Licitude da interrupção do serviço público pela concessionária por inadimplemento do usuário

Resumo: este artigo trata da discussão entre a licitude ou não da interrupção de um serviço público por inadimplência do usuário de serviço público. Temática abordada no curso de Direito Constitucional Aplicado da XXXIII turma do Curso de Pós-graduação em Direito Público da Universidade Anhanguera-LFG.

Palavra-chave: direito administrativo; serviço público; inadimplemento; interrupção.

Abstract: This article deals with the discussion between the lawfulness or not of the interruption of a public service by default of the public service user. Subject covered in the course of Applied Constitutional Law of the XXXIII class of the Postgraduate Course in Public Law of the University Anhanguera-LFG.

Keyword: administrative law; public service; Defaults; interruption.

Sumário: Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; 4. Referências.

INTRODUÇÃO

Esse trabalho trata da discussão a respeito da licitude da interrupção do serviço público por parte da concessionária de serviço em decorrência da inadimplência da tarifa para o custeio por parte do usuário.

2. DESENVOLVIMENTO

Antes de analisar a premissa central, devem-se estudar alguns pontos importantes. O primeiro deles é o conceito de concessionária de serviço público. Tal definição é estabelecida pelo professor José dos Santos Carvalho Filho:

“Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários. Nessa relação jurídica, a Administração Pública é denominada de concedente, e, o executor do serviço, de concessionário.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 2014, p. 374)

Observa-se que o autor vai além, define concessão e também a pessoa fruto desta, a concessionária. O primeiro é um instituto jurídico que concede à segunda o poder e dever de prestar o serviço público em substituição ao Estado, a administração pública, enquanto que o administrado se compromete, no outro polo do contrato, às suas devidas obrigações e direitos que vão ser analisados no decorrer deste trabalho.

A Constituição Federal disciplina superficialmente tais relações jurídicas:

“Art. 175. Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado”.(BRASIL, Constituição Federal. 1988)

Alguns pontos podem ser analisados da Carta Magna, dentre eles: o instituto jurídico de conceder a terceiros o cumprimento do serviço público em nome da administração pública; a asseguração dos direitos dos usuários desse serviço; e a obrigação de manter o serviço adequado.

A própria norma constitucional deixou claro em vários pontos que precisa de complemento, este veio com a promulgação da Lei 8987 que estabeleceu o Regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

Abaixo está transcrito o capítulo 2 desta lei que trata do serviço público adequado supracitado pelo poder constituinte originário.

“Art. 6o § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações;

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. (BRASIL, Lei 8987. Regime de concessão e permissão do serviço público. 1995)

O serviço público adequado é dever da concessionária e o artigo 6º define tais medidas para alcançar esta premissa assim como cita os princípios do serviço público (são eles: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas). No entanto tal previsão não é de responsabilidade apenas das concessionárias, uma vez que o inciso II do parágrafo 3º deixou claro que o inadimplemento do usuário pode gerar interrupção da prestação de serviço por não considerar tal situação uma hipótese de descontinuidade do serviço público.

Surge em torno dessa norma o questionamento de estar ou não violando o princípio da dignidade da pessoa humana quando permite a interrupção de serviço público indispensável. Nesse sentido, vale ressaltar o garantismo presente no Código de Defesa do Consumidor no artigo 22 abaixo transcrito:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”. (BRASIL, Lei 8078, Código de Defesa do Consumidor. 1990.)

Apesar de tal interrupção, quando necessária, realmente gerar um desconforto para o usuário, é necessária para custear o serviço público e o consequente serviço público adequado de acordo com o que determina a Lei 8987, acima analisado. É o que estabelece a doutrina atualmente, vale citar novamente o professor José dos Santos Carvalho Filho que esclarece:

“[…] incumbe aos usuários o pagamento da tarifa ao concessionário pelos serviços que lhes foram prestados. A tarifa, como vimos, é modalidade de preço público e se caracteriza por remunerar serviços públicos objeto de contratação. Desse modo, o não pagamento configura-se como inadimplência por parte do usuário, criando para o concessionário o direito de suspender a prestação do serviço enquanto perdurar o descumprimento, o que encontra suporte no art. 6º, § 3º, 11, da Lei nº 8.987/1995.95 A matéria, como já vimos, vem sendo pacificada nos tribunais.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 2014, p. 374)

Esse entendimento também é compartilhado pela jurisprudência. É o que orienta a Súmula 83 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: "É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei".

3. CONCLUSÃO

A interrupção da prestação de serviço público por parte de concessionárias, portanto, não é vista como ilícita nem pela doutrina nem pela jurisprudência conforme determinam a Lei 8987 e a Súmula 83. No entanto, parte da doutrina considera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana a interrupção de serviços essenciais quando comprovada a baixa renda do administrado. Orienta-se às concessionárias, ao perceber a inadimplência do usuário e comprovado o comprometimento da prestação adequada do serviço público, fundamentando-se na necessidade de garantir o serviço público adequado para a coletividade, informe com devida antecedência o administrado para que possa realizar o pagamento. 

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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988. Congresso Nacional, Brasília.
_______. Lei número 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, Regime de concessão e permissão da prestação de serviços  públicos. Congresso Nacional, Brasília.
_______. Lei número 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor . Congresso Nacional, Brasília.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31 de dezembro de 2013. São Paulo: Editora Atlas, 2014.
Súmula da Jurisprudência Predominante de n.º 2005.146.00005 – Julgamento em 12/09/2005 – Relator: Des. Roberto Wider – fls 009686/009688.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Martins Rodrigues Neto

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão UFMA pós-graduando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-LFG


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