Resumo: O presente artigo objetiva revelar que a impronúncia, decisão interlocutória terminativa proferida na primeira fase do rito do tribunal do júri, que afasta em caráter provisório a competência do Conselho de Sentença para julgamento do caso penal apresenta contradições à ordem constitucional que assegura a máxima efetividade dos direitos fundamentais. O trabalho demonstra que a decisão viola princípios de garantia do indivíduo no processo penal, como o estado de inocência, a vedação do ‘bis in idem’, vedação de julgamento em prazos desarrazoados além de ferir a segurança jurídica da coisa julgada, Por fim se demonstra a necessidade de reconhecimento de sua inconstitucionalidade apresentando solução jurídica mais adequada para a hipótese de reconhecimento da dúvida na fase dojudicium accusationis.
Palavras-chave: Tribunal do Júri; Garantias Constitucionais; Inconstitucionalidade; Impronúncia
Abstract: This article aims at proving that the dismissal, terminative interlocutory decision rendered in the first phase of the rite of the jury, which departs on an interim basis the competence of the Council of Judgment for trial of criminal case, presents contradictions to constitutional order that ensures maximum effectiveness of fundamental rights. The study demonstrates that the decision violates the principles of guarantee of the individual in criminal proceedings, as the state of innocence, the sealing of 'bis in idem', sealing of judgment in expired term, besides violating the legal security of res judicata. Finally, it shows the need for recognition of its unconstitutionality presenting a more adequate legal remedy in the event of doubt on the recognition phase of accusationis judicium.
Keywords: Jury; constitutional guarantees; unconstitutionality; dismissal
Sumário: Introdução. 1. O rito do tribunal do júri. 2. A natureza das decisões proferidas na primeira fase. 2.1. A Pronúncia. 2.2. A absolvição sumária. 2.3. A desclassificação. 2.4. A impronúncia. 3. A problematização da decisão de impronúncia. 4. As violações constitucionais decorrentes da impronúncia. 4.1. O estado de inocência e a segurança jurídica da coisa julgada.4.2. O prazo razoável de duração do processo. 4.3. Princípio da vedação do bis in idem e da revisão pro societate. 4.4. A sistemática recursal como indicativa de nova concepção da impronúncia. 4.5. O emprego da analogia e a absolvição plena. Considerações finais. Referências.
Introdução
Passado mais de setenta anos, elaborado sob a influência dos regimes totalitários da Europa e com vocação ditatorial pelo momento histórico que foi produzido no Brasil o Código de Processo Penal de 1941 ainda vige sistematicamente em texto e cultura, não obstante algumas reformas pontuais, como aconteceu com a modificação dos ritos e das provas em 2008 e mais recentemente no capítulo referente as medidas cautelares pessoais em 2011.
Não obstante as modificações legislativas ocorridas com escopo de adequação do texto processual a nova ordem constitucional, é certo que culturalmente uma parcela considerável dos operadores do direito não se desataram das amarras culturais do período da ditadura, onde a liberdade era a exceção e o princípio prevalente era da presunção de culpa no processo, com as características do clássico modelo inquisitivo.
O presente artigo faz um recorte do rito estabelecido para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, para demonstrar que em sua primeira fase, rubricada, admissibilidade da acusação, mantém-se vigente resquício de um processo punitivista, porque contrariando todo discurso constitucional de um processo penal de garantias, que prima pela dignidade e liberdade humana, máxima efetividade dos direitos fundamentais, reconhece como garantia o reconhecimento do estado de inocência, herança esta denominada de impronúncia.
O texto revelará que a decisão de impronúncia afronta direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal no processo penal, a saber, o estado de inocência, a segurança jurídica da coisa julgada, a vedação do bis in ideme o julgamento dentro do prazo razoável.
Os fundamentos apresentados revelarão a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da decisão, bem como se apresenta a hipótese mais adequada para solução do caso penal em substituição a impronúncia, até que o legislador defina de forma diversa.
1-O rito do tribunal do júri
A referência histórica do Tribunal do Júri e a fase preparatória bem como o julgamento em plenário não serão objeto de abordagem no presente trabalho, delimitado à primeira fase do julgamento do rito estabelecido para os crimes dolosos contra a vida, o juízo de admissibilidade da acusação, também alcunhado de sumário de culpa, em especial a decisão de impronúncia.
Para proporcionaro questionamento acerca da impronúncia, necessário se faz interpretar a legislação infraconstitucional, colmatando-a aos direitos e garantias fundamentais preconizados na Constituição da República cujos postulados são extraídos dos seus princípios reitores, submetendo o texto ao processo de filtragem constitucional, que irá determinar a validade daquela norma, considerando que a instituição Tribunal do Júri afigura-se como garantia fundamental do indivíduo a teor do artigo 5º, XXXVIII da Constituição da República.
A Lei nº 11.689/2008, que alterou a antiga redação do Decreto-Lei nº 3.689/1941,deu nova nuance ritualística ao Júri no processo bifásico, no entanto, na primeira fase, pode-se afirmar que a modificação apenas cingiu-se a permitir uma dinâmica que pudesse imprimir maior celeridade ao processo em sua primeira fase, consoante se verifica do disposto no art. 412 do CPP[1].
O rito bifásico escalonado delimita a primeira fase (judicium accusationis) a uma instrução preliminar, quando então o juiz proferindo decisão (mérito ou interlocutória)admitirá ou não a acusação e a competência do Conselho de Sentença para apreciação do caso penal, podendo pronunciar, impronunciar, desclassificar o delito (tecnicamente reconhecimento de incompetência), ou ainda absolver sumariamente o acusado.
As decisões que encerram essa fase de admissibilidade da acusação foram mantidas com redações inalteradas em relação ao texto de 1941, não obstante as severas críticas da literatura quanto àsistemática então adotada.
A Seção II, que trata das decisões proferidas pelo juiz singular, manteve a pronúncia (art. 413 CPP) como juízo de admissibilidade positiva da acusação, a impronúncia (art. 414 CPP), como um juízo negativo provisório, a absolvição sumária (art. 415 CPP), como decisão definitiva de mérito e, por fim, a desclassificação (art. 419) como hipótese de reconhecimento de incompetência do juízo.
2-A natureza das decisões proferidas na primeira fase
2.1 A Pronúncia
Determina o artigo 413 do Código de Processo Penal[2] que o juiz pronunciará o acusado quando convencido da existência de materialidade delitiva indícios suficientes de autoria e participação. A decisão por sua natureza revela-se interlocutória declaratória não terminativa, eis que encerrando a primeira fase do julgamento reconhece a competência do Conselho de Sentença para julgamento do indivíduo e do caso penal.
A decisão na forma contida na reforma de 2008, não passou imune às críticas, focadas em especial ao fato de atribuir ao magistrado instrutor na primeira fase os limites da acusação em plenário, por força da supressão do libelo-crime acusatório,por violar o princípio acusatório implicitamente contido na Constituição.
Incumbe-se ao juizo dever de fundamentar sua decisão por força da norma contida no artigo 93 IX da CR, restringindo a sutil e não valorativa declaração de reconhecimento de materialidade e indícios de autoria apta a declarar a competência do Conselho de Sentença.
Ainda que a decisão tenha por finalidade declarar a submissão do acusado por crime doloso contra vida e conexos a julgamento em plenário, é certo que a decisão também funciona como um freio que se coloca a disposição do indivíduo contra a sanha acusatória do Ministério Público (RANGEL, 2012, p.148).
O filtro valorativo que deve pautar apronúncia destina-se evitar hipóteses de julgamentos em plenário sem o mínimo de respaldo probatório, sendo que a decisão deve ser interpretada de forma a elevá-laà real garantia, eis que esta não poderá expor o acusado ao risco infundado de ser condenado por juízes leigos (SILVA, 2010, p. 62).
2.2 A absolvição sumária
Consoante rol estabelecido no artigo 415 do Código de Processo Penal[3], é lícito ao juiz proferir sentença absolutória de mérito quando reconhecer a incidência de uma das hipóteses contempladas no dispositivo legal. Referida decisão veda a possibilidade de submissão do acusado, reconhecidamente inocente, ao risco do julgamento pelo Conselho de Sentença, quando restar provadade forma manifesta e induvidosa a inexistência do fato ou da autoria, ou nas situações também manifestas de excludentes, de ilicitude e culpabilidade.
Vicente Greco Filho (2012, p.441)assinala que os tribunais somente admitem a absolvição sumária quando restaremmanifesta as excludentes, sob ofundamento de que, sendo o conselho de sentença o juiz natural da causapara julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não deveria o juiz subtrair o processo desse se restasse dúvida sobre as excludentes.
Sob esse argumento estar-se-ia por legitimar a aplicação do princípio do ‘in dubio pro societate’ nesta fase do julgamento, em detrimento do princípio do juiz natural da causa, o que não se considera a melhor decisão por falta de respaldo de um mandamento legal que autorize que a dúvida não se resolva de forma favorável ao indivíduo.
O Conselho de Sentença somente será considerado competente, com dúvida resolvida em favor do indivíduo, após a submissão do feito ao filtro realizado pelo juiz togado na primeira fase do rito, de forma a evitar um julgamento em plenário que coloque em risco injustificado a liberdade do indivíduo.
Aury Lopes Júnior (2012, p.1012) afirma que o inventado princípio do ‘in dubio pro societate’ não encontra qualquer fundamento na ordem democrática, violando seu reconhecimento a garantia constitucional do estado de inocência, que possui como vertente o ‘in dubio pro reo’.Ressalta, ainda, que por trás deste discurso a incidência da absolvição sumária passa a ser excepcional, acabando por enviar a imensa maioria dos casos a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Deve-se resolver a causa penal com aplicação do princípio do estado de inocência, funcionando a absolvição sumária como instrumento de garantia, um filtro processual na primeira fase, evitando julgamentos em plenário quando a prova autorizar outra medida (LOPES JR., 2012p. 1013). Estando o juiz convencido da excludente, e não precisa ser, induvidosamente, submeter o indivíduo a júri popular seria colocar em risco seu direito de liberdade (GRECO FILHO, 2012 441).
Considere-se, ainda, que o Tribunal do Júri é competente para julgar um crime doloso contra a vida. Quando o juiz da primeira fase reconhece, indene de dúvidas, uma excludente de crime, não há, enfim, o que remeter ao plenário. Vale lembrar que o juiz singular também é o juiz natural da causa nesta fase, não revelando qualquer inconstitucionalidade a decisão que subtrai o julgamento de plenário sob a fundamentação de violação a tal princípio.
2.3 A desclassificação
Prevista no artigo 419 do Código de Processo Penal[4]sua natureza é de decisão desclassificatória própria, com o reconhecimento de que o caso penal posto a julgamento é de competência do juiz singular, e não do Tribunal do Júri, remetendo-se os autos àquele. A desclassificação operada na primeira fase do julgamento, vez que pode acontecer também em plenário, isto é, na fase da admissibilidade, desnatura o crime doloso contra a vida, dando nova ou verdadeira feição ao fato-crime (RANGEL, 2012 p. 177).
2.4 A impronúncia
Conforme definição contida no artigo 414 do Código de Processo Penal[5], representa a impronúncia decisão acerca da inadmissibilidade da acusação na primeira fase do rito do Tribunal do Júri, quando o juiz não está convencido da materialidade do fato e/ou da autoria delitiva, sendo sua natureza de tratar-se de decisão interlocutória terminativa.
Nesta decisão o juiz conclui que não há provas da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação para levar o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri. Neste sentido, pode-se dizer que a impronúncia é uma decisão que extingue o processo, sem julgamento de mérito, sem possibilidade de reexame no mesmo grau (FEITOZA, 2008 p.852).
A decisão na forma idealizada pelo legislador reveste-se de uma única finalidade, apenas de não conduzir o acusado a julgamento pelo Conselho de Sentença em hipóteses de dúvida, não afastando a responsabilidade criminalimputada ao indivíduo, pela possibilidade de renovação do processo penal na hipótese de descoberta de novas provas. A impronúncia tem mera natureza declaratória, denominada em função de seu conteúdo não definitivo,equivocadamente de absolvição tãosomente de instância.
3-A problematização da decisão de impronúncia.
A indefinição quanto à posição jurídica do acusado, após a preclusão da impronúncia, revela a possibilidade de afirmação de violação à ordem constitucional. Isto porque,mesmo submetido o fato a julgamento e a uma decisão judicial,paira sobre o impronunciado situação de total incerteza e insegurança jurídica na medida em que a descoberta denovas provas permite a propositura de nova ação, com oferecimento de nova denúncia sobre o mesmo fato, o que revela flagrante violação a direito fundamental do indivíduo no processo penal, aqui especificamente a de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato. A vedação do ‘bis in idem’ é garantia processual fundamental.
A decisão de impronúncia acaba por encerrar o processo sem, contudo absolver ou pronunciar, ausência de prestação jurisdicional plena, vez que o caso penal não resta resolvido, mantendo o indivíduo em uma pendência processual mesmo submetido a um devido processo e julgamento, no qual se reconheceu ausência de elementos indiciários de autoria e/ou materialidade, hipótese em que o resultado final deveria corresponder a absolvição, como ocorre nos demais ritos.
A impronúncia acaba encerrando o processo sem julgamento do mérito, não havendo produção de coisa julgada material, eis que o processo pode ser reaberto a qualquer tempo. A decisão acaba não resolvendo a situação do indivíduo, remanescendo um estado de pendência, pois o indivíduo mesmo diante de uma decisão exarada por juiz competente,não está absolvido e nem condenado,podendo, ainda, ser processado enquanto não ocorrer a prescrição do crime ou outra causa extintiva de punibilidade (LOPES JR. 2012).
O fundamento de que a impronúncia revela-se necessária, pela impossibilidade de subtrair o julgamento do Conselho de Sentença, é frágil, na medida em que a hipótese de absolvição sumária permite isso, e como já dito, na fase da formação da culpa o magistrado sentenciante também é o juiz natural competente no processo, restando assim refutado qualquer argumento justificador de sua manutenção na atual ordem democrática.
O argumento de que a dúvida deve prevalecer em favor da sociedade porque se está abstraindo o juiz natural da causa também é frágil e inconsistente, porque não há respaldo jurídico que a sustente na atual ordem democrática. A dúvida no processo deve sempre ser resolvida em favor do indivíduo, garantindo seu estado de inocência, situação que a impronúncia não faz. Estando o Tribunal do Júri entre as garantias fundamentais do indivíduo, com a prevalência de todos os princípios de proteção a este inerente não há justificativa de se reconhecer nesta fase um ‘princípio do in dubio pro societate’.
O ônus da prova atribuído exclusivamente ao acusador também na primeira fase do rito do Tribunal do Júri é corolário do princípio do estado de inocência, pelo qual se assegura o assento constitucional do princípio do ‘in dubio pro reo’, não mais podendo admitir-se construções teóricas que autorizem o reconhecimento de postulado diverso com objetivo de manter amarras do indviduo com o Estado, com risco de submissão a um julgamento temerário em plenário [baseado em convicção íntima, secreta e soberana].
Falhando-se o propósito acusatório, outra solução não se admite do que o reconhecimento do ‘in dubio pro reo’, cuja aplicação é a de manutenção da higidez da inocência, cuja impronúncia não realiza. O indivíduo no processo, com a impronúncia, não é acusado, condenado ou inocente. É, talvez, um culpado em potencial que o Estado repressor tentará colocar no banco dos réus.
Aury Lopes Jr, sobre isso,afirma que:
“Ao não decidir nada em favor do réu, a impronúncia gera um estado de pendência, de incerteza e insegurança pessoal. O processo pode ser a qualquer momento reaberto, desde que exista prova nova. A situação somente é definitivamente resolvida quando houver a extinção da punibilidade, ou seja, a prescrição pela maior pena em abstrato, o que pode representar 20 anos de espera.” (LOPES JR, 2012 p. 288)
Na verdade, a manutenção da decisão no ordenamento revela o ranço do processo inquisitivo, mantendo-se o indivíduo à disposição do Judiciário para que possa vir a ser punido a qualquer momento se e quando encontradas novas provas. A incerteza e insegurança processual são os grandes inconvenientes da decisão, eis que proferida não revela que o acusado esteja absolvido, pois em que pese não ser submetido ao tribunal do júri, não está completamente livre da imputação (LOPES JR. 2012).
Consoante adverte Paulo Rangel, a decisão de impronúncia é um nada, eis que a situação jurídica do acusado não é de condenado nem de inocente. Afigura-se um stand by processual, vez que mesmo com uma decisão favorável, assentada na dúvida, o indivíduo permanece sentado no banco de reservas aguardando o aparecimento de novas provas ou o decreto extintivo de punibilidade (RANGEL, 2014).
Bem sabido que o nosso processo penal hodierno de cultura inquisitiva – não obstante os nortes constitucionais há muito indicarem o contrário -, vem revelando grau pleno/máximo de normatividade,em detrimento de normas constitucionais também de eficácia plena, num absurdo tal a permitir que juízes venham negando o reconhecimento de direitos fundamentais nos casos penais, invocando a aplicação da letra fria da legislação infraconstitucional.
Não pode ser debilitada a certeza do vínculo entre processo e Constituição, estipulada em uma medida exclusivamente formal, mas como consciente tomada de posição, pelos profissionais operadores do direito, sobre a importância de aplicar e impor as regras processuais tendo em vista o fio condutor dos direitos fundamentais (PRADO, 2005).
Geraldo Pradoobserva a prática quotidiana:
“Os Códigos são visíveis! E apagam os princípios constitucionais do processo penal, pois a mera existência das regras codificadas, apesar de inconstitucionais, ocultam os princípios e sugerem argumento de autoridade que, descontextualizado, parece empurrar contra a parede quem defenda ponto de vista contrário: a legalidade.”(PRADO, 2005, p. 9)
Retomando ao ponto nevrálgico. A justificativa apresentada pelo legislador, mantendo-se a figura da impronúncia na reforma de 2008, tal qual a redação constante na legislação de 1941, cujos argumentos são reproduzidos pelos magistrados, é de que prolação de decisão diferente da impronúncia na fase de admissibilidade da acusação acabaria por subtrair a competência do Conselho de Sentença para julgamento do caso penal.
Ora se o próprio legislador prevê a absolvição sumária na primeira fase do procedimento, quando o juiz reconhecer pela prova produzida no processo, hipótese de afastamento da competência de julgamento do caso penal pelo Conselho de Sentença, ante a temerária submissão do acusado a julgamento em plenário, restam refutados os argumentos que sustentam a necessidade da decisão de impronúncia.
De tal forma o juiz instrutor no momento em que absolve sumariamente o indivíduo com base em um dos fundamentos constantes nos incisos do artigo 415 do CPP, de fato analisa o mérito mediante a ponderação do quantum de conteúdo de prova lançado restando subtraída a competência do Tribunal do Júri.
O modelo legal idealizado, sob a justificativa de impossibilidade de afastar o julgamento pelo juiz natural da causa – o Conselho de Sentença – em hipóteses de dúvidas reconhecidas sobre a autoria, e/ou ausência de prova da materialidade, ao final da primeira fase do julgamento escalonado, afrontam os valores que informam toda Constituição Federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana e seu direito fundamental à liberdade plena.
Eugenio Pacelli de Oliveira (2014),em alusão ao debate, propõeacabar com a decisão de impronúncia sob o fundamento da ausência de provas, remetendo o processo ao Tribunal do Júri em tais situações. Ou,então, que não seja admitida a absolvição sumária, eis que ambas as decisões acabam por afastar a competência do Tribunal do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Aury Lopes Jr (2012)afirma as razões pelas quais entende ser inconstitucional a impronúncia:
“Trata-se de uma decisão substancialmente inconstitucional e que viola, quando de sua aplicação, a presunção de inocência. Se não há prova suficiente da existência do fato e/ou da autoria, para autorizar a pronúncia (e, recorde-se, nesse momento processual, vigora a presunção de inocência e o in dubio pro reo), a decisão deveria ser absolutória.” (LOPES JR., 2012 p. 288)
Da mesma forma, Paulo Rangelé categórico quanto à questão da inconstitucionalidade, por entender que a impronúncia mantém o acusado em um banco de reservas aguardando que alguém produza nova prova do fato, antes de extinta a punibilidade como autoriza o artigo 414, parágrafo único do Código de Processo Penal, acarretando insegurança jurídica pela manutenção de um processo em estado latente:
“Trata-se de decisão inconstitucional, que não dá ao acusado a certeza de que o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública e do ônus da prova, falecendo no seu mister, pedirá a absolvição. Até porque o princípio da presunção de inocência (para nós, princípio da inversão do ônus da prova) informa essa fase processual. Se o réu é inocente e não se achou indícios suficientes de que é o autor do fato que lhe foi imputado, não faz sentido ser impronunciado e ficar aguardando, para sua (in) segurança, a extinção da punibilidade. Inclusive porque o legitimado poderá ir para o cível promover a competente ação civil de ressarcimento de danos.” (RANGEL, 2014 p.594).
Na exata medida em que a Constituição opta pela tutela dos direitos fundamentais e sua máxima efetividade e proteção, a estrutura processual penal há ser aplicada com observância do modo pelo qual é possível harmonizarem-se todos os direitos e garantias, entre elas a do processo e da segurança (PRADO, 2005).
4-As violações constitucionais decorrentes da impronúncia
4.1 O estado de inocência e a segurança jurídica da coisa julgada.
A decisão de impronúncia, proferida após submissão do acusado a um autêntico julgamento na primeira fase do procedimento, ainda que sob a rubricade admissibilidade da acusação, afeta substancialmente o estado de inocência e o pleno direito de liberdade, constitucionalmente assegurada pelo princípio da não culpabilidade.A concretização jurídicade inocente, de fato, impõe inúmeras consequências, a começar pelo esvaziamento de uma antiquíssima regra processual penal, relativa sobretudo à questão probatória, a saber, a do ‘in dubio pro reo’.
Ora, se a inocência institui-se como direito subjetivo,toda e qualquer flexibilização desse direito haverá de partir da afirmação de uma certeza judicial; primeiro, somente quando a restrição estiver prevista em lei, e, segundo, quando, além de prevista em lei, a decisão judicial restritiva puder assentar-se em fundamentação igualmente constitucional, de tal modo que a aplicação do Direito não se resuma ao mero juízo de subsunção de um fato à norma (OLIVEIRA, 2014).
Ressalte-se que a decisão de impronúncia macula a vida pregressa do acusado, eis que a certidão de seus antecedentes atestará a existência da decisão interlocutória, enquanto não extinta a punibilidade, restando ao imputado aguardar o final da cerimônia fúnebre que representa o processo penal (RANGEL, 2007).
O parágrafo único do artigo 414 do Código de Processo Penal permite a reformulação de nova acusação, condicionada à existência de novas provas, consideradas estas como descobertas após a preclusão da decisão de impronúncia, admitindo-se excepcionalmente provas que já existiam, mas que por alguma razão não formaram o acervo no primeiro julgamento.
Ao reconhecer essa possibilidade, resta evidente que a decisão não faz coisa julgada material, mantendo-se o indivíduo vinculado a uma eventual nova pretensão acusatória, até que de alguma forma aperfeiçoe-se alguma hipótese extintiva de punibilidade, de regra, que se opere a prescrição punitiva.A ideia de que a decisão de impronúncia importa em absolvição de instância é falaciosa, porque o acusado permanece preso às amarras do processo.
Paulo Rangelnesse sentido nega vigência à norma:
“No Estado Democrático do Direito não se pode admitir que se coloque o indivíduo no banco dos réus, não se encontre o menor indício de que ele praticou o fato e mesmo assim fique sentado, agora, no banco de reserva, aguardando ou novas provas ou a extinção da punibilidade, como se ele é quem tivesse que provar sua inocência, ou melhor, como se o tempo é que fosse lhe dar a paz e a tranquilidade necessárias. A decisão de impronúncia não é nada. O indivíduo não está nem absolvido nem condenado, e pior: nem vai a júri. Se solicitar sua folha de antecedentes, consta o processo que está encerrado pela impronúncia, mas sem julgamento de mérito. Se precisar de folha de antecedentes criminais sem anotações, não o terá; não obstante Estado dizer que não há os menores indícios de que ele seja o autor do fato, mas não o absolveu.” (RANGEL, 2007 p.104-105).
Como o rito da primeira fase do Tribunal do Júri estabelece uma completa instrução probatória, tanto que permite ao seu final que o juiz absolva sumariamente ao acusado, mesmo destino mereceria a decisão que não reconhecesse a existência de elementos aptos a remeter o processo a plenário, porque concluída estaria a atividade jurisdicional deflagrando a segurança da coisa julgada.
Paulo Rangel (2014) reafirma aqui também a duvidosa constitucionalidade da impronúncia por não assegurar ao acusado a certeza de que falhando o Ministério Público na sua empreitada acusatória restará absolvido, eis que também na primeira fase do Rito, remanesce a garantia do estado de inocência.
A segurança jurídica da coisa julgada é garantia fundamental, sem a qual a jurisdição nunca assegurará em definitivo a eficácia concreta dos direitos do cidadão, sendo sem sentido admitir o direito de acesso à justiça, sem dar ao indivíduo o direito de ver seu conflito solucionado definitivamente (GRECO, 2006).
A decisão de impronúncia não assegura a segurança jurídica da coisa julgada, por força do parágrafo único do artigo 414 do CPP, operando a decisão simples preclusão temporal. Se o indivíduo constitucionalmente é inocente, e não se revelarem indícios suficientes de que é o autor do fato que lhe é imputado, não faz sentido ser impronunciado e ficar aguardando, para sua (in)segurança, a extinção da punibilidade (RANGEL, 2014).
Por força das garantias constitucionais não pode o indivíduo permanecer no aguardo de alguma causa extintiva de punibilidade, a merecer destaque o longo tempo da prescrição dos crimes dolosos contra a vida, para então desvencilhar-se do processo criminal.
A prevalecer as garantias, encerrado o juízo de admissibilidade da acusação na primeira fase procedimental, ou se pronuncia, porque reconhecidos os elementos para levar o julgamento a plenário ou afasta-se qualquer responsabilidade criminal do indivíduo, fato somente possível com o decreto absolutório.
4.2 O prazo razoável de duração do processo
Um direito fundamental, inserido pela Emenda Constitucional nº 45, previsto no art. 5 LXXVII da Constituição da República, assegura o julgamento do processo dentro de um prazo razoável, na linha preconizada pelo Pacto de São José da Costa Rica no seu artigo 8º, 1, do qual o Brasil é signatário[6].
Referida garantia fundamental insere-se no cenário do direito processual de modo a coibir prática de excessos evitando o encarceramento cautelar e a prorrogação de processos incluindo investigações com dilações temporais irrazoáveis, injustificadas e desproporcionais.
Como afirma Gilmar Mendes, o princípio em apreço “proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.”(MENDES in LEITE, SARLET, 2009 p. 382).
Assegura como obstáculo a delonga na finalização do processo condenatório com indevida passagem de tempo à consecução de sua finalidade, a de por fim à relação jurídica, eis que o imputado tem o direito a solução do conflito pelo órgão jurisdicional competente (TUCCI, 2009).
Embora a legislação informe um prazo para o fim da instrução processual, tanto no rito comum, assim como no rito do júri, é possível afirmar a existência de um não prazo frente a inexistência de sanção processual por descumprimento dos prazos fixados em lei, a prevalecer assim o critério da razoabilidade.
Adverte Aury Lopes Jr:
“Não só o poder de acusar está condicionado no tempo, senão também que o réu tem o direito de ver seu caso julgado. A situação de incerteza prolonga a pena-processo por um período de tempo absurdamente dilatado (como será o da prescrição da pena em abstrato nesses crimes), deixando o réu a disposição do Estado, em uma situação de eterna angústia e grave estigmatização social e jurídica. Retorna à lógica inquisitorial, a extinção da punibilidade tampouco resolve o grave problema criado, não só porque constitui uma absurda (de) mora jurisdicional, mas também porque não o absolve plenamente. Significa apenas que “o réu foi suficientemente torturado e nada se conseguiu provar contra ele”, no mais puro estilo do Directorium Inquisitorium.”.(LOPES JR, 2012 p. 289).
Considerando as graves consequências, psicológicas, sociais, processuais e pecuniárias do processo, imperiosa a agilização do procedimento, a fim de que elas se minimizem pela conclusão dentro de um prazo razoável (MENDES, 2009), restabelecendo por completo o estado de inocência afetado pela persecução penal.
Como assevera Gilmar Mendes:
“O direito à razoável duração do processo, a despeito de sua complexa implementação, pode ter efeitos imediatos sobre situações individuais, impondo o relaxamento da prisão cautelar que tenha ultrapassado determinado prazo, legitimando a adoção de medidas antecipatórias, ou até o reconhecimento da consolidação de uma dada situação com fundamento na segurança jurídica.” (MENDES in LEITE,SALES, 2009 p. 382-383).
Sugere-se a título exemplificativo a situação de um indivíduo acusado de homicídio simples sendo impronunciado. Pela regra estabelecida pelo Parágrafo Único do art. 414 do Código de Processo Penal, o Estado poderia investigar e renovar a acusação enquanto não operada qualquer causa extintiva de punibilidade.
Entre as causas elencadas no artigo 107 do Código Penal, ter-se-ia como passível de aplicabilidade a prescrição da pretensão punitiva, que na hipótese ocorreria em 16 (dezesseis) anos, em um homicídio qualificado, na mesma situação, a insegurança jurídica chegaria a 20 (vinte) anos, segundo o que dispões o artigo 109 do diploma legal citado.
Nas palavras de Rogério Lauria Tucci:
“Afigura-se, com efeito, de todo inaceitável a delonga na finalização do processo de conhecimento (especialmente o de caráter condenatório) com a ultrapassagem de tempo necessário à consecução de sua finalidade, qual seja, a da definição da relação jurídica estabelecida entre o ser humano, membro da comunidade, enredado na persecutio criminis, e o Estado: o imputado tem, realmente, direito ao pronto solucionamento do conflito de interesse de alta relevância social que os respectivos autos retratam, pelo órgão jurisdicional competente.” (TUCCI, 2009 p. 209)
Impassível de dúvida que a submissão do indivíduo a este longo tempo de espera, pairando sobre sua cabeça a “Espada de Dâmocles[7]”, fere a garantia constitucional de um julgamento nos limites de razoabilidade temporal.É na consolidação da situação de incerteza e instabilidade jurídica da decisão de impronúncia que se reputa a mesma contrária à ordem constitucional por violação também da garantia de julgamento do processo dentro de um prazo razoável.
Por consequência da violação constitucional de uma garantia fundamental, duração do processo em prazo razoável, tem-se também por esse viés que a impronúncia é inconstitucional eis que estende a incerteza do julgamento e por conseguinte a insegurança jurídica que não pode pairar sobre o indivíduo acusado penalmente, em prazo desarrazoado.
4.3 Princípio da vedação do bis in idem e da revisão pro societate
O parágrafo único do art. 414 do Código de Processo Penalcontempla permissivo legal, para que o indivíduo impronunciado seja submetido a nova ação. Se subsistente a regra citada, o indivíduo fica a mercê de ser submetido a julgamento duas vezes pelo mesmo fato, evidenciada a existência de novas provas, conhecidas após o primeiro julgamento. Sendo a decisão de impronúncia uma decisão de caráter definitivo, não se poderia permitir a renovação da acusação, por incorrer em autêntico ‘bis in idem’, obstáculo garantido pela garantia da coisa julgada.
Nas palavras de Eugenio Pacelli de Oliveira:
“Acontece que não nos parece possível distinguir uma decisão judicial, ou mais que isso, os seus efeitos, a partir unicamente da menor ou maior qualidade da atuação desenvolvida pelas partes na fase instrutória. Por que razão, então, permite-se a absolvição do réu, quando não houver prova de ter ele concorrido para a infração penal (art. 386, IV, CPP), pelo juiz singular em todos os demais procedimentos? Absolvição mesmo, e não mera improcedência da denúncia. Qual seria a diferença, do ponto de vista ontológico (do ser da decisão), entre uma e outra? Por isso, estamos convencidos de que o parágrafo único do citado art. 409 [atualmente 414] configura verdadeira e inaceitável violação do princípio da vedação da ‘revisão pro societate’.” (OLIVEIRA, 2014 p. 562)
A vedação da dupla acusação ingressa no ordenamento através do Pacto de San José da Costa Rica em seu art. 8º, 4, representando portanto também garantia fundamental, violada pela decisão de impronúncia, a partir do momento em que se permite renovação da acusação pelo mesmo fato, condicionada a nova prova.
Eugênio Pacelli de Oliveira adverte que:
“A razão de ser da vedação da revisão pro societate fundamenta-se na necessidade de se preservar o cidadão sob acuação de possíveis desacertos – escusáveis ou não -, encontráveis na atividade persecutória penal, atuando o princípio, também, como garantia de maior acuidade e zelo dos órgãos estatais no desempenho de suas funções administrativas, investigatórias, judiciárias e acusatórias.“(OLIVEIRA, 2014 p. 49).
Vicente Greco Filho também adota postura sobre a inconstitucionalidade, da impronúncia, invocando violação ao princípio do “ne bis in idem” inserido no nosso ordenamento pela Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificado pelo Brasil em 25.09.92. Diz o autor referindo-se à impronúncia:
“[…] entendemos que essa disposição é inconstitucional, por violar o princípio de liberdade de que ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato. Porque nos crimes dolosos contra a vida alguém pode sofrer o constrangimento de um processo penal sem que isso extinga definitivamente a pretensão punitiva e nos demais crimes não? […] Não existe mais razão social ou jurídica para que a impronúncia admita nova ação penal sobre o mesmo fato.” (GRECO FILHO, 2012 p.394)
Não se tem dúvida de que a submissão do indivíduo a novo processo, seja em que prazo for, fere de morte sua garantia de não ser submetido a dupla acusação. A afirmação que a impronúncia não tem carga decisória plena é inconvincente na medida em que o juiz declara a inexistência de provas contra o indivíduo, do contrário teria que pronunciar.
O argumento de que não caberia ao juiz singular subtrair a competência do conselho de sentença, já foi repetidamente refutada, restando por fim admitir que uma decisão desta natureza, só se justifica em um Estado autoritário onde prevalece a presunção de culpa, restando ao indivíduo aguardar o Estado conseguir a prova que precisa para condenar. Esse sistema é incompatível com a ordem democrática que tem na dignidade da pessoa sua viga mestre.
4.4 A sistemática recursal como indicativa de nova concepção da impronúncia.
O legislador, por ocasião da reforma do Código de Processo em 2008, alterou a sistemática recursal, substituindo o recurso em sentido estrito pela apelação como meio impugnativo da decisão de impronúncia, consoante redação do art. 416 do CPP.
Tradicionalmente, a classificação da impronúncia por sua natureza, é de decisão interlocutória mista terminativa, eis que a mesma põe fim ao processo sem julgamento de mérito, não fazendo coisa julgada material.
Não havendo o juízo de certeza acerca da situação jurídica do acusado, nem culpado, nem inocente, a decisão terminativa de instância deveria ser atacada pelo recurso adequado como meio de impugnação à decisão interlocutória, mas o legislador assim não entendeu, criando outra distorção legislativa.
O texto do novo artigo 416 do Código de Processo Penal sinaliza, ao contemplar a apelação como recurso oponível e a considerar a sistemática recursal, opção pelo entendimento de tratar-se a impronúncia de sentença com força de definitiva, equiparando-a, ainda que por via oblíqua, à decisão absolutória.
Não se concebe apelação como recurso viável para impugnação de decisão interlocutória. Tanto é que restou mantido na reforma o recurso em sentido estrito como via impugnativa da pronúncia, decisão que encerra a primeira fase do rito do Júri.[8]
A opção legislativa, alterando a via impugnativa da decisão, ainda que indiretamente, foi erigida neste ponto à categoria de sentença com força de definitiva, como a decisão absolutória, razão pela qual também sob este viés, ser possível reconhecer um autêntico julgamento do caso penal na fase instrutória preliminar, a merecer a segurança jurídica da imutabilidade absoluta, coisa que vem se repetindo a impronúncia não faz.
4.5 O emprego da analogia e a absolvição plena
Se ao final da primeira fase do julgamento do rito do Tribunal do Júri, não se desincumbiu o acusador de seu ônus probatório, estando o juiz em dúvida acerca da materialidade delitiva, ou de que o acusado não pode não ser o autor do crime, a solução mais apropriada dentro de um processo de garantias é a decisão absolutória, e não a impronúncia.
Trata-se da aplicação do princípio do favor rei, pelo qual é ônus da acusação a prova da culpa, inobservância que determina a aplicação de decisão favorável ao acusado no processo.
O recurso da aplicação analógica, ante a ausência da impronúncia pelo reconhecimento da sua inconstitucionalidade, determina aplicação subsidiária de uma das hipóteses do artigo 386 doCódigo de Processo Penal nos moldes do permissivo contido no art. 3º do mesmo diploma legal, o qual elenca os fundamentos em que o juiz deverá absolver o indivíduo, culminando na imutabilidade da decisão.
Aos processualistas que não admitem a miscigenação de ritos, a solução seria a aplicabilidade da absolvição sumária, com aplicação genérica do artigo 415 doCódigo de Processo Penal. O que importa, por uma ou outra hipótese é que restaria assegurada ao indivíduo a segurança jurídica da coisa julgada da decisão.
Considerações finais
Ponderou-se ao longo deste trabalho acerca da inconstitucionalidade da decisão de impronúncia, por constituir a decisão e seus efeitos instrumento inadequado colocado a disposição do Estado para punir, mantendo o indivíduo por longo período de espera aguardando um incerto e novo processo, mesmo submetido a julgamento, para então romper as amarras que os unem pelo fato/crime, em uma incerteza processual que beira o absurdo.
Revelou-se que a impronúncia, não deveria transpor o sistema de filtragem constitucional, em face de sua flagrante afronta a direitos fundamentos assegurados na Constituição. Ao manter o indivíduo em uma situação de incerteza, nem culpado e nem inocente.O Estado acaba por revelar a sua face mais odiosa, totalitário, mantém o impronunciado a si vinculado, projetando uma intenção desvelada de que pretende achar provas para punir, mesmo diante de um estado de inocência declarado por norma constitucional.
O trabalho é pródigo de jurisprudências que reconheçam a alegada inconstitucionalidade, farta seria de decisões que reconhecem a impronúncia como necessária, sob o frágil argumento que o magistrado singular não pode dar definição outra em hipótese de dúvida, sob pena de estar invadindo a competência constitucional do Conselho de Sentença.
As decisões se reproduzem e se contaminam sob este argumento, confirmando a tese que se pretendeu demonstrar, de que não basta afirmar a vigência é preciso desfrutar o sabor e a sensação de liberdade propiciados pela Constituição, dela se aculturar, rompendo com a herança inquisitiva que assola ainda hoje o processo que se pretende acusatório. De nada adianta mudar os métodos ou os instrumentos, se os torturadores continuarão os mesmos.
Informações Sobre o Autor
Luis Fernando Lopes de Oliveira
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Especialista em Direito e Processo Penal pela UNICURITIBA Curitiba PR. Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil UNIBRASIL Curitiba PR. Advogado