Do estado executor e a intervenção no domínio econômico

Resumo: Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Assim, o presente busca promover uma análise acerca do papel desempenhado pelo Estado, enquanto executor, no domínio econômico, bem como as formas de intervenção.

Palavras-chave: Estado Executor. Domínio Econômico. Intervenção na Economia.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios; 2 Do Estado Executor; 3 Exploração Direta; 4 Exploração Indireta

1 Comentários Introdutórios

Em harmonia com a dicção contida no artigo 170 da Constituição Federal de 1988[1], a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica estiver de alguma forma vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Carvalho Filho, em complemento, vai afirmar que “fundamentos, na verdade, são os pilares de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem”[2].

 Assim, a ordem econômica, também nominada de “Constituição econômica”, pode ser apresentada, enquanto elemento integrante da ordem jurídica, como o sistema de normas, institucionalmente, determinado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva abarcada pela Constituição Federal de 1988 objetiva a transformação do mundo do ser. Neste aspecto, inclusive, a redação do artigo 170 afixa que a ordem econômica deverá estar alicerçada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, bem como ter por escopo assegurar a todos existência digna, consoante os ditames preconizados pela justiça social, observados determinadas diretivas. Diógenes Gasparini[3] vai afirmar que a intervenção do Estado no domínio econômico como ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em determinada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais.

Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Ora, a denominada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas indispensável à concretização e à preservação do sistema capitalista de mercado. Sobre o papel desempenhado pelo Estado, no que toca à intervenção na ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto que:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a união, estados-membros e o distrito federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do estado na economia. Artigos 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.950/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 nov. 2011/ Publicado no DJ em 02 jun. 2006, p. 04).

Neste sentido, no que toca à valorização do trabalho humano, é importante estabelecer que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a Constituição consignou os valores sociais do trabalho, em seu artigo 1º, inciso IV[4]. A dicção do dispositivo coloca em destaque a preocupação do Constituinte em promover a conciliação entre os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Assim, em decorrência de tal alicerce, não encontra mais amparo, por exemplo, comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho capazes de colocar em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. Ademais, é crucial assinalar, ainda, que a justiça social apresenta escopo protetivo e direcionado a categorias sociais mais desfavorecidas.

No mais, a valorização do trabalho humano encontra relação intrínseca com os valores sociais do trabalho. Inexiste dúvida que, para condicionar o trabalho a aludidos valores, faz-se carecida a intervenção do Estado na ordem econômica. “A Constituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e empregados, estabelecidos nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados”[5], como leciona Carvalho Filho. Os mandamentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social.

Ainda no que atina à valorização do trabalho humano, outro aspecto que decorre desse fundamento é o relativo à automação industrial. Assim, se o uso contemporâneo das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que as máquinas não podem promover a substituição do homem para assegurar benefícios exclusivos do empresariado. Além disso, o Texto Constitucional é ofuscante ao impor a valorização do trabalho humano, logo, o homem deve ser considerado como alvo da tutela. A valorização do trabalho humano implica na necessidade de localizar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que a outros concernentes a interesses privados, de maneira a ajustar o trabalho aos primados da justiça social.

O outro fundamento norteador da ordem econômica é o da liberdade de iniciativa, o qual indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e de serviços por sua conta e risco. Com efeito, o postulado em comento desdobra na liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado execute sozinho ou, ainda, concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa materializa o postulado maior do regime capitalista adotado no território nacional. Afora isso, o alicerce em foco encontra complementação na redação do parágrafo único do artigo 170 do Texto Constitucional[6], consoante o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção das hipóteses expressamente consagradas no ordenamento jurídico vigente.

Tal como o postulado anterior, a liberdade de iniciativa materializa um fundamentos da própria República. Nesta senda, a acepção de livre iniciativa rememora que o Estado não é mero observador, mas desempenha papel de efetivo participante e fiscal do comportamento econômico dos particulares. Destarte, o Estado interfere, de fato, no domínio econômico, restringindo e condicionando a atividade dos particulares em favor do primado do interesse público. Carvalho Filho[7] vai mencionar que a garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado goza de tamanha proeminência no regime vigente que prejuízos causados a empresários em decorrência da intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de serem indenizados em determinadas situações, nos termos preconizados no §6º do artigo 37 do Texto Constitucional de 1988[8], quando consagra a responsabilidade objetiva. O Supremo Tribunal Federal, em tal trilha, já decidiu que:

“Ementa: Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regulamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. – RE conhecido e provido”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 422.941/ Relator:  Min. Carlos Velloso/ Julgado em 06 dez. 2005/ Publicado no DJ em 24 mar. 2006, p. 55).

Há um critério, ainda, que reclama apreciação. A acepção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Ora, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para exploração das atividades econômicas, existiria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano. Assim, é perceptível a necessidade de conciliar os fundamentos, desenvolvendo estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de iniciativa, com o escopo de que seja alcançada, de fato, a justiça social e os valores emanados.

2 Do Estado Executor

O Estado não atua apenas como regulador, mas também como executor, exercendo a atividade econômica. Com efeito, o exercício estatal de tais atividades não pode materializar como regra geral; ao reverso, o Texto Constitucional estabelece uma série de limitações a tal natureza, com o escopo primordial de preservar o princípio da liberdade de iniciativa, concedido aos particulares em geral, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 170: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”[9].

Na condição de exercente da atividade econômica, o Estado pode assumir duas posições distintas. A primeira consiste naquela que o próprio Estado se incumbe de explorar a atividade econômica por meio de seus órgãos internos. Carvalho Filho[10], ao examinar tal posição, vai exemplificar que é verificável quando a Secretaria Municipal de Saúde passa a fornecer medicamentos ao mercado de consumo, com o escopo primordial de favorecer a aquisição por pessoas de baixa renda. Em tal hipótese, é possível sustentar que há exploração direta de atividades econômicas pelo Poder Público. Em decorrência da peculiar situação, a atividade econômica acaba confundindo-se com a própria prestação do serviço público, eis que o fito do Estado é social e não persegue a obtenção do lucro.

Contudo, o que corriqueiramente ocorre é a criação, pelo Estado, de pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execução de atividades de cunho mercantil. Para tanto, normalmente, são instituídas empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais escopos. Conquanto sejam pessoas autônomas, que não se confundem com a pessoa do Estado, há que se reconhecer que o controle é exercido por esse, dirigindo e impondo a execução de seus objetivos institucionais. Destarte, caso elas não explorem diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em uma fronteira, intervém na ordem econômica. Em tal cenário, é possível sustentar que a há exploração indireta das atividades econômicas pelo Estado.

3 Exploração Direta

A regra concernente à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado se encontra materializada na redação do caput do artigo 173 da Constituição Federal, preconizando que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”[11]. O dispositivo em comento deve ser analisado em conjunto com o artigo 170, inciso IV e parágrafo único. Deste modo, a exploração das atividades econômica incumbe, como regra, à iniciativa privada, materializando um dos postulados alicerçantes do regime capitalista. Destarte, a hipótese consagrada no artigo 173 deve ser vista como medida excepcional. Assim, o próprio dispositivo afixou os limites ensejadores da atuação do Estado, logo, a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo, contudo, fazê-lo em aspecto excepcional, desde que estejam presentes os pressupostos nele estabelecidos.

É carecido repisar que, mesmo quando há exploração da atividade econômica, o Estado está preordenado, mediata ou imediatamente, à execução da atividade apta a traduzir benefício para a coletividade, retratando o interesse público. Carvalho Filho[12], neste sentido, vai apontar que não é possível conceber o Estado senão como sujeito apto a perseguir o interesse coletivo, logo, denota-se que a intervenção na economia apenas se correlaciona com a iniciativa privada porque é a esta que, inicialmente, incumbe a exploração. Entrementes, o escopo da atuação interventiva haverá de ser, a rigor, a busca pelo atendimento de algum interesse público, em que pese o Estado se revista com feições mercantis de comerciante ou industrial.

Outro ponto digno de destaque alude à inconveniência de o Estado imiscuir-se nas atividades econômicas. Com efeito, sempre que o Estado intervém no domínio econômico, apresenta-se ineficiente e incapaz de alcançar seus objetivos, desencadeando uma série de problemas. Não é possível comparar os resultados do Estado com aqueles alcançados pela iniciativa privada. Denota-se, em última instância, que o Estado não deve mesmo exercer a função de explorar as atividades econômicas. Logo, o papel que deve desempenhar é, prioritariamente, de Estado-regulador, controlador e fiscal, remanescendo o desempenho para as empresas de iniciativa privada.

Além disso, não é demasiado rememorar que nem sempre é fácil estabelecer a distinção entre os serviços públicos econômicos das atividades privadas eminentemente econômicas. Ambos propiciam lucratividade, porém, enquanto aquelas objetivam o atendimento de demandas da coletividade para assegurar sua maior comodidade, estas retratam atividade de aspecto empresarial, de indústria, de comércio ou serviços. Dessa forma, os primeiros encontram-se situados dentro da esfera normal de competência dos entes federativos, ao passo que as últimas devem ser insertas no setor privado e, somente por via excepcional, à exploração direta pelo Estado.

Nesta linha, ao considerar que o Texto Constitucional[13] é ofuscante em não conceder liberdade ao Estado para explorar atividades dotadas de cunho econômico, três pressupostos, porém, são afixados para legitimar a intervenção. O primeiro é a segurança nacional, materializando pressuposto de natureza claramente política. Assim, caso a ordem econômica seja norteada pelos particulares estiver causando algum risco à soberania do país, fica o Estado autorizado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, com o escopo de restabelecer a paz e ordem sociais.

Outro pressuposto é o interesse coletivo relevante, que, de acordo com o escólio de José dos Santos Carvalho Filho[14], traduz-se em conceito jurídico indeterminado, posto que lhe faltam a precisa e a identificação necessárias à sua determinabilidade. Em decorrência de tal aspecto, o Texto Constitucional[15] afixou que essa concepção seria espancada em legislação infraconstitucional, incumbindo, portanto, ao Estado editar lei definidora de interesse coletivo relevante para permitir a intervenção legítima do Estado no domínio econômico.

O terceiro pressuposto encontra-se implícito no dispositivo legal. Assim, ao ressalvar os casos abarcados na Constituição de 1988, está a admitir que apenas o fato de existir disposição em que haja permissividade intervenção contida no texto é suficiente para promover a autorização da exploração da atividade econômica pelo Estado, independentemente de ser hipótese de segurança nacional ou de interesse coletivo relevante. Neste cenário, há interesse coletivo relevante presumido, pois se encontra inserto na Constituição de 1988, conquanto não foi definido em lei. Em síntese, é possível afirmar que a atuação do Estado como explorador da atividade econômica é, em princípio, vedada, encontrado permissão apenas quando: (i) o exigir a segurança nacional; (ii) atende o interesse coletivo relevante; (iii) houver expresso permissivo constitucional.

4 Exploração Indireta

A forma mais comum pela qual o Estado intervém no domínio econômico é por meio de entidades paraestatais, isto é, as sociedades de economia mista e as empresas públicas são as entidades atreladas ao Estado às quais se atribui a tarefa de intervir no domínio econômico. Em tal situação, o Estado não é o executor direto das atividades econômicas, socorrendo-se das entidades que têm a sua criação autorizada por lei e já nascem com os escopos predeterminados, nos termos estatuídos no inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal[16]. Aludidas entidades realmente explorarão as atividades econômicas para as quais a lei as destinou. No mais, a exploração indireta de atividades econômicas pelo Estado encontra previsão na redação do §1º do artigo 173 do Texto Constitucional, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998[17], que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências.

É oportuno anotar que a referida lei disporá sobre vários aspectos, a exemplo da função social e a forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. Carvalho Filho, em seu escólio, vai “conceituar a exploração indireta do Estado como aquela pela qual exercer atividades econômicas por intermédio de entidades paraestatais a ele vinculadas e por ele controladas”[18].

Do cotejo da redação do dispositivo constitucional aludido alhures, verifica-se que são enumeradas três categorias de pessoas jurídicas vinculadas ao Estado que podem explorar atividades econômicas. As duas primeiras são as denominadas empresas públicas e sociedades de economia mista, que se caracterizam por serem destinadas a dois escopos, a saber: (i) o desempenho de atividade econômica; (ii) a prestação de serviços públicos. Assim, quando exercem atividades econômicas, mencionadas entidades, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podem atuar como verdadeiras particulares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja no de indústria e, ainda, no de serviços.

O dispositivo, ainda, alude a categoria de empresas subsidiárias, que são aquelas que, derivando de empresas públicas e sociedade de economia mista primária, estão sob o controle destas no que tange ao capital e, com efeito, às diretrizes operacionais. São, também, denominadas de empresas de segundo grau, pois que, a seu turno, podem controlar o capital de entidades derivadas, de terceiro grau, e sucessivamente. Fora das primárias, todas as subsidiárias e, em decorrência do mandamento constitucional, exigem autorização legislativa para sua instituição.

Além disso, a execução de atividades econômicas por essas empresas paraestatais apresentam aspectos positivos e negativos. Como fatores positivos, é possível mencionar a personalidade jurídica própria e a autonomia financeira, assim como objetivos econômicos claramente definidos. Em contraparte, como característico negativo, é possível aludir que mesmo norteada para objetivos econômicos, não poderão se afastar do interesse geral. “O certo é que, contemplando expressamente tais entidades, a Constituição autoriza, também de forma expressa, que elas sirvam de meio para a execução pelo Estado, de forma indireta, de atividade de caráter mercantil”[19]. Ao lado do exposto, cuida, ainda, ponderar que autarquias e fundações públicas, conquanto também estejam vinculadas e controladas pelo Estado, não se prestam à execução de atividades econômicas, incompatíveis com sua natureza de entidades sem fins lucrativos, sem aspecto mercantil e voltadas para atividades eminentemente sociais.

Além disso, o Texto Constitucional[20] é cristalino quando impõe que essas entidades se sujeitem a regime próprio das empresas privadas, no que toca às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Verifica-se, assim, que o advérbio inclusive empregado no dispositivo em destaque não teve outro escopo senão enfocar quais os campos do regime privado que não poderiam deixar de aplicar-se às empresas paraestatais – o regime privado, trabalhista e tributário. Implica dizer, portanto, que os empregados devem sujeitar-se à CLT e que se tornam contribuintes tributários nas mesmas condições que as empresas privadas. Excetua-se, porém, que o regime aplicável às empresas privadas não estão cerceadas a esses dois campos; ao reverso, o texto estabelece que as empresas paraestatais estão submetidas a todo o regime aplicável às empresas privadas. Neste sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento que:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alínea "d" do inciso XXIII do artigo 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Aprovação do provimento, pelo Executivo, dos cargos de presidente das entidades da administração pública indireta estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do disposto no artigo 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das empresas estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme à Constituição. 1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das entidades da Administração Pública Indireta restringe-se às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes. 2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. […]” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.642/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 03 abr. 2008/ Publicado no DJe em 18 set. 2008, p. 194).

“Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Administração pública indireta. Sociedade de economia mista. Concurso público. Inobservância. Nulidade do contrato de trabalho. Efeitos. Saldo de salário. 1. Após a Constituição do Brasil de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contratação não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento do saldo de salários dos dias efetivamente trabalhados, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público. Precedentes. 2. A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas — art. 173, §1º, II da CB/88 — não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CB/88, que se refere à investidura em cargo ou emprego público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ AI 680.939 AgR/ Relator:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 27 nov. 2007/ Publicado no DJe em 31 jan. 2008).

“Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado-empregado. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Medida Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. C.F., art. 173, § 1º. I. – As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. C.F., art. 173, § 1º. II. – Suspensão parcial da eficácia das expressões "às empresas públicas e às sociedades de economia mista", sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III. – Cautelar deferida.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI nº 1.552 MC/ Relator:  Ministro Carlos Velloso/ Julgado em 17 abr. 1997/ Publicado no DJ em 17 abr. 1998, p. 88).

Ora, a mens legis contida no dispositivo em comento assinala que se as empresas paraestatais tivessem prerrogativas e vantagens específicas do Estado, elas poderiam usufruir de maiores facilidades que as empresas privadas, o que, com efeito, causaria a ruptura do princípio da livre concorrência e do equilíbrio do mercado. Assim, quis deixar plasmado que o fato de serem instituídas, controladas e fiscalizadas pelo Estado não será idôneo para coloca-las em vantagens perante suas congêneres privadas. Ao contrário, tal como poderiam usufruir as vantagens destas, teriam também de suportar seus ônus e dificuldades.

Afora isso, a regra contida no dispositivo não pode ser interpretada literalmente, bem como a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas também tem que ser visto pontualmente. Nesta linha, por mais que se aproximem das empresas de iniciativa privada e que sofram a incidência do regime jurídico destas, é ofuscante que não podem afastar os influxos de algumas regras advindas do direito público, indispensáveis na hipótese de que se espanca, isto é, de pessoas administrativas atreladas imprescindivelmente a uma pessoa federativa. Mesmo se tratando de pessoas privadas, as entidades encontram-se sujeitas às regras de vinculação com a respectiva Administração Pública Direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto à Administração; só podem promover recrutamento mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; são norteadas pelo corolário da obrigatoriedade da licitação[21], além de outras normas de direito público inaplicáveis às empresas de iniciativa privada.

Denota-se, assim, que se trata de um regime híbrido por meio do qual, de um lado, sofrem o influxo das normas de direito privado, no momento em que exploram atividades econômicas, e, de outro, submetem-se aos ditames de direito público, no que toca aos efeitos advindos de sua relação jurídica com o Estado. Inexiste dúvida que, mesmo diante de promulgação de lei que regule o estatuto jurídico da empresa pública ou da sociedade de economia mista, continuará o regime híbrido, porquanto, apesar de se aproximarem das pessoas de iniciativa privada, nunca deixarão de ser entidades que foram criadas pelo Estado, logo, terão que se sujeitar à incidência de normas de direito público.

Outro aspecto a ser anotado faz alusão ao fato das entidades paraestatais são destinadas ao desempenho de atividades mercantis e agem como particulares, nas relações de mercado. Ademais, aludidas entidades nunca podem estar preordenadas apenas aos interesses econômicos, como as instituições de iniciativa privada em geral, porém, ao revés, devem buscar sempre o atendimento do interesse público. Ora, há que reconhecer esse é o fim último da atuação do Estado; a atuação interventiva na ordem econômica não pode ser um meio senão para a persecução e alcance de tal fito.

Atinente aos privilégios fiscais, o §2º do artigo 173 da Constituição Federal[22] preconiza que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. É possível dizer que a impossibilidade da concessão de privilégios fiscais às empresas paraestatais encontra localização dentro do princípio de que a elas se aplica o regime jurídico das empresas privadas, incluindo-se em tal concepção as obrigações tributárias. “O excesso normativo, porém, embora não muito técnico, revela a vontade do Constituinte de dar ênfase a aspectos especiais que envolvem a atuação do Estado no domínio econômico através de empresas paraestatais”[23], conforme observa Carvalho Filho. No mais, cumpre assinalar que o Estado não está proibido de conceder privilégios fiscais a suas empresas; a vedação repousa na premissa que tais privilégios sejam concedidos a elas apenas, logo, se as empresas paraestatais forem beneficiadas com privilégios fiscais, estes incidirão também sobre as empresas de iniciativa privada. Desta feita, trata-se, portanto, de materialização maximizada do corolário da isonomia.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
__________.  Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos.  Manual de Direito Administrativo. 24 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Notas


[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos.  Manual de Direito Administrativo. 24 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 836.
[3] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [omissis] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
[5] CARVALHO FILHO, 2011, p. 837.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[7] CARVALHO FILHO, 2011.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos”. 
[9] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[10] CARVALHO FILHO, 2011.
[11] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[12] CARVALHO FILHO, 2011.
[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[14] CARVALHO FILHO, 2011.
[15] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[16] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;”.
[17] Idem. Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[18] CARVALHO FILHO, 2011, p. 854.
[19] CARVALHO FILHO, 2011, p. 855.
[20] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[21] CARVALHO FILHO, 2011.
[22] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2017.
[23] CARVALHO FILHO, 2011, p. 857.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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