A bioética e a relação médico-paciente

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No nosso II Encontro de Bioética[1], promovido pela Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG, procuramos tratar de questões novas e desafiadoras trazidas pelos avanços da biotecnologia e o seu impacto em nossas vidas e atitudes, tais como o destino dos embriões humanos criopreservados, o aborto de fetos anencefálicos, a locação de recursos para a área de saúde, a proteção ao meio ambiente, o direito de morrer, o direito do idoso, dentre outras.

Porém o que quero enfatizar nesta oportunidade é a importância de se observar os princípios bioéticos para a construção de uma boa relação médico-paciente.

Mas o que vem a ser Bioética e qual a sua importância na relação médico-paciente?

O termo Bioética surgiu pela primeira vez em 1971 na obra do oncologista americano Van Rensselaer Potter, denominada Bioéthics: bridge to the future ou, em português, Bioética: ponte para o futuro, referindo-se a uma disciplina que seria uma ponte ou uma ligação entre os avanços da ciência e a busca pela qualidade de vida da humanidade.

Posteriormente, somaram-se outras contribuições para se estabelecer os novos rumos e abrangências da Bioética. Considera-se relevante destacar a contribuição do obstetra e fisiologista holandês André Hellegers, também, no ano de 1971, que desenvolveu nomenclatura a partir da ética médica e das ciências biológicas.

Apesar de não mais possuir o significado pioneiramente proposto, ou seja, exclusivamente voltado para a proteção do meio ambiente, pode-se afirmar que atualmente Bioética é entendida como ciência, multi ou transdisciplinar, que tem por objeto o estudo e o debate das conseqüências advindas ao ser humano e ao meio ambiente com o desenvolvimento e evolução das ciências biomédicas e biotecnológicas.

A Bioética, portanto, tem por objeto garantir e intervir para que as experiências, as intervenções médicas e as questões voltadas para a saúde e à biomedicina sejam efetuadas visando, em primeiro lugar, aos padrões éticos e de respeito à dignidade humana. Tais ações e questões abarcam desde as que tratam do início da vida, como a fertilização in vitro, a clonagem e a criopreservação de gametas e embriões, como as que culminam com a extinção da pessoa, como por exemplo, a eutanásia, os transplantes de órgãos, as disponibilidades em Centro de Tratamento Intensivo (CTI).

O estabelecimento dos princípios ordenadores da Bioética decorreu da criação, em 1974, pelo Congresso Nacional dos Estados Unidos da América, de uma comissão encarregada de identificar e propalar os princípios éticos básicos que deveriam nortear a proteção da pessoa humana na pesquisa biomédica. Criou-se, então, a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisas Biomédica e Comportamental, a qual, quatro anos mais tarde, em 1978, publicou o Relatório Belmont, conhecido como Belmont Report. Esse documento apresenta três princípios básicos que devem nortear as investigações e pesquisas em seres humanos: a) o princípio da autonomia pautado no respeito à pessoa do outro, à sua liberdade de escolha e à sua dignidade; b) o princípio da beneficência e da não maleficência que impõe que se faça o bem se evitando o mal, ou seja, deve-se buscar maximizar os benefícios e minimizar os riscos e prejuízos; e, c) o princípio da justiça que propugna a igualdade da distribuição, justa e eqüitativa, dos bens, serviços e resultados alcançados.

Falar da ética na relação médico-paciente ou na relação existente entre os profissionais da saúde é falar da relação entre o eu e o outro.

Para que esta relação seja ideal e tranqüila é necessário que a conduta do médico, em suas relações profissionais, seja com o paciente ou com colegas de profissão, se paute sempre na observância dos princípios éticos e bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.

O médico deve sempre observar a vontade do paciente em querer ou não o tratamento indicado, deve sempre utilizar seus conhecimentos para evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis na busca constante do seu bem-estar e também deve levar em conta a imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, considerando as desigualdades entre as pessoas, sejam elas sociais, morais, físicas ou financeiras e, principalmente, a dignidade da pessoa humana e a recusa total a qualquer tipo de violência.

Os princípios bioéticos se inspiram no respeito ao outro e na dignidade da pessoa humana, sendo que o médico deve entender que o paciente deve ser tratado como um sujeito autônomo e livre na busca da melhor decisão para sua vida e saúde, não se podendo mais conceber uma postura paternalista ou autoritária do médico em relação aos seus pacientes.

A observância a tais princípios não significa uma subjugação do médico à vontade absoluta do paciente na tomada de decisões, pois deve ser entendido que ele também tem autoridade, enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas, e que deve assumir a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. É certo, porém, que o paciente também participa ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de acordo com o estilo de vida e seus valores morais e pessoais.

Portanto, modelo ideal da relação médico-paciente é aquele que estabelece a preservação da autoridade do médico em relação ao paciente, em virtude de suas qualidades técnicas e de conhecimento, mas condiciona o exercício de tal autoridade a uma íntima relação de confiança entre paciente e médico e a uma troca de informações recíprocas e necessárias ao estabelecimento da verdadeira relação de afeição, credibilidade e confiança a se formar entre as partes.

Para se garantir que a tomada de decisão, por parte do paciente, seja livre, sensata e pensada é necessário que o médico lhe forneça subsídios e informações claras, precisas e esclarecidas do tratamento ao qual vai se submeter, das alternativas de que dispõe, do porquê das medidas terapêuticas ou clínicas adotadas, qual a importância da medicação receitada, seus efeitos benéficos e colaterais, enfim conscientizar o seu paciente de todo o procedimento e atitudes a serem adotadas, sendo que tais esclarecimentos podem ser feitos verbalmente, por escrito particular ou através de Termos de Consentimento Esclarecido e Informado, usualmente utilizados em tratamentos de maior complexidade clínica ou que envolvam cirurgias ou risco de morte para o paciente.

É necessário, porém, que tais esclarecimentos sejam feitos de forma inteligível e acessível ao linguajar, cultura e sabedoria do paciente, pois se o médico se utilizar de jargões ou palavras técnicas específicas e não conhecidas do paciente, para lhe explicar o tratamento, ele com certeza estará lhe informando dos procedimentos, mas nunca lhe esclarecendo de forma a que possa compreender todas as suas nuances, benefícios e malefícios e, desta forma, estará lhe impedindo de tomar conscientemente a decisão pelo tratamento proposto.

Estabelecer uma boa relação médico-paciente faz com que se crie entre médico e paciente uma verdadeira amizade e confiança, pautadas no respeito mútuo e na busca do bem estar de ambos, além de ser uma ótima profilaxia para as possíveis e, às vezes, inevitáveis complicações clínicas ou erros de procedimento ou conduta médica.

Notas
[1] Realizado no dia 12/11/04 no auditório da OAB/MG, em parceria com a Faculdade Newton Paiva e Vitaclube.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

José Roberto Moreira Filho

 

Mestre em Direito Privado pela PUC Minas, Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG; Especialista em Bioética, Direito e Aplicações pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas- IEC; Professor de Direito Civil da PUC/Minas Contagem; Membro fundador do Capítulo de Bioética da Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Membro da Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital Vila da Serra; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, Membro da Sociedade Brasileira de Bioética, Advogado militante