Resumo: Este artigo trata das demandas repetitivas que tramitam diariamente no Judiciário brasileiro. O objetivo aqui é apresentar um quadro geral e os aspectos mais polêmicos, como é o caso dos grandes litigantes e as vantagens que eles auferem de acordo com as peculiaridades do conflito. Também apontar os principais tratamentos processuais, avaliando quais seriam os mais adequados para solucionar este fenômeno que afeta diretamente o Poder Judiciário, principalmente quanto à questão do acesso à Justiça e da morosidade.
Palavras-chave: Demandas repetitivas. Litigantes habituais. Acesso à justiça. Tratamento processual.
Abstract: This article deals with repetitive demands that pass daily in the Brazilian judiciary. The goal here is to present a general framework and the most controversial aspects, such as the repeat players and the advantages they earn according to the peculiarities of the conflict. Also point out the main procedural treatments, assessing what would be the most appropriate to address this phenomenon that directly affects the judiciary, especially regarding the issue of access to justice and the slowness.
Keywords: Repetitive Demands. Repeat Players. Access to justice. Procedural Treatments.
Sumário: Introdução. 1. Características das Demandas Repetitivas. 2. Os grandes atores. 3. Causas apontadas para o problema da litigiosidade repetitiva. 4. As vantagens dos grandes litigantes. 5. As estratégias adotadas pelo judiciário para combater a litigiosidade repetitiva. 6. Os principais tratamentos legais adotados para a litigância repetitiva no Brasil. 7. Conclusão. Referências.
Introdução
Há muito tempo, vê-se o abandono da tradição individualista para atender aos interesses coletivos. Seja por influências da mídia ou de advogados em busca de novos nichos de trabalho, cada vez mais se percebe a judicialização de direitos idênticos as “baciadas”, o que gera um entrave no Poder Judiciário, o qual não está preparado para lidar com essas espécies de demandas.
Embora existam institutos processuais direcionados para as demandas repetitivas, ainda não se sabe qual seria o mais adequado, tendo em vista as próprias peculiaridades do conflito, em especial pelo fato do litigante habitual sempre auferir vantagens do trâmite processual dado seu conhecimento e familiaridade com a causa.
Diante destes fatos, o presente artigo apresentará uma visão geral da litigância repetitiva, principalmente quanto aos aspectos mais polêmicos. Também serão apresentados os institutos processuais, estabelecendo-se uma análise de adequação quanto à aplicação de cada um desses institutos.
1. Características das Demandas Repetitivas
Litigiosidade repetitiva é um fenômeno que tem chamado a atenção de muitos estudiosos, uma vez que é uma das causas apontadas para a morosidade das respostas judiciais.
Ela pode ser definida, segundo Alexandre Câmara, como “demandas idênticas, seriais, que, em grandes quantidades são propostas perante o judiciário”[1]. É muito difícil apresentar conceitos sobre este fenômeno social, o qual afeta a esfera jurídica porque cada caso, que gera inúmeras ações que desaguam no Judiciário, apresenta particularidades que influenciam o trajeto da litigância. Apesar de genérico o conceito trazido por Alexandre Câmara, este é extremamente útil para demonstrar as características comuns das demandas repetitivas.
Estas demandas se caracterizam pela presença de similitude das questões fáticas e/ou de direito, ou seja, podem apresentar pedido ou causa de pedir iguais (o que não quer dizer que são as mesmas causas de pedir e pedido, o que não se confunde com conexão de processos[2]).
O volume de processos deve ser suficientemente representativo a ponto de justificar a adoção de um procedimento uniforme com intuito de racionalizar sua tramitação e julgamento.
Por fim, as demandas repetitivas também devem apresentar envolvidos repetitivos e ocasionais, ou seja, as partes litigantes devem apresentar um padrão de comportamento perante o judiciário. Essas partes devem ser litigantes habituais, aqueles que são capazes de atingir um grande número de pessoas ou que estão relacionados a um objeto incindível que atinge de forma uniforme a sociedade, sejam entes públicos ou privados. E litigantes ocasionais, aquelas pessoas que têm seus direitos lesados e ingressam de forma individualizada no judiciário [3].
2. Os grandes Atores
Essas partes, também chamadas de atores, foram identificadas no Brasil por meio de uma pesquisa realizada pelo CNJ em 2011, a qual revelou os 100 maiores litigantes.[4] Em âmbito nacional, o setor público, os bancos e telefonias representam 95% do total dos litigantes nacionais. O INSS aparece como o primeiro colocado, respondendo por mais de um quito dos processos, sendo esse percentual inferior apenas a todo o setor bancário. Quanto a esse setor, a Caixa Econômica Federal e os Grupos Itaú e Bradesco detêm mais da metade dos processos bancários. Já no setor de telefonia, a OI, formada pelas companhias Brasil Telecom e Telemar, a Vivo e a Tim celular se destacam em relação ao grupo, representando em relação aos 100 litigantes nacionais, percentual de 3,3% e 1,3%; 0,6% e; 0,4% respectivamente.
3. Causas apontadas para o problema da litigiosidade repetitiva
Várias são as causas que levam esses atores a usufruírem de maneira excessiva da justiça. São citadas desde causas externas ao judiciário como situação socioeconômica, expansão de direitos, principalmente através da conscientização da população e maior acesso à informação, massificação das relações de consumo, estabilização da economia nacional; até causas internas como a facilitação do acesso à justiça, receptividade de teses jurídicas, criação de meios de acesso ao judiciário menos burocrático e moroso, a exemplo dos juizados especiais.
Embora muitas dessas discussões girem ao redor da questão de se ter acesso ao judiciário, ou seja, conseguir ajuizar uma ação, não seria este o problema central que estaria afetando crucialmente no caso das demandas repetitivas.
Fato é que se tem percebido que com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual fortaleceu direitos fundamentais e estabeleceu uma infinidade de direitos sociais, também definindo e institucionalizando claramente órgãos como o Ministério Público e a Defensoria Pública, houve um aumento significativo da judicialização de direitos até então utópicos.
Porém, embora tenha havido um maior acesso ao judiciário, se sabe que isso não ocorreu de forma satisfatória. Isso porque, conforme relatório da ONU de 2005[5], grande parte da população brasileira ainda estava excluída do judiciário por inúmeros fatores. A partir disto, é possível visualizar o que realmente acontece: o acesso à justiça no Brasil é desigual, haja vista que nem todos conseguem chegar até ele.
Também há outro viés desse acesso, um aspecto qualitativo que deve ser levado em consideração. Não basta ter acesso, é preciso que este acesso seja a uma ordem jurídica justa[6] para que a prestação jurisdicional seja efetiva, o que significa dizer que cabe ao Judiciário não apenas o processamento mecanizado de litígios, mas também a busca por soluções adequadas, que não mascare o direito pretendido e que consiga resolver os conflitos de interesse de forma satisfatória.
É pensando nesse critério qualitativo de acesso que é preciso voltar os olhos para a litigiosidade de massa, repetitiva, a fim de que o acesso ao judiciário proporcione a esses grandes volumes de pessoas não apenas um acesso formal ao Judiciário, mas a tutela efetiva de seus direitos. Também, que esse acesso não seja usado como argumento negativo ao próprio controle da litigiosidade.
4. As vantagens dos grandes litigantes
Ao ingressar com uma demanda de natureza repetitiva, o quadro padrão dos atores processuais é quase sempre o mesmo, dependendo da espécie da ação. De um lado um ator institucional, aquele que através de seus atos é capaz de atingir um grande número de pessoas ou que está relacionado a um objeto incindível que atinge de forma uniforme a sociedade. De outro lado, um ator ocasional que vê seu direito ameaçado ou lesado.
Geralmente, esses atores institucionais são o poder público ou grandes empresas privadas que por si só, já são muito diferentes dos litigantes ocasionais, pessoas naturais, sem tantos recursos disponíveis.
É nessa linha que Mac Galanter, em 1974, lançou sua pesquisa “Why the haves come out ahead?”[7], a qual caracterizou especificamente os tipos de litigantes e demonstrou suas diferenças em juízo. Para isso, Galanter relaciona os tipos de litígios a seus autores, os quais ele identifica como litigantes repetitivos (Repeat Players – RP) e litigantes ocasionais (One-Shotters – OS). Após fazer o enquadramento adequado deles em quatro categorias de acordo com os litígios, o estudioso identificou que os grupos onde apresentavam um litigante repetitivo e um ocasional eram os responsáveis por significativa parcela da litigância nos Estados Unidos.
Também, o estudo revelou que esses litigantes repetitivos, por estarem envolvidos constantemente em disputas judiciais eram mais organizados e dispunham de mais recursos para atuar no processo, o que representava uma vantagem estratégica em relação ao litigante ocasional.
O estudo apontou uma série de vantagens dos litigantes repetitivos, dentre elas, destaca-se:
“1) Advance intelligence: os RPs poderiam antever o funcionamento de determinadas situações envolvendo litígios, permitindo que possa estruturar-se e atuar em conformidade com as suas experiências; haveria, nesse contexto, habilidade do RP para estruturar uma transação;
2) Expertise: dada a frequência no engajamento de conflitos, os RPs possuem expertise nos assuntos envolvendo os litígios, tendo, inclusive, acesso a especialistas nas matérias e na busca de soluções. Além disso, os RPs apreciam economias de escala e têm baixos custos para iniciar os casos;
3) Relacionamentos: os RPs têm oportunidades para o desenvolvimento de relações informais “facilitativas” com atores institucionais;
4) Credibilidade: os RPs devem estabelecer e manter a sua credibilidade como litigantes – tal posição serve como recurso para o comprometimento com as suas posições de barganha;
5) Riscos: os RPs podem jorgar com as chances – podem adotar estratégias para maximizar o ganho em uma série de casos, ainda que isso envolva perda considerável (maximum loss) em alguns casos (habilidade pra adoção de estratégias otimizadas);
6) Rule making: os RPs podem visar a ganhos imediatos com o litígio ou à elaboração e mudança normativas (há maior poder de persuasão do RP para as mudanças dada a sua experiência) – os RPs teriam habilidade para objetivar a criação de regras (“play for rules”) tanto na seara política quando no litígio em si (adoção de estratégias no litígio e política de acordos);
7) Resultado favorável: pode ser entendido também como o estabelecimento de normas/precedentes favoráveis que podem influenciar casos similares futuros – há interesse em tudo que possa influenciar favoravelmente o resultado de casos futuros (entende-se que a existência de baixo risco por caso e uma perspectiva de diversos casos semelhantes estaria mais interessado no “state of law”); dada a expectativa de futuros litígios, os RPs podem optar por realizar acordos (em casos que se mostram aparentemente desfavoráveis) ou prosseguir com o caso no judiciário, caso aparentem ter mais chances de produzirem normas favoráveis);
8) Seleção de normas: o autor destaca que a atuação dos RPs não seria no sentido de buscar a criação de normas (“play for the rules”) per se- os RPs teriam habilidade para concentrar os seus recursos na criação/alteração de normas que tenham efetivo poder vinculante (que promovam efetiva diferença), não sendo compromissos meramente simbólicos (“ability to invest to secure penetrarion of favorable rules”);
9) Recursos para assegurar normas: a vinculabilidade ou efetiva aplicabilidade das normas criadas dependem de recursos como conhecimento, foco, serviços especializados e dinheiro, dos quais geralmente os RPs são dotados[8];”
E essa é uma realidade brasileira. Só a título de exemplo de como alguns desses litigantes repetitivos agem no judiciário, é comum que muitos menosprezem jurisprudência já consolidada e sumulada, obrigando as pessoas que necessitam do bem da vida a ingressarem com ações para terem suas pretensões atendidas[9]. Muitos desses litigantes repetitivos aderem a teoria do “law and economics” (ou seja, o custo da recusa é menor do que o custo gerado pelo cumprimento, afinal, não são todos os que precisam que vão conseguir se socorrer do judiciário, aliás, muitos dos que se socorrem, pelo tempo de duração do processo, não conseguem ter suas pretensões satisfeitas, mesmo existindo direito a seu favor).
E essa discussão não é diferente em relação ao Poder Público, principalmente em relação a um dos maiores litigantes: o INSS. Como bem aponta Susana Henriques da Costa[10], certas medidas gerenciais adotadas acabaram mudando posicionamento do STF em relação a necessidade de requerimento administrativo prévio. Se de um lado o requerimento administrativo negado representa a pretensão resistida (interesse de agir), uma das condições da ação. Por outro lado, a exigência de tal requisito não pode representar um filtro meramente para desafogar, adiar o problema da excessiva judicialização, como bem explanado, a gestão processual não pode representar uma vantagem ao grande litigante em detrimento do litigante ocasional.
Aqui fica claro o problema: vantagens sempre vão existir, principalmente para o litigante habitual que está sempre em contato com o judiciário, o que não pode ocorrer é que essa vantagem seja concedida em prejuízo de litigantes ocasionais, enfraquecendo direitos fundamentais e sociais, em nome de argumentos estatísticos produzidos pelo próprio litigante habitual e pelo judiciário. Fato último que reiteradamente pode ser percebido nas decisões judicias de grande impacto.
5. As estratégias adotadas pelo judiciário para combater a litigiosidade repetitiva
As estratégias adotadas pelo judiciário são essenciais para controlar as demandas repetitivas. Só para ter uma ideia, a produtividade dos juízes só tem aumentado, mas com ela, aumentou também o número de processos em tramitação no judiciário, o que a desvaloriza significativamente.[11]
Desta forma, o Poder Judiciário, de forma geral, vem adotando certas medidas a fim de combater a litigiosidade repetitiva, seja com a restruturação do próprio judiciário, através da criação de juizados especiais e varas especializadas, seja através de medidas gerenciais ou técnicas de julgamento agregado de demandas, as quais tendem a padronizar as decisões e estende-las ao maior número possível de processos e a utilização de meios alternativos de solução de conflitos como a mediação e conciliação. Mas qual seria o tratamento mais eficaz para combater esse quadro de excessiva litigância?
6. Os principais tratamentos Processuais adotados para a litigância repetitiva no Brasil.
Desde o Código de Processo Civil de 1973, há a preocupação com a repetição de demandas com o mesmo pedido. Exemplo disso foi o instituto do art. 285-A que previu o Julgamento liminar de improcedência, instituto muito criticado por especialistas[12] e que não foi mantido em seus termos no Novo Código de Processo.
Contudo, um dos mecanismos de julgamento instituídos em sede dos tribunais Superiores, em especial no STJ, merece destaque no tratamento da litigância repetitiva. É o procedimento de recursos repetitivos, o qual estabelece a possibilidade do relator promover a suspensão dos processos para a aplicação uniforme da tese apreciada pelo tribunal superior.
Outro tratamento utilizado no controle da litigância repetitiva foi instituído pelo Código de processo civil de 2015, o qual, de forma inédita, previu o IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Esse instituto processual prevê, em linhas gerais, um incidente provocado no Tribunal, para que uma causa piloto repetitiva seja escolhida e decidida de forma a esgotar todas as discussões argumentativas da matéria de direito, assim, esse julgamento é sumulado e aplicado de forma vinculante para outros casos semelhantes.
Tanto este instituto como o instituto recursal visam uma uniformidade de decisões a casos iguais, buscando, de certa forma, uma agilidade para aqueles casos que apresentarem mesmo fundamento, na medida em que não será mais preciso rever a matéria de direito já analisada em sede dos institutos repetitivos. Contudo, a pergunta ainda persiste: seriam esses institutos os mais adequados para tratar o problema da litigância repetitiva?
Se analisarmos esses institutos à luz dos comentários trazidos por Marc Galanter, talvez a resposta não seja a mais animadora. Isso porque, Mar Galanter mostrou a existência de uma desigualdade entre os atores processuais, em especial os litigantes habituais, que exatamente pela característica da habitualidade, conseguem auferir vantagens significativas do conflito judicializado.
Nessa linha, quais os mecanismos dos quais dispõem os institutos processuais para tratamento de causas repetitivas que iriam contribuir para minimizar esse cenário de vantagens?
Poder-se-ia pensar no instituto do “amicus curiae” como forma de reforçar o poder argumentativo do litigante ocasional, contudo, outros questionamentos surgem: Qual seria o momento adequado para a intervenção? Como se daria a intervenção do amicus curiae? Quais os requisitos para que seja deferida sua intervenção ou não, no processo?
A verdade é que não existem critérios para a intervenção do amicus curiae, nem um momento adequado para sua intervenção, nem uma “qualificação” para que realmente o debate seja ampliado e haja uma paridade entre os litigantes. Não se quer dizer aqui que a intervenção do amicus curiae não seja positiva para o processo, porém essa intervenção deveria ser desde o início e de forma proporcional, ou seja, a mesma quantidade e qualidade técnica para autor e para réu, o que é dificílimo de ocorrer na prática.
Daí, a partir destes argumentos, interessante é saber se a ação coletiva para a tutela de interesses difusos não seria a medida mais adequada para tratar do problema da litigiosidade repetitiva.
Como se sabe, a representação numa ação coletiva é diferente, pois depende de um legitimado previsto em lei, em regra, atores com poderes argumentativos muito melhores do que o litigante ocasional.
Outro ponto favorável da ação coletiva é o sistema coletivo que se utiliza de regras trazidas do Código de defesa do Consumidor que, em regra, podem contribuir significativamente para reduzir as desigualdades processuais entre os litigantes. É o caso dos mecanismos de inversão do ônus da prova ou das medidas de urgência que podem ser concedidas de ofício pelo juiz.
Porém, existe também uma desvantagem nesse tipo de ação para os litigantes ocasionais e para o próprio judiciário. Isso porque, aqui não há necessariamente uma uniformidade de decisões, uma vez que o art. 16 da LACP é mal interpretado por muitos, que confundem efeitos da coisa julgada com a competência territorial do juiz. Também, a ação coletiva não impede o ajuizamento de ações individuais, nem prevê um mecanismo que suspenda as ações individuais em curso para aguardar a decisão da ação coletiva, o que não resolve o congestionamento de ações no Judiciário.
Por outro lado, também, é preciso reconhecer a força e a estratégia que está por traz de milhares de ações individuais sobre o mesmo fundamento. Essas ações individuais funcionam muitas das vezes como meios de pressão para que medidas extrajudiciais sejam tomadas. Não só isso, a visão individualizada dos processos impede, muita das vezes, uma visão macroeconômica dos efeitos daquele tipo de provimento jurisdicional, o que pode contribuir para uma decisão mais favorável para o litigante ocasional que ingressa “sozinho” no Judiciário.
Embora toda essa discussão apresente a problemática da desigualdade entre os litigantes diante dos mecanismos processuais existentes, a pergunta que deve ser respondida é se seria possível minimizar essa desigualdade com a utilização de algum desses institutos processuais.
Já adianto que a utilização isolada dos institutos, por si só não combaterá os problemas apresentados da litigância repetitiva, sendo interessante pensar em uma potencialização dos institutos diante do caso concreto da demanda repetitiva, explico: É preciso que os aplicadores do direito identifiquem as características do litígio repetitivo, as quais poderão desiquilibrar a trajetória processual, e escolham o melhor mecanismo, seja para selecionar o melhor caso paradigma que contenha realmente argumentos capazes para ampliar a discussão jurídica, seja para admitir desde a origem, em igualdade de condições e habilidades técnicas, os “amici curiae” para equilibrar a questão da representatividade do litigante ocasional ou, quem sabe, para utilizar uma combinação dos institutos, por meio de técnicas gerenciais[13] para haver uma otimização nos julgamentos e consequentemente uma maior efetividade processual (só a título de exemplo, alguns processualistas, como Fredie Didier, já defendem em palestras a existência de um microssistema de tutela repetitiva, o que facilitaria a combinação dos institutos processuais dessa matéria, tendo em vista que ele admite a utilização trocada de regras entre os institutos de litigância repetitiva).
Também, é preciso acrescentar que o Novo CPC apresenta técnicas processuais muito mais flexíveis do que o código de 1973, fato que contribui para a potencialização dos institutos processuais a exemplo disso, cito a nova sistemática de distribuição do ônus da prova, que agora passa a ser dinâmica, fato que contribui para que as partes tenham as mesmas condições em juízo, caso o juiz identifique excessiva dificuldade de uma delas produzir a prova, nos termos do §1º do art. 373 do NCPC.
Mas como foi dito anteriormente, é preciso ficar atento às características do conflito e antever as possíveis vantagens que o litigante repetitivo poderá auferir da trajetória processual em prejuízo do litigante ocasional, a fim de escolher o melhor tratamento processual e, quiçá, buscar uma mudança desse comportamento do litigante repetitivo.
7.Conclusão
A litigância repetitiva é um fenômeno social que vem invadido o judiciário de forma drástica. Essas demandas seriais, iguais, propostas em grandes volumes têm, e muito, atravancado o andamento processual do Poder Judiciário, causando morosidade e piorando a qualidade do acesso à Justiça.
Dentro das principais características da litigância de massa, destaca-se a existência deum litigante habitual e um litigante ocasional, os quais, segundo pesquisa realizada por Marc Galanter, possuem certo grau de desigualdade no transcorrer do Processo. Conforme o estudo, o litigante habitual aufere inúmeras vantagens do conflito.
Embora tal conclusão seja verdadeira, não se pode permitir que essas vantagens processuais sejam capazes de reduzir direitos fundamentais ou sociais de quem os necessita.
Nessa esteira, é preciso escolher um tratamento processual adequado para lidar com o problema, seja ele um tratamento coletivo, através da tutela de direitos individuais homogêneos, seja através dos institutos processuais específicos criados para litigância repetitiva, a saber: julgamento de recursos repetitivos ou incidente de resolução de demandas repetitivas.
Diante disto, os atores processuais; partes, juízes, promotores e advogados, assumem papel de destaque nos conflitos, na medida em que são agentes capazes de fazer uma melhor escolha do tratamento processual a ser adotado, assim, maximizado as potencialidades dos institutos processuais e, consequentemente, melhorando os resultados judiciais e contribuindo para uma futura mudança de comportamento do litigante repetitivo que age em detrimento do litigante ocasional.
Informações Sobre o Autor
Bruna da Silveira Carvalho
Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Paraíba – SP