A documentação relativa à qualificação econômico-financeira prevista no art. 31, I daLei n° 8.666/93 e o modelo contábil das ME’seEPP’s

Resumo:Descrição (resumo):Versa o presente artigo sobre a documentação relativa à qualificação econômico-financeira de empresas interessadas em participar de processos licitatórios no que tange a necessidade de apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis com registro no respectivo órgão comercial ou civil pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte visando sua habilitação.

Sumário: 1. Da exigência constante na lei n 8.666/93;2. Do previsto na lei n 123/2006 alterada pela lei complementar n 147/2014;3. Da Resolução n 1.418/2012 do Conselho Federal de Contabilidade CFC;4. Da Instrução Normativa n 107/2008 do Departamento Nacional de Registro do Comércio DNRC;5. Da necessidade do registro no respectivo órgão comercial ou civil do livro diário do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis de ME's e EPP's;

Com o escopo de esclarecer dúvidas geradas em torno da documentação relativa à qualificação econômico-financeira no que tange a necessidade de apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis com registro no respectivo órgão comercial ou civil pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, visando habilitação em procedimentos licitatórios, esta especialista elaborou o presente artigo.

Da exigência constante na lei n° 8.666/93

É fato certo e incontroverso que consta na Lei n° 8.666/93 a fase de habilitação dos licitantes, esta tem o condão de verificar se a pessoa interessada em contratar com a Administração preenche os requisitos e possui as qualificações para perfeita execução do objeto licitado. Assim, tem-se o fato de que, conforme preceitos legais, esta fase é obrigatória, ou seja, deve o município solicitar documentos conforme o objeto licitado, não podendo haver exigências desproporcionais ou desarrazoadas.

Nesse sentido temos o art. 27, inciso III da supramencionada legislação, o qual determina que, para a fase de habilitação numa licitação, deverá ser solicitada dos participantes documentação de qualificação econômico-financeira, "verbis":

“Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:(…);

III – qualificação econômico-financeira”;

A exigência da documentação referente à qualificação econômico-financeira das licitantes, no que diz respeito à apresentação de balanço patrimonial e das demonstrações contábeis, está discriminada no artigo n° 31, I da Lei n° 8.666/93, "ad litteram":

“Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;”

Assim sendo, resta claro e demonstrado a obrigatoriedade de todas as empresas, inclusive ME's e EPP's apresentarem balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social (DRE) como condição de habilitação em processos licitatórios.

No mesmo sentido é o entendimento do TCE/MT conforme Resolução de Consulta n° 20/2013, abaixo transcrita:

“RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 20/2013 – (Plenário Virtual)

Ementa: PREFEITURA MUNICIPAL DE MATUPÁ. CONSULTA. LICITAÇÃO. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS. EXIGÊNCIA OBRIGATÓRIA. EXCEÇÕES. COMPROVAÇÃO DE AUTENTICAÇÃO EM REGISTRO PÚBLICO. NECESSIDADE. SOCIEDADES OU EMPRESÁRIOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. OBRIGATORIEDADE.

1) Em regra, as exigências para qualificação econômico-financeira de licitante previstas no artigo 31 da Lei de Licitações, inclusive quanto às demonstrações contábeis, são requeridas para todos os procedimentos licitatórios. 2) Facultativamente, há a possibilidade de dispensa dos documentos previstos no artigo 31 da Lei nº 8.666/1993, no todo ou em parte, para os casos de convites, concursos, leilões e fornecimento de bens para pronta entrega, ficando excluídas desta faculdade as modalidades licitatórias tomada de preços, concorrência pública e pregão, quando não objetivarem o fornecimento de bens para pronta entrega, nos termos do artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações. 3) As sociedades empresárias, sociedades simples e empresários, enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte, devem apresentar as demonstrações contábeis para fins de habilitação em licitação promovida pela Administração Pública, nos termos do artigo 31, I, da Lei nº 8.666/1993, sob pena de inabilitação (…)” (grifei)

No entanto, como ME's e EPP's possuem tratamento preferencial e diferenciado concedido pela legislação brasileira (Lei Complementar n° 123/2006, alterada pela Lei Complementar nº 147/2014), há muitas dúvidas no tocante ao fato das demonstrações contábeis acima elencadas serem registradas no respectivo órgão ou entidade competente do comércio ou registro civil, por não haver especificamente na legislação a obrigatoriedade ou a dispensa de mencionado registro.

Do previsto na lei n° 123/2006, alterada pela lei complementar nº 147/2014

A Lei Complementar n° 123/2006, a qual instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, concedendo tratamento diferenciado às ME's e EPP's, nada mencionou sobre o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício poderem ser apresentados como documentos de qualificação econômico-financeira para fins de habilitação em processo licitatório sem registro no respectivo órgão civil ou do comércio, apenas concedeu a possibilidade de tais entidades, optantes do Simples Nacional, adotarem contabilidade simplificada, conforme segue:

“Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor”.

Assim sendo, não há previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro dispensando o registro no respectivo órgão civil ou comercial do balanço patrimonial e da demonstração do resultado do exercício.

Da Resolução n° 1.418/2012 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC)

De acordo com o previsto na Resolução n° 1.418/2012 do CFC, as ME's e EPP's devem elaborar seu balanço patrimonial, bem como a demonstração do resultado do exercício e notas explicativas ao final de cada exercício social, no entanto, se houver necessidade a entidade deve elaborar tais documentos em períodos intermediários, conforme itens 26 e 27 da supramencionada resolução, "in verbis":

“26. A entidade deve elaborar o Balanço Patrimonial, a Demonstração do Resultado e as Notas Explicativas ao final de cada exercício social. Quando houver necessidade, a entidade deve elaborá-los em períodos intermediários. 

27.A elaboração do conjunto completo das Demonstrações Contábeis, incluindo além das previstas no item 26, a Demonstração dos Fluxos de Caixa, a Demonstração do Resultado Abrangente e a Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, apesar de não serem obrigatórias para as entidades alcançadas por esta Interpretação, é estimulada pelo Conselho Federal de Contabilidade. “

Assim sendo, resta claro e demonstrado que há obrigatoriedade de ME's e EPP's elaborarem balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício ao término de cada exercício social.

Da Instrução Normativa n° 107/2008 do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC)

A Instrução Normativa n° 107/2008 DNRC prevê em seu art. 4° "caput" e § 3° que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício serão lançados no livro diário, conforme segue:

“Art. 4º No Diário serão lançados o balanço patrimonial e o de resultados, devendo:

I – no caso de livro em papel, ambos serem assinados por contabilista legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária (art. 1.184. CC/2002);

II – em se tratando de livro digital, as assinaturas digitais das pessoas acima citadas, nele lançadas, serão efetuadas utilizando-se de certificado digital, de segurança mínima tipo A3, emitido por entidade credenciada pela Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICPBrasil) e suprem as exigências do inciso anterior.

§ 1º A adoção de fichas de escrituração não dispensa o uso de livro diário para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico (Parágrafo único, art. 1.180. CC/2002), ao qual deve ser atribuído o número subsequente ao do livro diário escriturado em fichas.

§ 2º O livro não poderá ser dividido em volumes, podendo, em relação a um mesmo exercício, ser escriturado mais de um livro, observados períodos parciais e sequenciais, constantes dos respectivos Termos de Encerramento, de acordo com as necessidades do empresário ou da sociedade empresária.

§ 3º A numeração das folhas ou páginas de cada livro em papel ou microficha observará ordem sequencial única, iniciando-se pelo numeral um, incluído na sequência da escrituração o balanço patrimonial e o de resultado econômico, quando for o caso”.(grifei)

No mesmo sentido também encontramos o art. 1.184 § 2° do CC/2002, "ad litteram":

“Art. 1.184 (…)

§ 2o Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.”

Portanto, da análise dos dispositivos acima transcritos entende-se que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício devem estar inseridos no livro diário das ME's e EPP's.

Da necessidade do registro no respectivo órgão comercial ou civil do livro diário, do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis de ME'seEPP's

O Livro Diário é um livro de exigência obrigatória para a escrituração comercial e contábil das empresas e, seu registro em órgão competente é condição legal e fiscal como elemento de prova. A exigência legal do Livro Diário está prevista na Lei nº 10.406/02 (CC/2002), tanto para a sua escrituração quanto para sua autenticação e registro em órgão competente.

Portanto, conforme o Código Civil atualmente vigente no país o livro diário é indispensável e obrigatório para todos os tipos de entidades comerciais, inclusive ME's e EPP's, podendo ser substituído por fichas no caso de escrituração mecânica ou eletrônica.

No entanto, essa possível substituição por fichas não dispensa a escrituração no livro diário apropriado para lançamento do balanço patrimonial e demonstrativo do resultado do exercício, de acordo com o disposto no art. 1.180, parágrafo único do CC/2002, conforme segue:

“Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.

Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico”.

Os livros obrigatórios, como é o caso do livro diário, antes de colocados em uso devem estar autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme prevê o art. n° 1.181 do CC/2002, abaixo transcrito:

“Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis”.

Portanto, conforme disposição legal, é obrigatório o registro público de empresas mercantis no respectivo órgão, inclusive de ME's e EPP's. Tal registro deve ser efetuado na Junta Comercial do respectivo Estado sede da entidade, como determina o art. 3°, II da Lei n° 8.934/94, "verbis":

“Art. 3º Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme, harmônica e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (Sinrem), composto pelos seguintes órgãos:(…);

II – as Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro”.

No mesmo sentido, temos a Resolução de Consulta n° 20/2013 do TCE/MT, onde consta que, apesar de não haver no ordenamento jurídico brasileiro obrigatoriedade de registro de balanço patrimonial e demonstrativo do resultado do exercício para ME's e EPP's, existe obrigatoriedade de registro para o livro diário de todas as entidades comerciais.

Assim, tendo em vista que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício devem estar inseridos no livro diário, entende-se que ambos devem estar autenticados, conforme segue:

“RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 20/2013 – (Plenário Virtual) Ementa: PREFEITURA MUNICIPAL DE MATUPÁ. CONSULTA. LICITAÇÃO. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS. EXIGÊNCIA OBRIGATÓRIA. EXCEÇÕES. COMPROVAÇÃO DE AUTENTICAÇÃO EM REGISTRO PÚBLICO. NECESSIDADE. SOCIEDADES OU EMPRESÁRIOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. OBRIGATORIEDADE.(…)

4) não há exigência para o arquivo ou autenticação direta das demonstrações contábeis nas juntas comerciais ou órgão de registro civil, contudo, as mesmas devem estar inseridas nos respectivos livros diários, sendo que estes livros sim é que devem ser levados à registro, o que leva, também, à autenticação indireta das demonstrações contábeis. Assim, as demonstrações contábeis apresentadas para efeito de qualificação econômico-financeira em licitações (artigo 31, I, da Lei nº 8.666/93) devem estar autenticadas pelo respectivo órgão de registro no comércio ou registro civil, conforme o caso, nos termos dos artigos 1.150, 1.180, 1.181 e 1.184 do CCB/2002, artigos 2º e 4º da Instrução Normativa nº 107/2008 do DNRC e Resolução nº 1.330/2011;” (grifei)

Portanto, após todo o exposto, com base na vasta legislação analisada, temos o fato de que deve ser solicitado em processos licitatórios como documento relativo à qualificação econômico-financeira de ME's e EPP's, o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado de exercício devidamente registrado no respectivo órgão comercial ou civil conforme determina a Resolução de Consulta n° 20/2013 do TCE/MT.

Fazem parte deste parecer os Anexos I e II onde constam modelos de balanço patrimonial e de demonstrativo do resultado do exercício, especificando os dados mínimos que devem ser inseridos na documentação apresentada pelas ME's e EPP's a título de habilitação em processo licitatório, de acordo com a contabilidade simplificada atribuída a essas entidades e conforme Resolução n° 1.418/2012 do CFC.

Referências
1. Lei 8666 de 1993. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm. Data de acesso 03.fev.2016.
2. Lei 123 de 2006. Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm. Data de acesso 03.fev.2016.
3. Resolução 1.418 de 2012 do Conselho Federal de Contabilidade. Disponível em http://www.manualdocontador.com.br/uploads/58RES_CFC_1418_2012.pdf. Data de acesso 03.fev.2016.
4. Instrução Normativa 107 de 2008. Disponível em http://www.normaslegais.com.br/legislacao/indnrc107_2008.htm. Data de acesso 02.fev.2016.
5. Mato Grosso. Tribunal de Contas do Estado. Consolidação de entendimentos técnicos: súmulas e prejulgados. 6ª ed. – Cuiabá: Publicontas, 2014.
6. Código Civil Brasileiro. Lei 10.406 de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Data de acesso 03.fev.2016.
ANEXO II
DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO
em 31.12.x1 e 31.12.x0
Expresso em R$
 
 
31.12.x1
31.12.x0
VENDAS DE PRODUTOS, MERCADORIAS E SERVIÇOS
 
 
Vendas de Produtos, Mercadorias e Serviços
 
 
(-) Deduções de Tributos, Abatimentos e Devoluções
 
 
 
 
 
= RECEITA
 
 
 
 
 
(-) CUSTO DAS VENDAS
 
 
Custo dos Produtos, Mercadorias e Serviços
 
 
 
 
 
= LUCRO BRUTO
 
 
 
 
 
 (-) DESPESAS OPERACIONAIS
 
 
Despesas Administrativas
 
 
Despesas com Vendas
 
 
Outras Despesas Gerais
 
 
 
 
 
= RESULTADO OPERACIONAL ANTES DO RESULTADO FINANCEIRO
 
 
 
 
 
(+/-) RESULTADO FINANCEIRO
 
 
Receitas Financeiras
 
 
(-) Despesas Financeiras
 
 
 
 
 
(+/-) OUTRAS RECEITAS E DESPESAS OPERACIONAIS
 
 
 
 
 
= RESULTADO ANTES DAS DESPESAS COM TRIBUTOS SOBRE O LUCRO
 
 
(-) Despesa com Contribuição Social (*)
 
 
(-) Despesa com Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (*)
 
 
 
 
 
= RESULTADO LÍQUIDO DO PERÍODO
 
 
 
(*) As entidades que estão enquadradas no Simples Nacional devem evidenciar os tributos na linha “Deduções de Tributos, Abatimentos e Devoluções”. Neste caso, devem desconsiderar essas contas.

Informações Sobre o Autor

Camila Salete Jacobsen

Auditora. Especialista em Direito Público. Bacharel em Direito e Ciências Contábeis


logo Âmbito Jurídico