A aposentadoria especial dos servidores públicos

Resumo: O presente artigo aborda a eficácia do aparelho que veio garantir o direito possuído pelos servidores públicos a aposentar-se pela modalidade especial, em razão de ter exercido atividades laborativas com exposição habitual e permanente a agentes nocivos à saúde ou a integridade física. Para atingir tal desiderato, faremos uma apreciação sobre a norma que prevê o referido direito demonstrando toda a problemática ocorrida em decorrência de sua forma, bem como o histórico do exercício deste. Ainda, faremos uma analise o instrumento encontrado para o efetivo exercício da aposentadoria especial pelos servidores públicos, utilizando como metodologia o enfoque teórico-bibliográfico, com análise a Institutos Jurisprudenciais e Legais, principalmente à Lex Major e normas regulamentadoras da aposentadoria especial dos trabalhadores da seara privada.


Palavras-chave: Aposentadoria especial, mandado de injunção, servidor público.


Abstract: This article discusses the effectiveness of the instrument which has to guarantee the right possessed by civil servants to retire by special arrangement because of labor activities have had with normal exposure to harmful agents and permanent health or physical integrity. To achieve this goal, we will make an analysis on the standard that provides the right shows all the problems occurred due to their shape, and the history of this year. Still, we’ll examine the instrument found for the effective exercise of the special retirement by public servants, using the methodology and theoretical focus, literature, analysis with the case law and legal institutions, especially the Major Lex and regulatory standards of the special retirement of employees of Seara private.


Keywords: Retirement particular writ of injunction, public server.


Sumário: 1-Introdução, 2 A Aposentadoria Especial do Servidor Público, 3- O Mandado de Injunção ao Caso Aposentadoria Especial dos Servidores Públicos., 4 Os Efeitos da Decisão do Mandado de Injunção 721-7, 5- Conclusão


1-INTRODUÇÃO


Já é de nítido conhecimento que a Constituição Federal é norma fundamental que se encontra no topo da hierarquia das normas jurídicas, a qual é constituída por disposições que visam estruturar e organizar o Estado, sendo essas exequíveis desde sua origem, mesmo que algumas delas não tenham uma eficácia manifestada em sua plenitude a partir da vigência da Lei Maior.


O que torna uma norma constitucional possuidora de uma eficácia plena é a existência de sociabilidade desta, pois, toda norma contida no corpo constitucional é digna de aplicabilidade em decorrência da presença, em todas elas, da eficácia jurídica, eficácia esta que somente tem capacidade para trazer a baila efeitos aos legisladores que deparam com um bloqueio no que diz respeito à edição de normas negativas ou contrárias ao direito estabelecido pela Lei Maior.


As normas possuidoras de eficácia social, além de serem detentoras de eficácia jurídica obrigatoriamente, têm uma validade pro-societate, possuindo uma relação viva com a realidade social, sendo o dever-ser aposto no ser. Aqui é a própria efetividade da norma constitucional, pois ela apenas será efetivada quando trouxer consequências sociais.


Por isso, a existência da classificação das normas constitucionais quanto ao grau dos efeitos jurídicos apresentada mais tradicionalmente na seguinte forma: (1) normas constitucionais de eficácia plena, (2) normas constitucionais de eficácia contida e, (3) normas constitucionais de eficácia limitada que por sua vez pode ser encontrada ainda na forma institutiva ou programática.[1]


As normas constitucionais de princípios programáticos são as mais constantes em toda a Constituição Federal de 1988 e mais importantes na classe das eficácias, sendo esta a que trouxe maiores polêmica acerca do tema das classificações anteriormente, isso em decorrência dos entendimentos primários alienígenas que, defendiam estas como normas exoneradas de qualquer espécie de eficácia. Destarte, conforme já percebido com nossos esclarecimentos acima, toda norma constitucional é possuidora de eficácia, mesmo que esta seja de pequeno grau.


Trazendo uma exemplificação de norma de princípio programático na essência de nossa Lei Fundamental, temos o artigo 40, em seu parágrafo 4º que, vem prever o direito a aposentadoria especial aos servidores públicos, onde em seu texto exige a regulamentação ulterior para a efetivação social desta, assunto este que será o foco no presente artigo.


A problemática do tema escolhido consiste no fato em que, a norma regulamentadora exigida constitucionalmente nunca fora editada, e, em consequência, a categoria dos servidores públicos viu-se diante da impossibilidade do exercício de direito que até a referida emenda vinha sendo desempenhada.


Deste modo, a realização do presente trabalho justifica-se e encontra sua relevância no fato de que, não se deve entender que até a edição da lei complementar os servidores públicos devam ser prejudicados num direito estabelecido constitucionalmente, devido à omissão normativa do poder público que não editou a lei exigida


2  A APOSENTADORIA ESPECIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS


A aposentadoria especial é pertinente àquele que venha exercer atividade laborativa sob a exposição a agentes agressivos a saúde ou à integridade física, bem como com exposição a risco eminente. Em outros dizeres, a aposentadoria especial é benefício previdenciário concedido aos que trabalham em condições de insalubridade, penosidade ou periculosidade.


Esse benefício tem por fito trazer uma forma pela qual, o labutador tenha uma amenizagem dos danos que lhe foi causado em sua vida laborativa, uma vez que, abolir os prejuízos ocorridos contra a integridade física e saúde seria impossível, utilizando-se assim do princípio da dignidade da pessoa humana.


Para atingir tal desiderato, a aposentadoria especial vem proporcionar ao seu beneficiário uma redução do tempo de serviço exigido à concretização da aposentação, ou, conversão do tempo especial em comum para fins de aposentadoria comum.


O direito a aposentadoria especial aos servidores públicos esta previsto no artigo 40 da vigente Constituição Federal, lembrando que o mesmo fora trazido primeiramente pela Constituição de 1946, onde, em seu artigo 191, § 4º, estabelecia que “atendendo à natureza especial do serviço, poderá a lei reduzir os limites” relativos à idade e tempo de serviço.


Posteriormente, no artigo 100, § 2º da Constituição de 1967, também existia tal possibilidade, onde haveria a redução dos requisitos relativos à idade e tempo de serviço, definidos em lei. Confirmemos o conteúdo do dispositivo:


 “Art.100 (omissis)


§ 2º- Atendendo à natureza especial do servidor, a lei federal poderá reduzir os limites de idade e de tempo de contribuição, nunca inferiores a sessenta e cinco e vinte e cinco anos, respectivamente, para a aposentadoria compulsória e facultativa, com as vantagens do item I do art. 101.”


Como pode ser observado, nos dispositivos das Constituições antecedentes, os mesmos faziam referência a existência de uma lei caracterizando o direito a aposentadoria especial dos servidores públicos, desde sua origem, como uma norma de eficácia limitada programática. No entanto, como a exigência era da existência de apenas uma lei federal, não fazendo qualquer alusão se esta lei seria ordinária ou complementar, nesta ocasião, vinha sendo aplicada a norma ordinária de nº 3.807/60, mais conhecida como Lei Orgânica da Previdência Social.


Com o advento da Constituição Federal de 1988, em sua redação original, fazia-se uma previsão em seu artigo 40, § 1º da possibilidade de se determinar exceções às formas de aposentadorias voluntarias, porém, para seu nascimento havia a necessidade da edição de norma complementar.[2] Note-se que somente neste momento passou-se a estabelecer como critério a lei complementar.[3]


Mais tarde, mediante a edição da Emenda Constitucional de número 20/98, tal artigo fora alterado, de modo que o parágrafo 4º passou a ter a previsão de concessão de aposentadoria com critérios diferenciados aos servidores que exerciam suas funções em condições especiais, sendo novamente modificado pela Emenda 47/05, a qual seguiu a mesma trilha, onde somente dera uma nova redação ao dispositivo, mantendo, porém o seu conteúdo.[4]


Ocorre que, a norma complementar pelo qual o artigo faz tanta exigência nunca fora editada, assim sendo, tal artigo não apresenta uma auto-aplicabilidade do seu conteúdo, deixando aos servidores públicos uma discriminação funcional sem fundamento, pois, a diminuição do tempo trabalhado é uma forma de respeitar o princípio da igualdade, uma vez que os trabalhadores que põem suas vidas a exposição de agentes agressivos a saúde e a integridade física não podem ter o mesmo tratamento daqueles que não assim se encontram[5].


Além disso, os segurados do Regime Geral de Previdência que se acham nas mesmas condições laborativas de penosidade, insalubridade e periculosidade, têm exercido tal direito facilmente com o cumprimento de requisitos exigidos nas disposições do artigo 57 da Lei 8.213/91, lei regulamentadora de tal direito na seara celetista.


Isso tudo teve seu agravamento com a Lei 8.112 de 1990, lei essa que trouxe à baila a determinação de que a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios instituíssem um Regime Jurídico Único no âmbito de sua competência, regime este que seria o estatutário, onde seus componentes estariam sob as condições ditadas pelas normas editadas exclusivamente para tais.


Anteriormente a esta legislação existiam servidores públicos de cargo efetivo contratados mediante as determinações do contrato regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho, momento este em que os servidores nessas condições tinham garantido o seu direito de aposentadoria especial devido as regras do RGPS serem aplicadas aos celetistas.


Destarte, com essa nova determinação legislativa, todos os servidores de cargos efetivos, até mesmo aqueles que se encontravam até então protegidos pelas normas da CLT e, consequentemente, do RGPS, passaram a ser regidos somente pelo estatuto do servidorismo, ou seja, passaram a sujeitar-se as normas do artigo 40 da Constituição, deixando a partir dessa data de ver assegurado tal direito.[6]


No entanto, ainda são reconhecidos os períodos exercidos sob a égide da CLT, que se constituíam em direito adquirido, em atendimento ao princípio do não retrocesso social, onde Canotilho defende que “os direitos sociais e econômicos, uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia constitucional e um direito subjetivo,” [7] não podendo, desta forma, o legislador legiferar diminuindo tais direitos sob pena de entrar em confronto com os princípios da segurança dos cidadãos. Nesse passo, entende o STF o seguinte:


“Servidor público: direito adquirido à contagem especial de tempo de serviço prestado em condições insalubres, vinculado ao regime geral da previdência, antes de sua transformação em estatutário, para fins de aposentadoria: o cômputo do tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente quando da sua prestação: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 359.” [8]


Assim, os servidores estatutários viram-se perante a lacuna técnica deixada pelo legislador, não tendo mais o reconhecimento das atividades insalubres, penosas, perigosas por eles exercidas, fato este que vem suscitando grandes discussões no Poder Judiciário, pois, primordialmente todos os pedidos efetivados com tal intenção vinham sendo indeferidos sob a justificativa de que a Constituição Federal não adjudicou esse direito em sua origem, apenas deixando uma faculdade ao legislador de cunhar outro tipo de aposentadoria para as pessoas que se apresentassem em tais condições.


“Servidor público do Distrito Federal: inexistência de direito à aposentadoria especial, no caso de atividades perigosas, insalubres ou penosas. O Supremo Tribunal, no julgamento do MI 444-QO, Sydney Sanches, RTJ 158/6, assentou que a norma inscrita no art. 40, § 1º (atual § 4º), da Constituição Federal, não conferiu originariamente a nenhum servidor público o direito à obtenção de aposentadoria especial pelo exercício de atividades perigosas, insalubres ou penosas; o mencionado preceito constitucional apenas faculta ao legislador, mediante lei complementar, instituir outras hipóteses de aposentadoria especial, no caso do exercício dessas atividades, faculdade ainda não exercitada.” [9]


Perante tal problema, fora impetrado pela primeira vez, aparelho hábil ao reconhecimento da existência da lacuna técnica e consequente resolução do presente conflito, sendo este o instrumento de mandado de injunção tombado sob o número 721-7 de DJ no dia 30.08.2007.


3- O MANDADO DE INJUNÇÃO AO CASO APOSENTADORIA ESPECIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS.


O mandado de injunção consiste em ação constitucional devida à ausência de norma regulamentadora para dispositivo que dela faça exigência, a qual impossibilita o exercício de direitos fundamentais, visando assim fazer uma supressão da lacuna técnica existente. Nas palavras do ilustre André Ramos Tavares:


“O mandado de injunção é uma ação judicial, de berço constitucional com caráter especial, que objetiva combater a morosidade do Poder Público em sua função legislativa-regulamentadora, entendida em sentido amplo, para que se viabilize, assim, o exercício concreto de direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionalmente previstos.”[10]


Ao caso aposentadoria especial dos servidores públicos fora apresentado em 2005, pela primeira vez, o instrumento de Mandado de Injunção, por uma servidora pública do Estado de Belo Horizonte, que exercia suas atividades laborativas na função de auxiliar de enfermagem a mais de 25 anos, sendo que junto a Fundação Sarah Kubitschek desde a data de 22 de Outubro de 1986.


A função de auxiliar de enfermagem deixa o seu executor a constante exposição a agentes nocivos a saúde uma vez que, se apresentam em permanente contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas. Assim, a servidora, em seu Mandado de Injunção, pleiteou que houvesse a supressão da ausência da norma regulamentadora do dispositivo constitucional de eficácia limitada pelas normas que regem o direito a aposentadoria especial perante os segurados do regime geral de previdência, garantindo-lhe assim também o exercício desse direito.


O resultado de tal pleito fora favorável a sua impetrante de forma unânime entre os votos dos Ministros do STF, onde houve o reconhecimento de forma mandamental da falha do Poder Legislativo quanto ao seu dever, decidindo assim, pela aplicação do disposto no artigo 57 da Lei 8.213/91, tendo esta um status de lei complementar.


Observe que, o Mandado de Injunção, além de declarar de forma mandamental a omissão legislativa, também compõe o direito ao seu peticionário, apesar de já ter existido muitas discussões acerca do conteúdo deste, consagrando por ora, as disposições do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, onde manifesta que, nesses casos o julgador deverá deliberar com base na analogia, costumes e princípios gerais de direito, a fim de extrair o estorvo existente, sem ir a desfavor do Poder Legislativo. Notemos as palavras de Paulo Hamilton:


“O mandado de injunção possui natureza mandamental constitutiva, pois estabelece prazo para elaboração da norma ordinária inexistente e após o transcurso do lapso temporal prevê o regramento para o caso concreto. Trata-se de ação mandamental para a declaração da ocorrência de omissão com mora na regulação do direito, liberdade ou prerrogativa outorgados pela Constituição. O Poder Judiciário exerce o juízo de equidade, ante a inércia do órgão competente e a consequente lacuna legal.” [11]


O julgador do mandado de injunção, também leva em consideração os seguintes princípios dos dispositivos legais:


 “LICC, Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.”


 “CPC, Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caberá aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”


Essa decisão dada ao MI 721-7 vem apoiar o princípio da isonomia, pois, duas classes de trabalhadores, que se encontram sujeitos as mesmas situação, devem estar sujeitas ao mesmo direito. Além disso, o emprego sucursal das regras do RGPS justifica-se também pelo fato de ser este regime possuidor de características muito aproximadas daquelas concernentes ao regime funcional, e, ainda, na própria Constituição Federal há assentamento expresso da ocorrência de tal possibilidade (art.40, § 12º adicionado pela EC 20/98). Os Tribunais já firmaram outros direitos aos servidores públicos se embasando no § 12º do art.40, CF., em diversas decisões[12].


4 A EFICÁCIA DA DECISÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO 721-7


Como já dito anteriormente, o referido mandado de injunção teve por decisão a determinação da aplicação subsidiária aos servidores públicos, das regras aplicadas àqueles segurados do regime geral de previdência. Tal decisão fora influenciada pela corrente concretista segundo a classificação de Alexandre de Morais[13], onde se tem por preocupação maioral à efetividade da decisão proferida via mandado de injunção.


Isso quer dizer que, a decisão do writ nessa corrente, tem por objetivo, além de declarar a existência de omissão judiciária, buscar solução hábil a implementar de alguma forma, o exercício do direito que por ora teve sua eficácia social impossibilitada pela omissão legislativa, não se restringindo somente ao reconhecimento e declaração da Inércia do Poder Legislativo.


Deste modo, o órgão competente para julgar o writ de injunção, ao asilar as argüições contidas em sua peça matriz, vem programar a eficácia social da norma de eficácia limitada garantidora de um direito constitucional, dando ensejo assim, a uma ação de percepção constitutiva, compondo o direito, através da aplicação da tutela jurisdicional adequada ao mandado. Estamos neste momento diante do afloramento dos princípios da efetividade e da instrumentalidade do processo, dando maior efetividade no plano prático à decisão.


Essa corrente concretista teve várias subdivisões, onde fora encontrada sob a forma individual e coletiva, destarte, a decisão do Mandado de Injunção concessivo da Aposentadoria Especial aos Servidores Públicos, organizou a eficácia desta com efeitos inter partes (decisão concretista individual), não abrangendo, porém, toda a sociedade, uma vez que, aqui não se trata de edição da norma faltante por ser, a decisão judicial, somente lei entre as partes.[14]


Os defensores dessa posição admitem que o Poder Judiciário venha fazer uma permuta extraordinária com o Poder Legislativo, atuando neste momento como legislador positivo, fazendo lei entre as partes. Diante disso, importante colacionarmos neste momento parte do voto do Ministro Marco Aurélio no MI 721-7/DF:


 “[…] Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento faz lei entre as parte, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando até mesmo, sujeito a condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo.”


Porém, apesar do posicionamento restritivo ser o mais comumente no STF, vale ressaltar que, já há decisões emitidas pelo instrumento da injunção, como por exemplo, o MI 708[15] que trata do direito de greve, primando pela eficácia de tal decisão não somente ao caso concreto, orientação essa albergada pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.


Segundo os referidos ministros, vem prevalecer neste momento que a regulamentação genérica emitida pelo judiciário deve ser aplicada erga omnes em decorrência da idéia de que, o poder constituinte teve por intenção prover a todos os atos processuais de controle de omissão a mesma eficácia, e sendo a ação direta de inconstitucionalidade de omissão e o mandado de segurança possuidores de eficácia plena e para toda a coletividade, o mandado de injunção consequentemente terá a eficácia de igual modo, sendo isso reforçado pelo fato de que o mandado de injunção tem sua regulamentação regida pelas regras do MS, conforme porventura já tratamos anteriormente.


Essa decisão de aplicação para todos, vem em favor do princípio a igualdade, que prima pela igual aplicação dos direitos aos cidadãos, e do princípio da segurança jurídica, que, segundo Canotilho, “se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.”[16]


Tal entendimento já fora abarcado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao caso aposentadoria especial dos servidores públicos, por ser esse direito também previsto na Constituição do Estado na mesma forma que a Constituição Federal, aonde veio alterar a resolução de mandado declaratório, em decisão também mandamental, com base na referida decisão de mandado de injunção emitida pelo STF, no entanto, concordando com a eficácia erga omnes do Mandado 708, o que faz entender que, os neste sentido também deve ser para os servidores federais e municipais.Vejamos:


 “Mandado de Injunção– Natureza jurídica de ação mandamental, e não de mera declaração de mora legislativa – Necessidade de se dar efetividade ao texto constitucional – Judiciário que, ao conceder a injunção, apenas remove o obstáculo decorrente da omissão, definindo a norma adequada ao caso concreto, não se imiscuindo na tarefa do legislador – Existência de um poder-dever do Judiciário de formular, em caráter supletivo, a norma faltante – Aplicação, por analogia, para o fim de contagem de tempo para aposentadoria especial, do quanto previsto no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios do regime geral de previdência social – Precedente, em caso análogo, do Colendo Supremo Tribunal Federal (MI 721/DF) que modificou, sobremaneira, o modo de o Excelso Pretório enxergar o alcance do mandado de injunção, superando a timidez inicial, como referido pelo próprio Relator, Eminente Ministro Marco Aurélio – Possibilidade de concessão de efeitos erga omnes, consoante o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no MI 708/DF, até e porque a decisão proferida em sede de mandado de injunção não se difere daquela prolatada no exercício do controle abstrato de omissões legislativas – Injunção concedida – Demais impetrações prejudicadas.”[17]


Assim, todos os servidores estaduais de São Paulo, a partir de então já detém do exercício do direito à aposentadoria na modalidade especial, sem que para isso tenha que acionar o judiciário, mas somente o requerendo administrativamente.


A eficácia erga omnes não vem ferir o princípio constitucional da independência e da harmonia entre os poderes por conta da intervenção do Poder Judiciário na obrigação exclusiva do Legislativo. Muito pelo contrário, uma decisão nesse sentido vem atender ao princípio do Estado Democrático de Direito, bem como o princípio de freios e contra pesos, onde não se faz possível uma separação absoluta por ser essa interligação o instrumento de controle. Além disso, neste momento estaria o Poder Judiciário na destreza de sua jurisdição de contorno alargado.


Na formulação supletiva da norma regulamentadora o Judiciário está exercendo função normativa e não legislativa, assim, não há de se falar em lesão ao princípio da separação dos poderes. Além disso, essa decisão visa a certeza do direito garantido ao cidadão por via de Constituição Federal. Um pensamento contrário a este viria a resultar em uma confusão no que diz respeito à ordem pública do Brasil, imolando os direitos dos servidores, desrespeitando a própria Carta Magna, que tem por desígnio específico a promoção do bem de todos os cidadãos deste País.


Esse novo entendimento acerca da eficácia da decisão via mandado de injunção, deve ser considerado para todos os MIs, não podendo tal ser abominável ao mandado de injunção interposto sob o direito a aposentadoria especial dos servidores públicos. Dessa forma, todos os servidores públicos do país estariam aptos a exercerem esse direito, caso venha preencher os requisitos necessários para tal, conforme disposição da lei 8.213/90, lei dos benefícios da previdência social.


Ainda, a eficácia erga omnes diminui a opção pelo Judiciário e ajudaria a Suprema Corte com o problema da morosidade, uma vez que as decisões administrativas se adequariam a leitura constitucional do artigo 40, § 4º à decisão do STF, não necessitando mais do writ de injunção para o percebimento da aposentadoria especial, havendo uma expansão desse direito social que seria concedido administrativamente a partir de então.


Assim, veríamos diminuído o grande número de interposições desse writ, como já vem ocorrendo e tende a aumentar se continuar evitando a nova determinação eficacial da decisão de injunção, uma vez já ter sido introduzido o MI 758-6 julgado em julho de 2007 obtendo o resultado de igual conteúdo do seu antecessor; e os MIs 871, 872 e 894, ainda não julgados, mas que consequentemente terá a mesma linha.


5. CONCLUSÃO


É imperioso dar efetividade ao escrito constitucional, e não negar vigência ao artigo 40, § 4º, por conta da ausência de lei regulamentadora exigida por essa norma de eficácia limitada. Não se deve defender o entendimento de que até o advento da norma regulamentadora os segurados do Regime Próprio de Previdência devam ser prejudicados em um direito estabelecido mediante a Constituição Federal, por conta do descumprimento de sua função por parte do Poder Legislativo.


O que se deve entender é que os servidores não podem ser penalizados pela mora à qual não deram causa, devendo ser aplicados os parâmetros estabelecidos para o Regime Geral de Previdência Social aos servidores públicos, de forma subsidiária, até que venha a ser editada a lei complementar específica, sendo este o entendimento unânime da suprema corte.


A própria Constituição de 88, em seu artigo 40, § 4º, estabelece que deve ser observado os requisitos e critérios do regime geral de previdência, no que couber, aos servidores públicos. Essa própria remissão deixa claro o intuito do constituinte derivado de não prejudicar o segurado de qualquer regime pela lacuna do ordenamento.


À decisão do STF no MI 721-7 que nos trouxe o entendimento acima, apesar de originar a demonstração de uma eficácia apenas para as partes do processo constitucional em referência, em obediência ao princípio da igualdade e segurança jurídica, somente podemos entender que a decisão de um mandado de injunção interposto com o fito de suprir a lacuna técnica existente em norma constitucional, tenha eficácia para toda a sociedade, sendo esse entendimento já manifestado no STF em algumas decisões em mandado de injunção.


Isso marcaria o início do reconhecimento da situação existente em vários servidores, seja ele municipal, estadual ou federal, garantindo a diminuição de seu tempo de serviço, quando exercido em condições de insalubridade, periculosidade ou penosidade.


 


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Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade da norma constitucional, p.101.

[2] Vale aqui acentuar que neste contexto, o funcionalismo público não se encontrava ainda submetido ao regime jurídico único, existindo assim servidores celetistas, que na ocorrência de atividades especiais, viam-se protegidos pelas garantias conferidas aos segurados do RGPS por assim serem, garantias essas que foram sendo desfrutadas até o advento do novo estatuto do servidor público, o qual veio por abolir tal possibilidade.

[3] A lei Complementar é imposta aos direitos em que a Constituição Federal trouxe sua previsão, mas, não o regulamentou, devido às possibilidades de modificações que com o passar dos tempos pudesse ser necessárias, o que seria inviável à Constituição. (MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. p. 593).

[4] § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) […]

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

[5] MEDINA, Damares. Descanso Especial: A contagem de tempo de serviço de servidor público para aposentadoria. Disponível em <http://www.damaresmedina.com.br/index.php?secao=secoes.php&sc=98&id=73&url=pg_artigosabrir.php&sub=MCw5OA==&sc2=11>. Acesso em: 07 set. 2008

[6]  Os benefícios previstos pela Constituição Federal em seu artigo 40 são conferidos aos Servidores Públicos efetivos, o qual engloba os Civis, Federais, Militares, Parlamentares, Membros do Poder Judiciário, Servidores Estaduais e Municipais, excluindo os servidores de cargo de comissão, temporários, eletivos e os empregados públicos submetidos à Consolidação das Leis do Trabalho, além dos inativos

[7] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 468.

[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Agravo regimental no recurso extraordinário, nº 464.694/PR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado no DJ de 27.04.2007, p. 370.

[9] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Agravo retido no recurso especial, nº 428.511, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado no DJ de 17-3-06, p. 765.

[10] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 939.

[11] SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. O direito processual constitucional, p. 340.

[12] Um exemplo de decisão neste sentido foi o emitido pela Turma Regional de Uniformização da 1ª Região,em Pedido de Uniformização de Jurisprudência nº 200438007051220/MG, de Relator Carlos D’Avila Teixeira,e Diário Eletrônico 31/01/2008.

[13] MORAIS, Alexandre de. Op. Cit., p.136.

[14] Por sua vez, tal posição também é subdividida em direta e indireta, sendo que, a concretização dos efeitos da decisão do MI 721-7 assentada por Marco Aurélio nos foi apresenta de forma direta surtindo efeitos com a própria decisão, a partir da data da publicação desta, ou seja, ex nunc, não necessitando de qualquer posterior rogação judicial.

[15] STF. Mandado de injunção 708-0. Distrito Federal. Relator Ministro Gilmar Mendes. DJ em 25.10.2007.

[16] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 380.

[17] TJSP. Mandado de injunção 168.151.0/5-00. Rel. A. C. Mathias Coltro, Data do Julgamento 07.04.2009.


Informações Sobre o Autor

Andréa Jesus Gama

Advogada, Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito em São Paulo


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