A aplicação da Lei 12.846 de 1° de agosto de 2013 nas sociedades da administração pública indireta

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Resumo: O presente artigo analisa se a Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013, a qual entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014, aplica-se às sociedades da administração pública indireta, empresa pública e sociedade de economia mista, nos casos de danos gerados ao erário por atos de corrupção destas. Para tal, analisar-se-á a legislação vigente assim como os princípios da administração pública, em especial os princípios da supremacia do interesse público e da eficiência . Por fim, demonstrar-se-á a importância desta aplicação a fim de diminuir a incidência das práticas de corrupção no país.

Palavras-Chave: Corrupção. Sociedades. Administração pública.PrincípiosAdministrativos.

Abstract: This paper analyzes the possibility of the Federal Law 12.846 of August 1, 2013, which entered into force on January 29, 2014, to be applied to companies of indirect public administration, public company and semi-public corporation, in cases of damage generated to the State by acts of corruption by these. To that, it will be analyzed the current legislation and the principles of public administration, mainly the principle of supremacy of public interest and of efficiency. Finally, it will be demonstrated the importance of this application in order to reduce the incidence of corrupt practiced in the country.

Keywords: Corruption. Corporation. Public administration. Principles of the public administration.

Sumário: Introdução 1. As Legislações Anticorrupção 1.1. A Lei Anticorrupção dos Estados Unidos da América 1.2. O Interesse Internacional e as Convenções sobre Corrupção 1.3. A Lei 12.846 de 1º de Agosto de 2013 e Seu Diferencial 2. A Pessoa Jurídica 2.1. A Sociedade 2.2. A Administração Pública Indireta 2.2.1. Forma de Criação e Extinção das Sociedades da Administração Pública Indireta 3. A Lei 12.846 e a Sua Aplicação às Sociedades da Administração Pública Indireta 3.1. Os Princípios da Administração Pública que Permitem a Aplicação da Lei 12.846 às Sociedades da Administração Pública Indireta 3.1.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público3.1.2. Princípio da Eficiência 3.2. A Importância da Aplicação da Lei 12.846 nas Sociedades da Administração Pública Indireta. Conclusão. Referências.

Introdução

A corrupção no Brasil é de ordem sistêmica e não é atual. Desta forma, a fim de diminuir a incidência desta prática corriqueira no país, acompanhando os interesses internacionais, diversas propostas passaram a ser discutidas no âmbito federal. Como resultado deste diálogo ante o Poder Legislativo, em 1° de agosto de 2013 foi sancionada a lei 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, que passa a responsabilizar as pessoas jurídicas por seus atos contra a administração pública.

A presente legislação traz em seu artigo 1° e parágrafo único os sujeitos os quais estão submetidos às normas estabelecidas por esta. O ponto específico deste trabalho, entretanto, é entender a possibilidade e a necessidade de se aplicar a presente legislação às sociedades da administração pública indireta que cometam danos ao erário por atos de corrupção, ou seja, contra a própria administração pública.

As entidades da administração pública indireta são dotadas de personalidade jurídica própria, e não se vinculam à entidade maior – União, Estados-membros ou municípios – motivo pelo qual realizam atividades e atos do mundo jurídico em seu nome próprio. Desta feita, por não se confundirem com a entidade maior, vislumbra-se a tese de incidência da referida lei anticorrupção sobre alguns entes da administração pública indireta. Para a aplicação da presente lei, entretanto, é necessário que haja a devida análise do assunto sob a ótica dos princípios da administração pública, em especial os princípios da supremacia do interesse público e da eficiência, assim como entender as demais regras constitucionais a respeito da administração pública.

Através da análise dos princípios citados, assim como da exposição das características próprias dos entes da administração pública indireta, em especial as sociedades, demonstrar-se-á a importância da aplicação da lei objeto deste estudo a aqueles.

A pesquisa será elaborada a partir da análise do texto da Constituição Federal, da legislação, além de doutrinadores e decisões judiciais que abordem temáticas relacionadas ao objeto do trabalho de conclusão de curso, iniciando-se pela interpretação histórica do referido tema.

1 As legislações anticorrupção

Diante de Estados inchados, empresas multinacionais, interesses políticos e escândalos internacionais, foi necessário que o mundo cunhasse medidas que viessem a evitar a falência das relações comerciais que envolvessem qualquer relação estatal. Como exalta Anderson Freitas da Fonseca, em seu artigo “O Combate à Corrupção Sob a Perspectiva Internacional”, fora observado pela comunidade internacional que:

“As práticas corruptas em nível internacional ocasionam o aumento gradativo dos custos de produção, em inversão a eficiência dos resultados potencialmente obtidos pela livre concorrência comercial, além é claro do desvio dos resultados financeiros obtidos em detrimento do bem comum”. (FONSECA, 2012, p. 34)

O assunto, em voga no final do século passado, gerou inclusive um índice. Nomeado “Índice de Percepção de Corrupção”, elaborado pela organização TransparencyInternational pela primeira vez em 1995, aquele demonstrou que a economia mundial dependia, assim como as decisões sobre investimentos estrangeiros, da avaliação sobre a corrupção nos países.

Desta feita, a fim de se evitar prejuízos e dano ao coletivo, assim como assegurar a manutenção da democracia, tratados internacionais sobre corrupção foram firmados a partir do século XX.Iniciou-se, pois, uma era de novas legislações em diversos continentes sobre o assunto.

1.1 A lei anticorrupção dos estados unidos da america

Pioneira no mundo, oForeignCorruptPracticesAct(FCPA), aprovado pelo Congresso americano em 1977, foi a mola propulsora para a realização dos tratados e convenções internacionais sobre corrupção.Criado a partir do caso de corrupção conhecido como Watergate, o FCPA foi o primeiro estatuto no mundo a tratar sobre as condutas praticadas pelas empresas alocadas nos Estados Unidos da América com os governos externos e no comércio internacional.

Um dos maiores escândalos de corrupção do país teve como resultado a descoberta de inúmeros casos de suborno a Estados e organismos internacionais por empresas americanas, como destaca Mike Koehler na sua publicação “A história da ForeignCorruptPracticesAct”:

“Over the course of four months in 1975, the Church Committee held separate hearings regarding Gulf Oil, Northrop, Mobil Oil, and Lockheed. Each of these corporations were the subject of allegations, or had already made admissions, concerning questionable payments made directly or indirectly to foreign government officials or foreign political parties in connection with a business purpose. For instance, Gulf Oil principally involved contributions to the political campaign of the President of the Republic of Korea. Northrop principally involved payments to a Saudi Arabian general. Exxon principally involved contributions to Italian political parties. Mobil Oil also principally involved contributions to Italian political parties. Lockheed principally involved payments to Japanese Prime Minister Tanaka, Prince Bernhard (the Inspector General of the Dutch Armed Forces and the husband of Queen Juliana of the Netherlands), and Italian political parties. In addition, although not the focus of separate Church Committee hearings, foreign payments by United Brands and Ashland Oil also concerned Congress. United Brands principally involved payments to Oswaldo Lopez Arellano, the President of Honduras”.(KOHLER, 2012, p. 2)

Fora diante deste cenário que o Congresso decidiu pela proibição e responsabilização das pessoas jurídicas pelas condutas de suborno ou pagamento de propina a agentes internacionais como forma de auferir vantagens em negociações ou concessões. Entretanto, como mencionam Celina Ozório e Cynthia Kramer no trabalho intitulado“O Modelo Norte-Americano Anticorrupção”:

“Pode-se dizer que com a promulgação do FCPA, as empresas americanas acabaram se colocando em uma posição de desvantagem frente ao comércio mundial. Isso porque outros países industrializados não proibiam a prática de corrupção de agentes públicos estrangeiros. Ao contrário, alguns deles permitiam a dedução fiscal de pagamentos de corrupção, como “despesas necessárias” à realização do negócio, dando a empresas originárias desses países ampla liberdade para a prática de corrupção, em oposição ao controle a que já estavam sujeitas as empresas americanas”. (OZORIO; KRAMER. 2014)

Os Estados Unidos da América assumiram o risco de gerar uma posição de desvantagem às suas companhias em prol da restauração da moralidade do país, como corrobora Mike Kohler:

“Despite competitive advantage concerns, a certain degree of competitive disadvantage was accepted by Congress in seeking solutions to the problem. Forinstance, Representative Moss stated as follows during a House hearing:[T]o think that no loss of business would occur in every instance would be unrealistic. Can we allow this to occur? Yes, if that is the small price we must pay to return morality to corporate practice. Yes, if that is the small price we pay to show that U.S. firms compete in terms of price, quality, and service and not in terms of the size of a bribe. Real competition works. The vast majority of American companies have operated successfully in foreign countries without the need to resort to bribery”.(KOEHLER, 2012, p. 6)

Tendo em vista que seria impossível requerer aos demais países que controlassem a moralidade de seus empresários de forma espontânea, iniciou-se uma pressão internacional para que todos assumissem compromissos a fim de reestabelecer a ordem econômica e política.

1.2O interesse internacional e as conveções sobre corrupção

Foi apenas em 17 de dezembro de 1997 que o órgão internacional Organisation for EconomicCo-operationandDevelopment – estabelecido em 1948 com o fim de reestruturar a Europa pó-guerra -, através da convenção denominada “ConventiononCombatingBriberyofForeignPublicOfficials in International Business Transactions”, explicitou a vontade de 41 signatários, incluindo-se o Brasil, em abrandar a corrupção nas relações comerciais internacionais, assim classificando o suborno:

“Bribery is a widespread phenomenon in international business transactions, including trade and investment, which raises serious moral and political concerns, undermines good governance and economic development, and distorts international competitive conditions.”(OECD, 1997)

Acordou-se, pois, que compromissos seriam assumidos pelos países signatários da referida Convenção a fim de diminuir as ocorrências de suborno e corrupção, como assim se explicita no texto desta:

“Each Party shall take such measures as may be necessary to establish that it is a criminal offence under its law for any person intentionally to offer, promise or give any undue pecuniary or other advantage, whether directly or through intermediaries, to a foreign public official, for that official or for a third party, in order that the official act or refrain from acting in relation to the performance of official duties, in order to obtain or retain business or other improper advantage in the conduct of international business;.Each Party shall take any measures necessary to establish that complicity in, including incitement, aiding and abetting, or authorisation of an act of bribery of a foreign public official shall be a criminal offence. Attempt and conspiracy to bribe a foreign public official shall be criminal offences to the same extent as attempt and conspiracy to bribe a public official of that Party”.(OECD, 1997)

Sendo o Brasil um dos signatários da convenção, esta fora incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto Presidencial 3.678/00. As consequências de tal convenção na legislação pátria serão demonstradas nos itens seguintes.

Destaca-se também, uma vez sua relevância nas relações internacionais, a ConvençãoInter-Americana Contra a Corrupção, ratificada por inúmeros países em 1996, e incorporada pelo sistema jurídico brasileiro em 2002 peloDecreto de Número 4.410. Os signatários consideraram o tema relevante em visto de terem sido “[…] convencidos [de] que o combate à corrupção fortalece as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e a deterioração moral de uma sociedade” (OAS, 1996).

Uma das obrigações acordadas na presente convenção foi a criação de um “sistema de contratação do governo e aquisição de bens e serviços que garantem transparência, equidade e eficiência” (OAS, 1996), assim previsto no Artigo III, 5 desta. A medida, entretanto, em parte, já havia sido atendida no direito pátrio pela Lei 8.666, de 21 de junho 1993, que regula as licitações.

Por fim, considerada um dos mais importantes tratados sobre ações anticorrupção, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, promovida no âmbito da Organização das Nações Unidas, é abrangente e ressalta medidas a serem adotadas pelos Estados signatários tanto no setor público como privado. As medidas elencadas abrangem tanto a prevenção quanto a penalização dos envolvidos em atos corruptos. A Convenção, ademais, traz novamente em pauta a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção, como prevê seu Artigo 26, que assim expõe:

“Responsabilidade das pessoas jurídicas 1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos. 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou nãopenais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente artigo”. (ONU, 2003)

A referida convenção, assinada em 2003 na cidade de Mérida, no México,fora incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através da promulgação do Decreto Presidencial 5.687/2006. Como resposta ao avençado, o país inovou na elaboração de legislações pertinentes à matéria, como se demonstra no item seguinte.

1.3A lei 12.846 de 1° de agosto de 2013 e seu diferencial

Verifica-se que diante dos organismos internacionais, o Brasil se encontrava atrasado em relação ao cumprimento dos tratados assinados. Apenas dez anos após a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, promovida no âmbito da Organização das Nações Unidas, o Brasil cumpriu com o estabelecido de responsabilizar também as pessoas jurídicas por atos inidôneos nas relações comerciais e prejudiciais à administração pública.

Observa-se que o focodas legislações anticorrupção vigentes no país até o ano de 2013 se voltava à pessoa física causadora de danos ao patrimônio público ou que atentasse contra os princípios da administração pública. Independentemente de a quem o benefício do ato corrupto se dirigia, a pessoa física, diante de sua responsabilidade subjetiva civil e administrativa, poderia vir a sofrer sanções.

A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica nos casos de atos de corrupção surge no ordenamento jurídico através da Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013, que logo em seu art. 1º identifica esta possibilidade, assim exposndo: “Art. 1oEsta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 2013).

Situação identificada no primeiro artigo da lei, esta é ratificada pelo seu segundo artigo, que assim expressa: “Art. 2oAs pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”(BRASIL, 2013).

Até apromulgação da presente lei, como referido, a legislação abarcava apenasa responsabilidade subjetiva da pessoa física nas situações de corrupção. Como destacado por Diego Santiago Vieira de Brito, o cenário sofreu alterações:

“Com a inovação trazida pela da Lei nº 12.846, não há mais a discussão sobre os elementos da culpabilidade ou dolo, vencida a responsabilização subjetiva e instaurada a categoria objetiva da responsabilidade das pessoas jurídicas nas práticas de ilícitos contra a administração pública, seja a empresa sediada no território nacional ou mesmo de origem estrangeira”. (BRITO,2014, p. 100)

Pierpaolo Cruz Bottini e Igor Tamasauskas, no artigo intitulado “A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção”, destacam os motivos que levaram os legisladores à adoção desta responsabilidade, como se demonstra:

“O escopo do legislador é fortalecer o ambiente institucional de repressão à corrupção. Ao suprimir a exigência da constatação do dolo ou da imprudência para imputar as sanções previstas, quer-se incentivar a adoção de políticas de integridade e compliance, que evitem qualquer ligação da empresa com pessoas ou outras entidades que possam lhe trazer problemas ou danos de imagem”. (BOTTINI; TAMASAUSKAS, 2014)

A pessoa jurídica mencionada, por sua vez, não tem sua definição restringida pela legislação em tela, devendo apenas aquela ser uma sociedade, fundação ou associação, como se evidencia da leitura do parágrafo únicodo artigo primeiro da legislação:

“Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.” (BRASIL, 2013)

Demonstra-se, pois, que não há restrição ao tipo societário adotado, assim como pode ser a sociedade empresária ou simples. Desta feita, pode-se abranger, pois, a princípio, as sociedades da administração pública indireta como passivo da ação derivada da Lei 12.846/2013.

Destaca-se ainda que os atos caracterizados como lesivos à administração pública pela lei em destaque não diferem daqueles descritos como ilegais nas demais legislações do ordenamento jurídico brasileiro, em especial as leis federais8.666 e 8.112. Diferencia-se apenas o polo passivo na responsabilidade administrativa e civil.

Quanto às sanções a serem aplicadas às sociedades e demais entidades, estas se dividirão em dois âmbitos: (i) administrativo e (ii) judicial. No primeiro, aquelas poderão ser multadas no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo, conforme prevê o art. 6º da lei.

As sanções aplicadas no âmbito judicial, entretanto, são bem mais gravosas, como assim expressa o art. 19 da Lei Anticorrupção:

“Art. 19 Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;

IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”.

A lei 12.846, sancionada em 2013, e que teve sua vigência a partir de 2014, foi regulamentadaatravés do Decreto 8.420 de 18 de março de 2015. Este, importante para a fixação dos parâmetros das multasprevistas, também define a competência para atuação judicial no caso de persecução das sanções do artigo anteriormente transcrito, como se observa de seu art. 26 e 27:

“Art. 26.As medidas judiciais, no País ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei no 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência, serão solicitadas ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados.

Art. 27.No âmbito da administração pública federal direta, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral da União, com exceção da cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, que será promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.[Grifonosso]”. (BRASIL, 2015)

Diante das características apresentadas em relação à Lei Anticorrupção, em especial ao polo passivo caracterizado pela pessoa jurídica, passa-se a definir a pessoa jurídica, exaltando-se a possibilidade de aplicação da presente lei objeto de estudo sob às pessoas jurídicas da administração pública indireta, em especial às sociedades desta.

2A pessoa jurídica

Uma vez que a lei tratada em questão – Lei 12.846/2013 – delimita a pessoa jurídica como ente passível das sanções previstas em seu texto, passa-se a tratar das características destas. Independente das subclassificações das pessoas jurídicas, estas apresentaram as seguintes características, conforme expressa Paulo Nader:

“O ente a ser plasmado pela doutrina jurídica haveria de reunir algumas características fundamentais: a) ser uma reunião de pessoas ou de bens; b) possuir uma ideia de fim a se realizar; c) incentivar a soma de economias; d) separar as responsabilidades do todo da de seus integrantes. A fórmula jurídica deveria constituir uma pluralidade unitária, ou seja, o conjunto de pessoas passaria a formar uma unidade do ponto de vista jurídico, dotada de personalidade própria e destacada de seus membros, com o que ficaria autorizada a praticar atos e negócios no mundo do direito”. (NADER, 2010, p. 198)

Ademais, como observa Washington Monteiro, deve-se enfatizar que a adoção da personalidade jurídica se reveste de princípios fundamentais, como expõe:

“A teoria da personalidade jurídica é dominada por alguns princípios fundamentais: a) a pessoa jurídica tem personalidade distinta de seus membros (universitasdistat a singuis) […]; b) a pessoa jurídica tem patrimônio distinto.[…]; c) a pessoa jurídica tem vida própria, distinta de seus membros”.(MONTEIRO, 2003, p. 127)

Orlando Gomes em sua classificação das pessoas jurídicas de direito público, reconhecendo os avanços da administração pública, à frente do que trazido pelo Código Civil de 1916, assim expressou:

“Não se admitiam outras [pessoas jurídicas de direito público interno], mas, ultimamente, a complexidade da administração pública obrigou a criação de organismos paraestatais, que, exercendo a função pública, gozam de personalidade jurídica própria, atribuída para facilitar a ação administrativa. Esses entes são pessoas jurídicas de direito público: autarquias e instituições de interesse geral”. (GOMES; BRITO; 2010, p. 147)

Sílvio de Salvo Venosa, por sua vez, caracteriza as pessoas jurídicas da seguinte forma: “As pessoas jurídicas de direito privado originam-se da vontade individual, propondo-se à realização de interesses e fins privados, em benefício dos próprios instituidores ou de determinada parcela da coletividade” (VENOSA, 2003, p. 263). A pessoa jurídica de direito privado, entretanto, não tem relação com a forma de criação desta, podendo inclusive haver iniciativa estatal, como destaca Francisco Amaral:

“São também pessoas jurídicas de direito privado a empresa pública, entidade com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômicaque o governo seja levado a exercer, e a sociedade de economia mista, sociedade anônima criada por lei para a exploraçãode atividade econômica, pertencendo o controle acionário à União ou à entidade da Administração Indireta”.(AMARAL, 2014, p. 345)

Caio Mário da Silva Pereira complementa ressaltando a sujeição das pessoas jurídicas ao Código e as leis que se especificam a elas:

“Aqui se compreende toda a gama de entidades dotadas de personalidade jurídica, sem distinção se se trata das de fins lucrativos ou de finalidades não econômicas. […] Qualquer que seja a pessoa jurídica de direito privado está sujeita às normas do Código, ou de alguma lei especial que lhe seja aplicável, uma vez que preencha, para a sua constituição e funcionamento, as exigências dele ou das leis que a ela especialmente se refiram”. (PEREIRA, 2009, p. 273)

Em vista da abordagem do presente trabalho, restringir-se-á as pessoas jurídicas apenas às sociedades, como se passa a apresentar nos itens seguintes.

2.1A sociedade

O art. 1º da Lei 12.846 dispõe que a referida legislação tratará “sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 2013). O detalhamento de a quais entidades se poderá aplica o disposto na lei, por sua, ver, encontra-se no parágrafo único do art. 1º, que assim define:

“Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.” (BRASIL, 2013)

Tendo em vista o interesse do presente trabalho em esclarecer a possibilidade da aplicação da referida lei às sociedades da administração pública indireta, cabe elucidar sobre a conceituação de sociedade – pessoa jurídica de direito privado -,que, nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, assim se define:

“A sociedade corresponde a um mecanismo jurídico que é titular de bens e/ou recursos financeiros os quais lhe permitem o exercício de uma atividade econômica destinada a proporcionar lucro para os sócios, mas também sujeita a perdas eventuais, nos casos em que as despesas daquela mesma atividade superam as receitas.” (VERÇOSA, 2010, p. 38)

José Edwaldo Tavares Borba, por sua vez, ressalta: “A sociedade é dotada de personalidade jurídica tal como o homem o é. Uma distinção fundamental deve, porém, estar sempre presente: enquanto o homem é um fim em si mesmo (Kant), a sociedade é um instrumento do homem, ao qual deve servir” (BORBA, 2010, p. 32).

Ainda, conforme conceito adotado por Jorge Manuel Coutinho de Abreu:

“Sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um patrimônio autônomo para o exercício da atividade econômica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucro e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.” (ABREU, 2002, p. 21)

Diferentemente do apresentado pelos demais autores, o conceito traduzido pelo citado doutrinador português, como se vislumbra, define como sociedade aquelas entidades com um ou mais sujeitos, denominados sócios. Ou seja, identifica na classificação da sociedade a possibilidade desta com apenas um sócio.

Como ressaltado por Moreira Filho, entretanto, este conceito de sociedade unipessoal, ou seja, sociedade com apenas um sujeito, “já adotado em outros ordenamentos jurídicos, no Brasil existe apenas na figura da empresa pública e na subsidiária integral”(MOREIRA FILHO, 2009).

Para que se defenda, portanto, a aplicação da Lei objeto deste estudo às empresas públicas e subsidiárias integrais, importante frisar a posição destas como sociedades. José Maria Pinheiro Madeira ratifica esta posição, como se evidencia:

“A primeira constatação que se faz é de que ambas as espécies de pessoas jurídicas aqui analisadas [empresa pública e sociedade de economia mista] são sociedades, tendo, como consequência dessa assertiva, finalidade lucrativa.[…]Se a pessoa jurídica não tem fim lucrativo, pode ser uma associação (formada por pessoas associadas) ou uma fundação (patrimônio personalizado), mas nunca uma sociedade”. (MADEIRA, 2009, p. 66)

A própria legislação que se refere à empresa pública demonstra a possibilidade de esta ser composta por um – sociedade unipessoal -ou mais sócios, como prevê o art. 5° do Decreto Lei 900, de 29 de setembro de 1969:

“Art5º Desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, será admitida, no capital da Empresa Pública,a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno bem como de entidades da Administração Indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios”. (BRASIL, 1969)

A respeito das subsidiárias integrais, previstas no art. 251 da lei 6.404 de 1976, lei que trata sobre as sociedades por ações, estas também se caracterizam como unipessoais, conforme se expõe:

“Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.

§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.

2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252”.(BRASIL, 1976)

Evidencia-se, pois, que serão consideradas sociedades aquelas entidades que contenham um – no caso das empresas públicas e subsidiárias integrais – ou mais sócios, detentoras de patrimônio que viabiliza exercício de função econômica, e que possam a vir gerar lucro ao(s) sócio(s). O fato de as empresas públicas e as subsidiárias serem definidas como sociedades pela doutrina brasileira, por sua vez, passa a incluirestas como possíveis polo passivo de ações derivadas da Lei 12.846 no caso de cometimento de atos lesivos à administração pública por meio de corrupção.

2.2 A administração pública indireta

O presente trabalho tem como propósito apresentar a possibilidade de aplicação da lei anticorrupção – lei 12.846/2013 – às sociedades da administração pública direta. Se explicita, portanto, a conceituação desta, suas características, assim como sua formação.

Diante da complexidade da administração do Estado, a administração pública dividiu-se em administração centralizada e descentralizada, como assim expõeWashington Monteiro:

“Hoje se divide a administração pública em administração centralizada, que desenvolve as funções próprias do Estado e é formada por pessoas jurídicas de direito público interna, com personalidade jurídica e regime de direito público, e administração descentralizada, pela qual são desenvolvidas atividades atípicas do Estado, por pessoas jurídicas com personalidade e regime jurídico de direito privado, regendo-se então pelo direito civil”. (MONTEIRO, 2003, p. 130)

Estas pessoas jurídicas da administração descentralizadas caracterizam-se pelos entes da administração pública indireta, dispostos no inciso II do art. 4º do Decreto Lei 200/67. Conforme conceituado por Odette Medauar, são entes da Administração Pública indireta:

“[…] as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, conforme dispõe o inc. II do art. 4º do Dec. Lei 200/67, alíneas a, b, c e d, respectivamente.[…] Cada uma dessas entidades possui personalidade jurídica própria, que não se confunde com a personalidade jurídica da entidade maior a que se vinculam – União, Estado-membor ou Município. Tendo personalidade jurídica, são sujeitos de direitos e encargos por si próprias, realizando atividades e atos do mundo jurídico em seu próprio nome”. (MEDAUAR, 2007, p. 66)

Na mesma linha, expressa Robertônio Pessoa:

“A administração indireta compreende entidades estatais de direito público (autarquias) e entidades estatais de direito privado, como é no caso das empresas estatais, das fundações estatais e dos consórcios públicos com personalidade de direito privado. Estas entidades estatais podem ter subsidiárias, que se integram à Administração indireta. Estas subsidiárias vinculam-se diretamente à entidade estatal que a controla e, indiretamente, ao seu órgão supervisor.” (PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 192)

O autor complementa a respeito da autonomia dos entes da administração pública indireta da seguinte maneira: “A administração indireta, por sua vez, é integrada por entidades dotadas de personalidade jurídica própria e relativa autonomia administrativa e funcional, vinculada aos fins definidos em suas leis específicas” (PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 191).

A respeito do patrimônio das referidas sociedades, assim expressa Marcio Pestana:

“As pessoas jurídicas que integram a Administração Pública indireta são dotadas de patrimônio que lhes instrumentaliza o atingimento de seus objetivos. Tal patrimônio, integrado por bens móveis ou imóveis, bens fungíveis e consumíveis etc. podem: (i) provir da entidade que a instituiu (caso, v.g.,de um Ministério que transfira, por meio de lei, determinados bens para uma autarquia recém-criada); (ii) ter origem em doações de terceiros (como, exemplificativamente, a realizada por uma pessoa em favor de uma determinada fundação, como a Fundação de Amparo à Pesquisa, no estado de São Paulo); (iii) ser adquirida pela própria entidade da Administração Pública indireta, por intermédio do exercício de sua própria atividade […]; (iv) ingressas nos domínios das sociedades por meio das formas de aquisição […] dos bens públicos”. (PESTANA, 2008, p. 50)

A partir do momento em que este patrimônio passa a pertencer à pessoa jurídica da administração pública indireta, compete-lhe “a respectiva conservação e mantença, aplicando-se as prescrições de índole publicista acerca de aquisição, gestão e disposição patrimonial” (PESTANA, 2008, p. 51).

Estas obrigações, entretanto, serão fiscalizadas uma vez que “a administração indireta deve se sujeitar a mecanismos de coordenação, controle e supervisão, os quais, contudo, não lhe tolham ou asfixiem a autonomia desejada, nem estabeleçam padrões rígidos e modelos uniformes de atuação”(PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 190).

Os controles sofridos pelas sociedades compreendem controle público e social, como assim se apresentam:

“(a) controle público, sob a forma de autocontrole e controle externo; e (b) controle social.[…] exercido pela sociedade civil, por meio da participação nos processos de planejamento, acompanhamento e monitoramento e avaliação das ações da festão das entidades da Administração indireta. Este controle visa ao aperfeiçoamento da gestão pública, à legalidade, à efetividade das políticas públicas e à eficiência administrativa. São meio de controle social da administração indireta, entre outros: (a) participação em consulta ou audiência pública; (b) exercício do direito de petição ou de representação; (c) denúncia de irregularidades; (d) atuação dos interessados nos processos administrativos; (e) participação em órgãos colegiados”.(PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 190)

A aplicação da legislação ora discutida, Lei 12.846/2013, por sua vez, viria a funcionar como meio de controle e sinalização ao poder legislativo e executivo sobre a saúde da sociedade, como se demonstrará.

2.2.1Forma de criação e extinção das sociedades da administração pública indireta

Conforme se evidencia da leitura do art. 37 da Constituição Federal, a instituição da empresa pública e da sociedade de economia mista se dará através de autorização legal: “Art. 37 […] XIX – Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”(BRASIL, 1988).

As subsidiárias integrais – sociedades unipessoais -, por sua vez, também deverão ter autorização por lei, nos mesmos moldes de sua controladora, como assim expressa Marcio Pestana:

“Observa-se, ainda, que igualmente dependerá de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das empresas públicas, assim como participação no capital social de outras empresas privadas, a rigor do art. 37, XX, da Constituição Federal.” (PESTANA, 2008, p. 73)

Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica:

“É preciso que a lei designe nomeadamente que a entidade pretende gerar, que escopo deverá por ela ser cumprido e quais as atribuições que para tanto lhe confere. Posto que a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista depende de lei, estas não podem criar subsidiárias nem participar de capital de empresas privadas sem autorização legislativa.” (MELLO, 2014, p. 208)

No que concerne à extinção das sociedades, estas se darão na forma de sua criação, como assim dispõe José Maria Pinheiro Madeira:

“No que se refere à extinção das empresas estatais, a doutrina é unânime no sentido de exigir o mesmo veículo utilizado para sua criação, em razão do princípio do paralelismo das formas. Em outras palavras, se a Constituição exige lei para a autorização de sua criação, também se exigirá autorização legislativa para a extinção das empresas públicas ou sociedades de economia mista”. (MADEIRA, 2010, p. 67)

A doutrina, entretanto, se divide a respeito da extinção da empresa pública e sociedade de economia mista, principalmente sobre a possibilidade de extinção destas por meio de processo falimentar. Parte se posiciona a favor da inconstitucionalidade do dispositivo da lei de falências – art. 2 da Lei 11.101/05 – que impede sua aplicação às empresas públicas e sociedades de economia mista tendo em vista que é vedada a concessão de benefício às empresas estatais, como expõe Felipe de Canto Zago sobre o assunto:

“Assim, quanto à análise do art. 173, da CF, verificou-se que o escopo dessa norma constitucional visou assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades públicas que exerçam ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem à atividade econômica na mesma área ou em área semelhante. […] O artigo 173 da CF/88 tem por finalidade evitar que as estatais logrem disputar o mercado em que atuam, com alguma vantagem sobre quaisquer outras empresas privadas.” (ZAGO, 2010)

Por fim, o autor apresenta a posição de que é necessário diferenciar o fim a que se destinam a empresa pública e a sociedade de economia mista, se prestadoras de serviço público ou não, para que se possa analisar a possibilidade de aplicação da lei de falências, como expressa:

“[…] apresentou-se a idéia de que não se aplicam às sociedades de economia mista e às empresas públicas prestadoras de serviço público as mesmas regras destinadas àquelas que exercem atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada, pois estas últimas se sujeitariam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no âmbito do Direito Comercial, a teor do art. 173, da CF, no qual se insere a Lei de Falências. Dessa forma, aceitar a diferença entre a exploração de atividade econômica e a prestação de serviço público permite que os fins buscados pela regra constitucional no art. 173 sejam atingidos, sem trazer a noção de inconstitucionalidade da lei falimentar”.(ZAGO, 2010)

No caso em tela, em que se questiona a aplicação da Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta, diferentemente do que encontramos na Lei de falências, Lei 11.101, não há vedação legal expressa. Presume-se, portanto, que a regra constitucional do art. 173 prevalece, não havendo a possibilidade de distinção das sociedades da administração pública indireta a fim de que estas tenham tratamento diferenciado que as beneficiem, o que demonstraria a possibilidade de, por exemplo, ocorrer a suspensão da atividade ou dissolução compulsória de uma sociedade da administração pública indireta, como definido na lei ora tratada.

Por fim, diante das variáveis apresentadas até o presente momento, passa-se a explorar a possibilidade da aplicação da lei objeto deste trabalho nas sociedades da administração pública indireta.

3 A lei 12.846 e sua aplicação às sociedades da administração pública indireta

Diante do exposto até o presente momento, evidencia-se que as sociedades da administração pública indireta – empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias integrais – não estão tacitamente excluídas da aplicação das sanções previstas na Lei 12.846. Entretanto, a fim de embasar essa posição, necessária a análise dos princípios da administração pública assim como evidenciar a importância e os reflexos gerados através desta aplicação.

3.1 Os princípios da administração pública que permitem a aplicação da lei 12.846 às sociedades da administração pública indireta

A Lei ora em destaque, de acordo com o seu art. 19 , incisos II e III, prevê a possibilidade de suspensão das atividades das pessoas jurídicas e até mesmo dissolução compulsória destas quando de adoção de práticas corruptas contra a administração pública, nacional ou estrangeira Para a dissolução, entretanto, é necessário que se preencham os seguintes requisitos: “I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados” (BRASIL, 2013), conforme § 1º do art. 19 da lei analisada em questão.

A fim de que as sanções previstas pela lei, em especial quanto à possibilidade de dissolução da pessoa jurídica,sejam permitas também em facedas sociedades da administração pública indireta, necessária a fundamentação daquelasatravés da análise de princípios da administração pública. Passa-se a expor, pois, dois princípios essenciais para esta análise, o princípio da supremacia do interesse público e princípio da eficiência.

3.1.1 Princípio da supremacia do interesse público

Diante da circunstância de atos corruptos pelas sociedades da administração pública, quando da possibilidade de suspensão ou dissolução desta por previsão legal do art. 19, II e III da Lei 12.846, será necessária a avaliação sobre o interesse coletivo na continuidade desta ou não.O interesse público, como expresso pela doutrina, é a soma dos direitos individuais, expresso em uma unidade, como assim se percebe da exposição de Emerson Gabardo e Daniel WunderHachem:

“O interesse coletivo primário é formado pelo complexo de interesses individuais prevalentes em uma determinada organização jurídica da coletividade, expressão unitária de uma multiplicidade de interesses coincidentes. Somente este interesse poderá ser considerado como interesse público. Ele difere tanto do interesse de um particular individualmenteconsiderado, quanto do interesse do aparato administrativo, que, por sua vez, são ambos interesses secundários. Tanto o interesse singular de um indivíduo quanto o interesse da Administração Pública enquanto pessoa jurídica podem conflitar ou coincidir com o interesse coletivo primário (que é o verdadeiro interesse público). Tais interesses secundários só poderão ser perseguidos pelo Estando quando houver coincidência entre eles e o interesse público.[…] É nessa exata medida que se equivocam os autores que insistem em identificar na concepção contemporânea de interesse público um caráter autoritário: a noção hodierna dessa categoria jurídica arrima-se na compreensão do interesse geral como produto da solidariedade social, é dizer, como resultado dos anseios de uma coletividades ou mesmo de um cidadão enquanto membro do corpo social (e não apenas individualmente considerado).”(GABARDO, HACHEM, 2010, p. 39)

Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica: “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade pelo simples fato de os serem”(MELLO, 2005, p. 61).Ou seja, este não refletirá o interesse Estatal, mas sim o interesse da coletividade.

Identifica-se que a lei objeto do presente estudo, positivada após apelação da população e de organismos internacionais, põe-se como meio de efetivação do princípio da supremacia do interesse público. Celso Antônio Bandeira de Mello se posiciona sobre a positivação das regras garantidoras deste princípio:

“O interesse público, na sua leitura atual, não é algo abstrato, etéreo, inatingível. O seu conteúdo jurídico não pode ser encontrado em outro lugar senão no próprio Direito positivo. Desse modo, a significação do que vem a ser interesse público será determinada de forma objetiva pelo ordenamento jurídico, particularmente na ordem de valores, fins, objetivos e bens protegidos pela Constituição. A qualificação de determinado interesse como público é promovido pela Constituição”. (GABARDO, HACHEM, 2010, p. 42)

Destacado pelo doutrinador, o interesse público é garantido pela sua positivação na própria constituição. No caso em tela, poderíamos demonstraraqueleexpresso pelo art. 173, § 5º desta, que assim expressa:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 5ºA lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (BRASIL, 1988)

Demonstra-se, através do referido artigo, o interesse em se responsabilizar as sociedades da administração pública na ocasião de atos praticados contra a ordem econômica e financeira, demonstrando-se a intenção da manutenção da idoneidade daquelas sociedades. O referido artigo, entretanto, não se encontra regulamentado por lei, como deveria. Poder-se-ia, portanto, aplicar-se a legislação em tela – Lei 12.846 – como regulamentação do referido artigo, efetivando, desta forma, o princípio ora tratado.

As sociedades da administração pública têm uma razão para sua existência, porém no momento que os benefícios trazidos por elas são superados pelos malefícios, seria necessário, portanto, a aplicação das sanções previstasna legislação objeto deste estudo. Celso Antônio Bandeira de Mello destaca as razões da criação das sociedades da administração pública:

“Empresas públicas e sociedades de economia mista são, fundamentalmente e acima de tudo, instrumento de ação do Estado. O traço essencial caracterizador destas pessoasé o de se constituírem em auxiliares do Poder Público; logo, são entidades voltadas, por definição, à busca de interesses transcendentes aos meramente privados.” (MELLLO, 2014, p. 198)

Ocorre que, na situação do § 1º do art. 19, em que “I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”, o interesse público da constituição da sociedade, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, é substituído pelo desinteresse da continuidade dessa, uma vez esta passa a representar dano à administração e à economia popular.

Aplicando-se a Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta, respeitar-se-ia o princípio da supremacia do interesse público, garantindo-sea ordem jurídica, e a democracia – motivo inclusive trazido pelos entes internacionais como fundamentação da necessidade da criação da presente legislação. José dos Santos Carvalho Filho ratifica aquele posicionamento ao afirmar que “O princípio não expressa violação à ordem jurídica, mas, ao contrário, a ordem jurídica é que, para ser ordem, se socorre do princípio, que é, como sabido, inerente ao Estado de Direito”(CARVALHO FILHO, 2010, p. 77).

Desta forma, imperativa a análise da presente legislação à luz do princípio da supremacia do interesse público, assim como do princípio da eficiência, que passa a ser tratado.

3.1.2 Principio da eficiência

O princípio da eficiência foi incorporado à legislação brasileira através da Emenda Constitucional 19/98, que o acrescentou ao caput do art. 37 da CF, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”: (BRASIL, 1988)

Odete Medauar assim expõe sobre a inclusão do referido princípio no ordenamento pátrio:

“Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam a necessidade da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções”.[Grifo nosso]. (MEDAUAR, 2007, p. 127)

Rolf Stober ratifica o entendimento sobre o princípio da eficiência expressando-se da seguinte maneira:

“A eficiência econômica orienta-se para uma maximização da utilização, sendo entendida como princípio que visa alcançar os maiores benefícios possíveis com os meios existentes. Aqui está em primeiro plano a maximização das receitas, no sentido de eficiência (princípio do máximo), porque se tem em vista a relação mais favorável entre o fim almejado e os meios empregados.”[Grifo nosso]. (STOBER, 2012, p. 198)

Diogenes Gasparini ratifica a posição apresentada expondo que os serviços “[…] devem ser executados com rendimento, isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatórios para o interesse da coletividade” (GASPARINI, 2006, p. 22), e complementa expondo as atitudes que devem ser tomadas diante da situação de não cumprimento do princípio em análise:

“Assim, deve extinguir órgãos e entidades e remanejar servidores sempre que se verificar um descompasso entre a situação existente e o princípio da boa administração, ou, se isso não for aconselhável, deve tomar as medidas para tornar menor esse desvio ou descompasso. Ações dessa natureza já foram tomadas. Com efeito, algumas sociedades de economia mista que existiam em São Bernardo do Campo foram extintas pela Administração Tito Costa por que não se afeiçoavam a um desempenho com resultados positivo. O mesmo ocorreu com a desativação de algumas sondas da Paulipetro, consórcio criado pelo governo estadual de São Paulo para a prospecção de petróleo e gás […]. Aqui a razão também foi prestigiar o dever da eficiência administrativa e evitar maiores gravames públicos.”[Grifo nosso]. (GASPARINI, 2006, p. 22)

Nota-se, portanto, a forte conexão entre os princípios do interesse público e da eficiência, estes que garantem a proteção da população diante do poder estatal. A legislação analisada no presente estudo, Lei 12.846/2013, por conseguinte, demonstra-se como forma de fiscalização e aplicação destes princípios.Leandro Sarai demonstra a necessidade de aplicação dos princípios constitucionais da administração pública a todos assim expondo:

“Essa incidência dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência a todos e principalmente aos mais altos exercentes do poder delegado pelo povo ensejaria, em tese, maior efetividade para que a República alcançasse seus objetivos fundamentais traçados no art. 3.º da Constituição Federal”. (SARAI, 2011)

Como ressalta Humberto Ávila, “os princípios descrevem um estado de coisas a ser buscado, sem, no entanto, definir previamente o meio cuja adoção produzirá efeitos que contribuição para promovê-lo” (ÁVILA, 2009, p. 101), e que “relativamente às normas mais amplas (princípios), as regras exercem uma função definitória (de concretização), na medida em que delimitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios”(ÁVILA, 2009, p. 103).

Identifica-se, portanto, que a “regra” estabelecida pela Lei 12.846, por sua vez, trata-se de uma forma de concretização do princípio da supremacia do interesse público e da eficiência, de modo que estes devem ser considerados como fundamentação no momento da aplicação da Lei.

3.2 A importância da aplicação da lei 12.846 nas sociedades da administração pública indireta.

As sociedades da administração pública indireta estão sujeitas à aplicação dos dispositivos do artigo 173 da Constituição Federal. Diante da situação analisada neste trabalho, mister salientar o exposto pelo inciso II do parágrafo primeiro do mencionado artigo, assim como o parágrafo quinto deste.

Quanto ao Inciso II do parágrafo primeiro do referido artigo, este assim expõe:

“Art. 173 […]§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

II – a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.” (BRASIL, 1988)

Felipe do Canto Zago, a respeito do referido artigo, ressalta que:

“Quanto à análise do art. 173, da CF, verificou-se que o escopo dessa norma constitucional visou assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades públicas que exerçam ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem à atividade econômica na mesma área ou em área semelhante”. (ZAGO, 2010)

José Maria Pinheiro Madeira ratifica:

“No entanto, o que no fundo inspira essa característica das empresas públicas e sociedades de economia mista é o princípio da isonomia, já que o Estado, ao cria-las, o faz para atuar como agente econômico, não podendo, por isso, manter os privilégios inerentes ao jus imperique ordinariamente exerce, posto que, dessa forma, estaria prejudicando severamente os princípios da livre-iniciativa e da livre-concorrência. O Estado deve, neste âmbito, despir-se do manto que lhe confere autoridade em face do particular e descer do pedestal desnivelador, igualando-se, em última análise, ao particular”. (MADEIRA, 2010, p. 69)

O fato do presente inciso e sua interpretação preverem a sujeição da sociedade às obrigações civis e comerciais bastaria para a vinculação daquela à responsabilidade prevista na Lei 12.846/2013, ora analisada. A argumentação embasada no presente inciso, ressalta-se, é a mesma utilizada quando da discussão a respeito da possibilidade de as sociedades da administração pública serem passíveis de falência. Ainda, não bastasse esta norma constitucional prever o tratamento igualitário, o parágrafo 5º do mesmo artigo não se encontra regulamentado por lei, e assim expressa:

“Art. 173 […]§ 5ºA lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (BRASIL, 1988)

Diante da ausência de legislação específica, não se vislumbram motivos que levariam a não aplicação da Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta. Não há vedação expressa nesta, ou em outra própria sobre a matéria. Apresenta-se, assim, motivo para que a própria legislação anticorrupção ora tratada seja considerada regulamentação do referido parágrafo.

Como o referido parágrafo citado traz, assim como a lei em destaque também apresenta, as sanções previstas independerão da responsabilidade individual dos dirigentes das pessoas jurídicas. A responsabilidade civil e penal destas, já prevista em nosso ordenamento, não se mostram suficientes tendo em vista a perpetuação de atos corruptos praticados pelas sociedades, como expõe Roger Scruton, em “As Vantagens do Pessimismo”:

“É verdade que, na sequência de um escândalo espantoso, todos os comissários se demitiram. Mas renomearam-se prontamente, uma vez que tanto a demissão como a renomeação eram decisões comandadas por eles próprios e o povo não tinha voto na matéria. Este episódio, que à primeira vista podia parecer uma prova de que comissários são, de algum modo, responsabilizáveis, é de fato uma prova clara do contrário: ninguém os consegue controlar exceto eles próprios. Na raiz a falácia do planejamento reside o problema identificado há dois milênios por Terêncio: “Quis Custodietilloscustodes?.”(SCRUTON, 2011, p. 120)

No mesmo sentido, de que não apenas as sanções aos indivíduos podem solucionar o problema da corrupção, Robert Klitgaard, especialista no tema, expõe em entrevista a Claudia Andrade:

“O que descobri é que a corrupção (C) viceja em setores nos quais haja monopólio de uma atividade econômica (M), em que poucas pessoas tenham um poder decisório muito grande, o que chamo de discricionariedade (D), e em que falte transparência (T). OU seja, C = M + D – T. Creio que o mérito da equação é não dar ênfase ao papel das pessoas, mas sim às circunstâncias em que o crime ocorre. Não quero me alongar sobre o caso, porque não o acompanho, mas a equação parece captar o que ocorreu na Petrobras, uma estatal que detém o monopólio da extração de petróleo, com uma casa dirigente dotada de grande poder discricionário e que mantém boa parte das suas informações de gestão escondidas dos olhos do público.[…] Você deveria se esforçar para quebrar monopólios e tornar mais aberto o setor no qual o problema ocorre. Você deveria limitar o poder de arbítrio dos dirigentes. Você deveria aumentar os mecanismos de transparência que permitam jornalistas, centros de estudos, consultorias, enxergar o que ocorre no interior das empresas. A corrupção tem menos a ver com paixões do que com oportunidades Se as condições forem propícias, haverá um incentivo para que ela ocorra. Trate, portanto, de eliminar essas condições”. (KLITGAARD, 2015, p. 20)

Ratificando este posicionamento de que a corrupção tem menos a ver com as pessoas, mas com as condições favoráveis em que estas se encontram, o doutor em economia Fabio Barbieri expõe:

“Em primeiro lugar, nos é dito que temos os políticos que merecemos: a corrupção dos políticos reflete a baixeza moral da própria população. Como se a corrupção fosse uma questão de falta de aulas de catecismo e não fruto dos incentivos gerados pelas instituições inerentes a uma economia intervencionista!” (BARBIERI, 2013, p. 231)

A ideia também é ratificada pelo estudo “DeterminantsOfEconomicCorruption: A Cross-Country Data Analysis”, que assim expõe:

“Corruption is generally connected with the activities of the government and especially with the monopoly and discretionary power of the government. Therefore, the larger the government and the greater the extent of government intervention in the economy, the greater will be the fertile conditions in the economy (Tanzi, 1998, p. 566). The fewer resources including assets and regulatory power a government controls, the fewer will be the opportunities for corruption. Both the number and amount of resources controlled by a government and the ability of its officials to grant privileges can influence the level of corruption (Chafuen and Guzman, 2000, p. 59; Goel and Nelson, 2005, p.117). Economic freedom is increased when taxes, government restriction and regulations are replaced for personal choice, voluntary exchanges and market coordination.”(ARVAS; ATA, 2011, p. 164)

A Constituição Federal, entretanto, garante o monopóliode algumas atividades econômicas ao Estado. Esses monopólios, por sua vez, poderão apenas serem desconstituídos mediante alteração do texto constitucional. Desta feita, a solução imediata mais eficaz é o controle previsto na Lei 12.846, a começar pela aplicação das multas previstas nesta.

A corrupção é entendida como a própria consequência dos monopólios constituídos pelo Estado, como assim expõem diversos estudos realizados:

“In India, Centre for Media Studies has carried out surveys to build a useful corruption index. It does not rely on just the interviews and corruption perceptions, but also tries to include other factors. It Is based on a PEE model, where P stands for perception, E for experience (of corruption) and the last E stand for estimation (of bribes paid). They have surveyed four public sectors, that of Public Distribution System, education (upto XII), water supply and health services. The survey has been administered on a rural sample. The key findings of CMS PEE are that between 2005 and 2010, the factors listed below might have helped in containing corruption: 1. Opening up of the services for private participation breaking monopolies 2. Competition and increased concern for market and the users 3. Use of new communication technologies like computerisation including for better public interface 4. Use of research in developing responsive systems 5. Concern for redressal mechanisms 6. Dynamicnews media”. (KUMAR, 2011)

As causas e consequências evidenciada podem ser notadas também de forma empírica, como se demonstra:

“Investigation of the interaction effect between democracy and economic freedom is vital since countries such as Hong Kong and Singapore show a very low level of democracy and at the same time have a very low level of corruption although there exists a very high level of economic freedom in these countries. On the other hand, in spite of India’s high level of democracy it experiences a very high level of corruption but has a low level of economic freedom. Thus, it is of interest to ask how these two factors, i.e. democracy and economic freedom, work together in affecting corruption.”(SAHA; GOUNDER; SU; GOUNDER, 2009)

Desta feita, tendo em vista os monopólios existentes,garantidos constitucionalmente e apenas mediante emenda constitucional poderão ser afastados, vislumbra-se que a melhor via de controle se dará através da aplicação da Lei ora em análise, em especial quanto às sanções de aplicação de multas, de forma que estas sinalizem o Poder Legislativo e o Poder Executivo quanto ao comportamento da sociedade da administração pública.

Em situação de exploração de atividades econômicas pelo Estado que não são oriundas de previsão de monopólio, entretanto, vislumbra-se de forma mais clara a possibilidade de aplicação das sanções judiciais, em especial suspensão das atividades das pessoas jurídicas ou a própria dissolução compulsória dessas, ainda que a sociedade preste serviço público essencial.

A aplicação da presente lei garante a efetividade das normas constitucionais previstas no art. 173, em especial inciso II do parágrafo primeiro, e parágrafo quinto, não regulamentado por lei específica. Garante-se, dessa forma, também, a concretização dos princípios da supremacia do interesse público e da eficiência.

Conclusão

Criado a partir de um escândalo nos Estados Unidos – caso Watergate – o ForeignCorruptPracticesAct, lei americana que trata sobre o combate à corrupção, foi determinante para que diversos organismos internacionais, como ONU e OEA, passassem a observar a prática da corrupção de maneira distinta.

Signatário de diversas convenções que tratam sobre o assunto, o Brasil obrigou-se internacionalmente a combater a corrupção dentro do Estado. Desta forma, ao longo do período democrático brasileiro, foram criadas diversas leis que abordam o assunto, entre elas a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, que trata sobre enriquecimento ilícito de agentes públicos, e a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, sobre licitações.

Até o ano de 2013, entretanto, o Brasil ainda não havia cumprido com uma relevante obrigação assumidas diante dos órgãos internacionais: a imputação de sanções também às pessoas jurídicas que cometessem atos de corrupção. Através da Lei 12.846, de 1º de Agosto de 2013, este compromisso fora positivado em nosso ordenamento.

Vigente desde fevereiro de 2014, a referida lei trata sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, ou seja, atos de corrupção contra estas. O parágrafo único do primeiro artigo da lei em questão limita a aplicação desta às sociedade, fundações e associações, sem entretanto definir distinção de aplicação daquelas sanções aos entes jurídicos privados instituídos pelo Estado.

Diante deste fato, analisou-se a possibilidade da aplicação da lei em tela às sociedades da administração pública indireta, ou seja, empresas públicas, sociedades de economia mista e as subsidiárias destas. Todas estas classificadas como “sociedades”, não se identificou no ordenamento jurídico brasileiro motivos que impedissem a equiparação daquelas às sociedades criadas por pessoas naturais ou jurídicas da iniciativa privada.

Destacou-se como fundamentaçãoa aplicação de dois princípios: supremacia do interesse público e eficiência. Estes, cumulados com o dever constitucional de sujeição desta ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, evidencia a possibilidade de aplicação da referida lei às sociedades em geral, independentemente da sua forma de criação.

Diante da não vedação legal para a aplicação da Lei 12.846 às sociedades da administração pública indireta, destacou-se ainda que a referida legislação fomenta a competição e garante a manutenção da democracia, como destaca SashaShrabani e GouderRukmani:

“In defining the causes of corruption, economists have argued that lack of competition fosters corruption. The focus on competition and its impact on corruption have been noted in two different perspectives. One is political liberalization or democratization and the other is economic liberalization or decentralization. Competition between public officials reflects democratization that includes political rights, civil liberties and press freedom, whereas economic competition fosters economic liberalisation that reflects the degree of government intervention in a country”.(SAHA; GOUNDER, 2009)

Ideiaratificadatambémpor Johann Graf Lambsdorff:

“The authors conclude that the less competitive a market environment, the higher will be the extent of corruption. However, the authors are aware of the problems of causality, and acknowledge that corruption may provide incentives for politicians to support monopolies”.(LAMBSDORFF, 2005, p. 17)

O exercício de hermenêutica que se está aqui propondo leva em consideração o princípio republicano emanado do próprio texto constitucional, uma vez que a concepção de Estado preconizada pelo artigo 1º da Carta da República qual seja, o Estado Democrático de Direito, deve ser entendida na perspectiva de que todos os agentes públicos devem ser responsabilizados. Nesse ambiente, mostra-se mais do que evidente que os agentes das sociedades públicas analisadas ao longo dessa pesquisa devem sofrer as sanções previstas na Lei Nº 12.846/2013. Garante-se, assim, amanutenção de uma sociedade livre, democrática e com menor incidência de corrupção.

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Informações Sobre o Autor

Gabriela Bratz Lamb

Advogada formada pela UniRitter em Canoas/RS pós graduanda em Direito Empresarial pela FGV/SP