Resumo: Este estudo buscou aplicar na lei uma interpretação de acordo com conceitos clássicos já consolidados pela doutrina, a fim de melhor entender e explicar a viabilidade da aplicação da autonomia de vontade nos contratos e vantagens daí advindas. A abordagem das prováveis soluções para conflito de leis será estudada de acordo com a razoável aplicabilidade da autonomia contratual entre as partes e a sua previsão no ordenamento jurídico pátrio e do MERCOSUL, analisando o plausível emprego nos contratos da Lei 9.307/96, sobre arbitragem, o acordo sobre arbitragem comercial no MERCOSUL, a Convenção Interamericana sobre o direito aplicável aos contratos internacionais e o Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição internacional em matéria contratual civil e comercial.
Palavras-chave: autonomia de vontade. contratos. mercosul. legislação brasileira
Abstract: The present study sought to apply in law an interpretation of agreement with classical concepts that had been already bound the doctrine in order to better understand and explain the issue of autonomy of will be or not be applicable to the contracts of international law, specifically those in the fields of MERCOSUR. The approach of the probable solutions to the conflict of laws will be investigated according to the reasonable applicability of contractual autonomy between the parts and their forecasting in national laws and MERCOSUR, analyzing the plausible use of the Law 9.307/96, about arbitration, and the International Commercial Arbitration Agreement of MERCOSUR, the Inter-American Specialized Conference on Private International Law, and the Protocol of Buenos Aires on international jurisdiction in civil and commercial contractual matters.
Keywords: autonomy. contracts. Mercosur. Brazilian legislation
Sumário: Introdução; 1. Contratos internacionais; 2. Autonomia de vontade nos contratos internacionais; 3. Contratos internacionais e o mercosul. Considerações finais e referências.
Introdução
O presente estudo corresponde ao Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito, onde busca encontrar alternativas para definir o direito aplicável nos contratos internacionais no âmbito dos países envolvidos no Mercado Comum do Sul – MERCOSUL – sendo ou não admitida a hipótese de autonomia de vontade das partes na relação contratual. Para que seja encontrada a possível solução para o problema faz-se necessário o estudo e interpretação das normas para aplicação das legislações envolvidas, sejam as de direito internacional privado ou público, tratados e das legislações pátrias dos países envolvidos.
A pesquisa terá como objetivo o estudo da importância da possibilidade do ajustamento da vontade das partes ao determinar o foro e a lei aplicável ao caso concreto, tendo como finalidade a análise da solução do mencionado conflito. Sendo a determinação da lei aplicável o fator categórico para a previsão do direito aplicável e vice-versa já que caso a lei autorize a autônima para escolha da lei aplicável está pode não autorizar a autonomia das partes.
Conceitua-se contrato internacional como um acordo que possui a manifestação de vontades entre dois ou mais Estados ou sujeitos internacionais. Com a expansão do comércio internacional, o desenvolvimento tecnológico proporcionando uma maior comunicação entre distantes acarretou um aumento de contratos envolvendo partes de territórios diferentes gerando contratos de âmbito internacional.
A natureza destes contratos é diferenciada em relação aos contratos de direito interno, destacando para o que tange quanto à lei aplicável com a possibilidade de ser definida pelas partes envolvidas com o contrato, evidenciando a teoria da autonomia da vontade das partes envolvidas de autorizar o ajuste de suas intenções às disposições contratuais, local do cumprimento, modo de pagamento, lei aplicável e foro competente.
O estudo também se justifica pela importância do tema diante das negociações que envolvem os países do MERCOSUL, em especial os particulares sujeitos de direitos e obrigações. Os contratos internacionais apresentam uma relevante participação no cenário do comércio internacional, o que muito contribui para o desenvolvimento dos Estados e empresas.
Em 1991 foi assinado o Tratado de Assunção, que originou o Mercado Comum do Sul com o intuito de permitir a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, objetivando sempre o processo e integração econômica, cultural, jurídica e política de tais Estados conforme o disposto em seu artigo primeiro. Em sentido amplo o contrato pode ser definido como um ato jurídico bilateral e no âmbito internacional como sendo a representação de um acordo de vontades entre duas ou mais partes, sendo uma estrangeira.
O problema para a realização destes contratos no âmbito do MERCOSUL é a determinação da lei aplicável ao caso concreto e o órgão competente para o julgamento. Podendo ser a escolhida por autonomia das partes ou por ser a determinada pelo ordenamento jurídico de cada país, ou ainda podendo ser a imposta por alguma Convenção, Protocolo ou Tratado que tenha sido ratificado por algum dos países relacionados ao contrato de compra e venda em questão.
No MERCOSUL não existe ainda uma norma única que trata da determinação da lei aplicável à contratação mercantil internacional ou regrando o princípio da autonomia das partes de ajustarem suas opções, ocasionando um resultado negativo para o avanço do próprio bloco econômico. Logo gerando um risco a que se submetem as partes de um contrato por ser imprevisível o resultado em caso de um incidente entre as partes participantes do contrato.
Dentre as plausíveis soluções para o conflito em questão está a aplicação do
Protocolo de Buenos Aires aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro por meio de
Decreto Legislativo número 129, de 05 de outubro de 1995 e promulgado executivamente pelo Presidente da República mediante o decreto número 2095, de 17 de dezembro de 1996. Este regula a jurisdição contenciosa internacional relativa aos contratos internacionais de natureza civil ou comercial celebrados entre particulares, pessoas físicas ou jurídicas. Definido a jurisdição aplicável, autorizando a autonomia de vontade quanto ao foro aplicável.
O preceito geral das obrigações é, na regra do direito internacional privado brasileiro, o da lei do país em que elas se constituírem artigo 9º da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro, para presentes sendo que para os contratos a lei a aplicar é a do país em que residir o proponente, para os ausentes.
Por outro lado, a utilização do processo de arbitragem regulado pela Lei 9307/96 em seu artigo 2º que autoriza a autonomia da vontade das partes para ajuste das regras a serem aplicadas nos contratos internacionais de comércio. Reafirmado pelo Decreto 4719 de 04 de junho de 2003, em que foi ratificado o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL de Buenos Aires de 23 de julho de 1998.
Confere-se importância ao tema sub-examine, pela sua relevância frente às relações bilaterais, principalmente pela necessidade da construção de uma gnosiologia jurídica, visto a bibliografia existente ser pouco expressiva para uma tranquila tomada de postura jurídica e judicial.
1 CONTRATOS INTERNACIONAIS
1.1 HISTÓRICO
As necessidades emergentes das atividades mercantis ao decorrer da história e do mundo fizeram surgir a justificativa de uma regulação obrigacional no âmbito jurídico internacional. O contrato internacional por possuir elementos ou partes de diferentes nacionalidades impõe métodos para regular essas transações e circulação de mercadorias frutos de negócios que decorrem da mobilidade do sistema economico mundial. Irineu Strenger[1] dispõe a respeito do tema:
“O contrato internacional, por seu turno, é necessariamente extraterritorial, ainda que as partes tenham a mesma nacionalidade, O que importa, nessa hipótese, são os fatores decorrentes, em toda a sua amplitude, da domiciliaridade e dos sistemas jurídicos intervenientes. Durante o extraordinário crescimento do comércio internacional de 1950 a 1970, os esforços foram dirigidos para a estruturação jurídica de numerosas inovações da prática, tais como os contratos de transferência de tecnologia, os contratos de cooperação industrial, os contratos associativos (empresas conjuntas), os contratos de financiamento”.
A teoria do contrato internacional foi denominada pela comparação dos méritos respectivos do método conflitual, do método de direito material e, sobretudo, pelo questionamento a respeito do pluralismo de ordenamentos jurídicos e sobre a existência de uma ordem jurídica privativa dos agentes do comércio internacional, a lex mercatoria[2].
As necessidades de estruturar a lex mercatoria, estabelecendo os princípios de funcionamento do sistema, fizeram passar para plano secundário os problemas de interpretação. Mas, agora testada, passa pelo crivo da crítica, constituída pelos problemas de interpretação, especialmente porque esses problemas se multiplicam.
Na verdade, a crise que atingiu o sistema mundial, agravada a partir de 1974, tornou problemática a execução dos numerosos contratos celebrados no otimismo do crescimento e ainda em fase de cumprimento. Os contratantes tornaram-se muito mais atentos em relação a interpretação dos compromissos assumidos.
1.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O direito internacional privado, via de regra, não fornece uma noção de contrato internacional que leve em consideração todos os seus aspectos, preocupando-se apenas com sua conexão a determinada ordem jurídica, nacional ou internacional. A disciplina, tem deixado de lado qualquer exame relativo ao seu conteúdo, como se o contrato internacional consistisse em mera projeção externa da categoria equivalente encontrada no direito interno. Na lição de Antonie Kassis[3]:
“No contexto do direito internacional privado, a internacionalidade de um contrato caracteriza-se, classicamente, pela presença de elemento que o vincula a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais. Assim, por exemplo, é internacional o contrato cujas partes têm domicílio (ou estabelecimento) em países diversos, ou cuja obrigação deve ser executada em país diverso daquele em que o contra firmado.”
A dificuldade em apresentar um conceito homogêneo dos contratos internacionais, que seja reconhecido de forma pacífica em todos os Estados é tão grande que muitos ordenamentos jurídicos preferiram tratar os contratos examinando o caráter internacional segundo o caso concreto que se apresenta, segundo Rosane Silveira[4]. Esse tratamento, no entanto, permite empregar uma carga muito grande de subjetividade na interpretação do contrato, o que, de algum modo, pode gerar demasiada incerteza nas relações jurídicas.
Para a mesma autora, Rosane Silveira[5] “os contratos internos se realizam dentro dos limites de um país e se sujeitam às normas deste, tendo pelas mesmas reguladas sua formação e seus efeitos jurídicos, os contratos internacionais não se sujeitam a um sistema jurídico apenas”. Pelo contrário, levando em conta o domicílio ou a nacionalidade das partes contratantes em países diversos, o lugar da celebração do contrato ou de sua execução, a obrigatoriedade da entrega da mercadoria ou prestação de serviços em países estranhos, podem provocar a aplicação de leis outras que não a do direito interno de um determinado país ou Estado. Heloisa Assis de Paiva[6] preleciona:
“O contrato internacional é regido pelo direito interno ou por normas formuladas pelas partes, que podem ter origem consuetudinária e corporativista, como a nova lex mercatória, e se encontram relacionados intimamente com a economia e a política, sujeitando-se conseqüentemente às alterações destas.”
Tendo em vista a diversidade jurídica do mundo contemporâneo, bem como a importância e especificidade das operações de comércio internacional, a qualificação do contrato como internacional não reveste importância secundária, dados os reflexos que possui na determinação do direito que lhe será aplicável.
Lauro Gama[7] contempla em sua obra:
“Porém, é equivocada – ainda que sedutora -a idéia de caracterizar o contrato como internacional pela mera possibilidade de escolha de uma lei estrangeira para discipliná-lo. Na realidade do ponto de vista lógico e teleológico, a possibilidade de aplicação do direito estrangeiro ao contrato está condicionada à internacionalidade da situação e não o contrário, não podendo ser considerada, por si só, como fator de internacionalização do contrato. Com efeito, “não é a submissão a lei estrangeira que confere o caráter internacional ao contrato é exatamente o contrário, o caráter internacional de um contrato tipifica a aplicação da lei da autonomia; dentro de uma ordem é a internacionalidade de um contrato que comanda o direito ler a lei que o governará e não o inverso”.
No ensinamento de Rodas[8]:
“Os diferentes sistemas jurídicos dos diversos Estados divergem muitas vezes não só quanto à qualificação de tal ato jurídico, como também no que se refere às normas internas de cada um, consagrando não raro critérios diferentes para a solução de litígios decorrentes do cumprimento e até mesmo da interpretação dos contratos.”
Em sede de contratos internacionais, vários são os elementos que podem vinculá-los a sistemas jurídicos definidos. Como já visto, o domicílio e a nacionalidade dos parceiros comerciais, o lugar do contrato, o lugar do cumprimento da obrigação, são elementos preestabelecidos pela norma de Direito Internacional
Privado ou pela vontade das partes, indicando, através de cláusula específica, a lei aplicável ou a decisão arbitral. Nádia de Araújo[9] relaciona a característica dos contratos internacionais:
“O que caracteriza o contrato internacional é a presença de um elemento de estraneidade que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais. Por exemplo, basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país, para ser cumprido em outro. Nesses casos, as partes podem procurar prever situações futuras, estabelecendo regras de direito substantivo no bojo do contrato, para resolver essas situações, e ainda procurar determinar onde e como o litígio dali decorrente será julgado através de cláusulas de foro e de arbitragem.”
José Alexandre Rangel dos Santos[10] visualiza a distinção entre contratos internos e internacionais adotada no Brasil segundo a qual a intenção das partes deve ser levada em consideração para apreciar-se a validade das cláusulas do contrato. O objetivo da distinção dos contratos adotados pela referida doutrina se deu em virtude da necessidade de se procurar atenuar o rigor da proibição das cláusulas monetárias relativas a certas relações jurídicas com elementos de estraneidade.
Irineu Strenger11 apresenta algumas particularidades dos contratos internacionais como que nos contratos prepondera a vontade negocial sobre os aspectos juridicos sendo instrumento multidisciplinar. Para uma melhor análise desses contratos mister apreciá-los de acordo com os princípios do UNIDROIT.
1.3 PRINCÍPIOS
No âmbito deste trabalho seria impossível analisar, individualmente, todos os 185 artigos dos Princípios do UNIDROIT, Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado, que regra os princípios norteadores dos contratos internacionais. Logo serão comentados aqueles artigos que constituem princípios fundamentais dos contratos comerciais internacionais, definindo seus principais contornos:
a) Princípio da liberdade contratual: As partes são livres para celebrar um contrato e determinar o seu conteúdo. Em definição sucinta, o princípio da liberdade contratual, que segundo Orlando Gomes[11] “significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”. Para Lauro Gama[12]:
“Constituem pilares de sustentação do princípio da liberdade de contratar a idéia da igualdade de todos perante a lei (igualdade formal) e a de liberdade do indivíduo na esfera do direito, suportadas pela crença, ainda influente, de que os mercados de capitais e de trabalho devem funcionar livremente de condições. Daí a conclusão que reduz a estrutura do contrato — grande instrumento da autonomia privada — ao puro acordo de vontades”
b) Princípio do consensualismo: É o princípio da liberdade de forma e de prova que reflete a libertação da generalidade dos contratos da observância de determinada forma ritual, admitindo que se concluam mediante o simples consentimento dos contraentes.
Os contornos do princípio de liberdade de forma, que caracteriza os direitos modernos, foram assim traçados por Enzo Roppo[13], que também sublinha o poder criador da vontade:
“A proposta e a aceitação de um contrato (e em geral as declarações de vontade) podem, em princípio, ser expressas de qualquer modo: com palavras escritas, com palavras faladas, até com um comportamento concludente que prescinda das palavras. Exige-se apenas que o modo de expressão, escolhido pelo declarante, manifeste ao destinatário, de modo adequado e por ele inteligível, a vontade de concluir o contrato e o conteúdo que a este se tenciona dar.”
c) Princípio da força obrigatória do contrato: regra que foi concluído e é válido resultando na vinculação entre as partes contratantes. Podendo estas, somente de comum acordo, modificá-lo ou extingui-lo de acordo com suas disposições.
Historicamente, o pacta sunt servanda é o respeito à palavra dada e o dever da veracidade justificam a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, segundo Orlando Gomes[14] que sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido o contrato.
d) Princípio da primazia das regras imperativas: Na conclusão de Lauro Gama Jr.[15], “estes Princípios não limitam a aplicação de regras imperativas, de origem nacional, internacional ou supranacional, aplicáveis segundo as regras pertinentes do direito internacional privado”.
No plano interno, o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro reputa ineficazes “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. No plano internacional, o artigo 11 da Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais (México, 1994) dispõe, em igual sentido, que: “(…) aplicar-se-ão necessariamente as disposições do direito do foro quando revestirem caráter imperativo”, estabelecendo ainda que “ficará à disposição do foro, quando este o considerar pertinente, a aplicação das disposições imperativas do direito de outro Estado com o qual o contrato mantiver vínculos estreitos”.
e) Princípio da boa-fé e lealdade negocial: No Brasil, o artigo 422 do novo Código Civil estabelece como obrigação, expressa dos contraentes a probidade e a boa-fé (objetiva). As partes devem proceder em conformidade com as exigências da boa-fé no comércio internacional. A boa-fé objetiva, cuja noção abrange, dentre outros elementos, a transparência do contrato desde a oferta, a proibição de publicidade enganosa ou abusiva, e o dever de informar (e os correlatos dever de guardar sigilo sobre informações confidenciais e o direito de acesso a informações), conforme Teresa Negreiros[16] .
f) Vedação do venire contra factum proprium : “Uma parte não pode agir em contradição com uma expectativa que suscitou na outra parte quando esta última tenha razoavelmente confiado em tal expectativa e, em conseqüência, agido em seu próprio detrimento” segundo Lauro Gama Jr.e ainda preleciona18:
“Veda-se, portanto, que a parte venha contra fato próprio após haver incutido expectativa razoável em outrem de boa-fé, que age em conseqüência de tal comportamento, em seu próprio detrimento, Assim, por exemplo, o caso do contratante que continua a entregar mercadorias fora dos prazos ajustados, nada obstante as penalidades previstas no contrato, em virtude da aceitação do credor que, depois de um ano, insurge-se inopinadamente quanto ao suposto atraso e insiste na cobrança das multas devidas.”
Na lição de Ruy Rosada[17]:
“A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição.”
g) Princípio da primazia dos usos e práticas: No Brasil, por exemplo, a doutrina civilista advoga a incorporação ao conteúdo do contrato dos usos contratuais, assim entendidas as práticas comumente observadas pelos contraentes. Contudo, essa incorporação apenas opera efeitos quando resulta de acordo entre as partes visando à sua aceitação, no entender de Orlando Gomes[18].
Os Princípios destinam-se para substituir o direito aplicável, suprir suas lacunas ou, simplesmente, conferir fundamento internacional às regras do direito interno. Em casos apreciados pelo judiciário brasileiro, as eventuais deficiências ou impossibilidades apresentadas pelo direito (nacional ou estrangeiro) aplicável deverão ser supridas mediante o emprego dos recursos previstos na lex fori, incluindo a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito[19]. Para destacar sua relevância vale lembrar o ensinamento de Eros Grau[20], segundo a qual:
“A interpretação do direito tem caráter constitutivo – não meramente declaratório, pois – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção (concretizar) ao direito.”
Mais importante ainda é o papel que os Princípios podem exercer como meio de interpretação, complementação e justificação do direito nacional aplicável ao contrato internacional assim como os elementos de conexação destes contratos.
1.4 ELEMENTOS DE CONEXÃO
O elo que liga um contrato ao respectivo direito que deverá ser aplicado é representado pelos elementos de conexão do ordenamento jurídico regente. Conforme modifique o sistema jurídico do contrato regente o valor dos elementos sofrerá variação. A maior ênfase dos elementos de conexão é aplicada quanto ao domicílio e a nacionalidade. Rosane Silveira[21] aborda o presente tema:
“O critério da nacionalidade, que se apresenta em franco declínio, determina que, havendo uma relação jurídica, deve-se aplicar a ela a lei da nacionalidade dos contratantes. Esse elemento de conexão, no entanto, esbarra em algumas dificuldades, como a grande mobilidade das pessoas, que faz com que elas, na maioria das vezes, não permaneçam atreladas ao lugar em que nasceram, como também o fato de ser um conceito que permite grande diversidade de tratamento de um ordenamento jurídico para outro, haja visto que compete a cada Estado definir a condição de nacional ou estrangeiro dos indivíduos, o que faz com que algumas pessoas apresentem mais de uma nacionalidade, bem como alguns não apresentem essa condição de nacional.”
Os ordenamentos jurídicos da América Latina passaram então a adotar como elemento de conexão padrão o critério do domicílio procurando proporcionar segurança às partes contratantes. “A definição de domicílio pode ser dada por tratados internacionais, bem como pela lei do foro, que nesse caso remeterá o intérprete ao conceito empregado para domicílio, no âmbito do direito nacional”, conforme Walter Rechsteimer[22].
A legislação nacional representada pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, em seu artigo 7º adota a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. O artigo 8º do mesmo dispositivo indicado regra a lei aplicável quanto a situção dos bens corpóreos que diz que para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados[23].
Para Luis Olavo Baptista26, as regras de Direito Internacional Privado, no Brasil, apontam como elementos de conexão para o lugar de formação dos contratos e o de sua execução, conforme o artigo 9º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro diz que para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem27.
A manifestação da vontade da realização contrato não é condição de eficácia do mesmo no mundo jurídico. Para tanto, faz-se necessário o preenchimento de pressupostos ou requisitos de para tal. Dentro do plano jurídico é avaliado se a manifestação de vontade sofreu alguma interferência no consentimento, o que consistiria em um contrato viciado; ou se o objeto do contrato em questão é lícito, se foi aplicada a forma correta exigida, ou ainda uma avaliação da capacidade das partes.
Conforme regra o artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, as normas aplicáveis quanto à capacidade postulatória das partes contratantes será definida pelo sistema jurídico do domicílio das mesmas. Quanto ao conteúdo do contrato, este deverá ser regrado conforme o ordenamento jurídico do local em que foi proposto. No caso de contrato entre ausentes então será a lei do domicílio do proponente. Na opinião de Irineu Strenger28, a lei a ser aplicada não é a do lugar da contratação, ou da execução do contrato, mas conforme opinião de Luiz Olavo Baptista29, a indicada pelas partes, privilegiando-se a autonomia da vontade dos contratantes. Exceção a regra da aplicação da lei do domicílio anteriormente disposta é no caso da pessoa física obrigar-se por meio de letra de câmbio, nota promissória ou cheque. O direito aplicável nesses casos será o do elemento conectivo da nacionalidade. A justificativa de tal procedimento é de o Brasil ter ratificado as Convenções pertinentes à regulamentação em Matéria de Cheques (73-1931), e a referente a Conflitos de Leis em Matéria de Letras de Câmbio e Notas
Promissórias (7-9-1930), promulgadas, respectivamente, pelos Decretos números 57.595, de 7-1-1966 e 57.663, de 24-1-1966. O objeto do negócio pode não ser previsto na legislação do local em que será executado o contrato. O que procura esclarecer Rechsteimer[24]:
“O juiz, ao julgar uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, aplica sempre as normas de direito internacional privado da lei do foro (lex fori). Essas normas resolvem, essencialmente, conflitos de leis no espaço, isto é, determinam qual o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. Se for aplicável o direito estrangeiro, o direito internacional privado da lex fori, em princípio, não leva em consideração o conteúdo desse direito. Em toda a parte do mundo, porém, os juízes não aplicam o direito estrangeiro, embora sendo o aplicável, se este viola, in casu, a ordem pública”.
Quando a Lei estrangeira oferecer uma ofensa a ordem pública ou aos princípios, o juiz deverá respeitar o sistema jurídico nacional e afastar a lei estrangeira. Regra o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas Brasileiras do Direito que as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
2 AUTONOMIA DE VONTADE NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
As origens da doutrina da autonomia da vontade nos contratos podem ser encontradas no Direito bárbaro, sob a forma de professiones legis ou juris, que possibilitava ao indivíduo mencionar a nação a qual pertencia, o que implicava em indicação sua lei. Essa declaracão, embora pudesse se repetir a inúmeras vezes, conforme as circunstâncias o exigissem, não constituía uma escolha da parte, mas uma simples constatação de um fato independente de sua vontade vontade.
Já no período estatutário, Dumoulin[25] pregava a soberania da vontade das partes. Segundo ele, a pesquisa da vontade das partes induzia à submissão do contrato ao direito do lugar em que fora estipulado; o modo de execução obedeceria à lei do lugar estabelecido no contrato para a referida execução; na hipótese de relações obrigacionais, em que faltasse estipulação expressa no contrato, deveria ser a lei do domicílio a que se considerasse eleita pela vontade presumida das partes, cabendo aos juízes apurar o sentido das disposições desejadas pelas partes, que passavam a partir daí a ter efeito universal.
No ensinamento de Tito Fulgêncio32 a jurisprudência francesa, no mesmo século, atribuiu grande desenvolvimento à doutrina, aplicando-a com referência aos atos jurídicos, tanto às regras imperativas quanto às facultativas. Estabelece Irineu Strenger[26]:
“A tarefa do direito internacional privado é procurar qual a solução adequada para resolver um conflito de leis no espaço. Deve-se levar em conta, evidentemente, o problema da uniformidade legislativa, da condição jurídica do estrangeiro, da nacionalidade, dos direitos adquiridos, que constituem elementos essenciais de apreciação e compreensão das questões que se oferecem ao julgador ou intérprete, mas sem deixar de considerar um fundamento básico, que é o conflito das leis. “
Um dos maiores objetivos do direito foi sempre eliminar, o quanto possível, as situações conflitivas. O conflito de leis difere de todos os ramos do direito privado em conceito e conteúdo. Enquanto a razão de ser das derivações do direito privado se encontra em naturais atividades humanas e seus motivos, concernindo à regulação das funções sociais resultantes diretamente das relações humanas, os conflitos de leis têm sua origem na diversidade de leis existentes em vários sistemas legais e são produção artificial do próprio direito. Embora o problema não necessite a uma tipificação, há certos institutos jurídicos, evidentemente, que expressam com maior fidelidade as hipóteses em que pode ser considerada a vontade como elemento de relevância conceitual, ou mesmo gerador de direito.
Com efeito, o maior sustentáculo da lex mercatoria é a autonomia da vontade, porquanto ela se revela, a cada passo, mais atuante e mais receptiva, não só pela doutrina e jurisprudência, como pelo próprio direito positivo dos diferentes países.
Não há como negar que a ordem pública interna pode constituir obstáculo ao exercício da autonomia da vontade; mas, por outro lado, impõe-se considerar que as atividades concernentes ao comércio internacional são fortemente refratárias à ordem pública.
O processo de isolamento do comércio internacional continua, deve-se convir que começam a esboçar-se fortes tendências, nos direitos internos, em favor de liberação cada vez maior da vontade como fator inconstitucional de realização do direito.
Comporta, assim, estabelecer que a autonomia da vontade adquire foros de instituição, acomodando-se imperativamente nos contextos legais, que, submissos às inovações introduzidas pela realidade, acabam expressando dispositivamente essa liberdade como critério para a formação das relações jurídicas.
Tem sentido lógico e fundamento, a preocupação revelada por Orlando Gomes[27] em diferenciar a “declaração da vontade do ato de autonomia privada, este como empenho do sujeito ao regulamento e aquela como uma abertura para fugas estritamente subjetivas que incapacitam a compreensão dos intentos”, mas na raiz dessas considerações a vontade permanece sobreviva, visto que a aliança da vontade e da legalidade é geradora da noção jurídica e técnica de autonomia.
Leciona Irineu Strenger[28]:
“Fazer abstração da legalidade é desconhecer o sentido do princípio de autonomia, pois ela não se vincula aos indivíduos senão pela lei que lhe dá uma habilitação ad hoc. Exatamente a vontade socializada e legalizada é que devemos entender por autonomia. A sociedade e o legislador soberano que a representa diante do indivíduo formam a confiança deste a fim de que ele possa exercer sua vontade jurídica pelo bem comum.”
Assim, a autonomia da vontade no direito internacional privado corresponde, segundo a definição aceitável de Marcel Caleb[29]:
“A faculdade concedida aos indivíduos de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinação de uma lei aplicável a certas relações jurídicas nas relações jurisdicionais; deriva ela da confiança que a comunidade internacional concede ao indivíduo no interesse da sociedade e se exerce no interior das fronteiras determinadas, de um lado pela noção de ordem pública e, de outro, pelas leis imperativas, entendendo-se que, em caso de conflito de qualificação entre um sistema imperativo e um sistema facultativo, a propósito de uma mesma relação de direito, a questão fica fora dos quadros da autonomia, do mesmo modo que ela somente se torne eficaz na medida em que pode ser efetiva”.
Pontes de Miranda37, que além da sua dedicação ao Direito Civil escreveu um livro especialmente para o Direito Internacional Privado, ao discorrer sobre o tema atacou a teoria da autonomia da vontade. Entendia, verbis: “se a própria lei imperativa diz que as partes podem optar por outra lei, não perde, com isso, o seu caráter imperativo: a lei escolhida será lei-conteúdo, e nada mais do que isso.” Prosseguindo, para ele a autonomia da vontade não existia, nem como princípio nem como teoria aceitável. E alinha duas razões para o seu pensamento38:
“a) na parte de cogência, há uma lei aplicável, que poderá conferir à vontade, por estranha demissão de si mesma, o poder de desfazer tal imperatividade, quer dizer — um imperativo que se nega a si mesmo, que se faz dispositivo; b) fixados pela lei aplicável os limites da autonomia, dentro deles não há escolha de lei, há “lei” que constitui conteúdo, citação, parte integrante de um querer”. “Afastada a autonomia das partes como princípio fica de pé: a) que há Estado competente para dizer a lei aplicável às obrigações (contratuais, por declaração unilateral de vontade) e b) que, no caso de dois Estados interessados, existe um problema de pesquisa da lei a que se deve obedecer. Este problema ou se resolve pela observância sincrônica das leis dos Estados da nacionalidade dos obrigados, ou pela adoção, artificial, de um princípio de ajustação, no qual finalmente teríamos a lex contractus.”
Para Irineu Strenger[30] a escolha de uma lei competente constitui, pois, o objetivo essencial em razão do qual se exerce a vontade individual. A questão de direito positivo aplicável é acessória, pelo menos teoricamente, porquanto ela se reduz a uma simples interpretação do direito local ou do direito estrangeiro, segundo a lei escolhida pelas partes, e que em virtude de sua autonomia será a lei local ou a lei estrangeira.
2.1 A PREVISÃO DA CLAUSULA DE ELEIÇÃO DO FORO
A questão norteadora da presente análise remete à indagação: podem as partes, por convenção, modificar as regras de competência internacional do ordenamento jurídico brasileiro? A resposta é obtida através do filtro da previsão legislativa da competência internacional. As regras de processo possuem caráter imperativo, não podendo, por isso, serem modificadas pela vontade das partes. As hipóteses em que aquelas podem dispor são expressamente ditadas pelo legislador.
Assim é a previsão do artigo 111 do Código de Processo Civil Brasileiro:
“A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.
§1° – O acordo, porém, só produz efeito quando constar de contrato escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. §2º – O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.”
Algumas considerações devem ser feitas sobre o dispositivo mencionado. O legislador determina a natureza cogente da norma de compelência ditada em razão matéria ou das partes que integram a lide, nestes casos, não é admitida qualquer disposição que afaste do órgáo julgador fixado em lei, é a denominada competência absoluta. Já quanto a determinação da competência em razão do valor e do território – competência relativa – está-se a frente de verdadeiro permissivo legal que autoriza da disposição pelas partes do foro competente. É de se notar que a eleição, no contrato, do foro competente se restringe ao foro e não ao juízo. Nelson Nery Junior.[31] informa que:
“O sistema processual brasileiro não permite a escolha, pelas partes, do juízo que deve julgar as ações decorrentes das relações jurídicas entre eles. Somente o foro pode ser eleito, mas não o juízo, pois isto contraia o princípio constitucional do juiz natural.”
De modo que no contrato a cláusula poderá prever a jurisdição que resolverá a lide. Outro aspecto que não deve ser descuidado é quanto as vedações impostas pelo legislador em determinadas matérias. Nestes casos não é admissível a inserção da cláusula de eleição de foro, como é lembrado por Franceschini[32]:
“A liberdade contratual, da partes, nesse aspecto, encontra, porém, limites em preceitos vedativos específicos e em princípio de ordem pública que afetam, por exemplo, os contratos administrativos em que a União Federal seja parte, os contratos celebrados com falidos, aeronáutico e os contratos de tecnologia. Da mesma forma, pode ter sua expansão restrita ex vi dispositivos convencionais, tais como o encontradiço no art.318 do Código Bustamante.”
De modo que ainda que predomine na doutrina a aceitação da cláusula do foro de eleição, esta fica condicionada, em primeiro lugar, a não atentar contra o disposto no artigo 17 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiras, isto é, a soberania, a ordem pública e aos bons costumes. Em segundo lugar, a não infringir o disposto no artigo 89 do Código de Processo Civil Brasileiro que dispõe expressamente:
“Artigo 89 – Compete a autoridade judiciária brasileira, com exclusão de
qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil,
II – proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.”
Ou seja, fixar foro de eleição distinto do local onde está situado o bem imóvel, assim como, o FORO da partilha e inventário dos bens o autor da herança. No Código de Processo Civil Brasileiro, são determinadas hipóteses de competência concorrente e competência exclusiva, sendo sua diferença fundamental a possibilidade de naquela outra jurisdição dar decisões eficazes e executáveis no território nacional enquanto que na segunda, jamais se admite qualquer disposição de vontade.
O artigo 89 do Código de Processo Civil Brasileiro, supratranscrito, impede que qualquer outra autoridade judicial ou arbitral se manifeste naquelas matérias, sendo tal manifestação ineficaz no território brasileiro face ao caráter impositivo da regra.
Estão descritas no artigo 88 do Código de Processo Civil Brasileiro, as hipóteses em que o juiz poderá conhecer da lide, bem como, outro juiz estrangeiro. Nesse caso, a sentença proferida por este juiz deverá se submeter ao processo de homologação de sentença estrangeira, perante o Superior Tribunal de Justiça, para ter executividade no território brasileiro
Artigo. 88 – É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
“I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no
Brasil; II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.”
Ainda, há hipóteses em que o foro de eleição resulta em afronta à previsão constante na legislação esparsa tal como o artigo 7º, §2º da Lei de Falências, contratos de trabalho, artigo 651 e seus parágrafos da Consolidação das Leis Trabalhistas, o artigo 628 do Código Comercial ao tratar dos contratos de fretamento de navio estrangeiro, exequível no Brasil; no direito aeronáutico, o artigo 7º do Código Brasileiro do Ar, entre outros.
2.2. A AUTONOMIA DE VONTADE NO DIREITO BRASILEIRO
A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro vigente estipula, no artigo 9º: ‘Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. A lei do lugar da obrigação, segundo advertência de Oscar Tenório[33], “tem âmbito limitado à qualificação e à substância. A matéria da capacidade rege-se pela lei pessoal no Brasil, pela lei do domicílio. Mas há restrições à capacidade e que se regem, em certos atos sobre imóveis, pela lex rei sitae”.
O artigo 9º não exclui a aplicação da autonomia da vontade se ela for admitida pela lei do país onde se constituir a obrigação. Manda a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiras aplicar a lei do lugar do contrato.
Consta do parágrafo 2º do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, regra complementar: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Essa disposição mereceu os seguintes comentários de Oscar Tenório[34]:
“O preceito geral das obrigações é, na regra do direito internacional privado brasileiro, o da lei do país em que elas se constituírem, sendo que para os contratos a lei a aplicar é a do país em que residir o proponente.“O preceito cogita das obrigações convencionais. As demais obrigações dependem da lei do lugar onde contraídas, não se levando em conta a nacionalidade, o domicílio e a residência dos contratantes, seja qual for a posição das partes na iniciativa da proposta e da contraproposta. – “A regra geral do art. 9º da Lei de Introdução se aplica aos contratos entre presentes. Para os contratos entre ausentes, em face da existência de elementos diferentes de conexão e de difícil adaptação, o legislador tem de escolher um dado permanente, um elemento de fixação ou estabilidade. Manifestou-se favorável à lei da residência do proponente”. Na verdade, o art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução reproduz o art. 435 do Novo Código Civil, e assim só pode ser visto como regra de qualificação preliminar da questão de direito internacional privado. Eis o seu texto: “Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”.
Contudo, na opinião de Amílcar de Castro[35], foi mal colocado entre normas de direito internacional privado, deveria continuar entre as regras de direito privado, já que se refere diretamente à constituição da obrigação, sendo por isso mesmo direito primário. Há aparente divergência de redação, pois, enquanto o artigo 1.087 fala que o contrato celebrado no lugar em que foi proposto, o artigo 9º, § 2º, dispõe que a obrigação resultante de contrato se reputa constituída no lugar em que residir o proponente; divergência aparente, porque o verbo “residir” tem dois sentidos; significa estabelecer morada ordinária, morar, ter sede, mas significa também acharse, ser, estar, e com este último sentido se encontra no artigo 9, § 2. lugar em que residir o proponente, continua Amílcar de Castro, quer dizer lugar onde estiver o proponente. A pessoa pode ter residência, morada, no estrangeiro e propor contrato no Brasil; e o que o artigo 1.087 do Código Civil Brasileiro e o artigo 9º, § 2º, da Lei de Introdução têm em vista é o lugar onde foi feita a proposta. Se for feita no Brasil, aqui se considerará constituída a obrigação, e pelo direito brasileiro é que deverá ser regida no fundo e na forma. O parágrafo 2º não abre exceção, e sim apenas esclarece e confirma o que dispõe o artigo 9º, mantendo a mesma regra do artigo 13 da antiga Introdução ao Código Civil. Em resumo, para Franceschini[36]
“O Direito Internacional Privado brasileiro vigente não acolhe a autonomia da vontade como elemento de conexão em tema de competência legislativa relativa a contratos, podendo as partes contratantes, tão somente exercer sua liberdade contratual no âmbito das regras supletivas da lei aplicável imperativamente, determinada pela lex loci contractus”.
Devido as deficiências e imperfeições da atual Lei de Introdução para a regular matéria, que cresceu em complexidade com o aumento vertiginoso do comércio internacional.
3. CONTRATOS INTERNACIONAIS E O MERCOSUL
O Brasil integra o Mercado Comum do Sul desde 1991, o que implica alterações substanciais de ordem econômica, política e, também, jurídica. O MERCOSUL, insere os países signatários do Tratado de Assunção, em um processo de integração regional tendente à formação de um mercado comum, espécie de cooperação mais intensa que implica em fatores de trânsito: bens, serviços, pessoas e capitais.
O Mercado, na busca de atender a demanda jurisdicional decorrente do fluxo de serviços, bens e capitais almejado pelos parceiros, elaborou, através de seus órgãos institucionais, previsões normativas regulando os eventuais conflitos de lei no espaço. Tratou de disciplinar algumas matérias, ainda que não todas, e o fez através de protocolos, criando um tratamento diferenciado, nas ordens internas dos Estados membros, para o tratamento das demandas que versarem sobre conflitos no âmbito do Mercosul, como se analisará a seguir.
3.1 A LEI BRASILEIRA 9.307/96 E O ACORDO DE ARBITRAGEM NO MERCOSUL
A lei de arbitragem tem como principal objetivo regulamentar a resolução de litígios de forma extrajudicial, pois não é mais possível ficar esperando que a Justiça estatal solucione todas as pendências privadas.
Inspirada na Lei-Modelo da Comissão da Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional e na legislação espanhola de arbitragem, a lei brasileira seguiu a tendência contemporânea, também consagrada nos regulamentos de arbitragem de importantes câmaras internacionais, de assegurar às partes o mais amplo exercício da autonomia da vontade. Veja-se, por exemplo, a liberdade conferida às partes pelo artigo 2° da Lei 9.307/96, no que tange à eleição do direito aplicável à arbitragem: Art. 2° — A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. § 1° Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons
“costumes e à ordem pública. § 2° Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”
Evocando Bruno Oppetit[37], “em estudo comparativo entre a justiça estatal e a justiça arbitral, nota-se que entre elas, embora haja dualidade de legitimidade, há comunhão de ética e de fim; apesar da diversidade de vias e de meios, há unidade funcional”.
Já alertava Paulo Borba Casella[38] para a maior facilidade de utilização dos Princípios por parte de árbitros, pois na qualidade de técnicos, atentos ao conteúdo e coerência das normas que aplicam, estariam menos preocupados com a ausência de um caráter estatal, diversamente dos juízes, naturalmente tendentes a privilegiar o positivismo jurídico.
A partir da nova lei de arbitragem, que, em contratos internacionais ou internos, precisam ser consideradas em conjunto três cláusulas: a cláusula arbitral, que possibilita a utilização de meio extrajudicial, para dirimir os eventuais conflitos decorrentes do contrato, a cláusula de lei aplicável, que determina qual a lei que será aplicável ao contrato e a claúsula de foro, que estipula o lugar onde a ação será proposta, ou a arbitragem será realizada.
Em arbitragens internacionais, mesmo na ausência de autorização expressa das partes, permite-se que os árbitros fundamentem suas decisões em normas jurídicas estranhas a qualquer ordenamento estatal. Neste sentido, pontifica Lauro Gama Jr.[39]:
“Portanto, quando as partes não escolherem o direito aplicável ao mérito da controvérsia submetida à arbitragem, incumbirá aos árbitros fazêlo, de modo direto ou indireto, conforme sejam, ou não, utilizadas regras de direito internacional privado para estabelecer tal disciplina.”
Quanto a cláusula compromissória foi sempre pouco utilizada por ser considerada geradora, tão-somente, de uma obrigação de fazer, enquanto somente o compromisso poderia efetivamente obrigar as partes à arbitragem. Por isso sua inserção no contrato não tinha, até o advento da Lei 9.307/96, o condão de obrigar as partes à sua efetiva realização. Esclarece Nadia de Araújo[40]:
“A Lei 9.307/96 modificou esse quadro, estabelecendo que se entende por convenção de arbitragem tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral. Isso traz como conseqüência a obrigatoriedade da instituição da arbitragem quando houver urna cláusula compromissória. A partir de agora, sua inclusão no contrato impõe às partes mais do que uma obrigação de fazer, podendo-se iniciar a arbitragem forma compulsória, mediante requerimento do interessado, dirigido ao órgão competente do judiciário, que instituirá o juízo arbitral”.
Desta forma, a lei brasileira alinha-se ao direito já vigente em vários países, que consagram a obrigatoriedade da cláusula arbitral, com conseqüências diretas para as relações jurídicas internacionais. Isso porque nos contratos internacionais é comum haver uma tendência das partes em optar por uma lei aplicável neutra e escolher um foro também neutro, por temor de litigar no Estado da parte contrária. A escolha de um tribunal arbitral afasta boa parte da angústia causada pela incerteza jurídica das regras nacionais, pois esta é considerada uma forma de evitar os problemas advindos da insegurança ligada às soluções obtidas na justiça estatal.
Expressa ainda Nádia de Araújo50:
“No âmbito do direito interno, a arbitragem já está sendo um pouco mais utilizada, como se pode ver dos casos da jurisprudência brasileira. No entanto, no campo do direito internacional, só em 1999 o STF julgou alguns pedidos de homologação de sentença estrangeira, nos quais dirimiram-se as dúvidas sobre a aplicação da Lei 9307 para os laudos arbitrais estrangeiros, estando a questão da constitucionalidade da lei resolvida pelo julgamento da SE 5206. Antes da Lei 9307 era preciso proceder à dupla homologação do laudo arbitral, enquanto agora isso já não é mais necessário.”
Seguindo para a análise do Acordo de Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL, de 1998, doravante o Acordo, tendo em vista sua entrada em vigor em 2003. O Acordo representa um avanço na regulamentação da matéria no plano regional, mas em face da possível incompatibilidade entre o seu artigo 10 e a Lei de Arbitragem brasileira, sua aprovação se deu com reserva ao citado artigo. Além dos aspectos genéricos do acordo, na análise do artigo 10, que se refere especialmente à questões de interesse do direito internacional privado brasileiro.
O Acordo de Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL — Decisão CMC 3/98 (assim como o equivalente entre MERCOSUL, Chile e Bolívia — Decisão
CMC 4/98, que possui a mesma redação) foi negociado no âmbito da Reunião de Ministros de Justiça do MERCOSUL e aprovado na Reunião do Conselho do Mercado Comum em julho de 1998, em Buenos Aires.
Trata-se de uma verdadeira convenção internacional de arbitragem que, de maneira detalhada, estabelece regras e princípios para as arbitragens processadas em seu âmbito, sendo útil principalmente em um ambiente de multiplicação dos intercâmbios comerciais na região.
O Acordo procurou ser bastante abrangente, regulamentando aspectos de direito material e ainda aqueles aplicáveis ao procedimento arbitral, como os que regulamentam o exercício da missão do árbitro, a constituição e funcionamento do tribunal arbitral e as questões relativas à sentença arbitral.
O artigo 3° do Acordo regra o âmbito de aplicação espacial de forma muito ampla. João Bosco Lee[41] critica o citado artigo, que permite a utilização do Acordo desde que haja um tênue liame entre a situação os Estados-parte, enquanto acredita que o Acordo deveria regulamentar apenas as arbitragens entre membros do MERCOSUL. No entanto, isto pode ser contornado pela redação cuidadosa de uma cláusula contratual, através da qual as partes definam sua vontade de forma bastante específica.
Com relação à convivência entre o Acordo e a Lei de Arbitragem, pode-se afirmar que são compatíveis. A convivência entre os diplomas não vai gerar problemas por conta da reserva efetuada pelo governo brasileiro ao artigo 10. Se por ventura interpretações divergentes surgirem, não se pode deixar de mencionar ser aplicável à espécie o critério da especialidade. Mais de uma vez os tribunais brasileiros já se debruçaram sobre a questão do conflito entre tratados, decidindo em casos similares não se tratar de antinomia. Isso porque o Acordo se dirige, tão somente, àqueles contratos oriundos do MERCOSUL, enquanto a Lei de Arbitragem continuará a regular os demais casos.
Portanto, se ainda houvesse pontos considerados incompatíveis entre o Acordo e a Lei de Arbitragem, a aplicação desta última só seria afastada para os casos do MERCOSUL e não para a totalidade de casos de arbitragem provenientes de outros Estados.
Outro ponto positivo do Acordo é a da adoção da lex mercatoria como fonte subsidiária, ao indicar, em caso de lacuna nas suas regras, ou em situações não previstas pelas partes, a Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Internacional.
O artigo do Acordo que suscitou grande preocupação no Brasil, a ponto de ter sido objeto de reserva, foi o artigo 10 (sobre lei aplicável à substância do litígio), que tem a seguinte redação:
“As partes poderão eleger o direito que se aplicará para solucionar a controvérsia com base no direito internacional privado e seus princípios, assim como no direito do Comércio internacional. Se as partes nada dispuserem sobre esta matéria, os árbitros decidirão conforme as mesmas fontes.”
A Lei de Arbitragem, por seu lado, estabelece em seu artigo 2°:
“As partes poderão escolher livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Poderão, também, as partes convencionar que a arbitra gem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”
Da leitura comparativa dos dois artigos, constata-se que a lei 9307/96 dá às partes a liberdade de escolher qualquer regra de direito a ser aplicada à substância do litígio, sem referência a leis nacionais, apenas com a ressalva da ordem pública e dos bons costumes. Mais do que isso, a lei brasileira permite a aplicação de princípios gerais de direito e da lex mercatoria, resposta adequada à comunidade dos comerciantes, objetivo último da arbitragem cujas necessidades específicas às vezes não são satisfeitas pela aplicação estrita da lei.
3.2 CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O DIREITO APLICÁVEL AOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
A Conferência Especializada sobre Direito Internacional Privado realizou-se na Cidade do México, entre os dias 14 e 18 de março de 1994. O tema sempre foi objeto de intensas controvérsias na América Latina. A conferência contou com a participação de 17 países latino-americanos e com os Estados Unidos e o Canadá, tornando-a, assim, representativa do pensamento de países cujo sistema jurídico é baseado no direito civil e no direito consuetudinário. Por isso, a convenção representa efetivamente o atual consenso existente na matéria no hemisfério americano[42].
No que diz respeito ao campo de aplicação, circunscreve, expressarnente, aos contratos internacionais, contendo uma qualificação autônoma restritiva, declinando, a seguir, uma lista de situações concretas às quais não se aplica. Por outro lado, a convenção também inova ao estabelecer urna definição para o seu campo de aplicação espacial, o que rnodicará as legislações internas dos países americanos nesse sentido, quando entrar em vigor, possuindo um caráter uniformizador muito importante. Trata-se de urna regra de caráter substantivo, e que substituirá a norma de direito positivo interno, com relação aos co-contratantes, ou mesmo definirá contrato internacional nas legislações desprovidas de tal forma, como é o caso da brasileira, que tem se valido até esta data da definição negativa a partir da análise do artigo 2° do Decreto 857/67.
A Convenção do México estabelece dois critérios para a definição de um contrato internacional. O primeiro, geográfico, quando a residência habitual ou estabelecimento comercial das partes for localizado em países-membros distintos. O segundo, quando o contrato tiver pontos de contato objetivos com mais de um Estado-parte.
Para Arroyo[43], “a convenção permite, além da escolha de um direito estatal, a escolha de um conjunto de princípios (como os do UNIDROIT) ou da lex mercatoria para reger um contrato”. Nádia de Araújo54 versa que:
“A finalidade de tal dispositivo é assegurar a solução do caso concreto as exigências impostas pela justiça e pela eqüidade. Aqui mais urna vez a convenção inovou e procurou somar à utilização do direito tradicional, às experiências dos tribunais arbitrais, responsáveis por decisões baseadas em crilérios mistos, sempre com o objetivo maior de realizar a justiça no seu sentido mais amplo. Essas disposições são criações originais da conferência e distinguem claramente a Convenção do México da Convenção de Roma.”
Por outro lado, a escolha do foro não significa a escolha da lei, como expressamente previu a convenção, ao estabelecer a segunda parte do artigo 70 que a eleição de determinado foro pelas partes não implicava necessariamente a escolha do direito aplicável, recusando-se, assim, os idealizadores da convenção, a estabelecer a eleição de foro como urna modalidade de escolha tácita da lei aplicável. Com relação à regra de conexão quando a possibilidade de eleição não tiver sido exercida pelas partes, a norma adotada foi a dos vínculos mais estreitos. Cabe ao juiz analisar os elementos existentes no contrato para determinar quais seriam esses vínculos mais estreitos. São arugmentos de Diego Arroyo[44]:
“A maneira pela qual o juiz deverá determinar os vínculos mais estreitos desfavorece a previsibilidade desejável em uma regra de conexão. Assim, apresentaria a convenção o paradoxo de ser o melhor dos mundos pela flexibilidade que oferece às partes quando estas exercem sua opção por urna lei, e o pior deles quando usada a norma supletiva dos vínculos mais estreitos.”
Conclui sobre o assunto Nádia de Araújo56:
“No que diz respeito aos limites da autonomia da vontade, estabelece a convenção o já tradicional princípio da ordem pública e o das leis imperativas. Esse ponto foi objeto de grau de controvérsia no decorrer da conferência. Pelo que consta da redação final, temos que as normas imperativas aplicar-se-ão necessariamente quando existentes no foro, não impedindo com isso a aplicação da lei designada de acordo com as normas dos artigos 7° ou 9°. Por outro lado, a exceção da ordem pública, consagrada no artigo 18, tem o condão de excluir o direito designado pela convenção.”
A Convenção do México teve repercussão no Brasil através de sua influência nos artigos relativos aos contratos internacionais do Projeto de lei número 4.905/95. No Projeto, coerenternente com a posição do Brasil na Conferência da Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado ou CIDIP V, adotouse a teoria da autonomia da vontade e, como norma subsidiária, à falta de escolha, a regra de conexão dos vínculos mais estreitos.
3.3 PROTOCOLO DE BUENOS AIRES SOBRE JURISDIÇÃO INTERNACIONAL EM MATÉRIA CONTRATUAL CIVIL E COMERCIAL
Tendo o MERCOSUL, dentre os seus “propósitos, princípios e instrumentos” inseridos no artigo 1º, o “ compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas perrinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração[45]”, o grande problema do MERCOSUL é a divergência entre as legislações dos seus integrantes, uma vez que a soberania interna leva a adotar normas jurídicas que regulam a vida social e, mais ainda, imponha sanções. Com o monopólio da jurisdição para solucionar conflitos de interesses, não há possibilidade de se criar um foro judicial internacional, de modo a impor sanção a nacionais e obrigar ao cumprimento da decisão.
Como prevalece a soberania e a legislação interna em cada País, tal qual o Direito Internacional Privado trata, havia necessidade de um avanço ou pelo menos encontrar uma fórmula que evitasse que a procura de um jurisdicional para solucionar os conflitos de interesses pudesse minar a confiança no órgão e nos objetivos a que se propôs.
Com este propósito os países integrantes do MERCOSUL firmaram um Protocolo que é fonte normativa jurídica do órgão consoante o artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, destinado a regular a “jurisdição internacional em matéria contratual”.
Este protocolo foi firmado em 5 de agosto de 1994. O sistema de vigência interna das normas emanadas de Tratados, Acordos ou Protocolos, segundo o artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto,“terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país”.
Foi portanto através do Decreto legislativo número 129, de 5 de outubro de 1995, que restou aprovado o texto do referido Protocolo de Buenos Aires, assinado que fora pelo Brasil em 5 de agosto de 1994.
Confirmando o entendimento doutrinário da prevalência das regras oriundas do MERCOSUL, em detrimento das normas gerais de competência internacional, manifesta-se Luís Olavo Baptista[46]:
“O Protocolo de Buenos Aires, que trata da jurisdição internacional em matéria contratual, isto é, estabelece uma regra comum que visa resolver os conflitos de jurisdição nessa matéria. Isso quer dizer que, em matéria de contratos, entre os países do Mercosul, as regras do artigo 88 e 89 do CPC brasileiro não se aplicam mais, mas se aplica, em seu lugar, o Protocolo de Buenos Aires, que é de 1994”.
No texto do decreto há expressa referência à aprovação (artigo 1º), mas no parágrafo único está reafirmado que “são sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Protocolo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Deve ser ressaltado que o legislador nacional não aceitou a sistemática onde diz que a entrada em vigor dos Tratados oriundos do MERCOSUL ocorrem trinta dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação.
Somente em 5 de agosto de 1994, foi promulgado e portanto com validade interna em 5 de outubro de 1995, ou depois de um ano e dois meses. Deve ser ressaltado que vigora princípio exigindo o exame porque Tratado não suplanta a Constituição do Estado, o qual é seguido em nosso País, equiparado aquele à legislação federal ordinária, com a qual concorre. Tem vigência interna o Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição internacional em Matéria Contratual.
3.3.1 Âmbito de aplicação
Como as controvérsias envolvem pessoas de países diferentes, bem como os negócios sendo transnacionais, onde as obrigações são assumidas para serem cumpridas em países diferentes, disciplina é necessária. Regra seu artigo 1º:
“Artigo 1º – O presente Protocolo será aplicado jurisdição contenciosa internacional relativa aos contratos internacionais de natureza civil e comercial celebrados entre particulares pessoas físicas ou jurídicas-a) com domicílio ou sede social em diferentes Estados-Partes do Tratado de Assunção; b) quando pelo menos uma das partes do contrato tenha seu domicílio ou sede social em um Estado-Parte do Tratado de Assunção e, além disso, tenha sido fruto um acordo de eleição de foro em favor de um juiz de um Estado-parte e exista uma conexão razoável segundo as normas de jurisdição deste Protocolo.”
O âmbito do protocolo, segundo o artigo, além de exigir que a controvérsia seja litigiosa ou contenciosa, que envolva matéria relativa a contratos internacionais de natureza “civil “ou “comercial”. Lembrado que nosso País não possui unificação normativa em matéria civil e comercial, havendo disciplina jurídica em torno dos contratos civis e comerciais.
O dispositivo do Protocolo de Buenos Aires, após afirmar que esta jurisdição internacional é competente quando a controvérsia envolva contratos internacionais civis e comerciais, diz que as partes nos contratos podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Assim contempla Antônio Corrêa[47]:
“O artigo 1º do Protocolo determina que os contratos sujeitos jurisdição internacional devem ter sido firmados, para que sejam solucionados através de suas regras, por pessoas naturais ou jurídicas, em duas hipóteses. A primeira, que a jurisdição aplica-se quando elas possuam “domïcílio ou sede social em diferentes Estados-Partes do Tratado de Assunção” Examinando-se a redação, verificamos que aplica-se a jurisdição internacional quando as pessoas tenham domicílio em diferentes Estados-Partes.”
No Direito Brasileiro, domicílio enquanto expressão jurídica é diferente de residência. Se envolver uma pessoa natural, ela pode ter várias residências e um domicílio. No caso, prevalece o domicílio. Na expressão do Código Civil Brasileiro, artigo 31[48].
Também o Tratado dermina que esta jurisdição internacional tem aplicação “quando pelo menos uma das partes do contrato tenha seu domicílio ou sede social em um Estado-Parte do Tratado de Assunção e, além disso, tenha sido feito um acordo de eleição de foro em favor de um Juiz de um Estado-Parte e exista urna conexão razoável segundo as normas de jurisdição deste Protocolo”.
Neste caso, sendo o contrato internacional, pode envolver pessoa jurídica ou natural de outro Estado não integrante do MERCOSUL. Há necessidade de que uma delas tenha sede ou domicílio em Estado que integre o MERCOSUL. Mas, além deste detalhe, um dos contratantes estar com sua sede ou domicílio num dos Estados, que tenham as partes instituído o chamado foro de eleição”. Esta hipótese parece que extrapola os limites do Tratado, porque o MERCOSUL tem como objetivo incentivar a globalização da economia dos países integrantes do bloco, mas extravasou alcançando um terceiro.
Refere-se ainda o artigo 1º que deve estar presente “conexão razoável”. O que será conexão razoável? Jacob Dolinger[49] vem afirmando que “vem a ser a ligação, o contato, entre uma situação da vida e a norma jurídica que vai regê-la”.
Regra o artigo 2º as exclusões da jurisdição internacional:
“Artigo 2º – O âmbito de aplicação do presente Protocolo exclui: 1. as relações jurídicas entie os falidos e seus credores e demais procedimentos análogos, especialmente as concordatas; 2. a matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e de sucessões; 3. os contratos de seguridade social; 4. os contratos administrativos; 5. os contratos de trabalho; 6. os contratos de venda ao consumidor; 7. os contratos de transporte; 8. os contratos de seguro; 9. os direitos reais.”
Então, o que resulta é que tal contrato internacional firmado com pessoa natural ou jurídica domiciliada ou com sede em algum dos Estados integrantes do MERCOSUL que firme contrato civil ou comercial, para poder gozar da jurisdição internacional criada, deve ter alguma ligação ou ponto de contato com os objetivos do MERCOSUL. Assim, se existir este contato, pode ser eleita a jurisdição deste protocolo para resolver controvérsias.
3.3.2 Eleição de jurisdição
A doutrina obrigacional, sustentada sempre na autonomia de vontade, embora hoje exista um avanço muito grande em relação ao tema dado que em grande número de negócios os contratos são frutos do chamado dirigismo contratual ou contratos de adesão, admite como possível estabelecer-se o foro de eleição. Quanto a eleição de jurisdição o artigo 4º estabelece:
“Nos conflitos que decorram dos contratos internacionais em matéria civil ou comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja jurisdição os contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não tenha sido obtido de forma abusiva.”
No Direito Civil nacional o instituto está disciplinado no artigo 42 que dispõe “nos contratos escritos poderão os contraentes especificar o domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.
O instituto é universal, de modo que todos os diplomas civis contemplam possibilidade de internamente as partes escolherem o Juízo onde seja resolvido eventual conflito decorrente do ato ou negócio jurídico. Kátia Radja Cardoso da Costa[50] afirma:
“Na situação específica do Mercosul, tem-se um acordo internacional que estabelece regras sobre a fixação da jurisdição internacional nos casos expressamente definidos e no âmbito do Mercado Comum, atingindo, portanto, apenas os seus Estados-partes. Em razão disso, as suas normas não revogam nenhuma norma interna desses Estados, que continuam vigentes e aplicáveis as situações estranhas aos protocolos analisados. (…) a fixação da competência internacional, quando envolver as situações previstas na legislação específica do Mercosul, levará em consideração os critérios nela fixados, desprezadas, no que se refere ao Brasil, as regras contidas no artigo 88 e 90 do Código de processo Civil.”
No artigo 4º do Tratado instituiu-se no âmbito do MERCOSUL o instituto denominado de “eleição de jurisdição” para vigorar nos contratos civis e comerciais. Isto quer dizer que as partes podem, quando firmarem um contrato civil ou comercial no MERCOSUL, escolher a jurisdição à qual pretendem submeter a controvérsia sobre o cumprimento do negócio jurídico.
A única exigência é que o contrato seja por escrito e defina qual o juízo competente. Indicado, nele serão resolvidas as pendências. Este Tribunal, porém, é aquele que o Estado-Parte tem como competente segundo suas leis, no caso Constituição Federal e dos Estados, bem como leis de organização judiciária que fracionam a jurisdição atribuindo a diversos juízos competências especializadas. A indicação genérica do órgão implica em aceitar aquele que as leis do País dão como competente.
O dispositivo faz uma ressalva. Diz que vale a eleição do foro desde que “tal ajuste não tenha sido obtido de forma abusiva”. Obtenção abusiva de um foro competente não é fácil de estabelecer. Se esta cláusula de eleição de foro tornar-se onerosa ao contratante mais fraco, evidente que constitui abuso que o Poder Judiciário não poderá tolerar.
Assim, este caso e outros análogos servirão de parâmetro para negar validade ao ajuste quanto a escolha de jurisdição, onde inexista “acordo de vontades” interpretada como manifestação espontânea dos dois ou mais envolvidos no negócio jurídico afastando-se portanto a jurisdição internacional ali pretendida.
Nas palavras de Antônio Corrêa[51]:
“A legislação brasileira permite que em obrigações civis as partes previamente afastem a solução jurisdição para eliminar conflitos, instituindo através do instituto do “compromisso” o juízo arbitral. Este surge diante da faculdade conferida às pessoas capazes de contratar, a qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros que lhes resolvam as pendências judiciais, ou extrajudiciais.”
Prevalece o foro de eleição desde que exista manifestação de vontade espontânea e inválido quando obtido mediante fraude, considerada esta o subterfúgio que indique local que favoreça um dos contratantes ou o Contratante mais forte em detrimento do contratante mais fraco ou de menor poder econômico.
3.3.3 Momento de eleição do foro
De acordo com o dispositivo, são três os momentos, sendo primeiro o da celebração do contrato, o segundo durante a sua vigência e finalmente o terceiro após suscitado o litígio. O primeiro momento, onde o dispositivo do Tratado afirma que é o da celebração do contrato, não oferece dificuldades. Aqui está presente a autonomia de vontades, em que as partes contratantes convergem seus interesses decidindo quanto ao foro competente para a solução de eventual conflito que surgir durante a vigência e também à lei aplicável.
O segundo momento constitui exceção. Diz a norma que pode ser escolhido o foro durante a vigência do contrato. Em sendo assim, o que ocorre para a instituição de um foro de eleição é nova convergência de vontades para, ou se alterar o que haviam antes convencionado ou então para aclarar ponto omisso do contrato, de forma a indicar claramente qual o foro onde serão dirimidos futuros conflitos decorrentes do cumprimento da avença. Neste caso, há necessidade de ser feito um aditamento contratual, portanto escrito, onde são ratificadas as cláusulas anteriores e inserida mais uma, agora definindo o foro e a lei aplicável para a solução do conflito.
O terceiro critério oferece maior dificuldade. Diz a norma que podem as partes instituir foro mediante eleição “uma vez suscitado o conflito”. Se não foi instaurado o conflito, a suscitação está apenas no plano das intenções, de modo que resulta indefinido que exista conflito sem recurso ao Poder Judiciário. Pode ser que a expressão pretendesse indicar que havendo divergência, as partes, para solucioná-la, diante da conveniência de ambos, instituiriam o foro de eleição para ser acionado o Poder Judiciário.
Pode-se concluir que a possibilidade de ser instituído foro de eleição deve ocorrer antes de instaurada a instância judicial sob pena de se impor o órgão jurisdicional a decisão de uma lide em que o convencimento do julgador diante dos fatos e da lei aplicável seja contráría ao que afirmam as partes. O item 2 do artigo 5º64 do Tratado dispõe a seguir que “a validade e o efeitos de eleição de foro serão regidos pelo direito dos Estados-Partes que teriam jurisdição de conformidade com o estabelecido no presente Protocolo”.
Constitui restrição ao direito das partes instituírem foro de eleição No caso, o direito interno do País ao qual for atribuída competência para solução do litígio é que o regulará. A interpretação a ser dada diante da redação, é que o Poder judiciário do País, dividido em diversos órgãos jurisdicionais, estabelecerá no seu universo qual o Juízo competente para conhecer, processar e decidir o pleito.
64 1. O acordo de eleição de jurisdição pode realizar-se no momento da celebração do contrato, durante sua vigência ou uma vez suscitado o litígio. 2. A validade e os efeitos de eleição de foro serão regidos pelo direito dos Estados-Partes que teriam jurisdição de conformidade com o estabelecido no presente Protocolo 3. Em todo caso, será aplicado o direito mais favorável de validade do acordo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fenômeno da globalização, está presente na vida de todas as nações e dos povos que, direta ou indiretamente, recebem os seus reflexos. O mundo se reduz, as comunicações se tornam céleres, os negócios se multiplIcam, os contratos abandonam sua burocratica negociação e assumem o aspecto “eletrônico”.
Os Estados reavaliam o conceito de soberania na medida em que, baseados no interesse econômico mútuo, padronizam suas condutas e formam blocos, procurando a integração em todos os setores da vida humana. O isolamento desaparece.
O acompanhamento de todo esse processo a que os povos assistem, às vezes encantados, às vezes atônitos, exige de todas as nações um esforço, no sentido de abertura, não só de seu comércio na procura de parceiros regionais, como também de modernização de suas legislações, que passa pelos bancos escolares, principalmente dos cursos de Direito.
O regime dos contratos no direito internacional privado sujeita-se a realidade econômica das relações internacionais, que exige, continuamente, a redução dos respectivos custos de transação. De uma perspectiva puramente jurídica, tal regime comporta duas realidades antagônicas. De um lado, a aplicação de um direito nacional para reger o contrato, inadequada às relações comerciais transnacionais, eis que sua conexão a um dado sistema nacional é, no mais das vezes, fraca ou até inexistente. Ademais, nestas relações, dentre as quais não figuram as de consumo, há menos razão para o dirigismo estatal e para as várias limitações à liberdade de contratar existentes no direito interno.
Por outro lado, as exigências específicas do comércio internacional reclamam um direito próprio para regular as relações contratuais, e adaptado às peculiaridades apresentadas pelos contratos transnacionais. Haverá maior efetividade na aplicação dos Princípios quando o método de solução de controvérsias escolhido for a arbitragem, tendo em vista a liberdade de que gozam as partes e os árbitros na escolha e determinação do conteúdo do direito aplicável ao contrato internacional. No contexto judicial, ao contrário, a vinculação do juiz ao ordenamento positivo impede, na maioria dos sistemas, inclusive naqueles que permitem amplamente a autonomia da vontade conflitual, a efetividade da escolha feita pelas partes no sentido de que o direito transnacional seja o único direito aplicável ao contrato. Isto representa um contra-senso, na medida em que a dignidade e eficácia da sentença arbitral são idênticas às da sentença judicial
A questão da autonomia da vontade no Direito Internacional Privado foi tratada, ao longo de sua existência, de diversas formas. No seu aparecimento foi considerada como um problema da teoria geral do direito. Nessa linha, os que a ela se opunham baseavam-se na doutrina que pregava a existência ou não dos direitos subjetivos como fonte autônoma de direito.
Com a nova Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, continuou a discussão sobre a sua existência, em face da supressão da expressão salvo estipulação em contrário, que para muitos significou a vontade do legislador em eliminá-la, enquanto para outros a simples inexistência dos termos anteriores não significava sua proibição.
As consequências dessa mudança na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro mostrar-se-iam extremamente benéficas para o comércio internacional do país, em franco processo de expansão com as novas oporumidades do MERCOSUL. A promulgação do novo Código Civil Brasileiro de 2002 poderia ter trazido estas mudanças. Entretanto, o Código não foi acompanhado de nova Lei de Introdução, que permanece desatualizada.
A partir da Conferencia do México em 1994 os países da América Latina que ratificarem a Convenção sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais avançaram no sentido de adotarem a autonomia de vontade em seus ordenamentos.
Uma vez ultrapassada a questão relativa à aceitação, de forma pacífica e expressa, na legislação interna da teoria da autonomia da vontade, na forma acima sugerida, restaria determinar o alcance da escolha, e, consequentemente, os seus limites. Aqui também seria necessário enfrentar o tema, pois há grandes divergências doutrinárias, especialmente quanto à determinação e alcance das normas de caráter imperativo. Isso não quer dizer que o limite da ordem pública seja modificado ou aumentado nos termos em que sempre foi conhecido no direito interno.
Outra questão não regulada de forma expressa pela Convenção do México é se deve ou não a lei escolhida ser de um determinado sistema nacional ou se podem ser escolhidas normas não pertencentes a nenhum sistema jurídico, como .por exemplo as normas do UNIDROIT, ou a tão discutida lex mercatoria. E entre os defensores de que deve ser um sistema nacional o escolhido, há ainda os que entendem que essa escolha precisa ser de uma lei minimamente conectada ao processo. Assim, passando a Convenção do México a fazer parte do ordenamento jurídico nacional, fica a pergunta sobre a extensão da liberdade acordada às partes, especialmente sobre a permissão de escolher, aleatoriamente ou por sua própria conveniência, uma lei aplicável ao contrato que não guarde relação de conexão com este.
Ao menos com relação ao direito pátrio, houve um grande progresso recentemente, com a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da liberdade de escolha da lei aplicável através da Lei 9.307/96 sobre arbitragem, mostrando que o Brasil passa a aceitar o princípio da autonomia da vontade sem maiores vacilações. Sua incorporação no sistema nacional aumentou, inclusive, seu campo de incidência, pois agora permitir-se-á a autonomia da vontade não só para os contratos internacionais, como também para os contratos internos, sempre que houver convenção de arbitragem. A adoção do Acordo de arbitragem do MERCOSUL representa um avanço na regulamentação das relações privadas oriundas do bloco. Em especial, a reserva ao artigo 10 demonstra a clara intenção do Brasil de se alinhar, aos poucos, às tendências pró-autonomia da vontade.
O sistema jurídico brasileiro tem historicamente admitido o foro de eleição, seja na doutrina, seja na jurisprudência ou no direito positivo. A liberdade contratual encontra preceitos vedativos específicos e princípios limitadores. E o caso do artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil Brasileiro, e 17 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, os contratos administrativos em que a União Federal seja parte, os contratos celebrados com falidos, os contratos de trabalho, certos contratos marítimos e de transporte aeronáutico e os contratos de tecnologia. Nestas hipótese, não é admissível a cláusula do foro de eleição, eis que são matérias de ordem pública, cogentes. O contrato que assim dispuser, no tocante à cláusula, conterá um vício de validade se firmado no Brasil, se firmado fora não ganhará eficácia no território brasileiro, comprometendo-se sua executividade.
No âmbito do MERCOSUL, o principal critério da jurisdição internacional definido no Protocolo de Buenos Aires é o foro de eleição (artigo 4º), permitindo também a prorrogação da jurisdição quando a demanda for proposta em um dos judiciários dos Estados-Partes, admita de forma expressa, a modificação (artigo 6º).
Ao lado deste critério, o Protocolo oferece subsidiariamente à escolha do autor, quando não houver foro previamente eleito, lugar de cumprimento do contrato, domicílio do demandado, seu próprio domicílio ou sede social, quando demonstrar que cumpriu sua parte na obrigação.
As partes contratantes, em tema de contratos internacionais podem, em regra, derrogar a jurisdição, mediante convenção expressa, bem como prorrogá-la, através da submissão voluntária. A permissão, contudo, não é absoluta, vez que sofre limitações das ordens jurídicas nacionais. A análise do caso concreto e das legislações conectadas pelo fato internacional determinará a viabilidade e eficácia da inserção da cláusula de eleição do foro.
É cada vez mais evidente a necessidade de efetuar-se substanciais modificações no artigo 9º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, para, afinal, adotar se a autonomia da vontade como princípio determinador da lei aplicável às obrigações internacionais.
Concluindo o presente trabalho, acredita-se que a lei brasileira precisa ser mudada para permitir a adoção da autonomia da vontade, de forma expressa, em seu texto. Mister ainda se faz uma mudança urgente do posicionamento, não só dos juizes e tribunais brasileiros, como também de atitude do próprio governo diante das convenções que visam à aplicação de leis estrangeiras internacionais regionais e de reconhecimento de sentenças emitidas fora do Brasil.
Informações Sobre o Autor
Luciana Rodrigues Xavier
Pós -graduanda em Gestão Pública Municipal e mestrando em Ciências Criminais