Princípio de proteção do bem material: reflexões sobre o tombamento no município de Muqui-ES

Resumo: Resultado do passar dos anos sobre o que hoje conta a história de um grande ícone da próspera época cafeeira e da grande imigração de europeus para o Brasil, Muqui atualmente é o maior sítio histórico do estado do Espírito Santo. Pode-se considerar a cidade como um grande museu vivo que conserva até os tempos atuais seus grandes prédios de estilos únicos de uma época passada, toda uma cultura resultante de diferentes povos que aqui viviam, e que hoje são preservados pelo Instituto do Tombo. Nesta toada, o objetivo do presente artigo é apresentar uma análise jurídica e doutrinária voltada para a atuação do instituto supramencionado na cidade de Muqui. [1]

Palavras-chave: Interesse público. Patrimônio cultural. Tombamento. Sítio histórico. Muqui.

Abstract: As a result of the passing of the years on what is today a history of a great icon of the coffee epoch and the great immigration of Europeans to Brazil, Muqui is the largest historical site in the state of Espírito Santo. One could consider a city as a great living museum that retains until its present day its great buildings of unique styles from a bygone era, a whole culture resulting from different peoples who lived, and which today are preserved by the Overturning Institute. In this regard, the objective of this article is to present a legal and doctrinal analysis aimed at a performance of the aforementioned institute in the city of Muqui.

Keywords: Public interest. Cultural heritage. Overturning. Historical site. Muqui.

1 INTRODUÇÃO

O meio ambiente cultural brasileiro é constituído por diversos bens culturais, materiais ou imateriais, cuja acepção compreende os de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico e/ou científico para os mais diversos grupos constituintes da própria sociedade, dentre eles afrodescendentes, indígenas e europeus de diversas partes, o que refletirá, essencialmente, em suas características e na forma como o homem constrói o meio em que vive. Desta forma, pode-se dizer que o meio ambiente cultural é decorrente de uma forte interação entre homem e o meio em que está inserido, agregando valores diferenciadores.

A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo sistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (i) as formas de expressão; (ii) os modos de criar, fazer e viver; (iii) as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; (iv) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (v) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).

A partir desta concepção, o Instituto do Tombamento tem o objetivo de proteger tudo aquilo que faça parte da história e da cultura de um povo. E nisto se enquadra o Sítio Histórico/Arquitetônico de Muqui. Um pequeno centro urbano, ao mesmo tempo que uma prestigiosa cidade histórica, que abriga em seu seio contos do final do século XIX e do século XX e diversas peculiaridades que tornam a cidade única e merecedora de atenção. Destarte, o estudo a seguir tem como objetivo, além de introduzir ao Instituto do Tombamento de uma forma geral, tal como seu princípio, sua aplicação e objetivos, analisá-lo enquanto guardião principal da cidade de Muqui, com olhar jurídico e doutrinário a respeito, com enfoque para a Lei ordinária n.º 070/1999, que dispõe sobre o tombamento do patrimônio histórico e artístico do município e dá outras providências, e a Lei Ordinária N° 89/2000, que altera e inclui dispositivos na Lei n° 070/99 (Lei do Tombamento) e dá outras providências.

2 PATRIMÔNIO CULTURAL E A PRESERVAÇÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal em vigência traz consigo a promessa de proteger e fomentar, legalmente, todo patrimônio histórico-cultural brasileiro. Nesta linha de exposição, consoante a dicção do artigo 216, cuida explicitar que a cultura compreenderá bens de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, tudo aquilo que remeta à identidade, à ação, em virtude da preservação da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade e cultura brasileira. Desta feita, há que se reconhecer que tal concepção, em decorrência de sua amplitude, inclui objetos móveis e imóveis, documentações, edificações, criações artísticas, científicas e/ou tecnológicas, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

O interesse federal na preservação do patrimônio histórico-cultural é tão abrangente que, em prol de tal proteção e para que seja assegurado o bem-estar social entre seus entes/cidadãos, permite ao Estado usar de seus institutos (I. Limitações Administrativas; II. Ocupação Temporária; III. Requisição Administrativa; IV. Desapropriação; V. Servidão Administrativa; VI. tombamento), cada qual com sua hipótese e condições de aplicação, para interferir até mesmo em bens privados, independendo da vontade de terceiros.

Em alinho ao expendido, é importante consignar que o Texto Constitucional de 1988 confere a competência de legislar, proteger e fornecer meios de acesso ao patrimônio cultural à União, aos estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ademais, cuida salientar que os entes federativos supramencionados são responsáveis por tratar dos danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O motivo de tal hierarquia vem do diferente ponto de vista pelo qual a necessidade de preservação de um bem está compreendida, ou seja, os critérios avaliativos, capazes de justificar o tombamento de um objeto, podem variar, de acordo com o ponto de vista avaliativo da União, de um estado-membro ou de um município, pois é evidente que haverá bens de valores únicos para um município, mas que não terão a mesma significância para a União ou para o próprio estado-membro. Ainda nessa linha de pensamento, o artigo 215 estabelece que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988).

Diante das ponderações apresentadas até o momento, quadra assinalar que os bens e as prestações de serviços constituem o próprio objeto do direito, conforme se infere das ponderações de Pereira (2008). Logo, no momento em que o enunciador constituinte afirmar que o exercício dos “direitos culturais” será garantido a todos, estará afirmando que a cultura é objeto do direito, sendo tratado na atual Constituição Federal como um bem jurídico, patrimônio, valor e povo. No que atina à noção jurídica de “bem”, esta se refere a toda utilidade, física ou ideal, que possa impactar na faculdade das ações do indivíduo, ou seja, compreenderão os “bens” propriamente ditos, os passíveis e não passíveis de apreciação financeira.

3 TOMBAMENTO: PROTEÇÃO DO BEM CULTURAL MATERIAL

Segundo Di Pietro (2013), o instituto do tombamento configura modalidade de intervenção do Estado em qualquer tipo de bem material, dentre eles móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, públicos ou privados, em virtude da preservação do patrimônio histórico ou artístico cultural. Pode-se considerar requisitório de tal preservação o bem cuja conservação seja de interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história brasileira, ou por seu grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. O ideal num processo de tombamento é que não se tombem objetos isolados, mas conjuntos significantes. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico” (MINAS GERAIS, 2008).

Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. Partindo da ideia de conjunto significativo, atualmente, excetuando-se seres humanos e exemplares animais isolados, tudo pode ser tombado; até mesmo um ecossistema para a preservação de uma ou mais espécies. Em harmonia com o escólio de Di Pietro (2013), a origem do vocábulo ”tombar”, provém do direito português, no qual tem o significado de registrar, inventariar, inscrever nos arquivos do reino que serão guardados na Torre do Tombo (local onde ficavam os arquivos de Portugal). Ainda é sustentada a ideia de que todo bem tombado deve ser registrado no Livro do Tombo (Livro nº 1 do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Livro nº 2 do tombo histórico; Livro nº 3 do tombo das belas artes; Livro nº 4 das artes aplicadas), e, a partir deste momento, o bem passará a ser considerado bem de interesse público, impondo restrições ao particular, tudo em prol da preservação.

Tal como ocorre com as demais espécies de intervenção na propriedade, o tombamento tem por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse público. Por mais uma vez, com realce, é possível verificar a materialização da premissa que o interesse público prevalece em relação aos interesses dos particulares. É por tal motivo que, ainda em relação ao presente instituto, se pode invocar as disposições contidas nos artigos 5°, inciso XXIII, e 170, inciso III, ambos da Constituição Federal, os quais objetivam assegurar que a propriedade alcance sua função social. Com efeito, a defesa do patrimônio cultural se apresenta como matéria dotada de interesse geral da coletividade. Assim, “para que a propriedade privada atenda a essa função social, necessário se torna que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas concernentes ao uso de seus bens, impostas pelo Poder Público” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 736). Uma vez obtida essa proteção, a propriedade estará cumprindo o papel para o qual a Constituição Federal a destinou.

Destarte, é possível evidenciar que o tombamento encontra escora na necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social e esta, por sua vez, se consubstancia na necessidade de proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e científico. Ao lado disso, com destaque, a Emenda Constitucional N° 48, de 10 de agosto de 2005, que, ao acrescentar o §3° ao artigo 215 da Constituição Federal, estabeleceu que diploma legislativo criasse o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, com o escopo principal de fomentar o desenvolvimento cultural do País, tal como a interação de ações do Poder Público para a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, produção, promoção e difusão de bens culturais e outras ações do gênero. Salta aos olhos o intuito de atribuir, cada vez mais, realce aos valores culturais do País.

Tem se tornado corriqueiro, entretanto, o tombamento de imóveis urbanos para o fito de obstar suas demolições e evitar novas edificações ou, mesmo, edificações em determinadas áreas urbanas, cuja demanda de serviços públicos e equipamentos urbanos se apresente como incompatível com a oferta possível no local. “Com tal objetivo, certas zonas urbanas têm sido qualificadas como ‘áreas de proteção ao ambiente cultural’, e nelas se indicam os imóveis sujeitos àquelas limitações”, como bem espanca José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 736). Transparece, nesses atos, notório desvio da perspectiva, porquanto são flagrantemente ilegais e não apresentam qualquer conexão com o real motivo apresentado pelo instituto do tombamento. O fundamento real deste instituto está assentado na preservação do patrimônio público, contudo, naquelas áreas inexiste qualquer ambiente cultural que reclama preservação do Poder Público.

Um processo de tombamento de um bem cultural ou natural pode ser solicitado por qualquer pessoa, seja física ou jurídica, proprietário ou não, por uma organização não governamental, pelo representante de órgão público ou privado, por um grupo de pessoas por meio de abaixo assinado ou por iniciativa do próprio órgão responsável pelo tombamento, sendo de grande importância a descrição da possível localização ou as dimensões e características do bem, juntamente com a justificativa do motivo pelo qual se solicita o tombamento pelo solicitante, assim discerne Lourenço (2006, s.p.). Quanto à competência legislativa do ato de tombamento, tem-se:

“[…] na esfera federal, o tombamento é realizado pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Na esfera estadual, realiza-se pela Secretaria de Estado da Cultura – CPC. Já na esfera municipal, é realizado quando as administrações dispuserem de leis específicas. O processo de tombamento poderá ocorrer inclusive, em âmbito mundial, o qual será realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, cujo bem será reconhecido como Patrimônio da Humanidade” (LOURENÇO, 2006, s.p.).

Lourenço (2006, s.p.), ainda delibera que é de responsabilidade do órgão que efetuou o tombamento estabelecer os limites e as diretrizes para as possíveis interações sociais nas áreas próximas ao bem tombado. Ou seja, quando se tem o tombamento de um bem, o que próximo a ele estiver, também sofre interferência do processo, mesmo que em menor grau de proteção.Com o que Lourenço (2006, s.p.) leciona, um objeto tombado não deverá ter sua propriedade alterada, nem precisará ser desapropriado, ao contrário, embora deva-se manter as mesmas características de antes da data do tombamento. O objetivo, como supramencionado, é a proibição da destruição e da descaracterização do bem em questão, não havendo, desta forma, qualquer impedimento quanto a venda, aluguel ou herança de um bem tombado, desde que este continue em estado de preservação. Portanto, aquele que ameaçar ou destruir um bem tombado estará sujeito a processo judicial, que poderá definir multas, medidas compensatórias ou até a reconstrução do bem como se encontrava na data do tombamento, de acordo com a sentença final do processo.O autor ainda complementa que caso o proprietário possua a intenção de vender o bem, deverá, antecipadamente, reportar à instituição que realizou o ato de tombamento para que se atualize os dados.

3.1 Processo administrativo do tombamento

Para Gomes (2014, p.4), o tombamento trata-se de um processdimento administrativo tal qual deve passar por uma série de atos até sua conclusão, com sua inscrição ou registro no Livro do Tombo. A lei não apresenta um procedimento padrão, embora descreva alguns atos indispensáveis para a organização do instituto. A não observância dos preceitos legais para sua realização gerará vícios formais passíveis de nulidades.Tais atos obrigatórios, são apontados porAlexandrino e Paulo (2011, p. 960):

“a) Parecer do órgão técnico cultural; b) A notificação ao proprietário, que poderá manifestar-se, anuindo com o tombamento ou impugnando à intenção do Poder Público de intentá-lo; c) Decisão do Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento, após a menifestação dos técnicos e do proprietário. A decisão concluirá: c.1) Pela anulação do processo, caso haja ilegalidade; c.2) Pela rejeição da proprosta do tombamento; ou c.3) Pela homologação da proposta, caso necessário o tombamento; d) Possiblidade de interposição de recurso pelo proprietário a ser dirigido ao Presidente da República”.

Como manda todo processo administrativo, far-se-á a garantia do contraditório e da ampla defesa, previstos constitucionalmente no art. 5º LVI, juntamente com a produção de provas legais por parte do proprietário do bem, para que se demonstre a inexistência de relação entre o bem tombado e a proteção ao patrimônio cultural.

3.2 Comparação com outros institutos restritivos de propriedades

Morais (2001, s.p.) aponta distinções entre tombamento e os outros institutos restritivos mais semelhantes. Quanto à servidão administrativa, distinguem-se: quanto à finalidade, a servida administrativa visa a facilidade executória de obras e serviços público, enquanto o tombamento atua em virtude da proteção de objetos históricos/artísticos culturais; e quanto ao fato de a S.A. ser onerosa, ocasionando um ônus real de uso em virtude de terceiro, a medida que o Tombado é auto-executório, gratuito, e não transfere direitos à utilização do bem tombado, apenas limita-o. Mello, ainda, vai ponderar que:

“[…] distinguem-se os institutos do tombamento e da servidão em que: a) a servidão é um direito real sobre a coisa alheia ao passo que o tombamento também pode afetar um bem próprio e ser satisfeito mesmo quando o bem terceiro é expropriado, sem que com extingam os gravames inerentes ao tombamento […]; b) a servidão não impõe ao titular do bem tombado o dever de agir, pois não se exige um facere, mas tão só um pati, ao passo que o tombamento constitui o titular do bem tombado o dever de conservá-lo em bom estado, no que se inclui todas as realizações de reforma para tanto necessárias; c) as servidões só oneram bens imóveis e o tombamento tanto pode se referir a bens imóveis quanto bens móveis, como quadros, estatuetas, jóias e outros objetos de interesse cultural” (MELLO, 2013, p. 927).

E, quanto à limitação administrativa, primeiramente assemelham-se na gratuidade de imposição e no fato de haver finalidade estética em muitos casos. Em relação a suas diferenças, ressalta-se que o tombamento é um ato concreto, de limitação abstrata, e geralmente atinente a uma categoria de bens determinados, com finalidade preservação, cogitando valores de horizontes mais reduzidos. Enquanto que a limitação administrativa possui caráter genérico e abstrato, podendo se destinar a propriedades indeterminadas. Alexandrino e Paulo (2011) vai ponderar, ainda, que as limitações administrativas são determinações de caráter geral, por meio do qual o Poder Público comina a proprietários indeterminados, obrigações positivas, negativas ou permissivas, com o fito de condicionar as propriedades ao atendimento da multicitada função social.

3.3 Espécies de tombamento

Para Lourenço (2006, s.p.), é possível mencionar duas classificações possíveis para o tombamento: quanto à manifestação da vontade e quanto à eficácia do ato. Tratando-se da manifestação da vontade, o tombamento poderá ser voluntário ou compulsório. Segundo Carvalho Filho (2011), tombamento voluntário é ato do particular do bem tombado não resiste à inscrição feita pelo Poder Público, ou no caso desse mesmo particular procurar o Poder Público para a procedência do tombamento de seu patrimônio. Já o tombamento compulsório é descrito como aquele em que o Poder Público irá inscrever o bem tombado independentemente da anuência do particular.

Quanto à eficácia do ato, o tombamento pode ser considerado como provisório ou definitivo. É provisório enquanto está em curso o procedimento administrativo instaurado pela notificação, e definitivo quando, depois de concluído toda a tramitação do processo, o Poder Público procede a inscrição do bem no Livro do Tombo. Cuida salientar que, acerca da provisoriedade do tombamento, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou entendimento que o tombamento provisório não constitui fase procedimental, mas sim consubstancia verdadeira medida assecuratória de preservação dobem até que sobrevenha a conclusão dos pareceres e a inscrição no livro respectivo. “O instituto do tombamento provisório não é fase procedimental precedente do tombamento definitivo. Caracteriza-se como medida assecuratória da eficácia que este poderá, ao final, produzir” (BRASIL, 2003).

José dos Santos Carvalho Filho discorre que tal entendimento discrepa da disposição contida no artigo 10° do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937, eis que o tombamento será considerado provisório ou definitivo, consoante esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos bens. “Segue-se, por conseguinte, que, a despeito de poder também revestir-se de caráter preventivo, o tombamento provisório encerra, na realidade, fase do processo, porquanto decretado antes do ato final do tombamento definitivo” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 739). Doutro modo, a jurisprudência sustenta que “a existência de procedimento administrativo para o tombamento do imóvel do impetrante inviabiliza a demolição de seu bem, visto que o tombamento provisório se equipara ao definitivo, nos termos do artigo 10, §1º, do Dec. Lei 25/37” (MINAS GERAIS, 2006).

3.4 Obrigações impostas pelo tombamento

Di Pietro (2013) explica que, com o tombamento de um bem, gera-se várias obrigações ao proprietário e às propriedades apensas. No que concerne às obrigações positivas, é possível elencar: I. Dever de conservação do bem destinado a preservação do mesmo, ou caso não houver meios, comunicar sua impossibilidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa; II. Assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa. Isto é, caso o proprietário do imóvel resolva alienar este, deverá assegurar o direito de preferência, oferecendo, na seguinte ordem: primeiramente à União, em seguida Estados, e, por fim, Municípios, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos transmitente e o adquirente. As punições devem ser determinadas pelo Poder Judiciário; Morais (2001, s.p.) ainda acrescenta: ”III. Só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público”.

Em harmonia com o escólio apresentado por Di Pietro (2013), as obrigações negativas podem ser descritas como: I. Vedação à destruição, demolição ou mutilação, e, sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado. Morais (2001, s.p.), em tom de complemento, acrescenta que o bem tombado só poderá sair do país por curto período de tempo, sem transferência de domínio, e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN. Ainda segundo Di Pietro (2013), há as obrigações dos imóveis vizinhos: I. As propriedades em questão sofrem as consequências provindas do tombamento, dentre elas a de não realizarem construções que possam impedir ou dificultar a visualização do bem tombado, juntamente a impossibilidade de colocar anúncios e cartazes próximos ao bem tombado, sob pena de destruição da obra ou multa de 50% do valor do objeto.

3.5 Indenização do tombamento

Consoante o que pondera Gomes (2014), diferentemente das demais formas de proteção ao patrimônio cultural, a exemplo, a desapropriação, não cabe, via de regra, indenização ao proprietário. Isso se deve ao fato do ato ser gratuito realizado pelo Poder Público. A autora ainda complementa acerta a ausência da indenização: “[…] a justificativa se dá pelo fato da propriedade do bem não passar para as mãos da administração pública, ou seja, a posse, propriedade e direitos sobre o bem continuam em nome do proprietário” (GOMES, 2014, p. 6). Meirelles (2012) frisa a ideia de que a doutrina não é pacífica quanto a essa questão, isso devido a restrição dos direitos do proprietário impostos pelo tombamento em virtude do benefício coletivo, porquanto se o bem-estar social reclama o sacrifício de um ou de alguns, aqueles ou estes devem ser indenizados pelo Estado, ou seja, pelo erário comum do povo. Gomes (2014, p. 6) assevera ainda que essa corrente entende que com as restrições impostas surge um esvaziamento econômico do bem, o que gerará dano a seu proprietário.

Nesta esteira, sempre que o tombamento de um imóvel reduzir-lhe o poder de uso, gozo e função, pela necessidade de preservação em prol da coletividade, impedindo de alterar seu estado de acordo com a vontade de seu proprietário, estará caracterizado um dano, uma perda, um esvaziamento econômico. Ainda mais se antes do tombamento o status da utilização (edilícia, comercial, etc.) do imóvel, era uma; e depois do tombamento, com as limitações havidas o status passa a ser outro, mais limitado. Gomes (2014, p. 7) afirma, em seu escólio, que tal ato indenizatório, para essa parte da doutrina, deve ter proporção relacionada com o dano, não sendo apenas um prejuízo econômico, mas sim, o prejuízo decorrente da constrição de um direito, gerando o dever de indenizar.

3.6 Destombamento

Segundo Costa e Telles (2013, p. 5),o cancelamento do tombamento, o destombamento, trata-se de um instituto constitucional que serve de ferramenta de grande importância utilizada para salvaguardar bens jurídicos que se apresentarem, caso a caso, devendo sua utilização ser guiada por interesse público superveniente, somente em casos extremos e excepcionais, seguindo parâmetros para que se tome a devida cautela em sua utilização, evitando assim possíveis distorções em sua aplicação que violem princípios constitucionais e, sobretudo, desrespeitem os direitos culturais concebidos pela Constituição de 1988, como o direito à preservação do patrimônio cultural.

O destombamento não somente afastará a proteção conferida, como também desvalorizará a coisa outrora tombada, retirando assim o valor que antes lhe fora atribuído. Isto é, com o cancelamento do tombamento, o bem deixará de ter papel de patrimônio, por esta razão deve ser usado somente em casos extremos, assim dispõem Costa e Telles (2013, p. 6). Os autores ainda complementam: “quando há o cancelamento de tombamento, […] mantém-se a inscrição de tombamento no Livro do Tombo intacta, a fim de preservar o registro histórico e documental de tal ato”.

Ainda com o que Costa e Telles (2013, p. 8) lecionam, uma das principais condicionalidades para o cancelamento do tombamento é que tal ato deve ter precedido não só de manifestação do conselho, mas também de mecanismos que garantam participação popular em tal processo decisório. Quanto as principais hipóteses de aplicação, tem-se: a) perecimento da coisa tombada: caso haja inexistência física da coisa tombada, seja ela ocasionada por fatores naturais ou similares, no qual não se admitirá destombamento provindo de ações dolosas com intuito de causar irreversível ao patrimônio cultural, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal para tais atos; b) desaparecimento do valor do bem: esta hipótese se refere ao desaparecimento do valor atribuído à coisa, considerando-se o tempo e espaço em que o valor se alterará, com possibilidades de ser retirado da coisa por meios de critérios técnico-científicos, em processo administrativo próprio, com participação popular e com consentimento do conselho consultivo; c) atendimento de interesse público superveniente: é a hipótese mais comum, por assim dizer. Visa atender o interesse público superveniente ao direito cultural de preservação ao patrimônio cultural.

“As recentes políticas públicas de preservação, com base no art. 216, §1º da CF/88, prezam pela participação popular nos processos de patrimonialização de bens culturais, a fim de assegurar ressonância entre bem cultural e sujeitos diretamente envolvidos com tais bens, acarretando, desta feita, uma efetiva proteção ao patrimônio cultural” (COSTA; TELLES, 2013, p. 10).

Neste sentido, decisões que revertam o status jurídico de um bem cultural reconhecido como patrimônio cultural devem ser compartilhadas com a comunidade, não podendo ser tomadas às suas revelias e contra o interesse da coletividade. Portando, devem ser assegurados os meios de participação da sociedade nesse processo delicado de “despatrimonialização”, tais como: “audiências públicas, consulta às associações de moradores e conselhos comunitários do entorno do bem tombado” (COSTA e TELLES, 2013, p. 11). Havendo pena de o bem cultural em questão ficar desprotegido e propenso a danos irreparáveis. Costa e Telles dispõem:

“A colaboração da comunidade se faz mais ainda necessária quando o destombamento pode implicar não apenas na descaracterização dos valores identitários de um local, mas também ocasionar impactos ambientais, problemas de mobilidade urbana e de poluição visual, atmosférica e sonora. Por conseguinte, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, não há como dissociar o Estatuto das Cidades, Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, da proteção do patrimônio cultural e a aplicação de seus institutos” (COSTA; TELLES, 2013, p. 22).

O Estatuto da Cidade, com suas normas a respeito das formas de organização dos centros urbanos, colabora ajudando a obstruir problemáticas do tombamento, principalmente com relação aos bens imóveis. ”[…] a inserção do patrimônio cultural material nos planos urbanísticos age de forma a apresentar resultados positivos” (COSTA; TELLES, 2013, p. 11). Logo, os instrumentos urbano-ambientais, potencialmente, colaborarão na preservação dos bens culturais, não impedindo a dinâmica de crescimento das cidades ou substituir o instituto jurídico do tombamento quando este for considerado inapropriado.

Com o cancelamento do tombamento, além da participação obrigatória dos Conselhos Federal, Estadual ou Municipal de Proteção/ Preservação do Patrimônio Cultual (sendo permitida a possibilidade de tombamento cumulativo), de acordo com o procedimento de tombamento compulsório previsto em lei, indo de acordo com o(s) grau(s) de interesse federativo na questão, valendo dos métodos previstos no Estatuto da Cidade, para que seja assegurada a manifestação decisória da população e, consequentemente, sua audiência.Via de regra, conforme Costa e Telles (2013, p. 24) dispõem, o destombamento só poderá ser exercido:

“[…] em prol da violação do procedimento administrativo previsto em lei ou por instauração de outro processo, garantidos a ampla defesa e o contraditório do particular e da sociedade como um todo, ouvindo o(s) Conselho(s) do Patrimônio Cultural”.

Quanto aos critérios de conveniência e oportunidade do chefe do Poder Executivo, ainda que atendam o princípio administrativo-constitucional da motivação dentro de sua discricionariedade, não podem esquecer da intervenção e a participação da sociedade no zelo pelo patrimônio cultural, de acordo com o artigo 216, § 1º da Constituição da República de 1988. O interesse público deve estar de acordo com os reclames sociais da coletividade, já que os cidadãos e legitimados pela a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem o direito de contrariar a anulação do tombamento pela via judicial, através da Ação Popular e da Ação Civil Pública.

4 O TOMBAMENTO NO MUNICÍPIO DE MUQUI: UM ESTUDO DE CASO

Localizado no sul do estado do Espírito Santo, a 164 km da capital, Vitória, o município de Muqui é reconhecido nacionalmente como um dos maiores sítios históricos do Estado, isso devido ao fato de abrigar o que resta de um marcante passado colonial de descendentes, principalmente, italianos. A cidade surgiu no final do século XIX, e até hoje abriga um grandioso e importante acervo arquitetônico e urbanístico (composto por casarios antigos, sobrados, palacetes, praças, igrejas e até a Estação da Leolpodina (atualmente desativada para transporte de passageiros e transformada em Centro Cultural) que guardam características de arquitetura eclética, requintada pelo apuro técnico de detalhes, que se destaca pelas fachadas decoradas com elementos florais e varandas laterais, com pinturas de temas de paisagem naturais, próprias do neoclássico) ― tal qual pode ser considerado a própria cultura viva, remetendo aos tempos antigos da escravidão e da época cafeeira ―, construído em função de diversos ciclos econômicos vinculados à produção cafeeira, bem como registros do passado estampados pela cidade, construídos no começo do século seguinte à sua fundação (época áurea do ciclo do café), como discorre Pauli (2015).

Ainda com o que a autora dispõe, nessa toada, partindo do princípio do tombamento, o de proteger tudo aquilo que remeta às memórias de povos antigos, nasceu a necessidade de se preservar todo o acervo muquiense. Muito embora, segundo Gonzaga (2005, p. 23), o processo não fora realizado sem que a comunidade local da época tivesse se manifestado contrária à constante perda de seus referenciais arquitetônicos (no decorrer das últimas décadas, Muqui passava por um crescimento acelerado, tal qual levava à irreversível destruição do cenário configurado com o passar dos anos. Já não se restava muito do antigo Arraial do Lagarto, fundado em meados do século XIX, apenas alguns resquícios arruinados da Fazenda Entre Morros e da Fazenda Boa Esperança. Quanto a florescente cidade do café, das décadas de 20 e 30 do século XX, ainda restava um número considerável de estruturas arquitetônicas remanescentes, algumas destas de grande importância).

O autor ainda pondera que, no ano de 1988, fora encaminhado um abaixo assinado de moradores, ainda que não houvesse registro algum de qualquer entidade de classe ou organização não governamental atuante na cidade, ao Conselho Estadual de Cultura, solicitando o tombamento da cidade a nível estadual. Dentre todas as desavenças, após variadas reuniões foram realizadas em conjunto com a comunidade local, o processo parou, deixando a comunidade desamparada e sem saber o que deveriam fazer. O que levou a organização de algumas manifestações isoladas, principalmente quando algum proprietário pretendia demolir ou alterar drasticamente sua morada, embora ainda não existissem instrumentos legais para impedi-los de tal.

Foi a partir de 1999, próximo a data de comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil, as discussões acerca do patrimônio cultural e sua relevância entraram novamente no plano de discussão da comunidade, não ocorrendo apenas em Muqui, mas, segundo dados do próprio IPHAN, de uma forma mais ou menos generalizada por todo o país. Destarte, fora instituída a “Comissão Pró-tombamento” que:

“[…] será responsável pela gerência do processo de tombamento municipal, formada por membros da comunidade local, que, após discussões, encaminhou ao legislativo municipal ante-projeto de lei, tal qual fora transformado na lei nº 070/99, LEI DO TOMBAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE MUQUI. Como conseqüência desse trabalho são criados o Conselho Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Turismo, além da Lei de Tombamento Municipal, uma vez que a nível Estadual o processo estava paralisado” (GONZAGA, 2005, p. 25).

Gonzaga (2005, p. 26) leciona que, a fim de subsidiar o tombamento municipal do Sítio Histórico de Muqui, o inventário de seu patrimônio histórico-cultural fora desenvolvido por membros do Conselho Municipal de Cultura em conjunto a funcionários da Secretaria Municipal de Cultura. Tal inventário teve sua base nas edificações situadas na área urbana, como primeiro elemento a ser preservado.  Após vinte e um anos de processo em corrimento, no dia 05 de novembro de 2009, data em que comemorava-se o Dia Nacional da Cultura, o Conselho Estadual aprovou o processo de tombamento do sítio histórico em sua toada, após realizadas treze Reuniões Ordinárias para se discutir a respeito. Benevenute (2016, s.p.), acerca da décima terceira reunião, pondera:

“[…] na reunião estavam presentes várias autoridades no assunto, dentre eles: os conselheiros do Conselho Municipal de Cultura, o membro do Ministério Público de Muqui, o Pároco da Igreja São João Batista, a Secretária Estadual de Cultura e membros da população Muquiense.

A votação foi unânime no sentido de aprovar o tombamento estadual do Sítio Histórico de Muqui, “ressalvando a necessidade de uma responsabilidade compartilhada e o comprometimento do Prefeito, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público, para que todos tomem conhecimento dos atos consequentes para a preservação do casario”. A respeito do tema, merece destaque a fala da presidente do Conselho Estadual de Cultura […]”.

A partir deste momento a cidade de Muqui, com 186 imóveis já tombados na esfera municipal, passou a contar com seus bens preservados e reconhecidos historicamente na esfera estadual. totalizando 299 mil metros quadrados de área tombada, abrangendo quase toda a área urbana, com enfoque na avenida central da cidade, onde se encontram se encontram os principais imóveis construídos na década de 1920. Fora a primeira vez que os conselheiros se reuniram e votaram por um tombamento fora da sede, em Vitória.

5 LEGISLAÇÃO SOBRE O TOMBAMENTO NO MUNICÍPIO DE MUQUI: PRIMEIRAS REFLEXÕES

O primeiro texto legislativo a despeito dos bens tombados, ainda na esfera municipal, entrou em vigor no dia 06 de outubro de 1999 e pode ser encontrado do site da Câmara Municipal de Muqui. Trata-se da Lei Ordinária N° 70/1999, que dispõe sobre o Tombamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui e dá outras providências.

O texto em si não é de grande extensão, contando com 23 artigos que ressaltam ainda mais a importância da preservação dos bens históricos. Dentre eles, destacam-se: art. 1.º e seus dois parágrafos, no qual será estabelecido o que constituirá/será considerado parte do Patrimônio Histórico e Artístico da cidade, bem como se dá o processo de inserção ao Tombamento:

“Art. 1.º – Constitui o Patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui, o acervo de bens imóveis existentes em seu território e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História, quer por seu excepcional valor arquitetônico ou etnográfico, bibliográfico ou científico.

§ 1.º – Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio Histórico e Artístico do Município de Muqui depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos 04 (quatro) livros do Tombo do Conselho Municipal de Cultura, na forma desta lei.

§ 2.º – Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamentos ou monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana” (MUQUI, 1999).

O art. 3.º, que conta com dois parágrafos, complementará, de certa forma, o art. 1.º e tratará, mais aprofundadamente dos Livros do Tombo, competentes ao Conselho Municipal de Cultura:

“Art. 3.º – No Conselho Municipal de Cultura existirão quatro Livros de Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o Art. 1.º, a Lei a saber:

I – Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico, Paisagístico e Científico para as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2.º do artigo 1.º desta lei.

II – Livro de Tombo Histórico, para as coisas de interesse histórico, arquivos e as obras de arte histórica.

III – Livro de Tombo das Belas Artes, para as coisas da arte erudita.

IV – Livro do Tombo das Artes Aplicadas, para as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas.

§ 1.º – Cada um dos Livros de Tombo poderá ter vários volumes.

§  2.º – Os bens que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas I, II, III e IV do presente artigo serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente Lei” (MUQUI, 1999).

O art. 17, contando também com dois parágrafos, dispõe sobre as consequências da falta de prestação de recursos para que se proceda a preservação de um bem tombado, bem como, em caso de necessidade de reparação de um bem, o que deve ser feito para que se execute as obras:

“Art. 17 – O proprietário da coisa tombada que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requer, levará ao conhecimento do Conselho Municipal de Cultura a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.

§ 1.º – Recebida a comunicação e consideradas necessárias as obras, o Conselho Municipal de Cultura oficiará ao Secretário de Educação e Cultura para efeitos de execução de reparos ou desapropriação da coisa.

§ 2.º – A falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa”  (MUQUI, 1999).

E ainda o art. 20, que leciona sobre o que o Conselho Municipal da Cultura deverá fazer para que seja obtida a cooperação entre as autoridades para o benefício do patrimônio histórico e artístico do município:

“Art. 20 – O Conselho Municipal de Cultura manterá entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais e jurídicas,, com o objetivo de obter a cooperação das mesas em benefício do Patrimônio Histórico e Artístico do Município” (MUQUI, 1999).

No dia 11 de novembro de 2000, passa a vigorar a Lei Ordinária N° 89/2000, que conta com 5 artigos em virtude de se alterar e incluir dispositivos na lei n° 070/99 (Lei do Tombamento) e dar outras providências. O art. 1.º da Lei de 2000 altera o art. 2.º da Lei de 1999, que até aquele momento estabelecia: “Art. 2.º – A presente Lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno (salvo a União)” (MUQUI, 1999). Com a alteração, sua redação passou a ser a seguinte: “Art. 2.º – A presente Lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno, salvo o Estado e a União” (MUQUI, 2000).

O art. 2.º da nova Lei altera o art. 9.º da Lei mais antiga, limitando seu poder de dispor sobre as coisas tombadas, no qual, antes, o artigo permitia que o Conselho Municipal de Cultura pudesse ouvir os casos de transferências de bens tombados pertencentes ao Estado ou ao Município entre pessoas de direito público interno, passando apenas a ouvir casos de bens tombados pertencentes somente ao município.

“Art. 9.º – As coisas tombadas que pertençam ao Município, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas entre pessoas de direito público interno, depois de ouvido o Conselho Municipal de Cultura” (MUQUI, 2000).

O terceiro artigo da Lei nº 089/2000 não altera o art. 15 da Lei nº 070/99, mas sim anexa à ela dois novos parágrafos. Quanto ao texto do art. 15, tem-se:

“Art. 15 – A coisa tombada não poderá, em caso nenhum, ser destruída, demolida ou mutilada, nem sem prévia autorização especial do Conselho Municipal de Cultura, ser reparada, pintada ou restaurada, sob pena de multa de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da coisa” (MUQUI, 1999).

Os novos parágrafos do art. 15 estabelecem que os projetos das obras no Sítio Histórico de Muqui deverão ser encaminhados à aprecisação do Conselho Municipal de Cultura, através da Prefeitura Municipal de Muqui (Secretaria Municipal de Transportes, Obras e Serviços Urbanos), com os elementos, expressos no parágrafo, devidamente anexados e, aprovados os projetos, deverão ser enviados à Prefeitura Municipal de Muqui, quatro cópias para serem carimbadas, sendo que a 1ª cópia será arquivada na Seretaria municipal de Transportes e Obras Públicas, a 2ª cópia será arquivada no Conselho Municipal de Cultura e a 3ª e 4ª cópias serão entregues ao proprietário do imóvel.

O art. 4.º da Lei nº 089/2000 torna o art. 18 da Lei nº 070/99 mais claro. Nele fica expresso que a coisa tombada fica sujeita à vigilância permanente do Conselho Municipal de Cultural, no qual poderá este inspecioná-la sempre que conveniente, após ser notificado previamente 48 horas, o proprietário ou responsável. Caso o indivíduo em questão crie obstáculos à inspeção, este ficará sujeito ao pagamento de multa no valor de 280 UFIR. Ademais, o quinto artigo da Lei nº 089/2000 acrescenta ao texto do art. 19 da Lei nº 070/99 um parágrafo único. Tal qual passa a dispor que: ”o grau de proteção e intervenção nos imóveis do Sítio Histórico de Muqui será definido pelos seguintes critérios, de acordo com diferentes níveis” (MUQUI, 2000). São cinco níveis tratados pelo art. em comento. O primeiro deles, que conta com cinco alíneas, corresponde ao Nível de Proteção Rigorosa:

“[…] diz respeito às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica relevantes para o conjunto urbano. Os aspectos originais de sua composição deverão ser mantidos, admitindo-se, porém, intervenções […]” (MUQUI, 2000).

O Nível 2 também é de Nível de proteção rigorosa e seu texto é semelhante ao do Nível 1, embora possua um única diferença: corresponde às edificações historicamente importantes que sofreram, no decorrer do tempo, alterações que as desfiguraram, sendo passíveis de restauração que restitua sua composição original, mantendo seus aspectos originais de sua composição.

Quanto ao Nível 3 e ao Nível 4, tratam-se de Níveis de Proteção Média. O primeiro: “[…] corresponde às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica pouco relevantes para o conjunto urbano. A edificação deverá ter suas fachadas e volumetrias mantidas” (MUQUI, 2000), admitindo ainda diferentes tipos de intervenções, dispostas em quatro alíneas. O Nível 4 é referente às edificações que possuem importância histórica e/ou arquitetônica relativamente baixas para o conjunto urbano, e, neste nível, mantendo as fachadas e volumetrias, são admitidas intervenções internas ou externas, de modo a harmonizar-se ao conjunto urbano, dispostas também em quatro alíneas.

Consoante aos demais, o Nível 5 é de Nível de Proteção Flexível. Corresponde a espaços/lotes vagos ou às edificações que poderão ser substituídas integralmente. Logo, as novas edificações deverão seguir os padrões das edificações construídas em sua vizinhança imediata. As especificações são dispostas em oito alíneas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como o estudo até então, conclui-se que o Sítio Histórico de Muqui é um “artefato” humano, um patrimônio ambiental, que nos fora passado de diversas coletividades culturais e que está em constante fase de transformação. Sendo assim, fica clara a necessidade de preservar e zelar todos os aspectos, não só como patrimônio cultural ou monumentos isolados, mas como patrimônio ambiental de importância comunitária, preservando a cultura, de modo geral (linguagem, os usos, os lotes, a paisagem natural e o próprio homem).

E para que o Instituto do Tombo cumpra sua missão, é de suma importância que toda a coletividade social trabalhe em conjunto, pois só assim será garantido que as atuais e futuras gerações desfrutem de tudo aquilo que contribuiu para a formação de um povo; que se encantem e gozem das mesmas maravilhas de um passado cheio de histórias; para que Muqui seja eterna.

 

Referências
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_________. Acórdão proferido em Apelação Cível/Reexame Necessário 1.0480.05.073268-8. Administrativo – Imóvel considerado de valor histórico e cultural – Tombamento Provisório – Ausência de direito líquido e certo. A existência de procedimento administrativo para o tombamento do imóvel do impetrante inviabiliza a demolição de seu bem, visto que o tombamento provisório se equipara ao definitivo, nos termos do artigo 10, § 1º, do Dec. Lei 25/37, não se havendo falar em direito líquido e certo. Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Relator: Desembargador Edilson Fernandes. Julgado em 12.12.2006. Publicado em 02.02.2007. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 26 jul. 2016.
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Notas:
[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica intitulado “Preservação e Manutenção do Patrimônio Cultural e os desafios para a concreção da Lei de Acessibilidade para os portadores de necessidades especiais: Uma análise sobre o sítio histórico do Município de Muqui-ES”.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Felipe Alves Pimenta

 

Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeira de Itapemirim

 

Tauã Lima Verdan Rangel

 

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES

 


 

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