Resumo: O presente trabalho tem como objetivo exprimir as consequências jurídicas da arrematação de bem imóvel em hasta pública para o arrematante. Para tanto, pretende abordar inicialmente as formas de aquisição da propriedade presentes no ordenamento jurídico brasileiro e suas consequências. Além disso, como forma de clarear o entendimento acerca da expropriação por hasta pública, mister se faz apontar os pontos mais relevantes e substantivos do instituto, esclarecendo em quais situações se faz presente e oportuno no contexto do processo de execução, explanando todas as questões atinentes à arrematação por hasta pública.
Palavras-chave: Arrematação. Propriedade. Bem Imóvel. Hasta Pública. Expropriação. Código Civil Brasileiro de 2002. Direito Real. Princípios. Registro Público.
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 A propriedade e seu breve contexto histórico; 2.2 A aquisição da propriedade imobiliária; 2.3 Do procedimento de hasta pública; 2.4 Da arrematação e seus efeitos; 3. Conclusão; 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O procedimento de expropriação por hasta pública nasce da necessidade do Estado de encontrar um meio hábil a garantir a satisfação de um crédito de forma eficiente e coercitiva.
A própria teleologia do Direito é claramente o balizamento da conduta social e a promoção de uma mínima harmonia nas relações humanas decorrentes das complexas sociedades e grupos sociais sempre presentes na história do desenvolvimento humano. Com a modernização e crescimento das conexões entre indivíduos e grupos, a prestação jurisdicional foi gradativamente tornando-se mais importante na organização das sociedades com o fito de apaziguar os litígios. Neste diapasão, a intervenção do Estado nas relações entre particulares se dá a fim de promover no âmbito da sociedade a almejada “paz social”.
Com o desenrolar da história, sendo cada vez maior os litígios decorrentes de relações privadas e que tenham como objeto a prestação de uma obrigação pecuniária, tornou-se imperativo ao Estado que possuísse um meio de tornar efetiva a prestação jurisdicional a fim de executar suas decisões. Nesta esteira de raciocínio, o Direito Ritualístico Brasileiro abarcou a possibilidade de expropriação dos bens do devedor por meio de intervenção do Estado.
São três as modalidades prescritas em nosso Código de Processo Civil Pátrio para expropriação do bem do devedor. São elas: por adjudicação (art. 685-A, CPC); alienação por iniciativa particular (art. 685-C, CPC); e alienação forçada por hasta pública (art. 686, CPC), que é objeto de estudo do presente artigo, sobretudo porque é por meio da Praça – modalidade de hasta pública – que se disponibiliza o bem constrito à arrematação de terceiros interessados e legítimos para tanto.
Se por um lado a expropriação serve ao exequente de seu direito para a garantia e satisfação de seu crédito, também revela-se notória oportunidade para investidores interessados em adquirir patrimônio imobiliário por valores abaixo do praticado pelo mercado, com a consequente assunção de riscos atinentes a quaisquer demandas judiciais, seja no plano material ou processual do Direito.
Assim, com o nicho imobiliário em crescente expansão nos últimos anos nas grandes cidades brasileiras e com o aumento exponencial do poder aquisitivo da população, o interesse em investimentos nesta área gerou novas modalidades, dentre as quais a aquisição por meio de leilão judicial veio a destacar-se.
Em que pese a possibilidade de grande retorno financeiro em operações desta natureza, há inúmeros riscos inerentes, sendo vital uma análise jurídica criteriosa de todo o procedimento, a fim de sopesar os riscos e benefícios de eventual lanço.
Neste diapasão, o presente artigo visa discorrer sobre a participação em procedimento de hasta pública oriundo de processo de execução, visando a aquisição da propriedade imobiliária, abordando assuntos indispensáveis de forma sucinta, com o fito de possibilitar o entendimento das principais questões envolvidas na operação.
Não obstante, para melhor enfrentamento das questões relativas à hasta pública, arrematação e suas consequências jurídicas, a superação dos conceitos atinentes ao instituto da propriedade é medida que se impõe, além do que torna-se igualmente vital breves apontamentos sobre as questões processuais ali envolvidas.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A PROPRIEDADE E SEU BREVE CONTEXTO HISTÓRICO
É fundamental para o melhor entendimento do presente artigo que façamos um breve apanhado histórico do direito de propriedade, haja vista a importância de contextualizar o objeto de estudo com o seu histórico. Tal relevância é grande nas ciências jurídicas, posto que o Direito enquanto fato social está intimamente atrelado ao comportamento das sociedades, mutável e maleável conforme o tempo e os costumes[1].
A propriedade tal como a conhecemos teve sua origem no Direito Romano. Antes disso, diversas sociedades cultivaram conceitos de propriedade distintos do atual entendimento, com forte feição comunitária. Como exemplo, podemos citar as sociedades indígenas que habitavam nosso território antes da colonização portuguesa, em especial as do tronco tupi, onde as porções de terra pertenciam a tribo, assim como as habitações, que normalmente eram comunitárias, sendo ocupadas por diversas famílias da tribo, sem que ao menos houvesse divisão entre elas. Apenas poucos utensílios restringiam-se ao uso individual do indígena.
Somente na era Romana a propriedade ganhou o sentido individualista que possui até os dias de hoje. Para os primeiros juristas romanos, o direito de propriedade encerrava em si o direito de gozar, dispor e usar da coisa sobre a qual recaísse, sendo considerado absoluto.
Com o advento da Lei das Doze Tábuas mecanismos foram criados para tutelar este direito, mas também foram criadas limitações legais para o exercício da propriedade. Como os requisitos legais para que alguém fosse proprietário de terra.
No Brasil Colônia verificou-se as primeiras formas individuais do exercício da propriedade. Inicialmente, a colonização se deu por meio das Capitania Hereditárias, onde a Coroa Portuguesa, detentora do domínio das terras coloniais, dividiu-as em quinze faixas de terra que iam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, no limite com as colônias espanholas. O rei D. João III concedeu-as à portugueses que se dispusessem a administrar as conquistas da Metrópole mediante o pagamento de tributos para, em troca explorar os seus recursos naturais. Os donatários, como eram chamados, normalmente eram nobres possuidores de estreitas relações com o rei. A propriedade aqui era individual e hereditária.
A Carta de Doação e Carta Foral, estabeleciam as relações jurídicas entre o rei e os donatários, onde a primeira atribuía ao donatário a posse da capitania e a sucessão a seus descendentes, sendo vedada a venda da capitania, e a segunda determinava os direitos e deveres que o donatário deveria possuir com a terra.
O sistema latifundiário de propriedade no Brasil seguia preconizando os interesses de uma minoria, os senhores de terra, o que foi ampliado com a adoção da Lei de Terras de 1850, que instituiu a obtenção da propriedade somente por meio da aquisição onerosa, ou seja, a compra. Até a instituição dessa lei, não havia no Brasil nenhum documento que regulamentasse a posse de terras em nosso território.
Um dos objetivos da criação dessa lei era regular o acesso à posse da terra por pequenos e médios proprietários, em especial ex-escravos e imigrantes, uma vez que, para se obter a propriedade, era necessário comprovar sua ocupação junto ao Estado. Assim, essa lei possibilitou a concentração de terras nas mãos dos grandes latifundiários.
Este caráter individual da propriedade ampliou-se ao longo do tempo, sendo mitigado somente na história recente, com a ideia do “Estado do Bem Estar Social” trazendo à baila a necessidade de obter-se “função social” à propriedade.
A função social da propriedade foi abarcada pela Carta Magna de 1988, estando dentre as características de um Estado Jurídico Social.
Nas relações modernas, a aquisição da propriedade imobiliária é um negócio que envolve investidores interessados no crescimento de seu patrimônio, sendo cada vez mais comum a utilização do expediente da hasta pública para adquirir imóveis com preços abaixo da média do mercado, dada as características da praça. Tal possibilidade ficará mais clara adiante.
2.2 DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA
Nas palavras do Professor Caio Mário da Silva Pereira, ao parafrasear Ruggiero e Maroi, a aquisição de um direito é a sua “personalização em um titular”[2]. Logo, verifica-se que tal direito atrela-se ao indivíduo, conferindo-o poderes sobre a coisa e proteção legal ao seu exercício. Este é um tema que merece aprofundamento e pesquisa específicos, não obstante, por não ser este o objetivo deste artigo, passemos às rápidas considerações acerca da aquisição da propriedade de bem imóvel, lançando-se as bases do entendimento da aquisição por hasta pública em sede de execução judicial.
Em nosso atual ordenamento jurídico, classifica-se a aquisição da propriedade como originária ou derivada e singular ou universal. A propriedade também pode ser transferida “intervivos” e “causa mortis”, sendo que no primeiro caso ocorrerá por vontade das partes que, capazes e na forma da lei, ratificam sua vontade por meio de instrumento público, enquanto que na segunda hipótese há a figura da sucessão do direito de propriedade para àqueles aos quais a lei confere essa legitimidade, em virtude da morte do antigo titular. Este último caso é exemplo típico de aquisição universal, quando se dá a transferência da totalidade de bens e direitos ao herdeiro. Por outro lado, exemplifica-se a aquisição singular na figura do legado, quando o legatário é beneficiado com objeto certo e individualizado.
A aquisição originária se dará quando houver constituição da propriedade para o adquirente sem que se presuma a transferência do anterior detentor do domínio ou que o mesmo não exista ou não se conheça. Neste sentido, as palavras de Sílvio Salvo Venosa tendem a enriquecer o entendimento:
“Dizemos que a aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de qualquer relação com o titular anterior. Nela, não existe relação jurídica de transmissão. Inexiste ou não há relevância jurídica na figura do antecessor. (…) entendem-se como originárias também as aquisições por usucapião e acessão natural.” (Venosa, Sílvio Salvo. Direito Civil Vol. V, 15ª Ed. Atlas. São Paulo, 2015. p. 196)
Na aquisição derivada, ao contrário do que ocorre na originária, existe relação jurídica entre o alienante e o adquirente, ocorrendo transmissibilidade do direito de propriedade em questão. A transmissão é a palavra-chave na aquisição derivada. Como define Caio Mário da Silva Pereira (2015, p.98)[3], “em toda aquisição derivada ocorre necessariamente a ideia de relação entre a propriedade atual e a anterior entre o sucessor e o antecessor”.
Ainda acerca da propriedade imóvel, verificam-se quatro meios de aquisição, quais sejam: registro de títulos, acessão, direito sucessório e usucapião.
Quanto ao registro de título, este está positivado no artigo 1.245 do Código Civil Brasileiro de 2002[4]. É a forma mais comumente utilizada para a obtenção de propriedades no Brasil. Consiste na obtenção da propriedade imóvel por meio de transferência entre vivos, por meio de instrumento público a ser registrado perante o Registro Geral de Imóveis competente. Somente a partir da prenotação do título e posterior registro é que haverá a alienação e transferência do direito real em voga.
Assim, tem-se como fundamental o registro dos títulos para a efetivação da alienação imobiliária no Brasil, não possuindo os negócios jurídicos o condão de fazê-lo sem que prenotados junto ao Registro de Imóveis[5].
Tal determinação legal visa conferir segurança jurídica aos negócios jurídicos que envolvem bem imóveis, tutelando os direitos reais que pesem sobre eles e possibilitando que direitos e deveres inerentes possam ser oponíveis a toda a sociedade.
Dessa forma, a aquisição de propriedade através do registro de títulos, pode ser definida como “o instituto criado com o fim de tornar público os atos jurídicos, o estado e a capacidade das pessoas, estabelecendo a autenticidade, a segurança e a validade das obrigações e de certas relações de direito passíveis de tutela legal e sujeita à transferência, modificação ou extinção”. [6]
No tocante à acessão, a mesma ocorrerá no aumento da coisa objeto do direito de propriedade, de forma natural e sem que haja intervenção humana. A acessão pode se dar pela formação de ilhas, por aluvião, avulsão, por abandono de álveo, pela construção de obras ou plantações. Aplica-se na acessão a regra clássica do direito que reza que o acessório seguirá o principal. Assim, nas palavras de Clóvis Beviláqua, é “o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem”[7].
Dessa forma, cada uma das possibilidades de aquisição de imóvel por acessão encontram-se dispostas no Código Civil.
As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros.[8]
Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.[9]
Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. [10]
O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.[11]
Decorrentes da ação do homem, as formas de acessão pela construção de obras e plantações, estão dispostas nos artigos 1253 a 1259, do Código Civil.
Ainda quanto às modalidades de aquisição, nos resta detalhar sobre o direito sucessório e a usucapião.
No primeiro caso, como já exposto ao se explanar sobre a sucessão causa mortis[12], a aquisição se dará em razão do recebimento do direito por parte do sucessor em virtude da morte do anterior detentor.
A sucessão pode ser legítima, quando a herança é transmitida aos herdeiros legítimos indicados pela lei, ou testamentária, quando ocorre por disposição escrita em testamento da última vontade do falecido. Neste último caso, somente a metade dos bens pode ser testamentada, caso haja herdeiros necessários. [13]
Por sua vez, na usucapião, haverá a constituição de um direito em virtude do preenchimento de requisitos legais. A expressão tem origem na palavra usucapio[14]. Este instituto tem como fundamento a destinação produtiva do domínio, haja vista conceder a possibilidade de alguém obter a propriedade sobre o bem imóvel mediante a manutenção de sua posse por um determinado período de tempo, dando-lhe função social e agindo como se dono fosse.
A forma de aquisição da propriedade por usucapião será sempre originária, já que não haverá relação jurídica entre o antigo e o novo proprietário[15].
Sobre as espécies de usucapião para bens imóveis, podemos defini-las de quatro formas, a serem realizadas de forma mansa, ininterrupta e pacífica, por parte do possuidor do imóvel.
Extraordinária – durante o período de quinze anos, não necessitando de justo título e boa fé;
Ordinária – necessita de justo título e boa fé, devendo ser ocupada por um período de dez anos, podendo ser reduzida para cinco anos na presença de elementos como a aquisição de forma onerosa do imóvel;
Especial Rural – o imóvel não pode ser superior a cinquenta hectares, deve ser ocupado pelo prazo de cinco anos;
Especial Urbana – limitação máxima de 250 m², devendo ser ocupado exclusivamente para moradia, pelo prazo de cinco anos.
Nos dois últimos casos, o possuidor não poderá ser proprietário de outro imóvel, rural ou urbano.
Ainda sobre a posse, segundo Maria Helena Diniz:
“A posse é o fato objetivo, e o tempo, a força que opera a transformação do fato em direito… O fundamento desse instituto é garantir a estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito e sanar a ausência de título do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do título que esse mesmo possuidor, porventura, tiver" .[16]
2.3 DO PROCEDIMENTO DE HASTA PÚBLICA
Hasta pública é o ato processual pelo qual são levados à alienação bens penhorados. Esta alienação forçada de bens penhorados é realizada pelo poder público, por um auxiliar da justiça. Ela pode ser dar de duas formas: pela praça, quando houver, entre os bens penhorados, algum imóvel, ou por leilão, quando todos bens penhorados forem móveis.
Por tratar o presente artigo de aquisição de propriedade sobre bem imóvel, a praça terá maior atenção, pois é o meio pelo qual tal feito será alcançado.
O procedimento de hasta pública visa a expropriação do bem imóvel por parte do Estado, no uso de sua atribuição jurisdicional, para satisfazer o crédito do exequente na relação processual, gerando para o arrematante o nascimento de um novo direito de propriedade sobre o bem objeto da alienação.
A hasta pública tem previsão legal no Código de Processo Civil Brasileiro, nos artigos 686 até o 707[17], definindo a forma e os requisitos para a validade do procedimento, além de elencar os legitimados a figurar como arrematantes.
São requisitos fundamentais da validade da praça a publicidade de todos os atos inerentes, com a consequente publicação do edital detalhando o bem e os ônus que eventualmente recaiam sobre ele, nos termos do artigo 686, do Código de Processo Civil Brasileiro. Quanto ao tema, muito bem acentua Manoel Antonio Teixeira Filho:
“A finalidade do edital é divulgar, tornar público, que, em determinado dia, horário e local, os bens descritos poderão ser, na forma da lei, arrematados (ou adjudicados). É também necessário que o edital individualize os bens, indicando-lhes a quantidade, a qualidade, o estado de conservação e os demais elementos característicos, além do valor da avaliação, e esclareça se sobre eles existem algum ônus. Todas essas providências visam a permitir que os terceiros (embora o credor possa arrematar, conforme veremos adiante) compareçam à praça e concorram, em igualdade de condições, na arrematação”.[18]
Para figurar como arrematante, basta que a pessoa, física ou jurídica, esteja na livre administração de seus bens, excetuando-se os tutores, curadores, testamenteiros, administradores, síndicos ou liquidantes, quanto aos bens confiados a sua guarda e responsabilidade; mandatários, quanto aos bens de cuja administração ou alienação estejam encarregados; juiz, membro do Ministério Público e da Defensoria Pública, escrivão e demais servidores e auxiliares da Justiça, conforme art. 690-A, CPC[19].
A arrematação se dará de forma perfeita quando, após avençado o valor por parte do arrematante, o magistrado assinar o auto de arrematação, tornando-a acabada, perfeita e irretratável.
Após este ato, somente será possível a anulação da arrematação nos seguintes casos: por vício de nulidade; se não for pago o preço ou se não for prestada a caução; quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame não mencionado no edital; a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação; quando realizada por preço vil; em caso de descumprimento do art. 698 do CPC[20].
Conforme preconiza o Código de Processo Civil nos termos acima expostos, o arrematante, por sua vez, poderá desistir da arrematação em caso de descobrir ônus real ou gravame não descrito no edital e se houver a interposição de embargos à arrematação, como reza o artigo 746, §§ 1º e 2º, CPC.
No segundo caso, esta faculdade que a lei atribui ao arrematante dar-se para fornecer maior segurança jurídica nestas alienações, impedindo que o mesmo fique com o valor do lance retido em juízo aguardando a longa marcha processual até o trânsito em julgado dos embargos, o que seria um fator desmotivante para a eficácia da praça.
2.4 DA ARREMATAÇÃO E SEUS EFEITOS
Considera-se a aquisição de bem em hasta pública como aquisição originária, razão pela qual não existe nenhuma relação jurídica entre o arrematante e o antigo proprietário do bem, assim como todos os débitos existentes subrogam-se no preço avençado[21], haja vista a natureza jurídica de aquisição originária que possui a arrematação[22], como é cediço na doutrina[23], e a pacificada e farta jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro sobre o tema. Neste sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0004632-79.2014.8.19.00001 RELATORA DES. MARIA REGINA NOVA. DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL.
AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. IMÓVEL ALIENADO EM HASTA PÚBLICA POR CONTA DE DÉBITOS CONDOMINIAIS. AGRAVANTE QUE ARREMATOU O “DIREITO E AÇÃO” SOBRE O REFERIDO IMÓVEL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE NOVA CARTA DE ARREMATAÇÃO COM EXPRESSA DETERMINAÇÃO PARA A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL AO ARREMATANTE. REFORMA DA DECISÃO. O entendimento jurisprudencial deste E. TJ/RJ bem como do C. STJ, é no sentido de que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública se constitui em um dos casos de aquisição originária da propriedade. Neste ínterim, não há relação jurídica ou negocial entre o Arrematante e o anterior proprietário do bem, devendo ser determinado o registro imediato da carta de arrematação pelo Serviço de Registro de Imóveis competente, cujos emolumentos ficam a cargo do Arrematante. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
0060959-15.2012.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1ª Ementa – DES. CLAUDIA TELLES DE MENEZES – Julgamento: 16/04/2013 – QUINTA CAMARA CIVEL
Apelação cível. Ação de cobrança de cotas condominiais ora em fase de execução. Obrigação propter rem. Demanda proposta em face do promitente cessionário. Legitimidade passiva. Precedentes desta Corte e do C. STJ. Arrematação. Aquisição do direito e ação ao imóvel. Inexistência de impedimento para transferência da plena propriedade em razão da arrematação. Princípios da celeridade e da economia processual. Direito aquisitivo originário. O imóvel arrematado deve ser passado ao arrematante livre de qualquer ônus que incida sobre o imóvel. Decisão reformada. Recurso a que se dá provimento.
0032799-77.2012.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa DES. FLAVIA ROMANO DE REZENDE – Julgamento: 25/07/2012 – VIGESIMA CAMARA CIVEL.
AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PENHORA DO IMÓVEL. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. TERCEIRO QUE ADQUIRIU O BEM ATRAVÉS DE ARREMATAÇÃO. FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC.
0023058-67.1999.8.19.0000 (1999.002.01409) – Agravo de Instrumento – 1ª Ementa – Des. Gustavo Kuhl Leite – Julgamento: 11/05/1999 – Segunda Câmara Cível.
Penhora de imóvel – Arrematação – Cancelamento de penhora.
Bem penhorado. Arrematação. Cancelamento da penhora. O bem arrematado se transfere para o arrematante livre deste ônus. Tendo a aquisição judicial de bem caráter originário, o imóvel se transfere ao arrematante livre dos ônus da penhora, tanto quanto extingue a hipoteca, que e' direito real, quando intimado da praça o credor hipotecado. Se assim não fora, situação esdruxula ocorreria. Com a arrematação o imóvel passou à propriedade do arrematante. Se continuasse a incidir sobre ele a penhora, nova praça seria realizada e com a venda judicial, o bem seria do patrimônio, não da executada, mas do novo proprietário, primeiro arrematante. Portanto este é' que garantiria, com seu patrimônio, execução sofrida pela executada. Agravo denegado.” (IRP)
Nesta esteira de raciocínio, os julgados elencados acima corroboram o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“Civil. Processual civil. Arrematação. Bem hipotecado. A arrematação extingue a hipoteca, tanto que o credor hipotecário tenha sido intimado da realização da praça, posto que tem conteúdo de aquisição originaria, livre dos ônus que anteriormente gravavam o bem por esse meio adquirido. (Resp 40191 / SP, j. 14/12/1993, rel. Ministro dias trindade, 4ª turma).
Processual civil. Execução fiscal. IPTU. Arrematação de imóvel em hasta pública. Aquisição originária. Adjudicação. Violação do art. 130, parágrafo único, do CTN. Ocorrência. Obrigação tributária propter rem. Existência de responsabilidade tributária.
1. Discute-se nos autos se o credor-exequente (adjudicante) está dispensado do pagamento dos tributos que recaem sobre o imóvel anteriores à adjudicação.
2. Arrematação e adjudicação são situações distintas, não podendo a analogia ser aplicada na forma pretendida pelo acórdão recorrido, pois a adjudicação pelo credor com dispensa de depósito do preço não pode ser comparada a arremate por terceiro.
3. A arrematação em hasta pública extingue o ônus do imóvel arrematado, que passa ao arrematante livre e desembaraçado de tributo ou responsabilidade, sendo, portanto, considerada aquisição originária, de modo que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. Precedentes: REsp 1.188.655/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 8.6.2010; AgRg no Ag 1.225.813/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 8.4.2010; REsp 909.254/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma DJe 21.11.2008.
4. O adquirente só deixa de ter responsabilidade pelo pagamento dos débitos anteriores que recaiam sobre o Bem, se ocorreu, efetivamente, depósito do preço, que se tornará a garantia dos demais credores. De molde que o crédito fiscal perquirido pelo fisco é abatido do pagamento, quando da praça, por isso que, encerrada a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo ou responsabilidade.
5. Por sua vez, havendo a adjudicação do imóvel, cabe ao adquirente (credor) o pagamento dos tributos incidentes sobre o Bem adjudicado, eis que, ao contrário da arrematação em hasta pública, não possui o efeito de expurgar os ônus obrigacionais que recaem sobre o Bem.
6. Na adjudicação, a mutação do sujeito passivo não afasta a responsabilidade pelo pagamento dos tributos do imóvel adjudicado, uma vez que a obrigação tributária propter rem (no caso dos autos, IPTU e taxas de serviço) acompanha o Bem, mesmo que os fatos imponíveis sejam anteriores à alteração da titularidade do imóvel (arts. 130 e 131, I, do CTN).
7. À luz do decidido no REsp 1.073.846/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.12.2009, "os impostos incidentes sobre o patrimônio (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU) decorrem de relação jurídica tributária instaurada com a ocorrência de fato imponível encartado, exclusivamente, na titularidade de direito real, razão pela qual consubstanciam obrigações propter rem, impondo-se sua assunção a todos aqueles que sucederem ao titular do imóvel." Recurso especial provido.” (REsp 1179056/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 21/10/2010)
Mister se faz, trazer à baila o entendimento do Mestre e Doutor Professor Caio Mário da Silva Pereira, que muito bem traduziu o conceito de aquisição originária:
“Diz-se originária, quando o indivíduo, num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de alguém. É uma propriedade que se adquire sem que ocorra a sua transmissão por outrem, seja voluntária ou involuntária, direta ou indireta. E resulta numa propriedade sem relação causal com o estado jurídico anterior da própria coisa”. [24]
Em sintonia de ideias com a descrição acima, está o Desembargador e Mestre Professor Elpídio Donizete, que discorre quanto à aquisição originária:
“(…) configuram modos originiários de aquisição da propriedade, em que não há transferência do domínio, o qual simplesmente constitui para o adquirente, independentemente de negócio jurídico translativo”.[25]
Também em consonância com os ilustres doutrinadores citados está o entendimento do I. Doutor Humberto Theodoro Junior:
"A sentença de adjudicação, como o auto de adjudicação ou ato de arrematação, é de natureza constitutiva, gerando para o interessado um direito novo sobre os bens expropriados ao devedor"[26]
Logo, na arrematação não há transferência de propriedade. Não obstante, o que ocorre, é a constituição da propriedade para o arrematante, haja vista que a coisa objeto da hasta pública fora expropriada pelo Estado, nos termos do artigo 647, III, do Código de Processo Civil Pátrio[27], quando do exercício da prestação jurisdicional.
Neste diapasão, não há que se falar em ofensa ao Princípio da Continuidade do Registro Público, posto que, tal e qual ocorre com o instituto do usucapião, a arrematação é forma de aquisição originária.
Ainda nesta linha de raciocínio, eventuais débitos considerados próprios da coisa também perecerão com a expropriação por parte do Estado, como preceitua o artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional[28].
Neste sentido, imperativo destacar a lição do Professor Eduardo Sabbag:
“A hasta pública é o leilão de bens penhorados, realizado pelo Poder Público, por meio de leiloeiro público, para a satisfação da dívida, principalmente em ações de execução (esfera judicial). Frise-se que o valor das dívidas existentes está incluído no montante pago pelo bem imóvel no público pregão, em nítida sub-rogação sobre o lanço ofertado (agora, sim, uma sub-rogação real ou responsabilidade por sucessão real), cabendo à autoridade judicial zelar pela imediata quitação das dívidas.” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2014. p. 747)
Assim, tem-se claro que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da hasta pública dá-se de forma originária, pois inegável que não há relação jurídica entre o proprietário anterior, não havendo que se falar em transmissão, mas sim de expropriação do Estado para posterior constituição de um novo direito ao arrematante.
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência tem convergido para a sedimentação do entendimento de que a aquisição da propriedade imobiliária por meio de hasta pública dá-se na modalidade originária, o que implica em enorme relevância para o meio jurídico.
Tal entendimento favorece os adquirentes na medida em que a aquisição não atrela ônus anteriores eventualmente pendentes sobre o imóvel objeto da arrematação.
Informações Sobre o Autor
Raphael Ferreira da Silva Duarte
Advogado e Sócio no Escritório de Advocacia Ferreira Pastore Sociedade de Advogados. Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro. Graduado no curso de Direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro. Perito Avaliador Imobiliário Judicial e Extrajudicial e Consultor Imobiliário