Resumo: O presente artigo aborda a questão acerca da aplicabilidade perante a Justiça do Trabalho dos institutos da Fraude à Execução e Fraude contra Credores, previstos no Código de Processo Civil e no Código Civil, respectivamente, considerando a previsão expressa do artigo 769 da CLT quanto à aplicação subsidiária do direito processual comum no direito processual do trabalho. O estudo apresenta a definição legal de cada um dos institutos, assim como as hipóteses específicas de aplicabilidade de cada qual perante a Justiça do Trabalho, além de apresentar dados estatísticos acerca da importância destas ferramentas para o aumento da efetividade das decisões judiciais.
Palavras-Chave: Fraude à Execução – Fraude contra Credores – Justiça do Trabalho – Lei. nº. 13.105/2015 – Lei nº. 13.467/2017.
Abstract: The present paper regards the applicability of the institute of Fraud Against Creditors, prescribed in the Civil Code and in the Civil Procedure Code, considering the express provision of article 769 of the Consolidation of Labour Laws regarding the subsidiary application of Common Procedure Law in Labour Procedure. The work presents the legal definition of the institute in the Civil Code as well as of its equivalent in the Civil Procedure Code, as well as the specific cases in which each is applicable before Brazilian Labour Courts, while also presenting statistic data on the importance of these tools to raise the effectiveness of judicial rulings.
Keywords: Fraud against Enforcement – Fraud against Creditors – Labor Justice – Law. nº. 13.105/2015 – Law nº. 13.467/2017.
Sumário: Introdução. 1. Da Aplicabilidade Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. 2. Princípio da Responsabilidade Patrimonial. 3. Fraude à Execução. 3.1. O Regime da Fraude de Execução no Novo CPC e seus Reflexos no Processo do Trabalho. 4. Fraude Contra Credores. 5. Bibliografia.
Introdução
Um dos mais relevantes e atuais temas inerentes ao Direito Processual é a busca pela efetividade das decisões judiciais, de forma a garantir que o processo seja um meio eficaz de aplicação do Direito Material. Nas palavras de Thereza Christina NAHAS “a mera garantia do direito no plano adjetivo, não significa a garantia de respeito aqueles direitos mínimos, isto é, aqueles que constituem a essência do ser humano e que permitirá a sua existência digna e daí a necessidade de se associarem as chamadas garantias instrumentais, isto é, mecanismos eficientes e eficazes que serão responsáveis pela realização e segurança de que não haverá violação ou ameaça a tais direitos[1]”, complementando que “o processo existe para a realização do direito adjetivo, seja ele de natureza fundamental ou não”[2].
Apesar disto, verifica-se que em praticamente todas as esferas da Justiça brasileira é possível apontar um número infindável de processos que perduram por anos no sistema judiciário e que, apesar de possuírem decisões transitadas em julgado, não são encerrados diante da impossibilidade de cumprimento das decisões judiciais, muitas vezes pela inexistência de bens dos devedores capazes de satisfazer a Execução.
À título meramente exemplificativo, destaca-se o Relatório emitido pelo Conselho Nacional de Justiça[3] no de 2015, que demonstra que no início do ano de 2014 existiam cerca de 4,4 milhões de ações tramitando perante a Justiça do Trabalho, sendo certo que 49% deste total referiam-se a processos em fase de Execução. Tendo em vista que esta deveria ser a fase mais célere de todo o processo, o fato de praticamente metade das ações em trâmite na Justiça do Trabalho, reconhecida pela efetividade de suas decisões, se encontrarem nesta situação, demonstra a dificuldade de satisfação das decisões judiciais.
A boa notícia é que, devido à informatização e evolução das ferramentas de pesquisa e constrição de bens, o mesmo relatório aponta que o Índice de Atendimento à Demanda (IAD), parâmetro utilizado para se avaliar a efetividade da Justiça e que faz uma análise comparativa entre número de processos que ingressaram e saíram (arquivados definitivamente) da fase de Execução, apontou que foram satisfeitos 121% dos processos que se encontravam nesta condição no ano de 2014, o que representa a redução de 220 mil processos em Execução perante a Justiça do Trabalho. À título comparativo, destaca-se que no Relatório referente ao ano de 2009, a Taxa de Congestionamento na Fase de Execução perante a Justiça do Trabalho era de 67,8%, ou seja, aumentava-se o número de processos pendentes em 67,8%[4]. Houve, portanto, um aumento substancial na efetividade da Justiça do Trabalho nos últimos anos.
Mas é importante destacar que a satisfação das ações judiciais não está relacionada apenas à evolução dos meios tecnológicos, mas também a dispositivos legais que buscam evitar que o devedor prejudique o credor após a contração da dívida e/ou distribuição do processo. Na tentativa de impedir a alienação de bens e o esvaziamento do patrimônio pelo devedor, o legislador pátrio criou ferramentas processuais que visam garantir a satisfação do crédito, das quais podemos citar os institutos da desconsideração da personalidade jurídica, arresto e sequestro de bens, fraude à execução, fraude contra credores, dentre outros. Aliadas aos novos mecanismos de pesquisa e constrição de bens, estas são grandes responsáveis pela satisfação dos processos nos quais ocorre a execução forçada.
No presente trabalho, porém, trataremos apenas dos institutos (i) da fraude à execução; e (ii) da fraude contra credores, os quais serão analisados sob o enfoque da Justiça do Trabalho, em especial, para tratar da aplicabilidade de cada qual perante esta Justiça Especializada, os requisitos e sua forma de processamento, bem como sobre as recentes alterações promovidas pela Lei 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil – CPC, e da Lei 13.467/2017, que alterou substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
1. Da Aplicabilidade Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho
Primeiramente, considerando que todos os instrumentos processuais discutidos no presente trabalho, assim como a possibilidade de responsabilização patrimonial do devedor, estão previstos no Código de Processo Civil – CPC, é importante ressaltar a aplicação subsidiária ao Direito Processual do Trabalho da Lei 13.105/2015, consoante o disposto no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que prevê expressamente que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Acerca da aplicabilidade subsidiária do CPC ao Processo do Trabalho, Amauri Mascaro Nascimento já ressaltava que:
“A CLT é a lei ordinária que rege o processo trabalhista. No entanto, a própria CLT estabelece que, “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível” com as suas normas (art. 769). Duas são as condições, portanto, para a utilização do Código de Processo Civil nos processos trabalhistas. Primeiro, a omissão das leis trabalhistas. Segunda, além da omissão, a compatibilidade entre as normas processuais civis e as exigências do processo trabalhistas. Exemplificamos com a liquidação da sentença; A CLT apenas aponta que a sentença é liquidada por arbitramento, artigos e cálculos. Não indica os respectivos procedimentos. Estes são os previstos no Código de Processo Civil. Outro exemplo: a CLT nada dispõe sobre bens impenhoráveis, e diante dessa omissão as regras aplicáveis são as previstas no Código de Processo Civil. Não basta a omissão, sendo necessária também a compatibilidade entre as instituições do processo civil e trabalhista. Embora omissa a CLT, é obvio que as regras sobre investigação de paternidade são aplicáveis por antinomia. A Justiça do Trabalho é incompetente para decidir esta matéria.
Em síntese: a regra da subsidiariedade deve ser entendida em consonância com as duas ordens de considerações: a primeira, a verificação de omissão da lei processual trabalhista, caso em que se impõe subsidiá-la; a segunda, a indispensabilidade de as regras subsidiárias serem adaptáveis às necessidades do processo trabalhista”.
Portanto, quando inexistente previsão legal expressa na CLT e na hipótese de compatibilidade com os princípios e regras do Direito Processual do Trabalho, o CPC será utilizado de forma subsidiária à lei processual trabalhista. Esta é a posição pacífica também adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, consoante decisões cujas ementas são ora colacionadas. Confira-se:
“RECURSO DE REVISTA. ARTIGO 475-O DO CPC. APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO RECURSAL. I. O Tribunal Regional facultou ao Reclamante o levantamento dos valores referentes aos depósitos recursais até a quantia de sessenta salários mínimos. II. Esta Corte tem se manifestado no sentido de que não se visualiza omissão na CLT a ensejar a aplicação subsidiária do art. 475-O do CPC. III. Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 769 da CLT, e a que se dá provimento, para excluir da condenação a autorização para o levantamento de parte do depósito recursal.” (TST – RR: 975007020095030025 , Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 24/06/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/07/2015)
“RECURSO ORDINÁRIO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ATRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA À MM VARA. EXTINÇÃO DA FIGURA DO JUIZ CLASSISTA. APLICABILIDADE DO ART. 769 DA CLT. DISPOSIÇÃO EXPRESSA NO CPC: ARTS. 313 E 314. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL PARA DIRIMIR O INCIDENTE . É de se atribuir a competência do Tribunal Regional para julgamento de incidente em exceção de suspeição de Juiz do Trabalho, por força do que dispõem os arts. 313 e 314 do CPC. Em face da extinção da representação classista na Justiça do Trabalho, não há mais se falar na aplicação do art. 802 da CLT, para o exame dos procedimentos das exceções de suspeição. Por outro lado, não há previsão legal que viabilize atribuir a juiz substituto o julgamento do incidente, a determinar o respeito ao princípio insculpido no art. 5º, II, da Carta Magna. Por sua vez, O STJ, no julgamento do RE 704.600-RJ, assinalou: – O Juiz a quem se atribui suspeição não pode julgar a exceção, princípio que se aplica também aos Magistrados que atuam no segundo grau de jurisdição -. Isso porque incumbe ao judiciário proporcionar segurança jurídica às partes, focando nos princípios que traduzem as garantias processuais constitucionais, em especial a imparcialidade do julgador . É certo que ao regular a exceção de suspeição, o Regimento Interno da eg. Corte não levou em consideração as alterações constitucionais relacionadas às Varas do Trabalho, conforme a EC 24, de 9.12.1999, que extinguiu a representação classista. Incumbe, portanto, que se aplique o rito previsto na legislação processual ordinária, com o fim de se atribuir competência ao Tribunal Regional do Trabalho para o julgamento do incidente. Nesse sentido orientação contida no Ato 002/2009 da Corregedoria da Justiça do Trabalho. Recurso ordinário provido”. (TST – RO: 22207520105080000 2220-75.2010.5.08.0000, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 06/06/2011, Órgão Especial, Data de Publicação: DEJT 24/06/2011)
2. Princípio da Responsabilidade Patrimonial
Sendo assim, e de grande relevância ao presente estudo, é importante ressaltar a aplicabilidade ao Direito Processual do Trabalho também do disposto no artigo 789 do Código de Processo Civil – CPC, que estabelece que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Trata-se do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor.
Sobre o tema, Fredie DIDIER JR ressalta que “a responsabilidade patrimonial (ou responsabilidade executiva) seria, segundo doutrina maciça, o estado de sujeição do patrimônio do devedor, ou de terceiros responsáveis (cf. art. 592, CPC/73), às providências executivas voltadas à satisfação da prestação devida. Seria a sujeição potencial e genérica de seu patrimônio. Haveria a possibilidade de sujeição de todos os seus bens (dentro dos limites da lei), não sujeição específica de um deles” [5]. Humberto THEODORO JUNIOR, por sua vez, nos ensina que “deve-se compreender a responsabilidade patrimonial como a sujeição à execução de todos os bens que se encontrem no patrimônio do devedor no momento em que se pratica a ação executiva, sem se preocupar com a época em que foram adquiridos”[6].
No mais, fazendo referência à Enrico Tullio LIEBMAN, Yussef Said CAHALI conclui ressaltando que “o patrimônio do devedor representa para o credor a garantia de poder conseguir, em caso de inadimplemento, satisfação coativa pelos meios executivos”[7].
Portanto, perante a Justiça brasileira, em especial, a Justiça do Trabalho, responde o devedor com seu próprio patrimônio pelas dívidas por ele contraídas ou pelas quais possa ser responsabilizado pessoalmente, nos termos da legislação vigente.
Humberto THEODORO JUNIOR até mesmo ressalta que “um dos atributos do direito de propriedade é o poder de disposição assegurado ao titular do domínio. Mas, o patrimônio do devedor é a garantia geral dos seus credores; e, por isso, a disponibilidade só pode ser exercitada até onde não lese a segurança dos credores”[8].
Por conta disto, qualquer tentativa de esvaziamento patrimonial com intuito de frustrar execuções ou prejudicar credores já existentes no momento do negócio jurídico danoso poderá ser declarada como fraude à execução ou fraude contra credores, desde preenchidos os requisitos legais estabelecidos nos artigos 792 e seguintes do CPC/15 e 158 e seguintes do Código Civil – CC, consoante abaixo restará demonstrado.
3. Fraude à Execução
Inexistindo previsão legal específica com relação ao instituto da fraude à execução na legislação trabalhista, considerando que a disposição legal se encontra em consonância com os princípios da Justiça obreira, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que se aplicam também ao Processo do Trabalho o disposto nos artigos 792 e seguintes do CPC.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. O Regional, com base na análise do quadro fático probatório dos autos, entendeu que restou caracterizada a fraude à execução, nos termos do artigo 593, II, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT. Nesse contexto, não se vislumbram as alegadas violações constitucionais, sendo que, para decidir de forma diversa, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado nesta esfera extraordinária, a teor da Súmula nº 126 do TST. Agravo de Instrumento não provido.” (TST – AIRR: 15217320105150070 1521-73.2010.5.15.0070, Relator: Maria Laura Franco Lima de Faria, Data de Julgamento: 29/08/2012, 8ª Turma)
O artigo 792 do CPC vigente[9], do qual se extrai o próprio conceito de fraude à execução, estabelece expressamente as hipóteses em que poderá haver seu reconhecimento. Considera-se fraude à execução a alienação ou oneração de bens (i) que estejam sendo discutidos em ação fundada em direito real; (ii) quando existente demanda em face do devedor capaz de reduzi-lo à insolvência; e (iii) nos demais casos previstos em lei.
Regra geral, considerando a competência material estabelecida no artigo 114 da Constituição Federal, é possível afirmar que no âmbito da Justiça laboral a fraude à execução ocorre normalmente quando o devedor procede a alienação de bens capaz de reduzi-lo à condição de insolvente, desde que existente demanda judicial em curso. As demais hipóteses previstas no artigo 792 são excepcionalmente raras perante a Justiça do Trabalho e devem ocorrer apenas quando o direito real discutido também guarde algum tipo de relação com o vínculo de trabalho mantido entre as partes.
Sendo assim, na hipótese de maior relevância ao presente trabalho, extrai-se do próprio inciso IV do artigo 792 do CPC que para reconhecimento da fraude à execução perante a Justiça do Trabalho é necessária: (i) a prática de ato danoso que reduza o devedor à insolvência (não será considerado como praticado em fraude à execução o negocio jurídico que reduzir o patrimônio do devedor, mas que não impedir a satisfação da Execução); e que (ii) este ato seja praticado enquanto existir demanda judicial pendente contra o devedor, não sendo necessário que esteja em fase de Execução (a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que não se faz necessária sequer a citação do devedor para que seja reconhecida a fraude à execução, bastando apenas que o ato danoso tenha sido praticado após a distribuição da ação[10]).
O fato de existir demanda judicial em curso quando praticado o negócio jurídico em fraude à execução, em afronta ao sistema processual brasileiro, o impõe a condição também de ato atentatório à dignidade da Justiça, nos termos dos artigos 600 e 601 CPC. Autores como Amauri MASCARO NASCIMENTO e Carlos Henrique BEZERRA LEITE são categóricos no sentido de que a fraude à execução, por ser praticada no curso de ação judicial e estar prevista no inciso I do artigo 600 do atual CPC, é espécie do gênero ato atentatório à dignidade da Justiça, podendo ser penalizada, além da declaração de ineficácia do negócio jurídico danoso, também com multa de 20% sobre o valor do crédito e/ou outras sanções de natureza processual, conforme previsão do artigo 601 do CPC, tal o repúdio à conduta adotada pela parte.
Sobre o tema, inclusive, ressalta Humberto THEODORO JUNIOR a gravidade do ato praticado em fraude à execução, destacando que “muito mais grave a fraude quando cometida no curso do processo de condenação ou de execução. Além de ser mais evidente, o intuito de lesar o credor, em tal situação “a alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair”. A fraude frustra, então, a atuação da Justiça e, por isso, é repelida mais energicamente”[11]. Amauri MASCARO NASCIMENTO, destaca que “há um princípio ético que preside o processo em geral, assim também o processo de execução, daí por que a fraude à execução, o uso de malícia, ardis e meios artificiosos, a resistência às ordens judiciais e o ocultamento de bens sujeitos à execução constituírem “ato atentatório à dignidade da Justiça””[12].
Até mesmo por isso, tratando-se de instituto de ordem eminentemente processual, Carlos Henrique BEZERRA LEITE sustenta que deve “o juiz reconhecê-lo de ofício e apurar a responsabilidade nos mesmos autos do processo em que for constatado este ato atentatório à dignidade da Justiça”[13]. Ou seja, tão repudiada a conduta do devedor que tenta fraudar a execução, que sequer se faz necessária a manifestação do credor para que seja declarado ineficaz o ato danoso praticado.
E neste ponto, é relevante mencionar que o CPC de 2015 adotou a teoria de que, tendo o negócio jurídico sido realizado na forma prevista no inciso IV do artigo 792 do CPC, a fraude à execução é presumida, surtindo efeitos perante terceiros (em especial, os adquirentes dos bens objetos da declaração de fraude à execução), o que demonstra a necessidade de terceiros serem suficientemente diligentes ao ponto de analisar a existência de ações judiciais em trâmite em face do devedor antes da realização deste tipo de negócio jurídico, o que posteriormente poderá comprovar sua boa-fé na aquisição dos bens. O ônus da prova com relação à inexistência da fraude, portanto, é do devedor e/ou do terceiro interessado que adquiriu os bens, o que, na prática, tem conferido grande efetividade ao instituto. Confira-se decisões sobre o tema:
“Ementa: AGRAVO DE PETIÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. VENDA DE IMÓVEL APÓS A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Incorre em fraude à execução, com má-fé presumida, a venda de imóvel de propriedade do sócio executado após a decisão judicial que desconsiderou a personalidade jurídica da empresa com observância dos termos do artigo 79 da na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Agravo de petição que se dá provimento.” (TRT-2 – AP: 00019803920145020089 SP 00019803920145020089 A28, Relator: CELSO RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 25/02/2015, 2ª TURMA, Data de Publicação: 04/03/2015)
“AGRAVO DE PETIÇAO EM EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE DE EXECUÇAO. A própria agravante admite haver adquirido imóvel pertencente a um dos sócios da executada mediante escritura pública de venda e compra lavrada quando já estava em curso a ação trabalhista originária. São irrelevantes as alegações de que a reclamatória foi proposta em face da empresa,e não do sócio alienante (ante a doutrina da despersonalização da pessoa jurídica); bem como de que a agravante adquirira o imóvel mediante contrato particular anterior (o qual, por sua precária natureza preliminar, não se reveste de oponibilidade erga omnes, somente conferível genuinamente ao instrumento firmado perante o cartório de registro de imóveis. A má-fé, em circunstâncias tais,é legalmente presumida (art. 593, caput e inciso II, do CPC). Recurso a que se nega provimento”. (TRT-2 – AP: 2359200804202008 SP 02359-2008-042-02-00-8, Relator: WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA, Data de Julgamento: 09/06/2009, 4ª TURMA, Data de Publicação: 19/06/2009)
E caso necessário, a discussão judicial acerca da decisão que reconheceu a fraude à execução deve ser feita por intermédio de Embargos (no caso do terceiro adquirente, deverá ser oposto Embargos de Terceiro, previstos no artigo 674 do CPC) e que devem opostos no prazo de 5 dias após a intimação do interessado acerca da penhora do bem que garantiu a Execução. A decisão proferida em sede de Embargos poderá ser objeto de recurso, Agravo de Petição, conforme previsão do inciso “a” do artigo 897 da CLT.
3.1. O Regime da Fraude de Execução no Novo CPC e seus Reflexos no Processo do Trabalho
O Código de Processo Civil – CPC estabeleceu expressamente em seu artigo 792[14] as hipóteses consideradas fraude à execução, sendo elas: (i) quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; (ii) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; (iii) quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; (iv) quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; e (v) nos demais casos expressos em lei.
Da simples análise de referido dispositivo legal, percebe-se claramente a intenção do legislador em conferir proteção maior à figura do adquirente de boa-fé, tendo até mesmo sido estabelecida a necessidade de averbação do impedimento na matrícula do bem ou em outros registros públicos, quando possível, para que a fraude seja oponível à terceiros. O legislador, inclusive, regulamentou por meio do artigo 828 do Código de Processo Civil – CPC o procedimento para que seja realizada averbação em Cartório da constrição judicial dos bens.
Diante das alterações legislativas, ao contrário da teoria adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, percebe-se que a declaração de fraude à execução no atual ordenamento deverá ocorrer na maioria dos casos quando cumpridas as previstas formalidades de averbação nos registros competentes, oportunidades em que, realizado o negócio danoso, será presumível a má-fé do adquirente dos bens. Esta, aliás, já tem sido a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça perante a esfera cível, que originou a edição da Súmula 375 do STJ[15].
Mas apesar disto, considerando que o Código de Processo Civil de 2015 manteve quase que com redação idêntica a possibilidade de decretação de fraude à execução nas hipóteses em que “ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”, a que efetivamente se aplica ao Processo do Trabalho, nos parece que as discussões na Justiça obreira são praticamente as mesmas, de modo que continua à cargo do devedor e/ou adquirente a prova acerca da inexistência de fraude à execução.
A bem da verdade, considerando a disparidade entre as partes que litigam na Justiça do Trabalho, o que ocorre na maioria esmagadora das ações, bem como a informalidade que é característica ao processo nesta esfera judicial, caso não houvesse a “reedição” deste inciso, os requisitos previstos na nova lei poderiam reduzir ou até mesmo inviabilizar a efetividade, eficácia e o alcance do instituto da fraude à execução, com reflexos possivelmente negativos no que tange à satisfação das execuções trabalhistas.
Ainda assim, é importante ressaltar que o Código de Processo Civil de 2015 criou novos procedimentos com relação ao processamento da fraude à execução, estes que devem se refletir na Justiça do Trabalho. Isto porque, tamanha a proteção conferida ao terceiro interessado que o §4º do artigo 792 do atual Código de Processo Civil[16] prevê que “antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias”. Ou seja, antes mesmo da decretação da fraude à execução, estabeleceu-se a necessidade de intimação do terceiro para que apresente a defesa competente, o que se trata de novidade importante, pois na atual legislação o proprietário do bem (terceiro adquirente) apenas era intimado da fraude quando da efetiva penhora, quando deveria apresentar os Embargos de Terceiro.
Sendo assim, o que se verifica é que, regra geral, as alterações promovidas pelo Novo Código de Processo Civil no que tange ao instituto da fraude à execução visam conferir uma proteção maior ao adquirente de boa-fé, alterando o ônus do prova em determinados casos e lhe conferindo tratamento diferenciado no que tange a sua defesa no processo judicial, que deve ocorrer antes da declaração da fraude à execução pelo Magistrado.
4. Fraude Contra Credores
Assim como os demais dispositivos legais analisados acima, a fraude contra credores também não possui previsão específica na legislação trabalhista, motivo pelo qual, tendo preenchido os requisitos estabelecidos no artigo 769 da CLT, o regramento previsto na legislação cível sobre o tema aplica-se também perante a Justiça do Trabalho.
A fraude contra credores, entretanto, tratando-se de regra de direito material (Carlos Henrique BEZERRA LEITE nos ensina que se trata de “um instituto de direito material (CC, art. 158) concernente a um defeito do ato jurídico que depende da existência do consilium fraudis, apurada em ação própria (pauliana ou revocatória), como aliás, prevê a Súmula 195 do STJ”[17]), encontra-se prevista nos artigos 158 e 159 do Código Civil – CC[18].
Nas palavras de Fredie DIDIER JR, a fraude contra credores é “a diminuição patrimonial do devedor que o conduz à insolvência (ou a agrava), em prejuízo de seus credores. O seu passivo torna-se maior do que seu ativo, não dispondo de bens para responder pela obrigação” [19]. Referido autor completa ressaltando que “trata-se de expediente usualmente empregado pelo devedor endividado, destinado a aumentar seu passivo (conjunto de dívidas e obrigações de uma pessoa), de modo que venha a superar o ativo (totalidade de bens de uma pessoa, incluindo dinheiro, créditos, mercadorias, imóveis, investimentos); o devedor, para livrar-se de suas dívidas, reduz seu ativo, por meios inescrupulosos, tornando-se insolvente. Nessa mesma situação, enquadra-se o devedor que já é insolvente e resolve “ampliar” essa insolvência, ou seja, o devedor insolvente, que deve mais do que tem (CPC, art. 748), está assoberbado de compromissos e a saída por ele encontrada é reduzir, não raro com ardil, o seu ativo, que serviria de garantia de pagamento para os seus credores” [20]. Para que seja reconhecida a fraude contra credores, o autor[21] destaca que::
“É necessário o preenchimento de dois pressupostos para a sua configuração, um objetivo e outro subjetivo.
O pressuposto objetivo é a exigência de redução patrimonial, que conduza a insolvência ou a agrave. É o chamado “dano” (eventos damni). E a insolvência é a insuficiência patrimonial do devedor, cujas dívidas superam a importância de seus bens (CC, art. 748).
O pressuposto subjetivo, que se costuma invocar em doutrina, é a ciência do devedor de causar dano (consilium fraudis).”
Verifica-se, portanto, ser indispensável para reconhecimento da fraude contra credores que (i) o ato praticado conduza o devedor à insolvência; e que (ii) exista a intenção do devedor em prejudicar os credores. Neste caso, ao contrário do instituto da fraude à execução, não se faz necessário que o ato danoso seja praticado no curso de demanda judicial contra o devedor, tampouco existe a presunção de que os atos tenham sido praticados de má-fé[22][23].
Pelo contrário, tendo em vista que a fraude contra credores deve ser discutida através de Ação Pauliana (artigo 161 do CC) ou Ação Revocatória (artigo 130 da Lei 11.101/2005) e considerando a distribuição do ônus da prova estabelecida nos artigos 333 do CPC e 818 da CLT, caberá ao credor fazer a prova acerca da fraude alegada. As únicas exceções à regra geral estabelecida estão previstas nos artigos 158 e 159 do CC, bem como artigo 334 CPC, quando for notória a condição de insolvente do devedor ou que o ato considerado fraudulento tenha sido praticado de forma não onerosa, hipóteses em que haverá a presunção da má-fé.
Mas diante do procedimento estabelecido em lei, bem como pela natureza do direito material discutido, ainda que não exista incompatibilidade com os princípios aplicáveis no Direito Processual do Trabalho, não existe consenso entre doutrina e jurisprudência acerca da aplicabilidade do instituto da fraude contra credores perante a Justiça do Trabalho. Existem diversos julgados proferidos por diferentes Tribunais Regionais do Trabalho no sentido de que a Justiça do Trabalho é incompetente para julgar ações desta natureza, sendo que a única exceção adotada por alguns doutrinadores se resume ao caso extraordinariamente incomum da fraude ser decorrente do vínculo de trabalho mantido entre as partes.
“AÇÃO PAULIANA OU REVOCATÓRIA. ATO JURÍDICO EM FRAUDE CONTRA CREDORES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Inexistindo nexo causal entre a relação de trabalho e o negócio jurídico impugnado não há competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, da CF. A competência da justiça trabalhista em relação à fraude contra credores está limitada à discussão de fraude à execução, somente possível de ser discutida acerca de negócio jurídico posterior ao ajuizamento da reclamatória trabalhista, ou quando o ato fraudulento decorre da relação de trabalho havida. Conflito negativo de competência suscitado.” (TRT-4 – RO: 00008339620125040701 RS 0000833-96.2012.5.04.0701, Relator: BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS TOSCHI, Data de Julgamento: 13/03/2014, 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria)
Sendo assim, via de regra, a fraude contra credores perante a Justiça do Trabalho é admitida apenas na excepcional e rara hipótese do ato fraudulento ser decorrente da relação de emprego, devendo ser processada através de ação própria (Ação Pauliana ou Revocatória), conforme corrente jurisprudencial dominante sobre o tema[24].
5. Conclusão
Isto posto, diante do posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, pode-se concluir que tanto o instituto da Fraude à Execução, quanto da Fraude contra Credores, este último com aplicabilidade reduzida, possuem reconhecida compatibilidade com as normas e princípios do Direito do Trabalho, em especial, com o da efetividade das decisões judiciais, de modo que, nos termos do artigo 769 da CLT, são aplicáveis à Justiça do Trabalho.
Embora as recentes mudanças legislativas decorrentes das Lei nº. 13.105/2015 e nº. 13.467/2017 tenham alterado substancialmente temas relacionados ao Direito Processual do Trabalho, o fato é que os artigos relacionados à Fraude à Execução e Fraude Contra Credores não foram objeto de alterações significativas, de modo que a jurisprudência e doutrina outrora aplicadas ao tema permanecem atuais.
No entanto, é importante destacar que as alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015 no que tange ao instituto da fraude à execução conferem uma proteção maior ao adquirente de boa-fé, alterando o ônus da prova em determinados casos e lhe conferindo tratamento diferenciado no que tange a sua defesa no processo judicial, que deve ocorrer antes da declaração da fraude à execução.
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Vinicius Augusto Duarte Sacilotto