O homem como vítima no crime de estupro e sua responsabilização frente a uma gravidez indesejada

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Resumo: O crime de estupro passou a ter nova redação, desde o ano de 2009, figurando em apenas uma tipificação penal, atentado violento ao pudor e o estupro, que se limitava a copula vagínica. Com a promulgação da Lei nº 12.015/2009, o delito de estupro tornou-se crime comum, sendo viável, atualmente, a mulher estuprar o homem. Logo, as hodiernas consequências advindas da prática daquela infração penal, como a gravidez da infratora. Frisa-se que o homem poderá atingir ao momento de ereção, e até mesmo ejacular por meio de violência ou grave ameaça. Nesse diapasão, a infratora que vier a engravidar, terá o direito de consentir ou não com o aborto humanitário, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana e da garantia de proteção da vida intrauterina.Há o entendimento de queprevalece a proteção à essência humana e, por analogia bonam partem, por estar com seu emocional abalado, a vítima poderá pleitear o aborto sentimental. No caso da criança vir a nascer, o vitimado não terá quaisquer responsabilidades civis em relação à ela, não terá obrigações alimentícias, não terá direitos sucessórios em relação ao patrimônio do genitor, frente ao absentismo da vontade proporcional irrefutável. O fruto do delito terá a garantia de conhecer sua origem genética, contudo, o homem vítima possui a faculdade de zelar emocionalmente e financeiramente o menor. Para assegurar sua mantença, essa criança deverá buscar apoio, apenas, na sua família materna, lhe sendo viável, pleitear os alimentos de seus ascendentes ou irmãos.

Palavras-chave: Estupro; Aborto sentimental; Responsabilidades da vítima.

Abstract: The crime of rape has been redrafted since 2009, unifying in only one crime what was known as a sexual assault and the rape who was restricted only to vaginal intercourse. With the enactment of Law 12.015/2009, the crime of rape has become a common crime, becoming possible for a woman to rape a man, therefore, all the new consequences arising from the practice of that criminal offense, such as the offender’s pregnancy. Emphasizes that the man can reach the moment of erection, and even ejaculate through violence or serious threatening. In this way, the offender who becomes pregnant will have the right to consent to humanitarian abortion, due to the principle of the dignity of the human person and the guarantee of protection of intrauterine life. There is the understanding that prevails, of the protection to the human essence and, by a beneficial analogy, for being with his emotional shaken the victim can plead the sentimental abortion. In the case of the child being born, the victim will not be obligated to any civil liabilities in relation to it like food obligations or succession rights in relation to the victim’s patrimony. For the offspring of the crime will be guaranteed to know your genetic origin, however, the victim has the faculty to care emotionally and financially of the minor.In order to ensure its maintenance, this child should seek for support only in his maternal family, being able to him, to claim the food of his ancestors and siblings.

Keywords: Rape; Sentimental abortion; Victim’s responsabilities.

Sumário: Introdução. 1. Advento da Lei n° 12.015/2009 que modificou o tipo penal estupro. 2. Exame pelo prisma da medicinal legal e outras divisões da medicina. 3 Os direitos e garantias ao homem vítima em face de gravidez advinda do estupro. 3.1 O direito do homem vítima e da mulher estupradora quanto a um aborto sentimental. 3.2 Da paternidade indesejada do homem vitima e seus efeitos na esfera cível. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O vigente Código Penal pátrio, promulgado no ano de 1940 e recepcionado pela Carta Magna de 1988 como lei ordinária, sofreu diversas alterações com o decorrer dos anos, moldando-se as inovações do meio social. Desde sua publicação a sociedade evolui em vários aspectos, e a mulher antes vista como um ser virginal e frágil conquistou seu renome no meio social, antes, apenas ocupado pelo sexo masculino.

No tocante aos crimes sexuais, enfatiza-se a reforma realizada pela Lei n° 12.015/2009, unificando os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, bem como a extinção da desigualdade de gênero existente nestes delitos, demonstrando que o machismo vem perdendo seu valor nas tipificações penais.

Neste compasso, o presente estudo se estrutura em disseminar a nova redação do crime de estupro inovada pela lei nº 12.015/2009, vez que, é preciso tambémanalisar as consequências penais e cíveis para os sujeitos ativos e passivos, primordialmente, se o sujeitoativo for uma mulher e o passivo um homem, e se desta conduta criminosa resultar uma gravidez indesejada.

O legislador não realizou uma reforma em todo o ordenamento jurídico pátrio, não se atentou, na nova redação, a aplicação ou não de certas normas que tem o intuito de amparar e proteger vítimas do crime de estupro. Com fito de completar tais lacunas, realizar-se-á uma interpretação das normas jurídicas, valer-se da similitude das preconizações existentes na legislação civil, penal e Estatuto da Criança e Adolescente

1. ADVENTO DA LEI 12.015/2009 QUE MODIFICOU O TIPO PENAL ESTUPRO

A lei nº 12.015/09 modificou o título VI do Código Penal, que sobreveio a tutelar a dignidade sexual, inteiramente atrelada à liberdade e direito de escolhas de parceiros, extinguindo a antiquada terminologia “crimes contra os costumes”. De fato, adota que os crimes sexuais violentos ou fraudulentos compreendem absolutamente a dignidade, personalidade e liberdade do ser humano.

Em 07 de Agosto de 2009, a lei n° 12.015 foi promulgada e consigo trouxe inúmeras mutações quando a tipificação nos crimes sexuais, frisando-se a fusão dos crimes de atentado violento ao pudor e estupro.

Eis as alterações, in verbis:

“Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§2º Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(BRASIL, 2009)”

Cita-se, também, para uma precisa percepção da inovação legislativa, a redação proveniente do artigotipificadorsupracitado, do Código Penal Brasileiro de 1940, que era exposto nos termos seguintes, in verbis:

“Estupro

Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena – reclusão, de seis a dez anos.(BRASIL, 1940)”

O bem jurídico cautelado, no crime de estupro, era a liberdade sexual da mulher, sua livre preferência de companheiro sexual, e bem como, o desejo de abdicar ao próprio conjugue. O sujeito passivo era tão somente a mulher, independente de sua moral, idade, ou virgindade, enquanto ao sujeito ativo, do delito, era somente o homem, contudo a mulher poderia se enquadrar em alguns casos como coautora na tipificação.

Com achegada da Lei nº 12.015/09, realizou-se uma metamorfose quanto ao bem jurídico tutelado na nova tipificação, vez que a partir de 2009 é acautelado o livre arbítrio sexual da mulher e do homem, onde ambos podem escolher quanto a sua vida sexual, nesse sentido preceitua:

“O bem jurídico protegido, a partir da redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, é a liberdade sexual da mulher e do homem, ou seja, a faculdade que ambos têm de escolher livremente seus parceiros sexuais, podendo recusar inclusive o próprio cônjuge, se assim o desejarem. Na realidade, também nos crimes sexuais, especialmente naqueles praticados sem o consenso da vítima, o bem jurídico protegido continua sendo a liberdade individual, na sua expressão mais elementar: a intimidade e a privacidade, que são aspectos da liberdade individual; estas últimas assumem dimensão superior quando se trata da liberdade sexual, atingindo sua plenitude quando se trata da inviolabilidade carnal, que deve ser respeitada inclusive pelo próprio cônjuge que, a nosso juízo, também pode ser sujeito ativo do crime de estupro.(BITENCOURT, 2012, P.92).”

No mesmo contexto aexplanação de (SANDEVILLEapudSANCHES, 2016):

“Assim, não é mais a moral sexual que se clama proteção, e sim o direito individual da mulher [leia-se: de qualquer pessoa], sua liberdade de escolha do parceiro e consentimento na prática do ato sexual. A violação a isso corresponde a um ilícito ligado à sua pessoa e não mais contra os costumes. Prevalece na ofensa sofrida, sua liberdade e não a moral. Daí, justifica-se a nova adequação típica das figuras penais de estupro; e do atentado violento ao pudor […].”

O código penal pátrio ao amparar a dignidade sexual como um bem jurídico torna-se harmônico com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, nos moldes do art. 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, toda e qualquer pessoa possui o direito de deprecar por respeito quanto a sua vida sexual, bem como, tem o dever de honrar as opções sexuais alheias e, de tal maneira o Estado tem por obrigação asseverar os devidos meios. Nessa acepção, remete-se a igualdade de gênero tanto quanto à liberdade sexual:

“Na nova disciplina de crimes sexuais se reconheceu a primazia do desenvolvimento sadio da liberdade da sexualidade e do exercício da liberdade sexual como bens merecedores de proteção penal, por serem aspectos essenciais a dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade. Nesse sentido se orientou a reforma de vários tipos penais: buscou-se um tratamento igualitário entre homens e mulheres como sujeitos passivos dos crimes sexuais.(MIRABETE, 2013, p. 402)”

Com base no princípio da continuidade normativo-típica, a nova redação do artigo 213 do CPB, liquefez o art.214 e art.213 ambos do CPB/40, ocasionando um abolitio criminis formal, tendo em vista que a figura típica de atentado violento ao pudor não mais permanece, mas toda sua composição e efeitos submergiram para a essência de outra tipificação penal. O aludido capítulo ainda é item de censuras. (Bitencourt, 2012) assevera que, como possuí a conglobação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, poderia o legislador ter usado a expressão “relações sexuais”, mais abarcante, para substituir as figuras da conjunção carnal (estupro) e ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

A nova epígrafe do delito em comento sucedeu a qualificar a ação de constranger qualquer pessoa, sendo homem ou mulher, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso. Sendo assim, ações que antes configuravam crime de atentado violento ao pudor, agora associam o crime de estupro, ocasionando, uma modificação de um tipo para outro, vez que o estupro passou a compreender ao exercício de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, expandindo a sua tutela legal para envolver não só a alvedrio sexual da mulher, bem como a do homem, conforme elucida (CAPEZ, 2012).

A conjunção carnal é o coito vagínico, assim é uma relação normal que só pode ser explanada de uma maneira, a penetração do órgão sexual masculino na vagina da mulher, o então órgão sexual feminino. Nessa tipificação, o constrangimento será resultante de uma relação heterossexual, podendo obter como sujeito ativo qualquer pessoa, seja do sexo masculino ou sexo feminino e, precisamente, as duas figuras, sendo inviável a relação homossexual.

A tipificação outro ato libidinoso, acrescentada pelo legislador, abrange todos os atos de características sexual que não se enquadram na conjunção carnal, entretanto, não aniquila a hipótese desta, vez que, a conjunção carnal é um ato libidinoso que aflora a libido do agente e que tem por intuito satisfazer seu belo prazer sexual.

Os crimes sexuais ou contra a dignidade sexual, termo usado atualmente, tem se tornado um assunto bastante debatido entre os doutrinadores jurídicos e de outras áreas, além da sociedade em geral. Parte dessa discussão vem do fato de que os crimes sexuais possuem uma natureza individual e, que envolve um instinto inerente a todo indivíduo: o impulso sexual. Com a evolução do Código Penal, foi deixado para trás princípios e valores, tal como a honestidade e a virgindade, onde era vivenciado pelos povos observando suas histórias e culturas. Passando daí a dar ênfase à tutela da liberdade sexual da pessoa humana, seja homem ou mulher, passando o crime a ser considerado comum.

O conceito formado no crime de estupro abrange no polo passivo tanto o homem quanto a mulher, não fazendo distinção entre si. Tal situação representa um grande avanço vide ao fato da mulher até pouco tempo atrás ser considerada a grande vítima nesses crimes.

Pela redação vigente, a mulher que constranger o homem à prática de conjunção carnal, pratica o crime de estupro, portanto, se uma mulher coage um homem a manter com ela conjunção carnal ou quaisquer atos libidinosos, tais sujeitos, serão concomitantemente, sujeito ativo e passivo no estupro, preconiza (NUCCI, 2013).

Segundo o entendimento de (GRECO, 2014), se uma mulher apaixonada deseja manter relações sexuais com um homem e não alcança normalmente, e, com isso, faz emprego de ameaça por meio de arma de fogo para obter o seu objetivo, a mesma acaba por cometer estupro.

Sintetizando, a transformação legislativa nas tipificações dos crimes sexuais, o estupro abandonou o ideal de que apenas seria possível homem como sujeito ativo e a mulher como sujeito passivo, tendo a viabilidade, na atual tipificação, dessa constranger aquele para obter conjunção carnal, ou que se realize outro ato libidinoso.

2. EXAME PELO PRISMA DA MEDICINA LEGAL E OUTRAS DIVISÕES DA MEDICINA

A ereção e ejaculação não permanecem, essencialmente, vinculadas ao deleite. Ainda em ocasiões de tensão, com alta carga de temor, é plausível ao homem atingi-las, sendo admissível a hipótese de o homem coagido atingir uma ereção, bem como, ejaculação.

(BITTAR, 2011) não realiza esboço dos sinais que evidenciam que o homem foi abusado ou que ele atinge uma ereção quando coagido, o faz tão-somente com relação à ofendida, assinalando a vistoria clínica da conjunção carnal nela e da violência. No entanto, cita determinados tipos de parafilias ou transtornos sexuais que comprovammaneiras do homem apresentaruma ereção originária desses distúrbios.

O inicial registrado pela autora é a satiríase cotada como ereção quase ininterrupta, com ejaculações reiteradas. Um conspícuo distúrbio é o priapismo em que o indivíduo obtém a ereção sem desejo.

Alguns enforcados ejaculam ou manifestam um pênis ereto, não sendo de grande valia alegar que tenha acontecido o orgasmo, sendo esse fenômeno um reflexo, conclui (GOMES, 1997).

(CROCE, 2010) ao versar sobre o enforcamento, aduz que nesta maneira de sufocação pode advir a ejaculação e a turgescência peniana, o que tem instigado determinados parafílicos, sem desígnio de se enforcarem, a esquadrinharem o deleite sexual através da constrição do pescoço:

“Na suspensão completa, devido à perda de tonicidade e eventual repleção das vesículas seminais, poderá ocorrer, muita vez, ejaculação post mortem e engurgitamento hipostático dos corpos cavernoso penianos. Esses fenômenos agônicos, turgescência peniana e ejaculação- tem levado alguns parafílicos a obter sensações voluptuosas por meio da constrição espontânea do pescoço, por meio de laço, parece que sem a intenção de conduzir o enforcamento até a morte. Contudo, logo sobrevém estado de inconsciência e subsequentemente a morte da vítima antes que ela tenha conseguido o intencionado efeito sexual libertador do aguilhão da carne.(CROCE, 2010, p. 397)”

A satiríase é vista como nível erétil do pênis aproximadamente inalterável, com demasiada ardência genésico e desprazer sexual, por mais que o indivíduo tenha alcançado o orgasmo inúmeras vezes, em coitos estresidos, conjuntamente ou não de alucinações e delírios, vez que a parafilia é sempre de origem patológica. No tocante priaprismo, afirma que é uma condição patológica trajada por uma ereção atípica e inabalável do pênis, mui dolorosa e, com ausência de volição sexual e, logo, excepção de ejaculação, assim conceitua (CROCE, 2010).

Em consonância ao art. 213 do CPB, (FRANÇA, 2012), assevera que homem também pode ser vítima no estupro, sem usar a mulher como exclusiva vítima e, deste modo, aduz que a satiríase advém sempre de uma patalogia, nela tem a ardência sexual, ereção e a consumando-se com a ejaculação, enquanto, priaprismo tem por característica uma ereção doentia, constante, com ausência de ejaculação, oriundo na maioria das vezes de causas psíquicas.

Frisa-se que não é uma regra fiel de que a ereção abrange desejo, anseio pelo ato sexual ou vontade de tê-la. A função erétil é um conjunto de fatores, os quais são arteriais, psicológicos, hormonais, neurológicos e venosos.

Têm-se três tipos de ereção: a Reflexogênica, noturna e psicogênica. Aquela é acarretada por estimulação genital, sendo conservada em casos de pacientes que a medula cervical e torácica foram lesionadas. A psicogênica decorre de estímulos auditivos, visuais ou fantasias. A ultima, subconsciente, comumente durante o sono.

Ressalta-se, que não é obrigatória, a relação direta entre ejaculação, ereção e desejo sexual, ocorrendo um sem a precisão de outro. Desmitifica o ideal de que o homem só alcança a ereção se estiver totalmente relaxado, sem estresse, uma vez que pode ser resultado de distúrbios mentais como o priaprismo ou satiríase, bem como, advindo de um efeito reflexo, sono ou ministração de medicamentos utilizados em tratamento para disfunção erétil.

Destarte, é viável que o homem obtenha ereção, mesmo quando agredido ou constrangido, e por seguinte, acuado a concretizar a conjunção carnal, assim, consumando o crime de estupro tendo como vítima o sujeito do sexo masculino.

3. OS DIREITOS E GARANTIAS AO HOMEM VÍTIMA EM FACE DE GRAVIDEZ ADVINDA DO ESTUPRO

Frente a atual conglobação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor sob a chancela daquele, há que julgar-se o caso de que tal alternativa legislatória pode acarretar determinadas implicações jurídicas excepcionais, as quais fazem jus a uma devida ponderação.

Versa-se sobre as circunstâncias específicas vinculadas à gestação da mulher, ora infratora no crime de estupro, em face do homem vítima. A então probabilidade de aborto sentimental, bem como, as responsabilidades cíveis do sujeito vítima para com a criança fruto do delito sofrido.

3.1 O DIREITO DO HOMEM VÍTIMA E DA MULHER ESTUPRADORA QUANTO A UM ABORTO SENTIMENTAL

O estatuto penal brasileiro não conceitua o crime aborto, apenas prescreve, de modo geral, provocar aborto, como sendo o componente normativo da tipificação. (BITENCURT, 2012) conceitua o aborto, delituoso ou não, com o extermínio da vida da concepção do ovo até o início do parto.

É permitido, pelo Código Penal nacional, o aborto sentimental, se a gravidez suceder de um estupro, só é permitido, pela literalidade do art.128, inciso II do CPB, com a prévia aquiescência da gestante ou de seu representante legal, se incapaz.

O aborto sentimental considera-se a não exigência da mulher prosseguir com uma gravidez e dê a luz uma criança, fruto de um abuso sexual extremo, o qual lhe origina imensuráveis detrimentos emocionais e psíquicos, em sua maioria irreparáveis, bem mais do que as oportunas sequelas anatômicas concernentes ao episódio.

A vinda da lei nº 12.015/09, que consigo trouxe a possibilidade de o homem ser vítima no crime de estupro e a mulher a autora, e caso essa venha a engravidar no momento do ato, o que por sua vez, o legislador não tutelou devidamente quanto a essa ocorrência, a doutrina consolidou entendimentos diversificados, em sua maioria contraria e em sua minoria a favor do aborto humanitário.

A doutrina majoritária sustenta a inviabilidade do aborto em face da mulher estupradora, uma vez que, a fulgor do art. 128, II, do CPB, a ocorrência do mesmo deve respeitar os devidos critérios, como também, os princípios constitucionais da legalidade, humanidade das penas e da intranscedência, afirma (CABETTE, 2012).

No tocante a legalidade, não há qualquer previsão legal que culmine em uma obrigação a realização do aborto pela mulher estupradora que engravide, já em relação à transcendência, não admite que a pena incida da pessoa do infrator para alcançar terceiros inocentes, assim, o aborto sentimental violaria esse princípio. Sendo assim, tal corrente, resguarda o direito de a mulher ter a sua integridade física resguardada, inexequível obrigá-la a realizar um aborto sem seu consentimento, por mais que o sujeito passivo pleiteie judicialmente a cessação da gestação, aduz, in verbis:

“[…] Da mesma forma, entendemos como impossível o pedido que possa ser levado a efeito judicialmente pela vítima, com a finalidade de compelir a autora do estupro ao aborto, sob o argumento de que não desejava a gravidez e, consequentemente, o fruto dessa relação sexual criminosa. Isso porque devemos preservar, in casu, o direito à vida do feto, já que não se confunde com o crime praticado pela mãe, ou mesmo com as pretensões morais da vítima. (GRECO, 2014, P.509)”

A constituição pátria ampara o direito à inviolabilidade da vida, priorizando a vida intrauterina. Frisa-se que o feto mesmo durante a vida intrauterina possui personalidade jurídica, logo, é um sujeito de direitos, independentemente de sua genitora, baseadonas teorias natalista e concepcionista.

A interpretação de (GRECO, 2014) que é visivelmente antagônico a esse tipo de aborto, já que a redação do art. 128, inciso II, do CPB remete apenas o aborto da prenhes da mulher vítima do delito abusivo, e não a mulher sujeito ativo do delito, uma vez que a mulher autora não possui direito de se beneficiar em qualquer circunstância do texto legal.

O raciocínio de (CABETTE, 2012) é no sentido de que não se pode punir um delito com outro, tendo em vista que o direito penal hodierno não mais faz uso desse modelo de justiça. Assim, não se deve admitir que a pena do estupro seja o aborto, e a pena atribuída no art. 213 do CPB tem caráter puramente socioeducativo, dissemina o autor:

“Além disso, a mulher que pratica tal infração assume o risco de produzir o resultado gravidez(…). Não se pode compreender como um capricho criminoso que ensejou um coito desejado pela mulher poderia dar lugar a outro capricho, agora abrigado pela lei, em eliminar a vida intrauterina. Isso seria o cúmulo da banalização do desprezo pela vida humana em sua fase inicial. (…) É visível que jamais seria admissível a imposição do aborto à gestante, ainda que criminosa e mesmo considerando os interesses do homem vitimizado. A primeira razão para essa afirmação encontra-se na cristalina dicção do artigo 128, II, CP, a exigir, para a prática do aborto sentimental, o requisito (indispensável) do consentimento prévio da gestante.(CABETTE, 2010, p. 139).”

Essa ressalva à pena de abortamento também é prevista no art. 5º, §§ 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, na que o Brasil é signatário, ao afiançar que toda pessoa possui o direito de ter sua integridade física, psíquica e moral devidamente reverenciada e que ninguém carece de ser sofrer reprimendas, nem a penas ou tratos bárbaros, inumanos ou degradantes.

Salienta-se tocante a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que afirmou que não caracterizará crime de aborto até o terceiro mês de gestação, uma decisão que se incita um precedente perante os tribunais pátrios, ex positis:

“Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.(BRASIL, STF, 2016)”

O ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto aduz que a criminalização do aborto é incompatível com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada, deve ser conservada a autonomia da mulher, seu direito de escolhas frente a sua integridade física e psíquica da gestante, quem ora, sofre os efeitos da gestação, bem como, garantir a igualdade da mulher, uma vez que homens não geram em seu ventre, e, deste modo, a igualdade integral de gênero pende de se acatar a vontade da mulher a gestação.

No tocante a doutrina minoritária quanto ao aborto humanitário em face da estupradora, vem auferindo escopo jurídico, adotado primordialmente no meio acadêmico, com embasamento nos princípios da razoabilidade e isonomia, faz-se uma interpretação literal do art. 128, inciso II, do CPB, e regula seus contextos em benefício ao aborto sentimental quando o sujeito passivo é homem.

Deve-se realizar uma contraposição, relativizando o princípio da dignidade da pessoa humana, quanto à proteção e direitos do nascituro e a proteção da dignidade do homem vitimado, por mais, que ele fique isento de quaisquer responsabilidades na esfera civil perante o infante.

O aborto sentimental encontra respaldo no amparo a integridade física e psicológica da mulher vítima de abuso, levando em consideração a razoabilidade, de que ela não é obrigada a manter uma gravidez fruto de um abuso sexual impetuoso, assim, a jurisprudência entende que, no caso da mulher vitimada, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, é permissivo que cesse a da vida do embrião ou feto.

É nesse sentido que se preceitua a doutrina:

“(…) nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida, e por tal razão é perfeitamente admissível o abortamento em circunstâncias excepcionais para preservação da vida digna da gestante (NUCCI, 2013, p. 128)”.

O aborto humanitário é um esboço instituído para a assistência da probidade psicofísica da mulher vítima, importância essa resultante da dignidade humana, ponderando que a mulher não deve ser forçada a cuidar de uma criança sobrevinda de coito abusivo, malquisto, além do mais, com o risco de torna-se sujeito a temeridades de disfunção mental, hereditários, coma possibilidade de se revelar-se no infante, fruto de um caso doentio, criminoso e violento, afirma (MIRABETTE, 2013). No mesmo vestígio de entendimentos, afirma-se nos moldes da dignidade da pessoa humana, no caso a da mulher sujeito passivo no crime de estupro, o direito consente que expire a existência do embrião ou feto. Existentes dois valores, mas devendo preservar o já existente, apreende (NUCCI, 2009).

Por analogia bonam partem, por mais que não seja da natureza do homem tolerar as consequências de uma gestação, como a mulher, por ser a paternidade um momento e experiência peculiar na vida paterna, de forma alguma, poderá ser corrompida. Argumenta-se, também, a possibilidade de aborto sentimental quando o homem é sujeito passivo, consolidado na Carta Magna de 1988, que difere:

“Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.(BRASIL, 1988)”

Portanto, não é coeso estabelecer que o homem enfrente a paternidade acarretada de uma gestação indesejada, quando a mulher é o sujeito passivo do estupro, possui, assim, a alternativa de persistir com a gestação ou cessá-la.

A derradeira justificação para validar o aborto quando a mulher engravida em razão do ato delituoso, explica-se que o ser humano necessita obter respeito em sua essência. A então dignidade transgredida na ocasião em que a pessoa é utilizada como item, incidindo, deste modo, a desqualificação do ser humano. Tal processosu cede quando um ser é usado por outro, como artifício para satisfazer a sua lascívia, afim de, concluir seus desígnios particulares. Existe irrestrito cerceamento da aspiração da mulher na relação sexual e a própria carecerá de tolerar sozinha, as implicações da gravidez.

Nesta seara, especificando a respeito da autorização para haver o abortamento quando o homem é vítima do estupro e a própria agressora engravida, leciona:

“Uma mulher que violenta sexualmente um indivíduo do sexo masculino não tem, em momento algum, sua dignidade afrontada, não havendo, dessa forma, que se falar em sopesamento entre sua dignidade e a vida do feto (NUCCI, 2012)”

A alegação enrijecida é sobre a conjunturada mulher que atenta estupro em face de um homem e desse delito advém a gravidez, fica restrita de permitir legitimamente para a prática do aborto, incidindo em circunstância ilegítima se assim ocorrer. Destarte, ao coagir o homem a concretizar conjunção carnal consigo mesma, a mulher aflui em culpa ou dolo para a própria gestação, não podendo, assim, eliminar uma vida que por sua culpa ou dolo abrolhou ensejo pelo qual se torna incoerente a probabilidade de licença para ocorrer o aborto sentimental em face à mulher delituosa que engravida em razão seu delito hediondo, nessa acepção motiva:

“A verdadeira justificativa para legitimar o abortamento quando a mulher engravida por conta do ato criminoso, funda-se no fato de que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que uma pessoa é tratada como objeto, ocorrendo, desta feita, a coisificação do ser humano. Este procedimento ocorre quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria lascívia, para cumprir seus propósitos individuais. Há total supressão da vontade da mulher no coito e a mesma deverá suportar sozinha, os efeitos da gestação. (ONLINE, 2014)”

Destarte, irrealizável a teoria de a mulher que comete crime de estupro esquadrinha-se, com intuito de se favorecer da excludente coeva no art. 128, inciso II do CPB, uma vez que, sua dignidade jamais foi transgredida, não possuindo categoricamente coisa alguma que afronte à vida intrauterina.

3.2 DA PATERNIDADE INDESEJADA DO HOMEM VÍTIMA E SEUS EFEITOS NA ESFERA CÍVEL

A prole, em epítome, incide na conjuntura de progênie direta em primeiro grau. O parâmetro é o princípio da igualdade dos filhos, apreciado no art. 227, §6 da CRFB/1988, dado que a disposição jurídica precedente dedicava tratamento distinto entre os filhos autênticos e bastardos, apontam (GLAGLIANO, 2011).

Quanto aos filhos provenientes do crime em comento, acarreta uma antítese principiológica, sendo instigada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 5º, inciso III, da CRFB/88, o qual é atinente para resguardar o nascituro e o nascido vivo, garantia de paternidade, nome e sobrenome paterno, convivência com a família paterna, alimentos e direitos sucessórios, ou inclinando-se a amparar o homem vitimado no estupro, não lhe gerando qualquer obrigação cível quanto ao fruto do delito em comento.

A gestação advinda do cometimento de um crime, hediondo, não terá consequência patrimonial que vitimaria o sujeito passivo redundantemente, o menor advindo de um estupro, sem nenhuma cobiça do genitor, faltando à pretensão procriacional inconfundível.

O menor, consequência do delito abusivo, conterá o direito de ter conhecimento sobre sua ascendência genética, porquanto, é um direito personalíssimo, contudo não obterá como implicação, direito patrimonial. Com intuito de impedir que seja cominada determinada responsabilidade sobre o ser originado do crime de estupro, a vítima necessitará impetrar judicialmente, pleiteando o banimento de tais implicações, porém o juiz não deve acolher o solicitado na percepção de não incluir o nome do progenitor no registro civil de nascimento do infante, porquanto, biologicamente, é o gerador. O meritíssimo deve, tão somente, denegar fins civis a tal certidão, garantindo à vítima de estupro, de que seu patrimônio não será abalado para contentar os zelos ao menor. Logo, asseverara o direito de personalidade da criança de apreciar sua ascendência genética, como também a veemência da vítima de não obter dever algum para com o menor.

Salienta-se que o caso de conter no registro civil de nascimento da criança o nome do progenitor é para que ele tenha conhecimento, sem complicações, quanto a sua genealogia genética e, para que possua um genitor em seu registro civil, direito garantido a todo cidadão, no entanto, o registro não surtirá implicação legal alguma. Não será causa de empecilho, para que por seguinte se esse menor vier a ter outro homem para lhe adotar paternalmente, adoção pela paternidade sócio afetiva, em razão da pluriparentalidade, já até então adotada por alguns tribunais pátrios.

Não se deve enlear o direito da personalidade à sua genealogia genética com o direito de filiação, sendo mendelismo ou não, tendo em vista que pai é aquele que zela e progenitor é aquele que apenas gera, aduz (LOBO, 2004).

A doutrina tridimensional do direito de família preconiza que a concepção do ser humano não é concretizada unicamente pelo desempenho com o mundo das coisas (mundo genético), todavia, também pela maneira que se é em família e em sociedade (mundo des-afetivo) e pela maneira de auto se relacionar que é nominado de mundo ontológico. Essa teoria entende que um dos resultados jurídicos tudo quanto à denominação que é admissível, ao filho possuir dois nomes de pais, ontológicos e afetivos, uma vez que é plausível ao ser humano obter, por modelo, dois genitores e duas genitoras, em concernência à dignidade e à condição humana tridimensional, tendo em vista que todos os fatos da essência genética, afetuosa e ontológica carecem de ser concentrados no fluxo de existência do ser humano, assim, intenciona (WELTER, 2010).

A legislação permite que a mulher vítima do estupro promova o aborto sentimental. Contudo, ao elencar o homem como vítima não legislou quanto a uma gravidez advinda desse, assim, como a gestação é desenvolvida no ventre da infratora, sendo inviável a obrigação de abortamento, ficando a vítima mercê dessa situação fática. Assim sendo, a criança terá seus direitos civis paternos totalmente negativados perante a certidão de nascimento, não suscitando resultados civis, como o direito sucessório e a prestação alimentícia. Na chancela cível, necessitará de relativizar o direito à vida via negatória de efeitos civis para com a paternidade biológica.

Os interesses do homem sujeito passivo no estupro não serão sobrepostos ao direito civil de alimentos e sucessão da criança fruto do delito. O homem ao ter obrigação de arcar mensalmente com obrigação alimentar, terá violado seu direito a vida, vez que sua integridade psicológica será lesionada. Portanto, serão preservados os direitos de integridade do homem vítima do delito de estupro, lhe sendo facultado reconhecer e proteger o menor.

No que concerne ao filho da infratora, este não ficará a mercê, sem proteção, não obterá apenas apoio emocional e proteção financeira do genitor biológico, mas sim, deverá ser amparado pela sua genitora delituosa e subsidiariamente por sua família materna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O advento da lei nº 12.015/2009 acarretou alterações significativas no escopo dos delitos de cunho sexual, fundiu o crime de atentado violento ao pudor com o crime de estupro, tornando-se o crime de estupro em um crime comum, e em observância aos princípios constitucionais da isonomia, dignidade e liberdade sexual, igualando homem e mulher, e obtendo inúmeras maneiras de realizar o delito, bem como, e ambos os gêneros cometê-lo.

É viável que o homem alcance ereção, mesmo quando atacado ou compelido, e por seguinte, acuado a consolidar a conjunção carnal, em razão, dos institutos da parafilia, satiríase, e uso de medicamentos, assim, consumando o crime de estupro, tendo como vítima o sujeito do sexo masculino.

A probabilidade de o homem ser vítima no crime de estupro acarretou diversificadas consequências, no âmbito jurídico e social, desde a questão do aborto sentimental, quando advier uma gravidez indesejada no estupro do homem vítima, que frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e preservação da vida intrauterina, será inviável, sem a devida anuência da mulher infratora ou do representante legal do incapaz. Tem-se o entendimento de que prevalecem a dignidade e liberdade sexual violada da vítima, com intuito preservar seu estado psicológico e essência, já danificados.

Portanto, como a legislação pátria é signatária em preservar a vida intrauterina e a dignidade da pessoa humana, conforme o art. 5º da CRFB/88 é majoritário o ideal da inviabilidade de aborto sentimental no crime em comento, contudo, o homem vitimado, não será responsável civilmente pelo menor fruto do delito. A criança terá a garantia de ter conhecimento sobre a origem genética, afim, de não enfrentar futuras problemáticas, porém, será facultado ao genitor, zelar pela obrigação alimentícia e sucessória para com o infante.

 

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Informações Sobre o Autor

 

Rayanne Kesley Bueno Matos

 

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Unirg; Advogada; Especialista em Direito Público