A personalização das sociedades empresárias traz em seu bojo relevantes conseqüências. Da separação entre a pessoa jurídica e os membros que a integram nasce o princípio da autonomia patrimonial, segundo o qual o patrimônio da sociedade não se confunde com o dos seus sócios ou com o de outras empresas das quais estes participem: a entidade coletiva passa a constituir um centro autonômico de relações jurídicas.
Também como efeito da personalização, exsurge a limitação das responsabilidades individuais pelas dívidas da sociedade. Tanto esta quanto aqueloutra conseqüência se justificam pela própria natureza da pessoa jurídica, realidade técnica destinada a atender às necessidades sociais advindas do desenvolvimento das atividades comerciais.
Todavia, ancorando-se nesses princípios basilares do Direito Societário – autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade – pode a sociedade empresária servir de escudo para a perpetração de fraudes e abusos de direito. Nesse caso, torna-se indispensável desconsiderar a personalidade jurídica, afim de que o “véu” da personalização não se torne instrumento para o cometimento de ilícitos.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) capitaneada pela construção jurisprudencial do direito anglo-saxão e sistematizada na Alemanha pelo Prof. ROLF SERICK – surge, ao contrário do que possa parecer, não para desvalorizar a pessoa jurídica, mas antes buscando preservar o importante instituto, coibindo seu desvirtuamento.
A doutrina brasileira acolheu a disregard of legal entity no final de 1960, na ocasião de conferência proferida pelo professor RUBENS REQUIÃO, que passa a defender a sua aplicação pelos juízes independentemente de previsão legal:
“Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.”[1] (grifamos)
Ao relativizar o conceito de pessoa jurídica e de separação patrimonial, dantes absoluto, dando permissão ao magistrado para penetrar o manto da personalidade (lifting the corporate veil), no intuindo de combater abusos e fraudes, a teoria da desconsideração mostra-se como um importante remédio para combater o descrédito causado pelo desvio do instituto da personalização.
Com a evolução das construções jurisprudenciais e doutrinárias no direito pátrio, duas teorias da desconsideração passaram a coexistir: a maior, que autoriza o magistrado a ignorar a autonomia patrimonial nos casos de fraudes e abusos praticados através do “escudo” da personalidade jurídica; e a menor, onde o prejuízo de credores é bastante para afastar a separação patrimonial.
A teoria menor, com aplicação nas searas do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, tem como pressuposto da desconsideração o mero desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, não se preocupando em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indagar se houve ou não abuso de forma[2].
De outro turno, a teoria maior alerta que não se deve afastar a autonomia da pessoa jurídica tão-somente com vistas à satisfação dos interesses de credores. Apenas na hipótese de desvirtuamento do instituto da personalização, seja pela fraude ou abuso de direito (formulação subjetiva), seja pela confusão patrimonial (formulação objetiva), é que se justifica a imputação de ineficácia do ato constitutivo da sociedade.
O novo Código Civil, sensível à problemática, tratou de disciplinar o assunto, trazendo em seu art. 50 a recepção da teoria maior, que deverá nortear as interpretações do princípio da autonomia patrimonial:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (grifamos)
Desse modo, poderá ser aplicada a teoria da desconsideração tanto quando a pessoa jurídica, mediante atos abusivos, se desvirtuar de suas finalidades, como quando houver confusão patrimonial.
No primeiro caso, a pessoa jurídica atua em desacordo com os fins de sua constituição, estando a fraude aí compreendida. Já em se tratando de confusão patrimonial, esta ocorrerá quando não houver uma separação nítida entre o patrimônio da sociedade e aquele dos respectivos sócios ou de empresas do mesmo grupo econômico.
Parte-se da idéia de que a função elementar da pessoa jurídica é a criação de um centro de interesses autônomo, o qual não dá margens à fluidez patrimonial ou a desvios de finalidade. De conseguinte, quando este centro de interesses não estiver presente, perfeitamente cabível é a desconsideração da personalidade jurídica. Vale trazer a lume a colocação de FÁBIO KONDER COMPARATO:
“Sendo a pessoa jurídica nada mais do que uma técnica de separação patrimonial, se o controlador, que é o maior interessado na manutenção deste princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juizes teriam de respeitá-lo, transformando-o em uma regra puramente unilateral”[3].
Referida confusão patrimonial dá-se em duas situações distintas: quando houver uma confusão entre os sujeitos de responsabilidade ou entre as massas patrimoniais, em razão da desobediência a regras societárias, ou mesmo em virtude de qualquer outra causa que leve a essa confusão de esferas jurídicas (sócios e empresas do mesmo grupo econômico).
De acordo com JOSÉ TADEU NEVES XAVIER[4], verifica-se a ocorrência da mistura de sujeitos de responsabilidade quando houver em duas ou mais sociedades identidade das pessoas que compõem a administração ou a gerência, não obediência às formalidades sociais, bem como a utilização de uma única sede para a atuação de várias sociedades, com firmas e ramos destinados à exploração de atividades semelhantes.
Caracterizada a confusão patrimonial, impõe-se de imediato a aplicação da teoria da desconsideração. É o que assevera LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES[5]:
“Quem não observa as regras da separação patrimonial não pode se amparar na separação de patrimônios perante os credores, devendo responder pessoalmente pelas dívidas da sociedade. Quando ocorre confusão de esferas jurídicas, e a sociedade e os sócios desenvolvem a mesma atividade, tendo a mesma sede, as mesmas instalações, a mesma linha telefônica e os mesmos funcionários, e a separação não é identificável para o público, não podem eles argüir a separação jurídica existente perante credores. A aparência jurídica de identidade leva imperativamente à identidade também da responsabilidade.”
Dentro dessa formulação objetiva, desnecessário é perquirir da existência de malsinação de finalidade ou fraude: autoriza-se prontamente o levantamento da cortina da pessoa jurídica para coibir o “mau uso” da personalização. Nessa senda, casa à perfeição os ensinamentos da jurista ELISABETH CRISTINA CAMPOS MARTINS DE FREITAS[6]:
“Há de se ter em mente que, ante as mais variadas espécies de injustiças cometidas sob o manto legal, por meio da pessoa jurídica, as formas de fraudar os credores e até mesmo o fisco utilizando-se da responsabilidade limitada devem ser freadas de uma vez por todas. Casos, por exemplo, no qual se transfere ao sócio todo o patrimônio da empresa, ficando esta sem meios para solver suas dívidas, ou, de forma inversa, nos quais a pessoa física devedora fica insolvente, sendo porém, sócio de empresa de grande patrimônio, devem ser severamente coibidos. Além desses, existem inúmeros outros casos que ensejariam a desconsideração da personalidade jurídica, como, por exemplo, este que apesar de não ser muito citado pela doutrina, não deixa de ser relevante: trata-se do caso de duas empresas com sócio em comum. Uma das empresas contrai várias dívidas, sem no entanto possuir patrimônio suficiente para solvê-las, ao passo que os sócios transferem não para seus patrimônios, mas para outra pessoa jurídica os bens existentes.”
Em virtude da confusão patrimonial referida no trecho doutrinário acima transcrito, a aplicação da diregard doctrine cai como uma luva às mãos dos magistrados, permitindo que empresas emaranhadas sejam encaradas como um único centro de relações jurídicas. Mais ainda: suspendendo-se a eficácia do princípio da autonomia patrimonial, é possível reputá-las, ambas, solidárias na obrigação de saldar dívida contraída formalmente por uma delas. Assim caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falência. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial às demais sociedades do grupo. Possibilidade. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal.
– Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo.
– Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implica prestigiar a fraude à lei ou contra credores.
– A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.
Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio Juízo Falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando à defesa de seus direitos.” (STJ, Terceira Turma, RMS 14168 / SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 05.08.2002 p. 323)
“Processual Civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à execução. Acórdão. Revelia. Efeitos. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Gestão fraudulenta. Desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica devedora. Extensão dos efeitos ao sócio majoritário e às demais sociedades do grupo. Possibilidade.
– A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do Juiz. Precedentes.
– Havendo gestão fraudulenta e pertencendo a pessoa jurídica devedora a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da devedora para que os efeitos da execução alcancem as demais sociedades do grupo e os bens do sócio majoritário.
– Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores.
– A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletivo), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.”
(REsp 332763 / SP; RECURSO ESPECIAL 2001/0096894-8 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 30/04/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 24.06.2002 p. 297 JBCC vol. 196 p. 103)
Ainda sob outro enfoque, configurado eventual desvio de finalidade e abuso de forma por parte de sócios que ousam deturpar a função da personalidade jurídica para fraudar credores, revela-se imprescindível a aplicação da disregard doctrine, a fim de que sejam eles, sócios, solidariamente responsabilizados pelas dívidas acumuladas pela sociedade. É ver o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO PÓLO PASSIVO.
A tendência tanto doutrinária como jurisprudencial é no sentido de admitir a incidência da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na prática de atos contrários à lei e ao contrato, lesando direito de credor. A dissolução irregular de sociedade por quotas de responsabilidade, estado de insolvência, infração da lei por fato ou ato ilícito, acarreta a responsabilidade de seus sócios, com a penhora de bens particulares. Logo, afigura-se cabível a inclusão dos sócios no pólo passivo da demanda executiva. Agravo improvido.” (TJRS, Agravo de Instrumento n.º 70001750785, Desembargador Relator Manuel José Martinez Lucas, julgado em 13/12/00)
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Diante da ausência de bens passíveis de penhora da empresa devedora, possível a desconsideração para fins de responsabilizar o sócio da empresa com seus bens pessoais. Agravo provido.” (TJRS, Agravo de Instrumento nº. 70004382164, Desembargador Relator José Francisco Pellegrini, julgado em 12/09/02)
“Direito Processual Civil. Execução. Desconsideração da personalidade jurídica dos grupos empresariais que compõem o executado. Cabimento. Comprovação da fraude. O agravante ocupou as mesmas instalações do executado, contando com os mesmos funcionários e atendendo aos mesmos clientes. Os sócios são distintos, no entanto coincidem em ser um ex-funcionário do executado e a sogra de um dos sócios. Processual Civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à execução. Acórdão. Revelia. Efeitos. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Gestão fraudulenta. Desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica devedora. Extensão dos efeitos ao sócio majoritário e às demais sociedades do grupo. Possibilidade. (STJ, 3º Turma, REsp nº 332763/SP, Ministra Nancy Andrighi) Desprovimento do recurso. (TJRJ, Sexta Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.º 2003.002.14800, Rel. Des. DES. NAGIB SLAIBI FILHO, Julgado em 09/03/2004)
De igual modo à jurisprudência do STJ e dos demais tribunais estaduais, o colendo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco já confirmou em a aplicação da disregard doctrine em casos de confusão patrimonial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO DE EXECUÇÃO – EXECUTADA NÃO ENCONTRADA – CITAÇÃO E PENHORA CONTRA OS SÓCIOS DA EXECUTADA – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – POSSIBILIDADE. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na declaração da ineficácia da personalidade jurídica para certos efeitos, conservando-se o ente coletivo apto para prosseguir em outras atividades. Em alguns casos, os componentes de uma pessoa jurídica se ocultam por detrás de sua autonomia formal para lesar direitos ou infringir norma legal. Comprovada a constituição de nova empresa, no mesmo local, com os mesmos sócios e atividade social, caracteriza uma tentativa de descumprimento das obrigações assumidas. Agravo provido, para suspender os efeitos do despacho agravado e ordenar o prosseguimento da execução contra os sócios da executada. Decisão unânime. (TJPE, Segunda Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.º 75596-2, Rel. Des. Jovaldo Nunes Gomes, DJ: 168 Data da Publicação: 6/9/2003)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMPRESAS DISTINTAS. QUADRO SOCIETÁRIO SEMELHANTE. SEDE COMUM. CONFUSÃO PATRIMONIAL. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL. EXCEPCIONALIDADE. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONGLOMERADO EMPRESARIAL. PENHORA. Em sendo comuns o quadro societário e a sede das empresas, bem assim haver confusão acerca dos seus patrimônios, tudo documentalmente comprovado, é de ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao caso como medida excepcional a autorizar a realização de penhora sobre numerário de empresa distinta da devedora, mas pertencente a um mesmo conglomerado empresarial. Apelação a que se nega provimento. Decisão unânime. (TJPE, Segunda Câmara Cível, Apelação Cível n.º 105853-3, Rel. Des. Jovaldo Nunes Gomes, DJ: 188 Data da Publicação: 9/10/2004)
Todavia, qual o momento oportuno para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica? Poderia a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ser utilizada em sede de cognição sumária, através de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional?
Demonstrada a verossimilhança das alegações de que duas sociedades são, em verdade, faces da mesma moeda, segundo atestam as inequívocas provas de confusão patrimonial e de desvio de finalidade arquitetados no manejo das respectivas sociedades personificadas, e sendo clarividente o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pensamos ser perfeitamente possível a aplicação da disregard doctrine em decisão antecipatória dos efeitos da tutela.
A providência em tela está calcada no art. 273, I, do CPC, dado que a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio de sócios que desvirtuam a função da limitação patrimonial, estando amparada em fartas provas e razões de direito, servirá de antídoto ao fundado e iminente receio de dano irreparável muitas vezes enfrentado por credores. Isso porque débitos imputados à sociedade podem avolumar geometricamente com o decorrer do tempo, em proporção inversa ao patrimônio remanescente da empresa e dos sócios, tornando-se impagáveis.
De resto, impõe-se relatar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sede de cognição sumária, mediante provimento liminar, não configura decisão judicial temerária. Tanto assim que o STJ tem decidido pela possibilidade da aplicação da disregard doctrine nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma[7]. Por sinal, tal vem sendo igualmente o entendimento dominante no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando deparado com fatos inescusáveis:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVOCATÓRIA. Verificando-se que a ouvida da parte contrária com a sua citação antes do exame da liminar poderá tornar ineficaz a medida, ou quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá fazê-lo inaudita altera parte, pois preenchidos os requisitos do artigo 273 do CPC. Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica estendidos ao agravante. AGRAVO DESPROVIDO. (TJRS – Agravo de Instrumento Nº 70007528458, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 07/04/2004)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE BENS DO SÓCIO. POSSIBILIDADE. EMPRESA QUE DECLARA INATIVIDADE AO FISCO. INVERDADE. LIMINAR CONCEDIDA EM 2º GRAU. Tal situação indica abuso da personalidade jurídica, indício de confusão patrimonial, a permitir que as obrigações da empresa sejam estendidas aos bens dos sócios. Provimento para que incida, na espécie, a desconsideração da personalidade jurídica, efetivando-se a citação dos sócios da parte executada, nos termos da execução sob análise. AGRAVO PROVIDO (TJRS – Agravo de Instrumento Nº 70008518961, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 26/05/2004)
Portanto, impõe-se sobrelevar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como mencionado alhures, originou-se da necessidade de se reprimir abusos na utilização da personificação jurídica, visando salvaguardar o próprio princípio da autonomia patrimonial de ventos que lhe desvirtuem o caminho.
Todavia, não menos importante é sopesar as medidas de sua aplicação e interpretação, a fim de que não haja banalização de do instituto, cuja nota de excepcionalidade ainda deve prevalecer. Essa excepcionalidade, porém, não impõe a estreita necessidade de aplicação da disregard doctrine em ação autônoma, com cognição exauriente e ampla dilação probatória. Presentes os requisitos legais, soa perfeitamente cabível o levantamento do véu da personalidade (lifting the corporate veil) mesmo no âmbito de antecipação dos efeitos da tutela.
Informações Sobre o Autor
Matheus Carneiro Assunção
Acadêmciode Direito (UFPE) e Administração (UPE), pesquisador bolsista do CNPq.