Resumo: O presente artigo visa analisar o contexto de surgimento das modalidades de concessão no Brasil – concessão patrocinada e concessão administrativa, identificadas em conjunto pela denominação de Parceria Público-Privada em sentido estrito pela doutrina jurídica pátria. Nesse esteio busca-se orientar a atenção especificamente ao papel exercido pelo fenômeno de reestruturação do Estado Brasileiro na década de 90, que se conforma a um modelo de Estado Regulador ou Subsidiário, à luz dos fundamentos e princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, tornando propício a construção dessa modalidade de concessão pautada sob um novo formato normativo de celebração entre a Administração Pública e a iniciativa privada, voltados aos objetivos de investimento em projetos de infraestrutura, bem como revelador de uma inovadora era de negociação na qual se assiste a flexibilizações no paradigma tradicional dos contratos administrativos.
Palavras-chaves: Parceria Público-Privada, princípio da subsidiariedade, infraestrutura, contrato administrativo, domínio econômico.
Abstract: This article aims to analyze the context of the appearance of the concession modalities in Brazil – sponsored concession and administrative concession, identified in the modality of Public-Private Partnership in a strict sense by the legal doctrine of the country. In this vein, the focus is specifically on the role played by the phenomenon of restructuring of the Brazilian State in the 90's, which conforms to a model of Regulatory State or Subsidiary, in light of the foundations and principles of the Federal Constitution of 1988, which made possible the construction of the modality of concession based on a new normative format of celebration between the Public Administration and the private initiative, focused on the investment objectives in the infrastructure projects, as well as revealing an innovative era of negotiation in which flexibility in the traditional paradigm of administrative contracts.
Keywords: Public-Private Partnership, principle of subsidiarity, infrastructure, administrative contract, economic domain.
Sumário. Introdução. 1. A redefinição do papel do Estado Brasileiro 2. Princípio da Subsidiariedade. 3. As Parcerias Público-Privada. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO.
As Parcerias Público-Privadas (PPP) instituída pela Lei Federal n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004, representa a criação de um instituto que aprimora o regime de concessões, do qual se vale o Estado Subsidiário para a prestação dos serviços públicos de forma eficiente a coletividade.
A legislação supracitada é promulgada em momento de plena vigência das leis que dispõem sobre as licitações e contratos da Administração Pública (Lei n°8.666∕1993) e acerca do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos (Lei n°8.987∕1995).
Isso leva crer, que nas razões sobre as quais se ancoram os fundamentos para o estabelecimento das inovações jurídicas dispostas pela Lei n° 11.079∕2004, concentra-se uma trama de questões econômicas e sociais, que não puderam ser supridas com o recurso ao modelo de concessão tradicional, tais como “gargalhos de infraestrutura impeditivas do crescimento”, e ainda a “ existência de uma série de atividades de relevância coletiva, muitas delas envolvendo as referidas infraestruturas, não sustentáveis financeiramente e sem que o estado tenha condições de financiá-las sozinho”.[1]
Oliveira (2015) elenca determinantes semelhantes para o aparecimento das novas modalidades de concessão:“a) limitação ou esgotamento da capacidade de endividamento público(…); b) necessidade de prestação de serviços públicos não autossustentáveis(…)” e, nesse trajeto, destaca um fator a mais, qual seja, o “c) princípio da subsidiariedade e necessidade de eficiência do serviço: o Estado subsidiário valoriza a atuação privada, considerada mais eficiente que a atuação estatal direta.(…)”.[2]
É importante atentar que, desde o marco histórico de nascimento dos Estados Modernos, não há registro da existência de um Estado de Direito que tenha se apartado absolutamente de intervir na economia e no âmbito social.
Mesmo no Estado de Direito Liberal cujo ideário criado pela classe burguesa defendeu a criação do Estado negativo, é reconhecido à atuação estatal, ainda que mínima. Pois, se não fosse de tal modo, “estaríamos diante da supressão do Estado como ente artificial que deve responder às características postas pelo Contrato Social”[3].
Sendo assim, é válido afirmar que o processo intervencionista estatal sempre se fez presente no Estado Moderno, direta ou indiretamente, em menor ou maior extensão.
Entende-se que ao intervir de forma direta, o Estado exerce a atividade econômica e de prestador de bens e serviços públicos, sendo ao mesmo tempo, empresário e interventor. Já quando elege a forma de intervenção indireta, efetivamente dirige e controla a atividade econômica privada; ou seja, opera “não como partícipe, mas como legislador. É o Estado enquanto ordenamento que atua, podendo fazê-lo no âmbito do fomento econômico, da polícia econômica ou através da criação de infraestruturas” [4].
No Brasil o padrão intervencionista sofreu modificações ao longo das últimas décadas, sendo certo afirmar que durante o chamado Estado Social de Direito vigorou a atuação estatal direta na atividade econômica. Ao assumir o redimensionamento de suas funções públicas o Estado Brasileiro retrata uma nova fisionomia em sua atuação no domínios econômico e social.
1. A redefinição do papel do Estado.
De forma recorrente a doutrina jurídica aponta como pressuposto básico para o estudo da Lei das Parcerias Público-Privado a consideração às transformações pelas quais passou o Estado Brasileiro de Direito, ao longo do percurso histórico de evolução do capitalismo. Nesse contexto importa tanto as transformações do Estado compelidas pela sua retração na economia, sob orientação dos princípios do neoliberalismo e da globalização econômica, seja pela força da perspectiva constitucional contemporânea, que legitima a participação da iniciativa privada na trajetória de efetividade dos direitos fundamentais à população brasileira.
Do ponto de vista histórico, constata-se que para muitos países o século XX representou longas décadas de árduo trabalho de reconstrução econômica, política e social por força de grandes acontecimentos bélicos e colapsos econômicos, como foram respectivamente, as Duas Grandes Guerras Mundiais e a crise econômica da década de 1930.
Nessa conjuntura pós-guerra em que se consolida o Estado Social de Direito no continente europeu e também na América Latina, consolida-se a figura do Estado Nacional, eminente centralizador do poder e decisões; provedor da população demandante de bens de consumo e serviços essenciais, em crescente movimento de ampliação das responsabilidades da Administração Pública[5], e diga-se, também, controlador das atividades da iniciativa privada.
Quando o modelo de Estado de Direito em tela reflete sinais irrevogáveis de exaurimento em sua estrutura econômica em diversos países na década de 70, incluindo-se entre eles o Brasil, a aclamação pela redução da máquina estatal acompanhado de apelos à saída do Estado da esfera econômica assume o primeiro plano, apoiado, sobretudo, na experiência de outros países, como a Inglaterra, que em severa crise fiscal aderiu às práticas político-econômicas sustentadas pela teoria do neoliberalismo e consegue se reerguer economicamente.
Se a adoção dessas práticas e medidas seriam bem-sucedidas para todos os países da América Latina corresponde a um questionamento, que não se ousou aguardar demasiadamente, posto a realidade de medidas desestatizantes e de descentralização das instâncias decisórias e administrativas presentes em quase todos os lugares, conforme descreve Rafael Carvalho Rezende de Oliveira;
“A partir da década de 1980, diversos países iniciaram um movimento de ajuste fiscal e de privatizações, com destaque para a Grã-Bretanha, Estados Unidos e Nova Zelândia. No Brasil, a reformulação do papel e do tamanho do Estado foi implementada na década de 90, por meio de alterações legislativas importantes que liberalizaram a economia e efetivaram a desestatização.”[6]
A reformulação do Estado nesses termos implicou, antes de tudo, mutações quantitativas e qualitativas nas funções públicas, porquanto se defendeu políticas em prol da desregulação e abertura das economias à competição, favorecendo, em última instância a progressão do fenômeno de desterritorialização da capacidade decisória e da relativização da soberania estatal.[7]
Ressalta-se em meio a tantas transformações que não houve momento na historia dos Estados Modernos em que o poder estatal tenha se apartado absolutamente de intervir na economia e no âmbito social. Mesmo no Estado Liberal de Direito cujo ideário criado pela classe burguesa defendeu a criação do Estado negativo, é reconhecido à atuação estatal, ainda que mínima. Pois, se não fosse de tal modo, “estaríamos diante da supressão do Estado como ente artificial que deve responder às características postas pelo Contrato Social”.[8]
No Brasil desde as fases primordiais do capitalismo, o Estado atuou na prestação de serviço público com a provisão de bens e serviços com vistas à integração (ferrovias, navegação) e assim o fez por meio da intervenção na atividade econômica, sob titularidade da iniciativa privada, concedendo apoio financeiro, garantias e proteção aos empreendedores em face de eventual falência, encarnando o papel de “Leviatã como garantia contra o fracasso” dos empreendedores.[9]
Nos anos que se seguem a década de 30, o Estado Brasileiro é retratado com características bem nítidas ao Estado-Providência: detentor de grandes empresas estatais expansionista; empreendedor ostensivo; explorador de monopólios naturais, protecionista, impulsionador do setor industrial (petróleo, eletricidade, mineração).
O Estado brasileiro intervencionista investiu “pesado” em infraestrutura (ferrovias, navegação, indústria básica) e pela via indireta atuou por meio do sistema tributário, controle do câmbio e cotas de importação.[10] No final da década de 60 tornou-se imperioso para o governo brasileiro iniciar uma reforma administrativa, em que a prioridade recaísse sobre a politica de industrialização e aumento da eficiência das empresas públicas[11], momento em que se decidiu pela atribuição de maior autonomia a elas, a partir da descentralização administrativa.
Costuma-se afirmar que nesse período a intervenção estatal em setores como indústria e energia decorria da “miopia dos empresários”, [12] que não percebiam a economia externa de escala, não as considerava em seus cálculos de custo, desfavorecendo que enxergassem o investimento em infraestrutura, energia e indústria como algo promissor.
Apesar da conjuntura do “milagre econômico brasileiro”, na década de 70, o Estado Social emitia sinais de declínio e, nesse contexto, sinalizavam-se os efeitos da ausência da ingerência estatal nas empresas estatais. As tentativas de administrar a situação, controlar os gastos e de desacelerar a expansão das empresas estatais federais foram materializadas em 1979, com a criação do Plano Nacional de desburocratização e da Secretaria Especial de Controle das Empresas estatais. [13]
Por fim, a crise econômica da década de 80 que assola o país decorrente de uma conjuntura de fatores: alta do preço do petróleo desde o final dos anos 70 (o Brasil era potencial importador); da redução da oferta de crédito com os bancos internacionais, das altas taxas de juros sobre empréstimos externos, do decréscimo nas exportações; desvalorização cambial e inflação galopante[14] culminaram na emergência de medidas governamentais para equacionar a crise econômica, sendo as medidas de privatizações uma delas.
Na década de 90 definitivamente a finalidade de redimensionar o papel do Estado nesses termos começa a se materializar com crescentes privatizações de empresas estatais e por uma política de retração do Estado no domínio econômico.
De acordo com Salama (2011), nesses casos ou o Estado reduz ou descarta as politicas de industrialização com vistas a criar ou reforçar setores estratégicos ou alta tecnologia e intervém na atividade econômica sob titularidade do setor privado, não como parceiro, mas como legislador; assume uma atuação direta na esfera econômica, em que recorre a privatização das empresas públicas da infraestrutura, indústria e de serviços (bancos) sejam eles prestadores ou não de serviços públicos.
Gilberto Bercovici (2015, p.25) interpreta essa retração do Estado brasileiro como uma a “tendência à hostilidade ao Estado” da qual restou a intensificação da transferência da prestação dos serviços público de toda ordem para o setor privado, conduzindo ao fenômeno de comodificação, ou seja, “a mercantilização e privatização dos serviços públicos, dos bens públicos e da própria infraestrutura”.
“Anteriormente, o Estado exercia as atividades para o desenvolvimento de infraestrutura por meio de empresas públicas. O Estado financiava, geria e recapacitava os grandes projetos do país, fortemente escorados em empréstimos internacionais. A elevada dívida do Estado, somado a um discurso que clamava pela diminuição da atuação estatal na economia motivou a retração de domínios e de ações do Estado-empreendedor, pelo que, substituído pelo desenvolvedor privado de projetos (supostamente mais eficiente, transmudou-se em Estado-Financiador, conectado às estruturas de Project Finance como principal provedor de financiamento externo da macroempresa no Brasil”[15].
Dessa feita, devido a um ciclo de transformações pela qual passou o país por força de fatores diversos, conforme supracitado, a regra, nos dias de hoje, é a ingerência indireta do Estado na ordem econômica. Com efeito, essa conjuntura histórica considerada na complexidade que lhe é inerente acarretou transformações de grandes proporções na convivência entre o setor público e o setor privado, respaldando o caráter Subsidiário do primeiro em diversas dimensões que legalmente é autorizado a atuação do setor privado na prestação de serviços públicos.
2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE.
Embora a subsidiariedade não corresponda a princípio explícito na Carta Constitucional de 1988, o princípio é acolhido pela doutrina jurídica e pelo direito público brasileiro.
A doutrina preconiza que as pioneiras alusões ao termo subsidiariedade são indicadas na Carta Papal Rerum Novarum(1891), na qual o Pontífice Leão XIII não chega a conceituá-lo, ao passo que o associa a valores como a dignidade da pessoa humana.[16]
No século XX a subsidiariedade torna-se princípio basilar da doutrina social da igreja católica, veiculado por intermédio de diversas outras encíclicas, a exemplo das Cartas Quadragésimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961), Caritas in Veritate (2009).
Nesse contexto, a subsidiariedade em sua definição aparece conjugada a valores e princípios, tais qual a solidariedade; a dignidade da pessoa humana; a liberdade individual; o bem comum e a justiça social.
A ideia precípua em torno do qual a igreja edifica o princípio é a conciliação entre solidariedade e liberdade, isto significa, conceder ajuda sempre que alguém se mostrar incapaz, temporariamente ou de forma permanente, de suprir suas necessidades sozinhas ou com o auxilio de particulares, mas, com pretensão de emancipar o individuo que deve ser senhor do seu destino .
Importa priorizar as relações de reciprocidade entre o individuo e as instâncias que lhe são mais próximas. A intervenção de instâncias superiores representa uma opção derradeira;
“A subsidiariedade respeita a dignidade da pessoa, na qual vê um sujeito sempre capaz de dar algo aos outros. Ao reconhecer na reciprocidade a constituição íntima do ser humano, a subsidiariedade é o antídoto mais eficaz contra toda a forma de assistencialismo paternalista.” [17]
Em face à dificuldade de se definir o princípio da subsidiariedade, de maneira que transpareça seus elementos constitutivos, encontra-se em Mohn e Souza (2007) a sistematização dos elementos que o esclarecem como, “uma forma específica de concepção e regulação das relações que constituem a vida do homem em sociedade”:
“Para sua mais fácil compreensão, o princípio da subsidiariedade pode ser decomposto em quatro parâmetros, que refletem essa forma de organização da sociedade e do Estado: 1º) a organização social compõe-se de coletividades que se expandem progressivamente, em uma formação que tem na base o ser humano, desenvolve-se por sociedades intermédias e chega ao Estado; 2º) deve haver uma primazia da pessoa e das coletividades menores em relação às coletividades maiores; 3°) deve-se respeitar a autonomia da menor unidade (pessoa ou coletividade), que merece dispor da liberdade de atuar até o limite de sua capacidade; 4 °) a intervenção da unidade maior justifica-se em face das incapacidades da menor unidade e em proveito do bem comum.”[18]
Noutro polo, evidencia-se a capacidade do princípio ser assimilado por distintos campos teóricos (filosófico, social, econômico, jurídico e etc.), o que pode ser justificado pelo caráter ambíguo que o constitui, conforme se lê:
“O princípio de subsidiariedade aplica-se em numerosos domínios, seja no administrativo ou no econômico. Apesar de sugerir uma função de suplência, convém ressaltar que compreende, também, a limitação da intervenção de órgão ou coletividade superior. Pode ser interpretado ou utilizado como argumento para conter ou restringir a intervenção do Estado. Postula-se, necessariamente, o respeito das liberdades, dos indivíduos e dos grupos, desde que não implica determinada concepção das funções do Estado na sociedade”[19].
No Brasil, o Estado contemporâneo passa a ser norteado pelo princípio da subsidiariedade, à medida que incorpora o compromisso de construção de uma sociedade livre, justa e solidária na busca da efetividade aos princípios do Estado Democráticos de Direito[20] .
Em outras palavras, ao incorporar o dever de promover e efetivar valores (liberdade), princípios (dignidade da pessoa humana) e fundamentos (valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, por ex.), estabelecidos na Carta de 1988, o princípio da subsidiariedade com eles forma uma unidade, de modo que o Estado Democrático de Direito ao princípio vincula-se.
Isso faz com que o Estado Democrático de Direito possa ser reconhecido também como Estado Pós Social ou Subsidiário.
Nota-se que o que se realça com a lógica da subsidiariedade é o modo de ingerência do Estado na ordem social e econômica. Ele age em prol da satisfação das necessidades sociais, preferencialmente, quando esgotado as condições e meios da iniciativa privada, posto que, “(…) a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal (…)”[21].
3. SUBSIDIARIEDADE E PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP).
As normas gerais estabelecidas para a concessão patrocinada e a concessão administrativa, concessões definidas pela Lei Federal n° 11.079∕2004[22], induz a imediata percepção de que a PPP é um contrato de caráter extravagante, se comparado ao regime de concessões já existente.
Em regra, a PPP é reservada para hipóteses peculiares, envolvendo investimentos vultosos em infraestrutura, logo, “(…) não se destina a ser usada pela Administração Pública de forma generalizada, mas sim focadamente em determinados projetos prioritários do ponto de vista do desenvolvimento nacional (…).”[23] Ademais, a Lei Federal n° 11.079∕2004 introduz com o regime das parcerias público-privada muitas flexibilizações no paradigma do direito administrativo no que concerne aos contratos administrativos.
Há consenso na doutrina quanto a ideia de que o desenho de Parcerias Público-Privadas criado no Brasil acompanha fielmente o modelo de concessão denominado Private Finance Initiatives presente na Grã-Bretanha, entendendo-se que em sua solo britânico tal modelo se refere a duas modalidades, quais sejam, uma provedoras de serviços não autossustentáveis e outra modalidade, os Project Finance, voltados para parcerias autossustentáveis, isto é, “uma forma de engenharia financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse mesmo projeto”.[24]
Na verdade, no Brasil a adesão a Projetos de Financiamento do governo para concessões já existiram. Há registros que desde épocas remotas o Estado fez uso de concessões, preferencialmente, no setor elétrico, mas é só na década de 70/80 que se identifica projetos mais semelhantes aos empregados na atualidade, como os referentes a concessão no setor petrolífero (pesquisa e exploração), nos quais o ente privado recebia do Estado à contraprestação pelos riscos assumidos na atividade econômica. Na visão de Warde Júnior e Nébias (2015) projetos de financiamento do vulto das Parcerias-Público Privadas passaram mesmo a ser materializadas na década 90, sob impulso dos programas de privatizações.
A edição da Lei Federal n.11.079/2004 constrói-se um arranjo contratual, composto por duas modalidades de concessão- a concessão administrativa e a concessão patrocinada[25], ambas submetidas a uma sistematização que as concede um desenho inovador devido seu caráter exorbitante em relação ao padrão convencional dos contratos administrativos, celebrados nas concessão comuns, regidas pela Lei Federal n.8.987/1995.
Nessa medida, sublinha-se na qualidade de características gerais das Parcerias-Público Privadas a demarcação de valores elevados para o projeto de financiamento, ou seja, valor superior a 20 milhões de reais (artigo 2°, parágrafo 4º, inciso I da Lei nº11. 079/2004) e tempo de vigência do contato de concessão bastante alongados, mínimo de cinco e máximo trinta e cinco anos. Cabe frisar que, no requisito tempo, a Lei que autoriza a prorrogação do prazo eventualmente (artigo 5º, inciso I, Lei nº11. 079/2004).
Destaca-se a exigência legal para a formação das parcerias a criação da sociedade de propósito específico que deverá organizar e implantar o projeto, composta pelos que seriam os “organizadores” (artigo 9º da Lei n.11.079/2004), ou seja, “são sócios de grandes grupos econômicos, com interesses em diversas sociedades, constituídas para explorar inúmeras atividades, em diferentes setores econômicos, para além daquela atividade desenvolvida pela sociedade de propósito especifico” (WARDE JÚNIOR e NÉBIAS, 2015, p.54).
No tocante ao sistema de garantias verifica-se, no artigo 8º e seus incisos da Lei n.11.079/2004, a previsão delas ao parceiro privado em face de eventual inadimplemento do Estado no cumprimento do acordado para a Parceria Público-Privada, sob a forma fontes variadas. Não menos importante, é a menção ao Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, o FGP (artigo 16 da Lei nº11. 079/2004).
“O Fundo Garantidor de PPP (FGP) foi um instrumento criado para evitar, dentro de seus limites de manter o fluxo de caixa, o uso de precatórios para os pagamentos exigidos. Entretanto, há também uma corrente de juristas que entendem ser ele inconstitucional, pois significa não respeitar a isonomia na ordem de pagamentos da União. Embora de natureza privada, pertence à União e será gerido por um agente financeiro estatal federal. Há, pois, que, para defendê-lo, reconhecer que ele tem personalidade jurídica própria, através da interpretação da lei que lhe dá todas as características de uma sociedade estatal: administração própria, natureza privada, patrimônio, direitos e deveres próprios"[26].
No que concerne à seara de risco inerente a execução do objeto contratual, a lei das Parcerias Público-Privadas inova na normatização inédita da repartição objetiva dos riscos entre os parceiros, conforme previsão disposta no artigo 4º, inciso VI e artigo 5°, inciso III, da Lei n.11.079/2004, e, ainda estabelece, o compartilhamento dos ganhos econômicos, conforme estabelecido no artigo 5°, inciso IX da Lei n. 11.079/2004).
Acerca da repartição objetiva dos riscos é preciso relativizar a ideia de que não há limites nesse aspecto para o setor público. Há de se visualizar situações em que a repartição dos riscos, permanece circunscrita aos liames legais, como por exemplo, o fato da repartição dos riscos possuir para o Estado “natureza interna (contratual), como fator importante para a fixação da remuneração do parceiro privado e para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não gerando responsabilidade solidária perante terceiros”.[27]
Observa-se que a parte relacionada aos riscos é vasta- riscos políticos, de construção, operacional, cambial, comercial e financeiro. Entretanto, pela natureza dos altos investimentos envolvidos em infraestrutura há uma ênfase sobre a previsibilidade do fluxo de caixa, destacando-se mais incisivamente na temática das Parcerias Público-Privadas os riscos financeiro, comercial e os riscos políticos.[28]
A previsão de compartilhamento dos ganhos econômicos também é peculiar por obrigar a efetividade de princípios como a eficiência, a transparência e publicidade na gestão dos recursos financeiros aplicados no curso da Parceria. No que concerne ao aspecto remuneração a Lei das Parcerias Público-Privadas imprime um inédito regime de remuneração, o qual pode ser considerado, no caso específico da concessão patrocinada um regime misto em que o pagamento do setor público ao parceiro privado exige a contraprestação estatal e o sistema de tarifas.
O que equivale a dizer, que se contempla o recurso advindo do pagamento realizado pelos usuários dos serviços (tarifas), bem como a complementação com a remuneração proveniente do próprio Estado, sendo a norma clara ao estabelecer que quando o valor ultrapassar dado montante (70%) deverá proceder à autorização legislativa específica (artigo2°, parágrafo1° da Lei n. 11.079/2004.)
Noutro passo, para as concessões administrativas a lei estabelece fontes de receitas variadas-ordem bancária, cessão de créditos não tributários e etc., conforme se lê no artigo 6° da Lei n. 11.079/2004. O artigo contem um rol meramente exemplificativo delas, autorizando a Administração Pública a admitir outras formas de remuneração pela aquisição do serviço pelo parceiro privado. A contraprestação na concessão administrativa é de 100% paga pelo setor público.
Consoante a melhor doutrina, as concessões administrativas podem se constituir em duas formas de prestação de serviço ao Estado: a Parceria Público-Privada administrativa de serviços públicos e a Parceria Público-Privada administrativa de serviços administrativos (artigo 2°, parágrafo 2°, da Lei n. 11.079/2004).
A Parceria Público-Privada administrativa de serviços públicos é reservada a execução de atividades em que a coletividade é o destinatário final dos serviços prestados. Já na Parceria Público-Privada administrativa de serviços administrativos aplica-se a prestação de serviços para o próprio Estado, tornando-se a Administração a destinatária direta das atividades e a coletividade, nesse caso, usuária indireta.
Cumpre lembrar que a implantação de Parcerias Público-Privadas deve estar em consonância com o Plano Plurianual, “essa necessidade explica as inovações da legislação e os cuidados para que não haja retrocessos.” (Borges e Neves 2006, p.77).Nesse ponto, recentes alterações a Lei Federal n.11.079∕2004 ocorreu por força do Decreto 8.791, de 29 de junho de 2016, que dispõe sobre o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, que passa a coordenar, avaliar, fiscalizar, definir, as atividades prioritariamente reservadas as Parceria Público-Privada no âmbito federal, conforme preceito contido no artigo 3°, inciso II, alínea a do Decreto.[29]
Nesse sentido, resumidamente cita-se algumas disposições, tais como, a participação do Estado na repartição objetiva dos riscos (artigo 5º, inciso III da Lei nº 11.079/2004) e na remuneração ao parceiro privado(artigo 6º §1º e artigo 10,§3º, ambos da Lei nº11.079/2004); a demarcação expressa à questão dos valores e tempo de duração do contratos fixados, no caso, valor superior a 20 milhões de reais (artigo 2, §4º, inciso I da Lei nº11.079/2004) e tempo de vigência do contato de concessão, mínimo de cinco e máximo trinta e cinco anos, autorizando a Lei prorrogação do prazo eventualmente(artigo 5º, inciso I, Lei nº11.079/2004).
Não menos importante, se destaca a previsão aos instrumentos de garantias (artigo 8º e seus incisos da Lei nº11.079/2004), com destaque para o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, o FGP(artigo 16 da Lei nº11.079/2004).
Em que pese à relevância das críticas e divergências da doutrina acerca das inovações trazidas pela lei, haja vista as disposições relacionadas a repartição objetiva dos riscos e as garantias embutidas no contratação com a iniciativa privada, a implementação das PPP’s retrata a evolução do padrão de atuação do Estado contemporâneo no domínio econômico.
Desse modo, o modelo de parceria publico-privada pode ser compreendido como uma alternativa a mais dentre os institutos em que o Estado age indiretamente para a prestação de serviços públicos, elegendo como via privilegiada, o fomento ,“(…) o Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a inciativa privada, de tal modo a permitir aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos.”[30]
4. CONCLUSÃO.
O princípio da subsidiariedade deve ser avaliado sob duas formas, para entendimento de sua referência nas razões que embasam a criação das PPP no Estado Subsidiário.
Sob uma vertente negativa, o princípio embasa a imposição de limites ao Estado, propriamente a abstenção de intervenção no domínio econômico. A tônica no cenário nacional é o Estado regulador, fiscalizador, planejador; que se abstém de interferir diretamente na atividade econômica, sob pena de suprimir a livre iniciativa.
A atuação direta do Estado na atividade econômica constitui, portanto, uma exceção, sendo admitida apenas na hipótese de autorização constitucional.
O instituto das PPP é uma modalidade de concessão e, logicamente, corresponde a uma forma de delegação da prestação de serviço público a iniciativa privada ,porém, marcada pelo traço distintivo de receber suporte financeiro do Estado, conforme se apreende com o regime das remunerações e garantias expressos na Lei nº11.079/2004.
Assim, o Estado por meio do fomento atrai, incentiva entes privados a parceria, a fim de captar recursos financeiros para investimentos em infraestruturas, que ele mesmo Estado por questões fiscais e de recursos financeiros não possui condições de promover, mas que são indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social do país.O papel do Estado redefinido estabelece novos parâmetros nas relações com a iniciativa privada e com a atividade econômica advinda deste setor.
Noutro passo, em sentido positivo, o princípio da subsidiariedade chama o Estado a uma prestação positiva, suplementar, para promoção do bem comum. É o Estado na ingerência para suprir a coletividade com condições para satisfazer suas necessidades sociais, não realizáveis pela atuação da iniciativa privada (indivíduos, associações e etc.). Incluem-se aqui hipóteses em que pela natureza do serviço é notoriamente mais eficiente a atuação estatal para satisfazer o interesse público em jogo.
Disso infere-se que a lógica da subsidiariedade não é sustentar um Estado que se exime de atuar, serão a forma, as métodos, os instrumentos eleitos para as ações estatais que demonstram uma nova forma de ingerência (indireta) na ordem social e econômica.
Sob essa ótica os modelos de concessão instituídos pela Lei nº11. 079/2004 integram o corpo de instrumento do qual o Estado Subsidiário poderá dispor para promover à prestação de serviços básicos a sociedade e de forma eficiente, visto que as concessões são bem cotadas no âmbito dos contratos do Estado com a iniciativa privada pelo requisito de eficiência na prestação dos serviços públicos.
Informações Sobre o Autor
Simone Maria Nascimento Machado
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes