanos originaram-se ao longo da História e permanecem em constante evolução, haja vista o surgimento de novos interesses e carências da sociedade. Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles Bobbio[44], os consideram direitos históricos, sendo divididos, tradicionalmente, em três gerações ou dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do consumidor, além de outros direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo”[45] ou mesmo de um Ente Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são considerados como difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que o liame entre os seus vários titulares decorre de mera circunstância factual. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:
“Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[46].
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que “os direitos de terceira geração possuem natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a coletividade como um todo”[47]. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento estão vinculados a valores de fraternidade ou solidariedade, sendo traduzidos de um ideal intergeracional, que liga as gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a valorização destes é de extrema relevância. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[48]. A respeito do assunto, Motta e Barchet[49] ensinam que os direitos de terceira dimensão surgiram como “soluções” à degradação das liberdades, à deterioração dos direitos fundamentais em virtude do uso prejudicial das modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica vigente entre as diferentes nações.
6 Direitos Humanos Climáticos: A Injustiça Climática como potencializadora do alargamento dos Direitos Humanos
Diante dos conceitos e aporte apresentados, é forçoso reconhecer que, diante de um cenário globalizado fortemente caracterizado pela instabilidade do clima e pelo aquecimento tem o condão de revelar um cenário de injustiça ambiental. Desta feita, o conceito de (in)justiça climática surge como um contemporâneo desdobramento do paradigma da justiça ambiental e da compreensão de que os impactos das mudanças climáticas afetam de forma e intensidade distantes grupos sociais diferentes. Assim, alguns casos de injustiça climática encontram relação aos efeitos de processo de desertificação, de eventos climáticos extremos (chuvas intensas, ondas de calor, etc.), do aumento do nível do mar, entre outros. É possível, em sede conceitual, destaca que o movimento internacional por justiça climática encontra sua gênese na percepção sobre a desigualdade de impactos no que se refere às consequências das mudanças climáticas, que são fortalecidas em amplos estudos acerca das alterações do clima. Milanez e Fonseca[50] vão apontar que este conceito é empregado para aludir às disparidades em termos de impactos sofridos e responsabilidades no que concerne aos efeitos e às causas da mudança do clima. “Os defensores da Justiça Climática argumentam que aqueles que são os menos responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa serão aqueles que mais sofrerão com os impactos das mudanças climáticas”[51]. Em mesmo sentido, Pascal Acot, em entrevista realizada, vai descrever que:
“Os efeitos do aumento da temperatura, com o relativo crescimento de fenômenos extremos como as inundações, os furacões, as secas prolongadas, recai (sic) em grande parte sobre os países mais pobres, isto é, atinge com mais força aqueles que têm uma responsabilidade mínima pelas emissões de gases do efeito estufa, que são causados principalmente pelo uso de combustíveis fósseis e pela erosão das florestas tropicais”[52].
Com efeito, para os defensores do movimento da justiça climática, a fim de minimizar os problemas identificados, é proposto que sejam colocados em prática iniciativas e políticas que visem tratar das dimensões éticas de direitos humanos das mudanças climáticas de maneira a minorar a vulnerabilidade de grupos sociais desproporcionalmente afetados pelas mudanças do clima. Com efeito, o movimento por justiça climática apresenta contornos peculiares, porquanto representa a primeira vez em que grandes organizações com histórico de atuação não vinculada às questões ambientais se envolveram com uma questão ambiental específica, qual seja: as mudanças do clima. Ora, há que se reconhecer que os impactos ambientais em um planeta finito acometem a todos os seus habitantes, pois a humanidade utiliza os mesmos recursos e espaço, que são limitados. Ao lado disso, segundo Milanez e Fonseca[53] , a partir de tal perspectiva, independentemente do país ou território no qual uma atividade produtora de gases de efeito estufa ocorra, tanto aquela localidade quanto outras localidades mais ou menos distantes do ponto focal da atividade sofreriam os impactos advindos da mudança climática, porquanto a dinâmica não reconhece fronteiras ou divisas estabelecidas pela espécie humana.
Contudo, há que se reconhecer que, conquanto os impactos advindos da mudança do clima afetem a todos, a intensidade dessas mudanças e a capacidade dos indivíduos e dos grupos sociais em administrar as consequências de tais impactos são diferenciados. Ora, a gênese da distinção pode encontrar vinculação com o território em que aludidos grupos se encontram ou, ainda, com o impacto específico na dinâmica de um determinado recurso natural empregado por um grupo e não por outros. No mais, consoante Milanez e Fonseca[54], existe um fato que gera e/ou acentua o cenário de desigualdades entre grupos e classes sociais no que concerne à sua resiliência aos impactos das alterações no clima, a exemplo de condições precárias de acesso a renda e a serviços básicos de cidadania. Neste aspecto, é possível fazer uma singela análise do mapa da injustiça climática, proposto por James Samson, da McGill University, no Canadá, nos quais são apontados os efeitos das mudanças climáticas em diferentes partes do planeta, em relação ao número de pessoas atingidas.
Denota-se, a partir do mapa supramencionado, que as áreas destacadas em vermelho apresentam populações mais vulneráveis; em amarelo estão destacadas as áreas que, provavelmente, terão impactos moderados sobre seus habitantes; em azul estão representadas as áreas que serão menos afetadas com as mudanças climáticas; e em branco as áreas nas quais o autor não obteve dados ou em que não há população significante). É visível que há uma grande ironia nesse mapa, pois muitos dos países que apresentam grande vulnerabilidade são os que menos estão contribuindo para causar o aquecimento global, enquanto alguns dos grandes emissores de gases causadores do efeito estufa (GEE’s) terão impactos menores. Mais que isso, em alinho ao apresentado, os grupos sociais que se encontram em maior vulnerabilidade socioeconômica, comumente, são também mais vulneráveis a eventos tais como enchentes, secas prolongadas, falta de disponibilidade hídrica, variação na quantidade e no preço dos alimentos e variações nas dinâmicas de recursos naturais específicos. Ora, tais eventos são intensificados com o advento das mudanças climáticas e tendem a ser frequentes e agravados à medida que essas mudanças se acentuem.
“Geograficamente, é a Ásia aonde mais colidem os direitos humanos ligados à questão climática. Um exemplo disso é o crescimento da cultura de óleo de palma – usado para a alimentação e como carburante renovável – que ocupa grandes extensões de terras, pondo em risco direitos básicos da população local, como o acesso aos recursos, à água, à moradia e à vida. Neste ano, mais da metade dos assassinatos anuais de indígenas por disputa de terras ou recursos aconteceram na Ásia, segundo o Observatório de Direitos da Terra (Land Rights Watch, em inglês). Outras regiões, como os países insulares do Pacífico, vivem a ameaça de que, em 20 ou 30 anos, suas ilhas sejam completamente engolidas pelo mar. Alguns desses países, como o Kiribati, já estão comprando territórios em outras ilhas, como em Fiji, para poder deslocar suas populações. A Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, sigla em inglês), formada por 39 países em risco, exige compromissos legalmente vinculantes dos outros países em matéria de redução de emissões, assim como de compromissos de direitos humanos que definam políticas de acolhida de refugiados ambientais ou financiamentos como compensação por danos ou perdas”[55].
É imprescindível, em tal cenário, reconhecer a projeção da injustiça climática nos direitos humanos, porquanto, ao afirmar arquétipos incidentes sobre populações tradicionalmente consideradas como vulneráveis, é materializada a privação daqueles. Mais que isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) já reconheceu a íntima relação entre os direitos humanos e mudança climática vivenciada nas últimas décadas, sendo possível, portanto, ao se analisar os efeitos devastadores dessa sobre a população em situação de maior vulnerabilidade, conjugado com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive no que toca à dimensão climática, o reconhecimento de uma contemporânea cartela de direitos humanos, os quais guardariam umbilical relação com a busca pela manutenção de um ambiente harmonioso climático e a busca pela diminuição dos efeitos catastróficos experimentados na última década. Trata-se, assim, de reconhecer que a manutenção de um meio ambiente ecologicamente e climaticamente equilibrado passa a integrar o ideário de direitos de fraternidade.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES