Resumo: Este artigo apresenta uma análise sobre a Mutação Constitucional como uma alternativa ao fenômeno denominado pela doutrina brasileira de emendismo constitucional no processo de reforma da constituição, tendo por objeto demonstrar que a alteração em razão da evolução social do texto constitucional atinge melhor a finalidade de alcance ao caso concreto que o processo formal de emenda, que não atende ao processo rígido como é tratado no texto constitucional devido ao alto número de emendas à constituição em pouco tempo de vigência da Constituição Federal de 1988. Nesta perspectiva, contribui-se para a verificação de que mutação constitucional é um processo “evolutivo-sociológico” que busca a preservação do texto constitucional, porém alterando o sentido de como essa norma atuará em casos concretos, dando à constituição uma maior eficácia.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Reforma Constitucional. Interpretação. Mutação Constitucional.
Abstract: This paper presents an analysis of the constitutional mutation as an alternative to the phenomenon called the Brazilian doctrine of constitutional amendment in the reform process of the constitution, relating to demonstrate that the change because of thesocial evolution of the constitutional text in order to better reach the range case that the formal process of amendment, which does not meet the strict process as addressed in the Constitution due to the high number of amendments to the constitution in a short timeframe of the Federal Constitution of 1988. In this perspective, contributes to the finding that mutation is a constitutional process "evolutionary-sociological" which seeks to preserve the constitutional text, but changing the sense of how this standard will act in individual cases, giving up agreaterefficiency.
Keywords: Constitutional Law. Constitutional Reform. Interpretation. Constitutional mutation.
Sumário: Conceito de Constituição. A constante tensão entre a permanência e a mudança do texto constitucional. Meios de alteração do texto constitucional. Mutação Constitucional na Constituição da República De 1988. Considerações Finais.
Conceito de Constituição
Não é possível afirmar a existência de um conceito pacífico de Constituição, dada a existência de várias visões, inúmeras correntes que conferem a ela vários conceitos. Devendo ser analisado o sentido ou concepção que a carta política pode apresentar.
Lassasse afirma que a Constituição não é uma lei como as outras. Constituição deve ser mais firme, mais imóvel que uma lei comum, sendo, portanto, uma lei fundamental da Nação.
A Constituição é a lei Suprema do Estado que estabelece os fundamentos da organização do Estado e da Sociedade. A Constituição, portanto, é a lei que ordena os elementos essenciais do Estado, a saber, o Poder- governo, povo, território, e finalidade.
Conceitua Leo Van Holthe:
“A Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes a estruturação do Estado e da Sociedade, formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres do cidadão. HOLTHE” (2008, p. 34)
Para Dirley da Cunha Junior (2010) não se pode conceituar Constituição de uma forma que o seu exame fique desvinculado ao sentido ou a concepção que ela pode apresentar. A Constituição deve ser compreendida sobre as concepções: sociológica; política e jurídica.
A constante tensão entre a permanência e a mudança do texto constitucional
As constituições, em regra, têm caráter permanente, este caráter é que permeia e que inspira o constitucionalismo moderno.
Outra característica sobre as Constituições é que elas possuem caráter predominantemente político, sendo influenciadas constantemente pelo contexto socioeconômico e político. Assim, explica Luís Pinto Ferreira (2002), que o meio social e histórico exerce uma profunda e visível influência sobre a ordem jurídica, que se desenvolve de acordo com a realidade econômica e social, pois, a constituição se molda aos fatos circunstanciais da sociedade que se refletem através dos usos e costumes dominantes, além de uma série de fatores econômicos e culturais que lhe imprimem a sua marca indelegável.
As constituições, apesar de apresentarem no seu texto um mecanismo para alteração, não podem ficar à mercê de circunstâncias políticas transitórias, não devendo, portanto, ter facilidades para a alteração de suas normas, assim ensina Luis Roberto Barroso:
“As Constituições não podem ser volúveis. Os textos constitucionais não podem estar ao sabor das circunstâncias, fragilizados diante de qualquer reação à sua pretensão normativa e disponíveis para ser apropriados pelas maiorias ocasionais. Se isso ocorrer, já não terão condições de realizar seu papel de preservar direitos e valores fundamentais em face do poder político e das forças sociais” (BARROSO, 2009, p.140)
As Constituições têm em sua essência a estabilidade de seu texto ao longo do tempo, assim, para José Afonso da Silva (2009) as normas de uma constituição são feitas para perdurar, prevendo em seu texto situações e condutas em que a interpretação do constituinte teve como aferidas aos valores de convivência social dentro da comunidade.
A segurança jurídica é estabelecida quando a Constituição ordena princípios, valores e estrutura que a sociedade elegeu como fundamentais, onde passam a ser vistos como parâmetros e limites das funções Executiva, Legislativa e Judiciária, possibilitando à sociedade segurança e certeza que atuarão adaptando as suas pretensões e a sua forma de agir às previsões constitucionais.
Outra função da estabilidade constitucional é favorecer a estabilidade jurídica das instituições estamentais, onde o texto constitucional não será submetido a constantes mudanças impulsionadas por interesses momentâneos, uma vez que tal fato desencadearia na desestabilização do próprio Estado.
Importante destacar que a estabilidade constitucional é assegurada por alguns mecanismos desenvolvidos pela doutrina constitucional, esta, ou seja, a defesa jurídica da Constituição consiste em técnicas criadas por suas próprias normas, que visam assegurar sua própria imperatividade. Dentre estes mecanismos estão a rigidez constitucional; as Cláusulas Pétreas (limites materiais ao poder de reforma constitucional) e a Jurisdição Constitucional.
A rigidez constitucional é o mecanismo mais tradicional. Consiste em conter no texto constitucional previsão de um procedimento ou rito especial para a modificação do texto de suas normas, transformando este procedimento mais complexo e dificultoso do que o procedimento utilizado para a formação de leis infraconstitucionais.
As Cláusulas pétreas, por sua vez, garantem maior estabilidade a determinados temas, erigidos como relevantes pela sociedade e concretizado pelo Poder Constituinte.
Por último, a Jurisdição Constitucional, explica Hans Kelsen (2007), é a garantia jurisdicional da Constituição, tendo a finalidade de garantir o exercício regular das funções estatais. Ou seja, a Constituição irá observar e garantir a conformidade da lei em relação ao seu texto, evitando que atos infraconstitucionais se sobreponham à Constituição Federal.
Porém, apesar das constituições terem caráter de permanência, não podem tais cartas políticas ser eternas, imutáveis, pois, a vontade de uma geração não pode ser imposta a gerações futuras. Assim, todas as cartas políticas trazem em seu texto um mecanismo de alteração sendo, portanto, um mecanismo para adaptar a constituição a novos contextos sócio-jurídicos.
Visto o entendimento de estabilidade constitucional, podemos concluir que é a maneira de tornar a Constituição mais concreta e aplicável, tornando-se mais acessível aos cidadãos, podendo garantir a estabilidade das concreções jurídicas e demandas sociais. A estabilidade, porém, não significa a imutabilidade absoluta, pois as constituições devem modificar-se para poder se adequar às tendências socioeconômicas, políticos e culturais que a sociedade, aos poucos, vai se transformando, não podendo, assim ficar a Constituição obsoleta. Assim, explica Luís Roberto Barroso:
“As Constituições não podem ser imutáveis. Os documentos constitucionais precisam ser dotados da capacidade de se adaptarem á evolução histórica, ás mudanças da realidade e às novas demandas sociais. Se perder a sintonia com seu tempo, a Constituição já não poderá cumprir a sua função normativa e, fatalmente, cederá caminho para os fatores reais do poder. Estará condenada a ser uma Constituição meramente nominal, quando não semântica” (BARROSO, 2009, p. 139).
Neste sentido, também explica José Afonso da Silva (2009) que o culto da constituição não pode transforma – lá em eterna. Como a Constituição é um instrumento de realização de valores fundamentais de uma sociedade, esses valores são mutáveis, tornando a Constituição incompatível com o seu povo.
Wellington Márcio Kublisckas (2009) explica que a mutabilidade constitucional desempenha funções importantes dentro do sistema como: a possibilidade de correção de erros ou imperfeições, além da introdução de melhorias no texto constitucional; a possibilidade de atualização de atuação ou adequação da constituição à realidade socioeconômica e política; e por último, a garantia da permanência ou estabilidade da Constituição.
A primeira função está no fato de estar o texto constitucional redigido com normas abstratas, pois tal texto é redigido por e para seres humanos, e estes sempre estão suscetíveis a erro, mas como a Constituição pode ser alterada, há a possibilidade de corrigir os erros presentes no texto, aperfeiçoando-lhe, de modo a garantir a sua aplicabilidade.
A segunda função da mutabilidade do texto constitucional é a possibilidade de atualizar a Constituição, adequando-a a uma nova realidade socioeconômica e política, pois, é através da mutabilidade que se faz a adaptação das normas em relação ao objeto de sua regulação. Assim, com o passar do tempo a norma vem a se tornar inadequadaàs necessidades da sociedade imprescindível a adaptação da norma, dando-lhe maior eficácia.
Por último, há a garantia da permanência da Constituição, dando-lhe estabilidade, pois a mutabilidade visa garantir a continuidade da Constituição na medida em que evita as tensões entre norma e aplicabilidade concretacheguem a um estágio avançado que cause a ruptura da ordem estabelecida através de golpe de Estado ou revolução.
A mutabilidade constitucional manifesta-se através dos mecanismos de alteração constitucional, que para este artigo, se apresenta, de maneira formal, através da Revisão Constitucional e da Emenda Constitucional; e de maneira informal, através, do processo de Mutação Constitucional. O estudo do poder de reforma do texto constitucional é traçado pela tensão permanente que se estabelece entre um Estado democrático de direito, entre permanência e mudança no direito constitucional.
MEIOS DE ALTERAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL
a) Meio Formal (Reforma Constitucional)
São os mecanismos de alteração do texto constitucional presentes no mesmo, permitindo, consequentemente, a sua sintonia com novas situações sociais, buscando evitar a caducidade da norma constitucional. Na Constituição brasileira, estão presentes dois meios formais, a Revisão constitucional e a Emenda constitucional, este último, apresenta um rito mais dificultoso para a sua aprovação, se comparado com o rito de aprovação de leis infraconstitucionais, tal característica demonstra que tal rito tem objetivo de dar maior estabilidade ao texto constitucional, de modo a garantir que a Constituição está a disposição do consenso da sociedade, que apontará onde a alteração da Constituição se faz necessária.
O meio formal de alteração do texto constitucional possui como fundamento o Poder Constituinte Derivado Reformador, uma vez que é a possibilidade de alterar o texto constitucional, respeitando a regulamentação prevista no texto da própria Constituição, sendo exercido por órgãos de caráter representativo.
A Constituição da República prevê, atualmente, apenas um meio formal de alteração, que é a emenda constitucional, onde seu rito está previsto no art. 60 da CR:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros […]”.
A emenda constitucional necessita da iniciativa de um terço dos membros da Câmara Federal (171 membros) ou Senado Federal (27 membros); presidente da República ou mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados, com a manifestação de maioria relativa em cada uma delas.
As propostas de emendas são submetidas a duas votações em cada Casa do Congresso Nacional, devendo obter aprovação de, no mínimo, três quintos dos votos de seus membros, em todas as votações. Após a votações, se aprovada, a proposta é promulgada pelas mesas da Câmara Federal e do Senado Federal, com o número de ordem, sendo por fim, publicada no Diário Oficial da União.
Outro meio formal previsto pela Constituição foi a Revisão Constitucional, ocorrida em 1993, onde foi colocada no texto constitucional em decorrência da falta de consenso entre a Assembléia Constituinte. Foi prevista no artigo 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que preceitua: “Art. 3º – A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.”
Portanto, a Constituição da República instituiu que após cinco anos da sua promulgação haveria um processo extraordinário e transitório que teria como função a revisão do texto constitucional, onde o Congresso Nacional poderia introduzir modificações na Constituição em sessão unicameral, com a aprovação de seus membros.
Assim explica Wellington Roberto Kublisckas:
“a revisão constitucional era uma procedimento especial de modificação formal da Constituição dotado das seguintes características: caráter extraordinário, vez que não se sujeita às formalidades previstas no artigo 60 da Constituição Federal […]; transitoriedade, posto que deveria ser realizado após cinco anos, contado da data de promulgação da Constituição e deveria se exaurir em definitivo após a sua ocorrência” (KUBLISCKAS, 2009, p. 176).
A revisão constitucional ocorreu entre os meses de outubro de 1993 e maio de 1994, respeitando, então, o prazo de cinco anos após a promulgação da Constituição, originando deste processo a promulgação de apenas seis emendas constitucionais de revisão, pondo fim, então ao processo formal de revisão.
b) Meio Informal
Nem só pela via formal, mediante a emenda constitucional, se altera o texto constitucional, há ainda, em face da evolução dos hábitos, costumes, da dinâmica econômica, dentre outros fatores que mude a vida de uma sociedade, fazendo surgir uma nova realidade social, uma via informal de alteração do texto constitucional, não estando, portanto, prevista na Constituição, mas esta permite sua atuação, tal processo informal denomina-se como Mutação Constitucional.
A Mutação constitucional é conceituada por como um processo que se destina atribuir novos sentidos ao texto constitucional, alterando-o de maneira não prevista nas normas constitucionais, onde para tal alteração são utilizadas as interpretações e os costumes da sociedade em que a constituição modificada possui eficácia. A doutrina alemã conceitua mutação constitucional como a adequação sociológica dos preceitos constitucionais, em decorrência da materialidade de suas normas, ou seja, ao seu alcance dos cidadãos.
Assim, para José Afonso da Silva (2009), as mutações constitucionais são mudanças não formais que se operam no correr da história de uma Constituição, sem alterar a escrita do texto, permanecendo inalterado o enunciado formal.
O fenômeno da mutação constitucional teve surgimento na Europa com a teoria constitucional alemã, além da jurisprudência do Tribunal Federal Alemão (CCFA), que comprovou a possibilidade de alterar a Constituição material de um Estado, sem mudar o seu texto, se contrapondo, portanto, à tradicional teoria constitucional francesa, que por sua vez, só admitia a alteração da constituição pela via formal.
Quanto ao fundamento, a mutação constitucional não visa estabelecer uma nova constituição, e sim, adaptar o sentido que está sendo aplicado à norma, tal fato chegamos a conclusão que não possui como fundamento o Poder Constituinte Derivado Reformador, assim como não possui fundamento no Poder Constituinte Decorrente, uma vez que, a mutação constitucional não visa criar uma Constituição Estatal.
Diante da falta de consenso para se dar uma natureza jurídica à mutação constitucional como fundamento para complementar, adaptar a aplicação do preceito constitucional, Luis Roberto Barroso, utiliza a definição de Georges Burdeau, na sua obra “Tratado de ciência política”, onde aponta existir uma terceira modalidade de Poder Constituinte, que é o Poder Constituinte Difuso.
Assim, Barroso:
“A conclusão a que se chega é a de que além do Poder Constituinte Originário e do poder de Reforma constitucional existe uma terceira modalidade de Poder constituinte: O que exerce um caráter permanente, por mecanismos informais, não expressamente previstos na Constituição, mas indubitavelmente por ela admitidos, como são a interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais. Esta terceira via já foi denominada pelo célebre publicista Francês como Poder Constituinte Difuso, cuja titularidade remanesce no povo, mas que acaba sendo exercido por uma via representativa pelos órgãos do Poder Constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim como em casos de necessidade de afirmação de certos direitos fundamentais” (BARROSO, 2009, p. 127).
Portanto, a mutação constitucional possui relação com os Poderes Constituintes Originário e Derivado, tendo com isso, o fundamento jurídico de um terceiro poder Constituinte, o difuso, uma vez que, a mutação constitucional se realiza pela interpretação dos órgãos estatais ou através dos costumes, em decorrência da evolução social. Sendo este terceiro poder uma manifestação espontânea e informal que nasce da sociedade e é aplicado pelo Estado, através de medidas políticas, onde se retira normas incompatíveis com a sociedade, podendo através de uma interpretação chegar ao real sentido pretendido pela Constituição.
A mutação constitucional, como fenômeno jurídico político constitucional, apresenta características como a informalidade, pois é um processo não previsto em lei; pluralidade dos agentes, uma vez que, a competência para aplicar as normas advindas das mutações constitucionais é do chefe do Executivo, da função Legislativa e da função Judiciária, assim como, a sociedade em geral, atuação de grupos de pressão organizados, dentre outros, sendo que há uma supremacia em decorrência da atuação do entendimento da função Judiciária, pois toda Mutação Constitucional deve ter o crivo do Supremo Tribunal Federal; Sujeito a limites, pois se preocupam a desenvolver e completar a constituição escrita, tendo como objetivo alcançar a harmonia com norma constitucional, sob pena de serem mutações inconstitucionais, e por último, as mutações possuem distanciamento no tempo, já que ocorre lentamente até consolidar um novo entendimento que passe a regulamentar situações concretas.
A mutação constitucional atua mediante ações, que se dá pela interpretação constitucional; ou comportamentos sociais, que se dá através dos costumes constitucionais, estabelecidos em determinadas sociedades.
A interpretação constitucional é o instrumento mais comum e importante de atualização do texto constitucional, adaptando-o ao seu tempo. Consiste na determinação do sentido da norma constitucional, visando sua aplicação. Possui dois métodos, a saber: o método Científico-espiritual (denominação de Kublisckas) ou Método Integrativo (denominação de UadiBulos) e o método de Concretização.
O método Integrativo afirma que a interpretação constitucional não visa buscar o sentido da norma constitucional, e sim, compreender a realidade da Constituição, conforme as circunstâncias e o tempo em que ela é feita, dando primazia a critérios que favoreçam a integração política e social na comunidade, sendo a Constituição o elemento que deve buscar esta realidade. Neste sentido, explica UadiBulos (1997) que através do método integrativo, nenhuma forma ou instituto de direito constitucional poderá ser compreendido em si, fora da conexidade que guarda com o sentido de conjunto e universalidade expresso pela Constituição.
O método de Concretização apresenta caráter de criação de conteúdo da norma interpretativa, obrigando a exegeta a interpretar uma norma que possua obscuridade.Wellington Márcio Kublisckas (2009) aponta que para essa corrente há três elementos: o problema concreto a ser solucionado; a norma que irá concretizar e a compreensão prévia do intérprete. E três objetivos: descobrir o resultado constitucionalmente correto, por meio de um procedimento racional e controlável; fundamentar de forma racional e controlável esse resultado e dotar o método jurídico de certeza e previsibilidade.
O costume constitucional atua como instrumento da mutação constitucional na medida queproduz mudança no sentido, significado e alcance das normas constitucionais, de modo a preencherem as lacunas constitucionais, criando normas para situações não previstas no texto constitucional, suprindo suas omissões, sem alterá-lo. Assim explica Barroso (2009) que os costumes trazem a interpretação informal da Constituição, tendo um papel atualizador do seu texto quando algumas situações não estejam previstas ou expressas no texto constitucional, mas em alguns casos poderá, o costume, estar em contradição com a norma constitucional, sendo, portanto, um costume inconstitucional (contrário a Constituição).
As mutações constitucionais possuem limites, onde se ultrapassá-los estará o poder constituinte derivado violando a vontade popular. Assim a mutação constitucional se limita a dois elementos: a possibilidade semântica do relato da norma (sentidos que o texto está sendo interpretado) e a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade à Constituição.Segundo Luis Roberto Barroso:
“Se o novo sentido que se quer dar não couber no texto, será necessária a convocação de poder constituinte reformador. E se não couber nos princípios fundamentais, será preciso tirar do estado de latência o poder constituinte originário” (BARROSO, 2009, p. 127).
Portanto, a mutação, fenômeno jurídico constitucional, é aceitável quando não contrarie de modo evidente a letra e o espírito da constituição, deverá ser racional, ou seja, concedida pela razão e fundamentada pelos preceitos constitucionais interpretados.
Mutação Constitucional na Constituição da República De 1988
A mutação constitucional encontra no sistema constitucional brasileiro uma fundamentação no neoconstitucionalismo. Oneoconstitucionalismo originou-se no pós-segundasegunda guerra mundial e se contrapõe aos regimes autoritários, já que este não possui caráter principiológico presente no constitucionalismo contemporâneo. No Brasil, a Constituição de 1988 foi aprovada e promulgada em um período pós- período ditadural militar, tendo, assim como o neoconstitucionalismo, origem democrática, que influenciou na origem da atual constituição brasileira ao valorizar os diretos fundamentais, que passou a ter função central do ordenamento jurídico brasileiro, além do fortalecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) como concretizador e intérprete máximo da norma constitucional, tornando-se um verdadeiro guardião da constituição.
Uma das características do neoconstitucionalismo é a constitucionalização da ordem jurídica, que dá à constituição um poder de incidência sobre outros ramos do direito. Tal característica foi incorporada pela constituição federal de 1988, onde tal carta política se projeta sobre vários ramos do direito em nível infraconstitucional, fazendo com que ocorresse a constitucionalização da ordem jurídica brasileira.
Outro ponto importante foi o poder dadoao Supremo Tribunal Federal, para reconhecer a mutação constitucional e decidir sobre a interpretação dada pelos membros do Legislativo e Executivo. A mais importante transformação para fortalecer o STF foi a emenda 45/04, que introduziu a Súmula Vinculante no direito brasileiro, onde possui efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, cabendo reclamação ao STF de ato administrativo ou decisão judicial que contrariar sua decisão.
A mutação constitucional ganha importância para alterar a Constituiçãona medida que o processo de emendas não modifica o texto constitucional como a sociedade necessita, uma vez que o processo formal tem sido utilizado de maneira exagerada, apesar de ter um processo diferenciado, dito rígido, como pode ser comprovado no fato de que até o ano de 2009, a constituição federal foi alterada, mediante emendas constitucionais, sessenta e duas vezes, levando a uma média de aproximadamente três emendas constitucionais por ano. Esse número excessivo de emendas levou a doutrina de denominar de “emendismo constitucional”, espécie de “mania de emendar”. Isso leva a um aumento do texto constitucional, onde suas normas entram em conflitos entre si.
Para Wellington Márcio Kublisckas, o emendismo tem como causa:
“Do ponto de vista jurídico, os dois fatores que mais contribuem para a ocorrência do chamado emendismo constitucional no Brasil são: i) a estrutura prolixa, detalhista e casuística do Texto Constitucional brasileiro, o qual, além de conter inúmeras regras apenas formalmente constitucionais (e que deviam ter sido deixadas para a disciplina infraconstitucional); e ii) o baixo grau de dificuldade, em comparação com as demais constituições” (KUBLISCKAS, 2009, p. 199).
O texto constitucional brasileiro prevê um processo dificultoso para aprovação das emendas a Constituição, mas se avaliarmos as constituições de outros países pode visualizar que o processo do art. 60 não é tão rígido a ponto de dar estabilidade à constituição. Em países como México, Angola e outros o quórum de aprovação é de dois terços dos membros do Legislativo, nos países que adotam o mesmo quórum do Brasil, de três quintos, para dar uma maior rigidez a essa votação, há a realização de um referendo popular, como a Itália.
Outro ponto que deve ser criticado no processo de emendas é a possibilidade de participação do presidente da República na fase de iniciativa do processo de emenda constitucional remete a constituição de 1988 a períodos ditatoriais do Brasil, onde as Constituições destes períodos tinham o caráter centralizador, colocando o Executivo em superioridade aos demais Poderes. Nessas situações só precisaria da vontade de um agente, o Presidente da República, diminuindo o grau de dificuldade para a alteração do texto constitucional. Em uma pesquisa sobre a iniciativa das emendas constitucionais, Kublisckas mostra que até o ano de 2009, das sessenta e duas emendas constitucionais, 41% se originaram por iniciativa do Poder Executivo, ao passo que o Legislativo teve a iniciativa de 59%, sendo 30% da Câmara de deputados e 29% de iniciativa do Senado Federal. Como podemos concluir, há uma iniciativa demasiada por parte do Poder Executivo. A mutação constitucional, como já dito, deve ser determinado pelo STF que é um órgão colegiado, como ocorre, em sua maioria dos casos, com a emenda constitucional, que tem tido iniciativa do Presidente da República, onde possui um único agente, uma única vontade.
Além do emendismo constitucional, há que criticar um ponto em que o art. 60 não disciplinou, a possibilidade de alteração do texto constitucional através da iniciativa popular. A Constituição Federal estabelece que a soberania popular (art. 14) será exercida pelos representantes escolhidos pela população, ou seja, de modo indireto. O anteprojeto da Constituição Federal trazia a possibilidade da população apresentar emendas constitucionais, porém por pressão de grupos de conservadores, esta possibilidade não foi aprovada, sendo retirada do texto constitucional definido da Constituição.
Wellington Márcio Kublisckas explica que alguns autores defendem que a iniciativa popular seja admitida como meio de alteração da constituição, então para o autor:
“Autores contemporâneos, como é o caso de José Afonso da Silva e Maurício Antônio Ribeiro Lopes tem propugnado por uma interpretação ampliativa do art.60 da Constituição de 1988 no sentido de ser admitida – apesar de não estar expressamente prevista – a iniciativa popular de emendas à constituição. O primeiro, com fundamento na aplicação extensiva do art.61, §2º da Constituição, defende que é possível e juridicamente válida a apresentação de uma proposta de emenda constitucional subscrita por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. O segundo partindo da mesma premissa, mas tendo em conta que os requisitos para a iniciativa do processo de modificação da constituição devem ser mais rígidos que os requisitos exigidos para a apresentação de um projeto de lei ordinária, defende que a proposta deve ser subscrita por cinco por cento ( e não um por cento) do eleitorado nacional” (KUBLISCKAS,2009, p. 182)
Com essa possibilidade expressa na Constituição da República, esta teria um caráter democrático mais evidente, como realmente deve ser uma carta política vigente após um período ditatorial. Vale destacar que não houve uma simples omissão de previsão, e sim, a retirada do texto constitucional desta possibilidade.
Considerações Finais
Diante do que foi apresentado, chegamos à conclusão de que, há um conflito entre a permanência do texto constitucional e a necessidade de alteração do mesmo. Onde a importância da permanência está em dar estabilidade ao texto constitucional, pois a Constituição trata sobre assuntos de estruturação do Estado, não podendo ficar a constituição à mercê de determinados grupos políticos em detrimento da maioria da sociedade. A possibilidade de alteração da Constituição, por sua vez, surge da necessidade de adequar o texto constitucional a situações do momento vivido pela sociedade, uma vez que, a carta constitucional não pode imutável, deve acompanhar a sociedade em sua evolução, de forma a manter a norma constitucional atuante.
Devido a necessidade de acompanhar a evolução da sociedade, a Constituição Federal de 1988 se preocupou com a atualização do seu texto, para tanto trouxe a possibilidade de realização de dois procedimentos, a revisão constitucional e a emenda constitucional, que por estarem previstos no texto, são considerados vias formais para alteração constitucional. A revisão constitucional estava prevista no artigo 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que previa a sua realização após cinco anos da promulgação da Constituição, sendo esta feita entre os anos de 1993 e 1994, sendo apresentadas apenas seis emendas à constituição, fato este que pôs fim a tal processo na Constituição, fazendo com que só a emenda constitucional permanecesse no ordenamento jurídico brasileiro para a atualização do texto da constituição.
O processo de emenda constitucional, por sua vez, ao longo dos anos tem se mostrado um mecanismo utilizado com bastante freqüência, que causa estranheza devida ser considerado, pela própria constituição, um procedimento rígido, dificultoso, podendo garantir a estabilidade da constituição. Tal fenômeno foi chamado pela doutrina de emendismo constitucional, que pode ser constatado pelo fato de que até o ano de 2009, havia sessenta e duas emendas constitucionais, tendo uma média de três emendas constitucionais por ano, que deixaram o texto constitucional longo, detalhista e casuístico, fazendo com que ocorressem conflitos entre as normas constitucionais, caracterizando assim, que é baixo o grau de dificuldade de alteração do texto constitucional. Outro ponto desfavorável é a possibilidade de iniciativa do Presidente da República, que remete a chamada “Constituição cidadã”, assim conhecida a atual constituição devido o seu caráter democrático, ao tempo de regime ditatorial, onde o Presidente da República tinha poderes ilimitados. Esta possibilidade fez com que houvesse um aumento de emendas aprovadas pelo Poder Executivo, comprovando que o Presidente da República, está modificando a Constituição seguindo a seus interesses, ao passo que o Legislativo, representantes do povo, está tendo sua função diminuída.
Mas, nem só da via formal se modifica o texto da constituição, também há a incidência do fenômeno informal, chamado de Mutação Constitucional, que é a alteração do sentido e do alcance da norma, não ditos pela letra da constituição, sem alterar o seu texto. Tal via se apresenta como um importante instrumento para a solução do problema do emendismo constitucional na medida que altera o sentido da norma, sem alterar o texto, fazendo com que o texto constitucional não fique longo, detalhista, mas que possua a efetividade necessária para organizar o Estado e as relações entre ele e a sociedade, que se dá através de interpretação e do costume. Outra característica da mutação constitucional é o seu fundamento no neoconstitucionalismo, que assim como a Constituição Federal de 1988 se contrapõe a regimes ditatoriais, utilizando princípios para a sua interpretação. A legitimidade para a Mutação Constitucional é do STF, não necessitando de votações do Poder Legislativo para sua criação.
Informações Sobre os Autores
Érika de França Pergentino
Advogada, Bacharel em Direito pela FAFIC, Pós-graduada no Curso Latu Senso de Direito Penal da FAFIC
Antônio Wilson Júnior Ramalho Lacerda
Advogado Bacharel em Direito pela FAFIC Pós-graduado no Curso Latu Senso de Direito Penal da FAFIC Pós-graduado no Curso Latu Senso de Docência do Ensino Superior da Faculdade Santa Maria Pós-graduando no Curso Latu Senso de Gestão Pública Municipal pela UECE
Patricia Peixoto Cústodio
Enfermeira, Possui graduação em Enfermagem pela Faculdade Santa Maria-FSM, Pós Graduada em Bloco Cirúrgico e Clínica Médica pelo Centro de Treinamento São Camilo Cariri-CE, pós graduada em Enfermagem Dermatológica pela Faculdade Santa Maria (FSM), pós graduada em Docência no Ensino Superior-FSM
Weverttom Medeiros de Queiroga
Advogado, Bacharel em Direito pela UNIPÊ, Pós-graduado no Curso Latu Senso de Direito Constitucional da UNIPÊ