A alterabilidade do nome dos filhos pelo descumprimento do poder familiar mútuo

Palavras-chave. Alteração do prenome. Descumprimento do “poder familiar” por parte do pai. Possibilidade.

Resumo: O nome dos filhos é atribuição conjunta de ambos os pais. Quando um deles descumpre acordo havido sobre o nome a ser dado aos filhos, impende ação de retificação de prenome, com vistas a preservar o exercício do poder familiar da mãe. [1]

Sumário: 1. Introdução;  2. Da origem do nome; 3. Do Poder Familiar; 4. Da mutabilidade do nome; 5. Da possibilidade de transformação do prenome composto; 6. Da inexistência de danos a terceiros; 7.  Necessidade de preservação do núcleo familiar; 8. À guisa de conclusões; 9. Bibliografia.

1. Introdução

Trata-se de um caso concreto e bastante pitoresco. Um casal teve a saborosa surpresa de saber que a mulher estava grávida. Motivo de festa para toda uma família!

Tão logo descoberta a notícia, começaram as especulações sobre o nome a ser dado à futura criança. Se fosse menina, decidiram de comum acordo, chamar-se-ia Cláudia[1].

E assim se deu. Pelo ultra-som, descobriram que se tratava de uma menina. Cláudia estava porvir.

O enxoval todo constou o nome de Cláudia. Pais, avós, tios, amigos, todos, chamavam a criança apenas de Cláudia.

Contudo, quando do seu nascimento, por a mãe estar acamada, o pai corre a fazer o registro, e dá à menor o nome de Ana Cláudia.

Dada a notícia à mãe, está se vê verdadeiramente desrespeitada, humilhada, enganada…Cai em profunda depressão. Simplesmente abomina o nome dado à filha, a ponto de nunca chamá-la pelo nome de registro e ordenar aos achegados que também assim ajam.

O relacionamento do casal degringola. A harmonia simplesmente se desfaz. Por um ato impensado do pai, a família, recém aumentada, está sob o risco da derrocada.

Novamente conversam sobre o fato, e o pai reconhece o erro e permite que o nome da filha seja alterado para Cláudia, tal como era previsto antes do nascimento.

Ocorre, contudo, que esbarram na previsão legal da inalterabilidade do prenome. Então, pergunta-se: estaríamos perante um caso de alteração do prenome sem previsão expressa em lei? Ou o princípio da inalterabilidade do nome dos filhos pelo descumprimento do poder familiar mútuo.

2. Da origem do nome

“Nomem est quod uni cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et certo vocábulo appellatur”[2]

A identificação de uma pessoa se dá pelo seu nome, que a individualiza; pelo estado, que define sua posição na sociedade política e na família, como indivíduo; e pelo domicílio, que é o lugar de sua atividade social.[3]

À nossa pesquisa interessa tão-somente o nome, que vem a ser a  identificação da pessoa natural. É o principal elemento de individuação de homens e mulheres. Tem importância não apenas jurídica, mas principalmente psicológica: é a base para construção da personalidade.[4]

Maria Helena Diniz[5] assim define o nome:

“O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível”.

De fato, o nome está inserido no vasto rol dos direitos de personalidade, que gozam de especial proteção da lei. Aliás, Washington de Barros Monteiro[6] argumenta que “o nome é dos mais importantes atributos da personalidade, justamente por ser o elemento identificador por excelência da pessoa”.

Neste desiderato, o artigo 16, do Código Civil brasileiro, assegura que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” Recebe-o ao nascer e conserva-o até sua morte.

Ainda, segundo Washington de Barros Monteiro[7]:

“Em todos os acontecimentos da vida individual, familiar e social, em todos os atos jurídicos, e todos os momentos, o homem tem que se apresentar com o nome que lhe foi atribuído e com que foi registrado. Não pode entrar numa escola, fazer contrato, casar, exercer um emprego ou votar sem declinar o próprio nome”.

De fato, no volver da história, o nome das pessoas sempre ocupou um papel de imprescindibilidade. Entre os gregos, esse nome era único e individual (Sócrates, Sófocles etc). Aliás, essa era a tendência dos povos da Antiguidade[8]. Coube aos hebreus o início da inclinação em se assegurar o sobrenome enquanto característica da família a que pertencia a pessoa. Assim, nomes como José, filho de Jacó, Davi, filho de Jessé etc, passaram a ser comuns entre os judeus do passado.

Os romanos tinham, basicamente, três nomes: o prenome, para distinção entre os membros da família; o nome, que se referia à família (gens), e o cognome, que distinguia as diversas famílias de uma mesma gens.[9]

Os saxões incorporaram son para demonstrar que alguém era filho de outro. Assim, Peterson era o filho de Peter.

No sistema brasileiro atual, o nome da pessoa compõem-se de um prenome e do respectivo apelido de família. Prenome é a expressão que invidualiza a pessoa, ao passo que o sobrenome é o nome de sua família. Portanto, todos têm direito de serem individualizados dentre os integrantes de sua família.[10]

Conforme Fábio Ulhoa Coelho[11], “quem atribui o prenome à pessoa são os seus pais, em conjunto”, salvo se um deles estiver falecido quando do registro do nascimento.

Pontes de Miranda[12] também advoga que a imposição do nome aos filhos é tarefa de competência de ambos os pais:

“A imposição do prenome compete aos pais; não necessariamente ao pai. Se esse é que comparece a registro, o prenome é o que ele impõe. Se é a mãe, nada tem de inquirir o oficial do registro, quanto ao prenome que o pai preferiria. Ambos têm o dever de cuidar do filho (art. 384, II), que é distinto do dever de registrá-lo;

Assim, a imposição do nome aos filhos é tarefa conjugada a ser exercida por ambos os pais.

3. Do Poder Familiar

Dita o artigo 1630, do Código Civil brasileiro, que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”  Em seu texto o Código Civil altera a expressão “pátrio poder”, substituindo-a pela expressão “poder familiar”. A principal importância relativa a essa mudança seria o fato de que “há muito tempo o poder familiar não é mais tido como um direito absoluto e discricionário do pai, mas sim como um instituto voltado à proteção dos interesses do menor, a ser exercido pelo pai e pela mãe, em regime de igualdade, conforme determina a Constituição Federal…”[13]

Com efeito, o “poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”.[14]

Para Silvio de Salvo Venosa[15] “o poder paternal já não é, no nosso direito, um poder e já não é, estrita ou predominantemente, paternal. É uma função, é um conjunto de poderes-deveres, exercidos conjuntamente por ambos os progenitores”.

Deveras, nem poderia ser diferente, na medida em que a Constituição Federal disciplina, em seu artigo 5º, I que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, e no artigo 226, § 5º que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Deste modo, sob o manto da igualdade entre os cônjuges, prevista inclusive em nível constitucional, nosso atual Código Civil, no artigo 1631, assegura que o poder familiar será exercido por ambos os cônjuges, assegurando-se a qualquer um deles, em caso de discordância, buscar o poder judiciário. É de se ver, in verbis:

Art. 1631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Igual redação se extrai do artigo 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Tem-se, pois, de maneira irrefutável, que o poder familiar é exercido em conjunto.

José Maria Catán Vasques[16] adverte que “las funciones atribuidas a los padres tienem su fundamento en el Derecho natural. Se advierte aqui, uma vez más, el fondo ético e la institución.” E acrescenta: “Se habla así del deber de los padres de dar nombre al hijo y obrar para la tutela del nombre”.

Logo, vê-se que o direito à aposição do nome ao filho é decorrência do poder familiar (antigo pátrio poder), a ser exercido pelos pais.

Maria Celina Bodin de Moraes também é no mesmo pensar:[17]

“A escolha do prenome deve ser feita pelos pais, em respeito ao teor do art. 226, § 5º, da CF (a previsão de igualdade dos cônjuges) c/c o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (i. é, atribuição do pátrio poder a ambos os genitores). Embora a Lei de Registros Públicos incumba ao pai, e apenas em sua ausência à mãe, o dever de proceder à declaração do nascimento do filho (art. 52), a escolha do prenome da criança caberá a ambos os genitores, não havendo mais qualquer justificativa que possa excluir a mãe desta decisão”.

Cônsono Limongi França[18], existe o “direito de por e tomar o nome e o direito ao nome propriamente dito”. Na seqüência, esclarece que direito de por o nome é a prerrogativa que alguém tem de atribuir a outrem certa designação personativa, cabendo-lhe, em especial, aos pais. Argumenta que se o nome foi atribuído por quem não tinha o direito de o fazer, isso emergeria como causa justificativa da alteração do nome. Reporta-se ao artigo 82, do Código Civil de 1.916, que reclama agente capaz para a validade dos atos jurídicos. Por conseguinte, se quem apontou o nome ao registro não podia fazê-lo, o ato jurídico seria nulo.[19]

Por conseguinte, cabe a ambos, em iguais condições, o exercício do pátrio poder (ou modernamento poder familiar). E em caso de discordância, permite-se-lhes o socorro ao judiciário, conforme previsto nos já citados artigos 1631, do Código Civil, e 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que destacam que “divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.”[20]

Vê-se, então, que o comportamento do esposo, em desrespeitar o ajuste do casal quanto ao nome da filha, fere de morte o exercício conjunto e igualitário do poder familiar. Assim, com vistas a reparar o ilícito, impõe-se a alteração do registro civil.

4. Da mutabilidade do nome

Conquanto, em tese, o nome da pessoa seja imutável, a jurisprudência, a doutrina, e mesmo a história, estão recheadas de casos em que se impunha a modificação das designações pessoais. Pontes de Miranda[21] sustenta que:

“No terreno fático, as pessoas, em Roma, podiam mudar o nome, no prenome, ou no sobrenome, ou todo ele, se o fazia sem fraude (sine aliqua fraude). Já o ser exigida a ausência de fraude era novo. O mesmo ê dizer-se que se tinham a aposição, o uso e a mudança dos nomes como acontecimentos do mundo fático, só interessando, como tais, ao mundo do direito, e não como fatos jurídicos; porque, ainda no caso de mudança com fraude (L.única, C., de mutatíone nominis, 9, 25), era a fraude que entrava como fato (jurídico) ilícito. Não nos parece que se possa ler a Constituição de Diocleciano e Maximiano como enunciadora de princípio de não entrada da mudança no mundo jurídico. Não se disse que a mudança não entrava, e sim que a mudança com fraus era ilícita (no sentido de contrária ao direito). Certamente, quando Baldo disse: “Mutatio nominis non fraudulosa libero homini est permisso” e os outros o repetiram, deram azo a que se pensasse em limitação ao dogma romano da livre mutabilidade do nome.”

Vê-se, então, que Roma tinha por regra a modificação do nome, desde que não houvesse intuito fraudulento.

Contudo, nosso atual regime abona a tese da definitividade do nome, na medida em que a Lei 6015, de 31-12-73, no artigo  58, reza, in verbis: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.”

Todavia, na jurisprudência, vem se sedimentando que a regra da imutabilidade é de ser abrandada, para se atender ao uso, constante, diuturno, que se faz do nome que se porta, não apenas como o meio de identificação, ou sinal exterior distintivo da pessoa, mas também, e principalmente, considerando o direito da personalidade ao nome[22].

Logo, em casos excepcionais, poderá ser deferida a modificação do nome. Fábio Ulhoa Coelho[23] assim os descreve:

“Em casos excepcionais, porém, é possível sua mudança, a saber: a) vontade do titular, no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil; decisão judicial que reconheça motivo justificável para alteração; c) substituição do prenome por apelido notório; d) substituição do prenome de testemunha de crime; e) adição ao nome do sobrenome do cônjuge; f) adoção.”

Maria Helena Diniz[24] ainda sugere que poderia haver essa alteração em casos de “embaraços no setor comercial ou em atividade profissional, evitando-se homonímias”.

Ademais, Limongi França relembra que era de nossa cultura jurídica a mutação do prenome por causas justificativas:

“Entre nós, no direito anterior ao Regulmaento nº 18.542, apesar do art. 25 do Decreto nº 9.886, de 1888, só permitir o suprimento ou restauração do registro civil, “mediante justificação com as formalidades legais”, foi uso consagrado a modificação do nome, quer para evitar confusão, quer para fins comerciais, quer ainda por motivo ético respeitável.”

Maria Helena Diniz[25], ao admitir que a imutabilidade do prenome deve ser relizativizada em casos excepcionais, sugere que o nome prevalente deve ser aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não a constante do registro. Neste desiderato: “A jurisprudência tem entendido que o prenome deve constar do registro é aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não aquele que consta do registro”.

E, de fato, razão assiste à ilustre autora. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já decidiu que “nada impede que se abra exceção ao artigo 57 da LRP, quando a pessoa interessada sempre foi conhecida pelo nome que deseja adotar”[26]. Neste julgamento, autorizou-se que Maria Aparecida Melo passa-se a se chamar Maria Luciana.

No mesmo sentido houve nova decisão deste Tribunal determinando-se a alteração de um prenome de Bernardo para Victor, na medida em que o indivíduo era conhecido por Victor, não obstante seu registro conter Bernardo[27]

É lapidar a lição que se extrai do aresto relatado pelo Desembargador Nogueira Garcez, nos idos de 1978[28]: “prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não conste do registro”.

Portanto, a regra da imutabilidade do prenome destina-se a garantir a permanência daquele com que a pessoa se tornou conhecida no meio social[29].

Além disso, Nelson Martins Ferreira[30], sustenta que a imutabilidade do prenome não deve ser entendida num sentido absoluto, sendo a retificação admitida por interpretação humana e social dos dispositivos legais. Na seqüência, o mesmo autor, reportando-se à jurisprudência que cita, traz interessante acórdão lavrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[31], que também admite a mutação do prenome:

“No exato dizer de Erich Danz, “a vida não está a serviço dos conceitos, mas sim estes ao serviço da vida.” Seria absurdo que, pelo respeito supersticioso da letra de um aritgo de lei, se forçasse uma pessoa a mudar de nome. Prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não constante de registro. O que a lei quer é que não haja alteração do prenome no meio social, e não no livro de registro.”

Conquanto a Lei brasileira tenha adotado a imutabilidade do prenome (artigo 58 da LRP), não pode o seu aplicador ignorar a realidade existencial das pessoas, posto que, a intransigência formal não impede sejam examinados e considerados os fatos que podem causar a infelicidade de determinada pessoa.

Saliente-se que, com freqüência, se vê nos votos permissivos da alteração de prenome o argumento de que “a alteração permitida não é apenas com relação ao nome em si, suscetível de expor ao ridículo o seu portador, mas ao nome ligado a circunstâncias particulares, nas quais se pode atender ao elemento psicológico do interessado”.

Infere-se, pois, que a modificação do prenome é de ser aceita, ainda que excepcionalmente.

5. Da possibilidade de transformação do prenome composto

O nome Ana Cláudia é, por assim se dizer, um prenome composto. Conforme Maria Helena Diniz[32], o “prenome pode ser simples (João, Carlos) ou duplo (José Antônio, Maria Amélia) ou ainda triplo ou quádruplo, como se dá nas famílias imperiais.

Neste passo, o artigo 58, da Lei de Registros Públicos, permite a transformação de prenome simples em prenome composto, como por exemplo, de Angelino para Angelino Francisco[33]

Portanto, admite-se modificação do prenome simples para prenome composto. Pela mesma razão, há de se admitir a modificação do prenome composto para prenome simples. Neste diapasão são os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro[34]:

“De modo idêntico, não infrigne o disposto no artigo 58 simples acréscimo ou justaposição de outro nome ao já usado pelo registrado.

Pela mesma razão, permite-se a transformação de prenome simples em composto, ou de simples em duplo e vice-versa (por exemplo, de Elisa Ercília para Elisa.

Outra razão adicional para a autorização da retificação do registro civil no caso comentado.

6. Da inexistência de danos à terceiro

Outrossim, segundo remansosa jurisprudência, não poderia caber a alteração do prenome se houvesse intuito fraudulento ou doloso. E no caso em tela, esse vícios estão de pronto afastados.

No caso em tela, a infante contava com menos de 01 (um) ano.  Em razão disso, ainda não detinha vida social nem tampouco um conhecimento público e generalizado. A eventual modificação de seu prenome em nada afetaria as relações com terceiros, e sequer lhe atingiria, na medida em que ainda não tem a exata compreensão dos fatos.

Acrescente-se, ainda, que é conhecida pelos seus parentes e amigos como Cláudia, exatamente o nome que pretende. Destarte, não há a menor possibilidade de danos em relação a terceiros.

7. Necessidade de preservação do núcleo familiar.

Prega a Constituição Federal, no artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Neste passo, tudo o que for possível para a preservação da família, deve ser feito.

Segundo Sérgio Rezende de Barros[35] o afeto é o que conjuga:

“Cônjuges são, como o próprio nome diz, os que se sentem conjugados por uma origem ou destino de vida em comum. Nessa conjugação de vidas, atua o afeto. O que define a família é uma espécie de afeto que – enquanto existe – conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se fosse qualquer afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio. O conceito de família seria estendido com inadmissível elasticidade.

Na realidade, o que identifica a família é um afeto especial, com o qual se constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origem comum ou em razão de um destino comum, que conjuga suas vidas tão intimamente, que as torna cônjuges quanto aos meios e aos fins de sua afeição, até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja de patrimônio moral, seja de patrimônio econômico. Este é o afeto que define a família: é o afeto conjugal. Mais conveniente seria chamá-lo afeto familiar, uma vez que está arraigada nas línguas neolatinas a significação que, desde o latim, restringe o termo cônjuge ao binômio marido e mulher, impedindo ou desaconselhando estendê-lo para além disso.“

Desta complexa lição extrai-se que o afeto familiar é o que, deveras, conjuga a união. Pois bem, convivência significa harmonia, coordenação.

Como se viu, a aposição do nome apenas pelo pai causou um grave transtorno no seio da família. O relacionamento, que dantes cordial, agora resulta extremamente conturbado. A mãe, inclusive, está atravessando tratamento psicológico por conta disto, conforme farta documentação acostada.

Deveras, essa situação gerou um grave transtorno no seio familiar. A esposa se sente traída, diminuída. Há manifesta infração ao artigo 1566, do Código Civil, que dentre tantos efeitos pessoais que impõem aos cônjuges, alista com ênfase o respeito e consideração mútuos.

Os direitos e deveres pessoais entre os parceiros heterossexuais servem como sustentáculo familiar, e seu descumprimento gera uma situação antijurídica, sendo sabido que a violação dos ditos deveres podem levar à separação e, igualmente, ao divórcio, com a ruptura do vínculo matrimonial.[36]

Deste modo, o respeito aos deveres matrimoniais, incluídos indubitavelmente a lealdade, é imperativo legal, cujo descumprimento pode ocasionar, inclusive a ruptura da entidade familiar.

A fim de preservar esse núcleo familiar, restabelecendo-se a concórdia, impõe-se à modificação do nome da filha do casal para Cláudia.

Há, deste modo, evidente interesse individual e manifesta vantagem social para a alteração do nome, mitigando-se, por conseguinte, o princípio da inalterabilidade do registro.

8. À guisa de conclusões:

a) os cônjuges haviam estabelecido que o nome de sua filha seria CLÁUDIA, e não ANA CLÁUDIA;

b) ao registrá-la como Ana Cláudia, o marido feriu o poder familiar cabível à esposa, e também maculou o princípio da igualdade dos esposos;

c) a esposa está em tratamento psicoterapêutico por conta do ocorrido;

d) a vida conjugal se desestabilizou depois dos fatos;

e) a imutabilidade do prenome é relativa, podendo, em casos tais, ser revista;

f) ademais, trata-se de mero nome composto, que passará a ser simples. Não implica maiores complicações ou complexidades;

g) a menor conta com menos de 01 (um) ano. Logo, não há intuito fraudulento, nem prejuízo para terceiros;

h) todos chamam a menor apenas como CLÁUDIA. Alterar-lhe o nome apenas e tão-somente declarará situação fática já em curso;

i) Tem-se, por irrefutável, a necessidade da autorização da modificação do prenome.

9. Bibliografia.
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Notas:
[1] Embora se trata de um caso real, os nomes foram alterados a fim de se preservar os verdadeiros envolvidos.
[2] “Nome é aquilo que é dado a cada pessoa e que serve para designa-la por um termo próprio e preciso”.
[3] GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 3a. ed.,  Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 139.
[4] COELHO, Fábio Ulho. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 184.
[5] Curso de direito civil. Parte geral.   São Paulo: Saraiva, 1995, v. I, p.  102
[6] Curso de direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100.
[7] Loc. cit.
[8] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil.  Rio de Janeiro: Forense, 2004, Vol. I., p. 242.
[9] FRANÇA, R. Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 30.
[10] Algumas vezes, tem-se ainda o agnome, sinal distintivo que se acrescenta ao nome completo (Filho, Júnior etc)
[11] Loc. Cit.
[12] Tratado de direito privado, V. I, p. 115.
[13] SANTOS NETO apud SILVA, R. B. T. Novo Código Civil Comentado. São Paulo. Ed. Saraiva. 2002.
[14] GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito de Família.  2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, V. II.
[15] Direito civil. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2003, p. 355.
[16] La patria potestad. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1960, p. 178
[17] Sobre o nome da pessoa humana. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
[18] Op. Cit., p. 178
[19] Op. cit., p. 259.
[20] Código Civil, art. 1631,  par. único.
[21] Loc. cit.
[22] Por mutação entenda-se a substituição ou acréscimo de expressões, posto que a simples retificação do nome, em razão de erro de grafia, é expressamente previsto na Lei de Registro Públicos, no artigo 110, que dispõe, in verbis: “A correção de erros de grafia poderá ser processada no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas.”
[23] Op. cit., p. 186
[24] Op. Cit., p. 105
[25] Loc. Cit.
[26] In RT 532/86
[27] in RT 412/178
[28] in RT 517/105
[29] in RT 534/109
[30] O nome civil e seus problemas. Rio de Janeiro: José Bushatsky Editor, 1952, p. 109.
[31] In RT 107/208
[32] Op. Cit., p. 102
[33] Esse exemplo, inclusive, é tirado de Washington de Barros Monteiro, op. Cit., p. 106.
[34] Op. Cit., p. 106
[35] A ideologia do afeto. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
[36] ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. As relações entre cônjuges e companheiros no novo código civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 54.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

 

Sou membro IBDFAM, advogado, professor de Direito Civil e Processual Civil, autor de livros e artigos, pós-graduado em direito civil, pós-graudado em direito das relãções sociais, e mestrando em direito.

 


 

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