Resumo: A prova pericial compõe um dos principais elementos que baseia a decisão dos juristas nos diversos processos, seja no âmbito penal ou civil, para que os direitos sejam garantidos na sua plenitude. A cadeia de custódia é uma relação de todas as pessoas que tiveram a posse de algo que é considerado evidência, que futuramente tornar-se-á prova ou não. Além disso, são processados outros dados relevantes, fazendo desse um procedimento ímpar, no que tange a perícia oficial e seus resultados. Não há atualmente legislação que resguarde a prova da atuação do perito oficial, visto que nesse percurso de coleta da evidência até sua análise, nem mesmo o assistente técnico tem acesso. Atualmente, o perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por vezes emite opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem a possibilidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do procedimento de recolhimento das futuras provas. O presente estudo discute o trabalho do perito referente à cadeia de custódia sob o enfoque da lei nº 8.429/92. Aborda o registro, a rastreabilidade, a integridade da prova, e, principalmente, a atuação metodológica do perito até o ponto onde este se torna sujeito ativo da lei de Improbidade Administrativa.
Palavras-chaves: improbidade administrativa, perícia, cadeia de custódia, lei nº 8.429/92, prova pericial.
Sumário: 1. Introdução; 2. Os primórdios da improbidade administrativa no Brasil; 3. Os elementos da lei de improbidade administrativa; 3.1.O objeto da lei; 3.2. Os sujeitos da lei nº 8.429/92 ; 3.3. Métodos de apuração do ato de improbidade administrativa; 4. A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa; 4.1 A cadeia de custódia na perícia oficial; 4.2 – A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa; 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo discute o trabalho do perito referente à cadeia de custódia sob o enfoque da Lei nº 8.429/92. Aborda o registro, a rastreabilidade, a integridade da prova, e, principalmente, a atuação metodológica do perito até o ponto onde este se torna sujeito ativo da lei de Improbidade Administrativa.
A reflexão sobre a abrangência da lei de improbidade administrativa no âmbito da perícia, especificamente no procedimento da cadeia de custódia; a realização de releituras dos procedimentos pertinentes à qualificação da evidência como prova; e, a falta de diploma legal que normatize tal demanda, são fatores primordiais que serão debatidos, para que se alcance uma visão analítica do tema proposto.
Além disso, há a intenção de ampliar a credibilidade do perito oficial no seu trabalho, bem como realizar críticas pela presença ou não de maior acompanhamento pelas partes do processo. Isso causa dúvidas no âmbito processual, pois se questiona a credibilidade e fé-pública que são inerentes à prática da perícia oficial nos dias de hoje.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a analítica, por meio de consulta bibliográfica especializada, periódicos, jurisprudência e doutrina, legal e pericial. De forma complementar, informações foram obtidas através de sítios oficiais.
A monografia está estruturada em três partes. Na primeira, foi explorado todo o histórico da improbidade no Brasil, permeando episódios marcantes que ajudaram a formar o atual sistema jurídico de fiscalização dos governantes e administradores da coisa pública.
Na segunda parte, estudou-se a Lei de Improbidade Administrativa quanto aos seus objetivos, sujeitos ativo e passivo, e seus métodos de apuração, com a finalidade de relacionar a norma ao objetivo deste trabalho.
Na terceira e última parte, estudou-se a aplicação da lei ora explorada na prática da perícia oficial, especificamente no procedimento da cadeia de custódia, enquadrando todos os elementos que configuram um ato ímprobo.
O tema é de grande importância, devido ao peso que a prova pericial possui no processo, seja qual for sua natureza. Além disso, resguardar a figura do perito oficial e sua metodologia de atuação é fator de suma importância. A falta de estudo a cerca do assunto é outra razão para que haja um aprofundamento específico do mesmo, visto que, na medida em que não há posição firmada, a discricionariedade exacerbada pode tomar conta dos diversos atos concernentes à perícia.
A qualidade do serviço efetuado pela perícia oficial depende de vários elementos. De acordo com nosso ordenamento jurídico, não há lei própria que regre todos os atos que compõe o trabalho do perito. Isto posto, o que se questiona é qual o limite aplicado dessa discricionariedade no trabalho, no que tange o manejo e a qualificação das evidências obtidas em local de crime.
Nesse diapasão, há a necessidade latente de questionar qual seria a norma que resguardaria essa lacuna, sendo a lei de improbidade administrativa a escolhida, devido seu caráter generalista quanto ao sujeito ativo e quanto ao seu objeto.
2. OS PRIMÓRDIOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL
Ao perquirir o histórico da Lei de Improbidade Administrativa é necessário estudar os episódios culminantes da vida política nacional. A atenta pesquisa aos princípios e idéias que formaram a consciência do nosso povo e nação, norteia o caminho que levou ao surgimento da referida lei.
Desde o início do Período Joanino (1808 a 1821) há registros de vultosos roubos ao cofre da corte e de um desregrado cotidiano de gastos sem qualquer controle.
Quando a corte de D. João chegou ao Brasil, estava desguarnecida de quase tudo. Todos dependiam da Corte Real Portuguesa para manter a máquina burocrática, que havia sido enviada ao Rio de Janeiro. Esses, que apostaram na viagem à colônia, esperavam benefícios em troca do dito sacrifício que a rota ao Brasil apresentava na época. Segundo John Armitage [1],
“os novos hóspedes pouco se interessavam pela prosperidade do Brasil. Consideravam temporária a sua ausência de Portugal e propunham-se mais a enriquecer-se à custa do Estado do que a administrar justiça ou a beneficiar o público.”
Relata ainda Laurentino Gomes[2], que no período em que Dom João viveu no Brasil, as despesas da corrupta Ucharia Real triplicaram, fazendo com que o déficit não parasse de crescer; e mesmo assim, a corte continuou bancando toda a fortuna necessária para manter toda a nobreza e seus empregados aqui no Brasil.
Por volta de 1808, foi criado o Banco do Brasil para custear as demais necessidades, que o empréstimo que fora feito com a Inglaterra não conseguira suprir. Após 12 anos de existência, pela política adotada pelo príncipe regente e seus administradores, o banco disponibilizava moeda sem lastro, ou seja, havia mais emissão de papel-moeda do que seu correspondente em ouro, trazendo uma desvalorização fatal à economia da colônia portuguesa.
Outro resquício de improbidade da época de Dom João é a chamada “caixinha”. Segundo o historiador Laurentino era cobrado 17% de comissão nos saques e pagamentos dos serviços públicos. Sem essa contribuição, os processos paravam de andar. Era uma prática exposta de imoralidade da administração pública da época.
Além desse histórico caminho de corrupção e descaminho da coisa estatal, temos ainda a figura dos responsáveis pelas repartições, que enriqueciam rapidamente após empossados em seus cargos. Joaquim José de Azevedo e Bento Maria Targini são exemplos mais conhecidos, que conseguiram cargos de confiança, pois viviam intimamente com D. João e Carlota Joaquina. No comportamento de ambos, incluem-se altos benefícios ao seus amigos, grandes mansões e exposição das riquezas adquiridas, como jóias e demais relíquias de seu patrimônio, proveniente da ilicitude.
Em 1821, Targini tem seus bens confiscados e é preso por enriquecimento ilícito e demais crimes contra a corte. Nesse mesmo tempo, o príncipe regente envia carta a Dom João VI, sobre a crise financeira da Província do Rio de Janeiro depois do retorno da Corte para Portugal.
Em 1822, Dom Pedro dissolve seu vínculo com Portugal, tornando-se o primeiro Imperador do Brasil no final deste mesmo ano. Tamanho era o roubo na época, que os cofres não tinham fundos para sustentar a despesa pública, que aumentava cada vez mais. O pesquisador Manoel Ruiz relata ainda que,
“embora a situação econômica brasileira tenha melhorado sob o comando de D. Pedro II, com o aumento da produção industrial, café e com a construção de estradas e ferrovias que facilitavam o escoamento das riquezas, mesmo assim a desvalorização da moeda persistia, já tinha se tornado um mal crônico no Brasil com suas crises econômicas e financeiras se sucedendo”[3].
O controle dos atos era normatizado a princípio, na esfera penal, pelas Ordenações Filipinas, que vigeu no período colonial e nas primeiras décadas no período imperial, até que em 1830, entrou em vigor o Código Criminal. Era notório, no texto dessa coleção normativa, a influência da política, do domínio monárquico e demais hierarquias sociais, através, principalmente, das penalidades atribuídas nos crimes ali elencados. Como exemplo, podemos citar os seguintes tipos penais: mouros e judeus que andam sem sinal; quem imprime livros sem licença do rei, entre outros.
Entretanto, já havia sanção prevista para os desembargadores, julgadores, oficiais e demais autoridades públicas. Aquele que recebesse presentes ou congêneres, poderia perder o cargo e pagar multa equivalente a vinte e um sobre o total auferido, sendo a metade para quem acusasse e o restante para a Câmara portuguesa.
Quando surgiu a Constituição Imperial de 1824, logo após a proclamação da Independência, a idéia inicial de uma parte dos constituintes era de promover uma monarquia que limitasse os poderes do imperador em prol dos direitos individuais. Esse pensamento tem como fundamento o que fora postulado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que segundo o art. 16, “a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
Porém, D. Pedro I queria o poder sobre o Legislativo, causando discórdia e a dissolução, em seguida, da Constituinte de 1824. Para a elaboração do texto, foi utilizada a experiência e opinião de pessoas da confiança do imperador, e em 25 de março de 1824 foi redigida a primeira Constituição brasileira.
Nessa Carta, o espírito centralizador na figura do Imperador podia ser verificado no seu artigo 99, onde diz que “a Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.” Contrariamente, as demais autoridades não comportavam a mesma ressalva, tendo norma que prevê a responsabilização dos Ministros de Estado, como segue no art. 133:
“Os Ministros de Estado serão responsáveis
I. Por traição.
II. Por peita, suborno, ou concussão.
III. Por abuso do Poder.
IV. Pela falta de observancia da Lei.
V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos.”
Ainda no mesmo sentido, o art. 179, inciso XXIX, revela a sanção aos empregados públicos:
“Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos”.
Em relação aos poderes que o povo dispunha para promover reclamações, o inciso XXX do art. 179, confere a todo cidadão a opção de apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo, reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a competente Autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores.
Na Constituição de 1891 optou-se pelo presidencialismo, no qual se tinha o equilíbrio entre os poderes, remetendo-se ao princípio norte-americano nos freios e contrapesos, com a finalidade de estabilizar o poder na nação brasileira.
Com isso, no capítulo V, art. 54, tem-se o rol dos crimes de responsabilidade feitos pelo Presidente da República, como segue in verbis:
“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra:
1º) a existência política da União;
2º) a Constituição e a forma do Governo federal;
3º) o livre exercício dos Poderes políticos;
4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais;
5º) a segurança interna do Pais;
6º) a probidade da administração;
7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos;
8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.”
Neste artigo encontra-se pela primeira vez no ordenamento do Brasil, o termo probidade. Após enfrentar situações totalmente atípicas, decorrentes de atos corruptos durante todos os governos anteriores, houve o empenho em analisar a conduta dos diversos cargos, que participavam ativamente na administração do país. Aqui está o registro inicial, da preocupação com a corrupção e da efetiva sanção ao administrador que não usar da retidão e honradez, nos atos inerentes a sua função.
Porém, vale ressaltar que, segundo Vicente Paulo[4], as Constituições de 1824 e 1891 são consideradas nominativas, pois não conseguiram fazer com que as práticas constitucionais adotadas na realidade correspondessem às previstas em seus textos.
Corrobora as palavras de José Afonso da Silva[5], quando diz que as disposições não encontraram o verdadeiro reflexo na realidade social da época, pois seus comandos não foram cumpridos em prol do coronelismo aplicado.
“O coronelismo fora o poder real e efetivo , a despeito das normas constitucionaistraçarem esquemas formais de organização nacional com teoria de divisão de poderes e tudo. A relação de forças dos coronéis elegia os governadores, os deputados e senadores. Os governadores impunham o Presidente da República. Nesse jogo, os deputados e senadores dependiam da liderança dos governadores. Tudo isso forma uma constituição material em desconsonância com o esquema normativo da Constituição então vigente e tão bem estruturada”.
Apesar dos esforços em tornar o país mais estruturado e mais justo quanto à atuação do governo, ainda não foi a Constituição de 1891 que conseguiu impedir que o regime oligárquico dominante permanecesse.
Após a entrada de Getúlio Vargas no poder, as questões voltadas ao povo e seus problemas políticos foram tomando outro rumo. Os Estados foram desarmados da influência dos coronéis, e um novo sistema eleitoral foi imposto. A Revolução Constitucionalista estourou após São Paulo não concordar com essas modificações, decorrentes da ditadura de Vargas. O objetivo de toda essa comoção era a promulgação de uma nova Constituição que assegurasse a independência de poderes, mas coordenados entre si; o presidencialismo; e o dito regime representativo, que ele buscou primeiramente na lei de 1932 – o Código Eleitoral.
A nova Carta foi promulgada em 1934, e apesar das mudanças já relacionadas, manteve em seu texto a sanção para crimes de responsabilidade. No art. 57 previa que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem contra a existência da União, a Constituição e a forma de Governo federal; o livre exercício dos Poderes políticos; o gozo ou exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais; a segurança interna do País; a probidade da administração; a guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos; as leis orçamentárias; o cumprimento das decisões judiciárias.
Igualmente, os Ministros eram responsabilizados, como segue no art. 61, e parágrafos seguintes. Ao praticarem ou ordenarem, cada autoridade responderia pelas despesas do seu Ministério e o da Fazenda, além disso, pela arrecadação da receita. Seu julgamento era pela Corte Suprema, e, nos crimes conexos com os do Presidente da República, pelo Tribunal Especial. Eram ainda, responsabilizados pelos atos que subscreverem, ainda, que conjuntamente com o Presidente da República, ou praticarem por ordem deste.
Havia previsão, no art. 113, item 10, que qualquer pessoa poderia apresentar representação mediante petição aos Poderes Públicos, denunciando abusos das autoridades, visando a responsabilização dos mesmos. No mesmo artigo, item 38, a Carta normatizou que qualquer cidadão seria parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas é afastado, e, finalmente, instalada uma Assembléia Constituinte em 1946, da qual participaram vários representantes das correntes políticas existentes no país naquela época.
Foi elaborada em 18 de setembro de 1946 a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, com base nas Constituições de 1891 e 1934. José Afonso da Silva informa que a Constituição de 1946
“voltou-se, assim, às fontes formais do passado, que nem sempre estiveram conformes com a história real, o que constituiu o maior erro daquela Carta Magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando saudosamente os regimes anteriores, que provaram mal. Talvez isso explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente. Mas, assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propiciando condições para o desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu.”[6]
Nesse sentido, no que se refere aos crimes de responsabilidade do Presidente e dos Ministros de Estado mantiveram a mesma fórmula. No art. 89 dessa Carta reza que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; o cumprimento das decisões judiciárias.
Nos termos do parágrafo único, há previsão da criação de lei especial que resguarde todo o rol citado acima, pra fins de processo e julgamento. Da mesma forma, essa Constituição determinava a criação de diploma infraconstitucional que dispusesse sobre o seqüestro e o perdimento de bens, nos casos em que ocorre enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, conforme art. 141, § 31.
Igualmente era assegurado, pelo art. 141, § 37, a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição dirigida aos Poderes Públicos, contra abusos de autoridades, e promover a responsabilidade delas. No parágrafo seguinte, tratava sobre a legitimidade de qualquer cidadão pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.
Em 1º de junho de 1957 foi sancionada por Juscelino Kubitschek, a Lei Pitombo-Godói Ilha (Lei n° 3164/57) para suprir a determinação acima citada da Carta de 46. Esse diploma possibilitou o seqüestro e a perda em favor da Fazenda Pública dos bens adquiridos por servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica. Essa sanção era aplicada sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido, de acordo com o artigo primeiro da referida lei.
Ademais, na Lei 3.164/57 regulamentava que as medidas prescritas acima seriam decretadas no juízo civil de acordo com a norma processual; processo seria promovido pelo Ministério Público ou por qualquer cidadão; e estabelecia que se houvesse a extinção da ação penal ou a absolvição do réu incurso nos crimes capitulados no Código Penal ou em outros crimes funcionais, de que resulte locupletamento ilícito, não seriam excluídos os atos de incorporação à Fazenda Pública, dos bens de aquisição ilegítima, ressalvado o direito de terceiros de boa fé.
Saliente-se, outrossim, que foi essa norma que preconizou o hoje estabelecido em normas de controle do Serviço de Pessoal, pois no artigo terceiro reza sobre a necessidade de manter registrado obrigatoriamente dos valores e bens pertencentes ao patrimônio privado de quantos exerçam cargos ou funções públicas da União e entidades autárquicas, eletivas ou não.
No ano seguinte da criação da Lei Pitombo-Godói Ilha, foi editada a lei federal n° 3.502/1958 – a Lei Bilac Pinto. Ela regula o seqüestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função.
O conceito de servidor público ficou mais bem compreendido após o art. 1º, e parágrafos seguintes, visto que ele trouxe as peculiaridades as quais a expressão englobava. Nesse sentido, a cerca do conceito do sujeito ativo da Lei Bilac Pinto, e da futura legislação que se criou sobre o tema, tiveram a preocupação de delimitar de maneira abrangente, para que nenhum infrator escapasse da devida sanção, correspondente aos atos ímprobos que por ventura aplicaram à administração pública.
Ressalta-se, portanto, o que dispõe o art. 1º, e parágrafos iniciais:
“§ 1º A expressão servidor público compreende todas as pessoas que exercem na União, nos Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e nos municípios, quaisquer cargos funções ou empregos, civis ou militares, quer sejam eletivos quer de nomeação ou contrato, nos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.
§ 2º Equipara-se ao dirigente ou empregado de autarquia, para os fins da presente lei, o dirigente ou empregado de sociedade de economia mista, de fundação instituída pelo Poder Público, de emprêsa incorporada ao patrimônio público, ou de entidade que receba e aplique contribuições parafiscais”.
Discorre Silvio Marques[7], que as duas leis foram pouco aplicadas, pois, até então, o Ministério Público não tinha o perfil de órgão permanente de defesa do patrimônio público e de outros interesses difusos e coletivos, que somente foram outorgados mais tarde, pela Constituição Cidadã de 1988.
Após várias trocas de governantes, rebeliões golpistas e o regime de Atos Institucionais da década de 60, quando o Marechal Arthur da Costa e Silva assumiu a presidência, a nova Constituição de 1967 também entrou em vigência.
Ela sofreu grande influência da Carta de 1937, mostrando grande preocupação com a segurança nacional. Foi nesse momento que foi criado o Conselho de Segurança Nacional e que houve uma reorganização do sistema financeiro e produtivo, bem como da entrada maciça de capital estrangeiro no País. A época era de grande radicalização política. Essa Carta abriu a possibilidade de civis serem julgados pela Justiça Militar em caso de crimes contra a segurança nacional; deu mais poderes ao Presidente e à União, permitindo àquele ter iniciativa de lei em qualquer área; e, redução de direito individuais, admitindo-se a possibilidade de suspensão desses direitos em caso de abuso.
Vale ressaltar que no art. 84, temos a mesma fórmula utilizada na Carta anterior, no que diz respeito à responsabilização do Presidente da República. No art. 150, § 30, assegura a qualquer cidadão propor ação popular, com o de defesa de direitos ou contra abusos de autoridade; e nesse mesmo artigo, reserva criação de uma lei que disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função pública. Mais tarde, por conta do Ato Institucional nº 12, foi revogado esse dispositivo.
No final de 1968, as crises não cessaram e romperam com a possibilidade de governo de Costa e Silva. O Poder Executivo foi destituído, e, em seu lugar, os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, completaram um novo texto em substituição ao de 1967.
Em 1969, durante o regime militar, a Emenda Constitucional nº 1 modificou a então vigente Carta de 1967, mas as regras quanto aos danos causados pelo agente na função pública permaneceram. Quanto ao abuso de direito individual ou político, regra o art. 154 que quando ocorrer, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.
Segundo Silva,
“teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil , enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil. (…) Se convocava a Constituinte para elaborar Constituição nova que substituiria a que estava em vigor, por certo não tem natureza de emenda constitucional, pois esta tem precisamente sentido de manter a Constituição emendada”[8].
Por isso foi considerado um ato político, e após diversas emendas, foi convocada uma nova Assembléia Nacional Constituinte que resultou na Constituição de 1988.
A atual Carta Magna é considerada um dos textos mais completos e democráticos que o Brasil já teve, segundo diversos doutrinadores. A Nova República, como cita Vicente Paulo[9], foi iniciada após o ciclo militar, com a proposta de uma Constituição social-democrata, com a finalidade de criar um verdadeiro Estado Democrático-Social de Direito, com a previsão de uma imensa quantidade de obrigações para o Estado, traduzidas em prestações positivas, passíveis, em tese, de serem exigidas pela população em geral, muitas como verdadeiros direitos subjetivos. Por conta disso, que recebeu o título de Constituição Cidadã.
Dentre as novas obrigações do Estado, nesse texto há a previsão de vários dispositivos que controlam a moralidade na administração pública, principalmente a Probidade dos atos públicos. Como exemplo, tem-se o art. 37, § 4° da CF:
“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Outra norma que transmite esse espírito de moralidade é o art. 14, § 9°, o qual prevê que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
E aos moldes das demais Constituições, no artigo 85 reza acerca do crimes de responsabilidade dos atos promovidos pelo Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a existência da União; do livre exercício dos Poderes, Ministério Público, unidades da Federação e direitos políticos, individuais e sociais; da segurança interna do País; da probidade na administração; da lei orçamentária; e do cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Finalmente, chega-se à lei de Improbidade Administrativa, que é a vigente no atual ordenamento jurídico brasileiro. A lei n° 8429/92 foi esperada com certo fervor pelo Ministério Público, pois o dispositivo constitucional já havia sido criado, e sua correspondente lei infraconstitucional não saia do plano das idealizações. Por conta dessa ausência, Carlos dos Santos comenta em nota[10], que até então o Parquet utilizava-se da Lei nº 7.347/85 – lei da ação civil pública, o que não permitia o ressarcimento ao erário pelos danos causados por maus gestores e terceiros.
Mesmo assim, nesse contexto, a Lei de Ação Civil Pública permitiu um avanço no controle dos atos administrativos. Com ela tornou-se possível a proteção de interesses relacionados com meio ambiente, consumidor, ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e, por infração da ordem econômica e da economia popular, de acordo com seu artigo primeiro.
Silvio Marques[11] conclui que, no que concerne à proteção do patrimônio público, a ação civil pública tem sido amplamente utilizada em todo o país, tornando-se um dos mais poderosos instrumentos de controle da atividade administrativa e de combate à corrupção política. Completa, dizendo que são inegáveis as melhorias alcançadas no que tange ao ideal de lisura dos atos administrativos, até porque uma única ação civil pública, pode evitar a propositura de incontáveis ações individuais.
Apesar desse rol de benefícios, a lei 7.347/85 não foi suficiente para que houvesse a subtração de bens e dinheiro público, e foi nesse momento, em que se fez necessária a edição da lei 8.429/92.
Cumpre reproduzir as hipóteses tipificadoras, que formam três modalidades de situação que caracterizam improbidade administrativa, são elas: atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º); atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); e, atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Além disso, dispõe sobre as penas que serão aplicadas, aos servidores ou terceiros que praticarem os respectivos atos de improbidade acima enumerados; como se dará o procedimento administrativo e o processo judicial que será adotada; a declaração de bens; além do prazo prescricional.
O texto é considerado amplo e avançado pela maioria dos doutrinadores, que se dedicaram ao estudo da moralidade na gestão pública, e veio num momento histórico oportuno, visto que no ano de 1992 é àquele em que o Impeachment foi votado, para que o Presidente da República da época, Fernando Collor de Melo, fosse destituído do poder por corrupção.
Contudo, mesmo após os avanços realizados na letra da norma em referência, algumas dúvidas ainda surgem e são passíveis de discussão. Percebe-se que não são poucos os estudos efetuados quanto à constitucionalidade da lei de Improbidade, isto porque, como traz em seu âmago o espírito da moral e da honestidade, não pode esta norma, estar eivada de qualquer tipo de vício que a torne inconstitucional.
Entretanto, após esse vasto estudo sobre as variadas leis criadas com a finalidade de proteger os princípios de nosso Estado Democrático de Direito, não é a formalidade pela qual foi aprovada e sancionada a lei, que tornará a norma mais efetiva ou não.
A amplitude e a inovação trouxeram tantos elementos para o ordenamento, que, em verdade, não se exige mais que o agente público seja indigno ou desonesto para que responda pelas sanções nela previstas, embora tais adjetivos caibam perfeitamente em muitos casos, como aborda Silvio Antonio Marques[12]. Discorre ainda o autor, que a lei procura combater atos dolosos e culposos que atinjam o patrimônio e outros interesses públicos, ou seja, podem ser penalizados os agentes públicos e terceiros que atuarem desonesta ou irregularmente, aplicando-se as penas conforme a gravidade das condutas no caso concreto.
Inevitável é, caracterizar esta, como a lei que mais promove a justiça em defesa da Administração Pública. O erário e demais interesses e direitos públicos que podem ser facilmente violados, hoje, já encontram a devida sanção por permanecer essa lei, ainda em nosso ordenamento jurídico.
3. Os elementos da Lei de Improbidade Administrativa
O exame contínuo, por parte de vários juristas e doutrinadores da Lei de Improbidade Administrativa, traz consigo a notória importância e repercussão que a mesma domina no âmbito jurídico brasileiro. Isso decorre do combate aos atos ímprobos que floresceu na última década, permitindo a fiscalização permanente através dos dispositivos regrados na Lei nº 8429/92.
Esta lei está organizada em preceitos e sanções correspondentes, na qual a primeira hipótese configuradora, prevista no art. 9º, é o enriquecimento ilícito; a segunda é sobre os atos que causam prejuízo ao erário, no art. 10; e, por fim, àqueles atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, art. 11, que é a modalidade mais abrangente. As sanções estão no Capítulo III, art. 12, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
Ademais, o conceito de improbidade administrativa, bem como sua efetiva aplicação no meio administrativo, constitui um dos principais axiomas do Direito Público, sendo dever de todos os agentes estatais exercerem suas funções sempre com o objetivo de proporcionar a efetiva realização dos interesses públicos, conforme analisa Silvio Marques[13].
Nesse espírito, faz-se necessária a análise atenta dos elementos em razão das peculiaridades próprias que norteiam a Lei 8.429/92, para que o exame seja claro e eficaz, na busca de um funcionamento da gestão pública de conduta isenta e fiel ao dever de probidade.
3.1 – O objeto da lei
O legislador dispõe na introdução da lei de improbidade, que esta versa sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional entre outras providências.
Apesar de resumir a que se dedica a norma, o objeto dessa lei é mais abrangente nas suas modalidades de aplicação. Como já citado, as hipóteses são três: atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.
O enriquecimento ilícito é considerado qualquer acréscimo sem justificativa de um patrimônio, em detrimento ao de outra pessoa física ou jurídica. Na lei 8.429/92, o que se proíbe é este ato ocorrido em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades citadas no rol do art. 1º da lei em estudo.
As condutas previstas nos incisos do art. 9º pressupõem a livre intenção de prática dos atos ilícitos contra a Administração Pública notadamente. Os verbos utilizados indicam a livre intenção de executar ou ajudar nos crimes, quais sejam: receber, perceber, utilizar, adquirir, aceitar, incorporar e usar – cujo núcleo corresponde às ações de sujeição do agente em utilizar sua percepção de valor moral e de manifestação livre de vontade, o que reforça a conduta dolosa que está tipificado no ato ímprobo de enriquecimento ilícito. Segue in verbis as possibilidades elencadas no art. 9º:
“I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”
É válido ressaltar, que a norma se refere aos agentes públicos que obtiveram o valor patrimonial auferido por estarem ligados ao exercício de mandato, cargo, função ou emprego público, do contrário, essa previsão que essa norma traz será substituída por alguma outra no âmbito civil ou penal.
No art. 10, da lei em estudo, se trata da modalidade dos atos ímprobos que causam prejuízo ao erário, de forma culposa ou dolosa, ensejando enriquecimento ilegal de terceiros.
O texto se apresenta da seguinte forma:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei”.
Erário, portanto, é o conjunto de bens materiais ou imateriais e de conteúdo econômico pertencentes aos órgãos e entidades públicas; diz respeito não apenas aos direitos e bens de valor econômico, mas todos os elementos de ordem coletiva de várias espécies, como aqueles de importância histórica, cultural, artística, etc.. Assim, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que implique o agente público em prejuízo aos bens elencados, constitui o segundo tipo de ato ímprobo normatizado na lei de improbidade.
Apesar de prever a forma culposa, o que caracteriza o ato de improbidade administrativa por lesão ao erário é somente àquelas condutas culposas de natureza grave ou gravíssima. Isto se deve ao fato de haver acidentes normais da atividade pública, o que seria nada razoável responsabilizar o agente público por eventuais atos que decorrem naturalmente da falta de previsibilidade do trabalho.
Exemplifica Marques[14], que o engenheiro e o secretário municipal responsáveis por obras públicas não podem ser penalizados por eventual furto de equipamentos colocados à disposição de particular contratado por órgão público. Nesse caso, embora o erário sofra prejuízo, não é razoável exigir dos referidos agentes públicos o dever de ressarcimento, se ao menos não desconfiavam da conduta do contratado.
Vale ainda observar, que o art. 10 e incisos seguintes tratam de atos ímprobos materiais, pois para consumação exige-se uma ação ou omissão do agente, e que se obtenha como resultado dano ao patrimônio público, ou seja, a lei exige o resultado finalístico prejudicial à Administração Pública e benéfico ao terceiro.
É notório que o rol apresentado nos incisos dos art. 9º e 10 são exemplificativos, visto que é inócuo pensar que há restrição dos meios utilizados pelos agentes para praticarem atos ilícitos contra o Estado. Desta forma, há a liberdade de, dentro do mesmo espírito, encontrar outras formas de ação ou omissão que podem ser consideradas atos de improbidade administrativa cobertos pela Lei 8.429.
O art. 11 traz o terceiro e último tipo de ato que atenta à probidade das relações públicas. Àqueles que ferem os princípios da Administração Pública por ação ou omissão, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e, notadamente, ferir os incisos abaixo citados, estarão tipificados de acordo com a lei de improbidade administrativa:
“I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.
De todos os três atos previstos na lei, este é o que tem o caráter mais generalista e incerto para fins de qualificação. Isso se deve ao próprio conceito que “princípio” tem: representa o fundamento principal de um sistema; o fator nuclear ou o elemento predominante de um determinado ordenamento; o espírito que norteia a norma.
No Brasil, os princípios são balizados pelo que preconiza a Constituição Federal de 1988, tendo ela trazido alguns expressamente elencados no caput do art. 37, cujo conteúdo mostra-se abaixo:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.
Há discussão sobre o assunto dentre os doutrinadores, havendo posições diversas como dos autores Marcelo Figueiredo e Wallace Paiva Martins. Segundo Figueiredo[15], a lei peca por excesso ao equiparar o ato ilegal ao ato de improbidade, destoa esses conceitos constitucionais comparando-os. Já Martins[16] prega que a violação de princípio é um atentado grave à Administração Pública, pois é uma maneira frontal de ofender o complexo basilar administrativo.
O assunto gera controvérsias, principalmente pelo fato do agente, na prática de atos normalmente ligados ao trabalho comum, ser passível de erros. Nem sempre há a intenção de violar os princípios cristalizados na CF/88 e nas normas infraconstitucionais, estando a lei potencializando o enquadramento do tipo previsto no art. 11. Este é um dos grandes receios dos doutrinadores, posto que o desonesto na verdade pode ser o inábil, despreparado, incompetente.
Para tanto, o legislador não previu a forma culposa, como no art. 10, prevendo o grande impasse que causaria na aplicação da norma.
3.2 – OS SUJEITOS DA LEI Nº 8.429/92
Os sujeitos que participam do processo de improbidade administrativa, por vezes, geram dúvidas quanto a sua caracterização. Dentre todos os trâmites, que compõem os atos previstos na lei em estudo, é fundamental o claro e formal conceito do sujeito ativo e passivo exigido.
Não obstante, já foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade cujo questionamento permeou treze artigos da lei, sendo discutida a abrangência dos conceitos e a figura do agente público, entre outros. Entretanto, a ADIN Nº 4295 oferecida pelo Partido da Mobilização Nacional já foi julgada improcedente pelo STF, em maio do presente ano.
Para alinhar-se ao que a norma preconiza, o patrimônio público deve ser violado pelo agente público, ou este somado à participação de particular, para termos um sujeito ativo da Lei de Improbidade Administrativa configurado. Se porventura, o particular não tiver no seu ato a participação sob qualquer forma do agente público, estaremos diante de um caso a ser arbitrado pelo Direito Penal, excluindo a investigação na esfera administrativa, e, por conseqüência, a aplicação da norma de Improbidade.
A fim de elucidar, caracteriza-se o ato previsto na Lei 8.429/92 apenas por dois fatores: o primeiro é a existência do envolvimento da Administração Pública direta ou indireta de um lado, e o segundo é de pelo menos de um agente público do outro lado. Preenchendo esses requisitos básicos e as figuras típicas dos artigos 9º, 10 e 11, estaremos diante de um ato de improbidade administrativa.
No art. 1º estão relacionados os sujeitos passivos. A lei foi editada para proteger os interesses materiais, como dinheiro e bens públicos; e imateriais, como os princípios da honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições.
Por isso, são sujeitos passivos da Lei nº. 8429/92: a Administração Pública – são os órgãos da Administração Pública direta e indireta, dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e as Entidades Privadas – são aqueles casos em que para o custeio ou criação haja ocorrido ou concorra mais de 50% do patrimônio ou da receita anual, ou quando o patrimônio da entidade receba subvenção, benefício ou incentivo (fiscal ou creditício) de órgão público, e seu patrimônio, cuja criação tenha sido custeado parcial ou totalmente, com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual.
O sujeito ativo será todo aquele que for agente público, em lato sensu, e terceiros co-autores, partícipes e beneficiários. No art. 2º, a Lei de Improbidade conceitua o que vem a ser agente público: reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Como visto, o legislador compõe a figura do agente público de diversas formas, considerando toda a atuação das pessoas investidas para atividade em prol do serviço público em geral, sendo ela remunerada ou não.
Silvio Marques[17] complementa quando argumenta que todo aquele que recebe ou não verba pública, em razão de qualquer vínculo com órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta, pode ser autor de ato de improbidade administrativa, sujeitando-se às penas previstas em lei.
No art. 3º, o legislador faz jus à participação de terceiros, quando diz que as disposições da lei são aplicáveis, no que couber àquele, que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Essa referência a terceiros foi de imensa importância, para aquele que participa do ato ímprobo, persuadindo o agente público ou mesmo concorrendo ao materializar a ação delituosa, sendo punido também pelo que regra esta norma.
Nesse sentido, o terceiro partícipe que induz e atua na execução respondem como se fossem agentes públicos, na medida da sua culpabilidade. O beneficiário responderá por improbidade quando tiver ciência da natureza ato ímprobo que o beneficiou. Aquele que não tomou os cuidados necessários no momento da aquisição de um bem, sem saber sua procedência ou vantagem auferida, também irá ser enquadrado como nas hipóteses acima.
Obviamente que não haverá dentre as penalidades, a perda de função pública a terceiros, mas o mesmo não estará isento das penalidades previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa.
3.3 – Métodos de apuração do ato de improbidade administrativa
Após a caracterização dos atos ímprobos e dos sujeitos passivo e ativo que atuam na ação delituosa prevista na Lei nº 8429/92, é necessário estudar os trâmites que se permeia da apuração do fato até a instauração do procedimento administrativo e judicial.
Primeiramente, haverá a investigação administrativa executada pelos representantes dos órgãos prejudicados e envolvidos, por meio da instauração de procedimento ou processo administrativo. Esse primeiro momento tem a finalidade de apurar os fatos para imposição de sanção administrativa e demais trâmites pertinentes, como por exemplo, o afastamento provisório de agente público em exercício pela autoridade competente como medida cautelar, se assim for necessário à instrução processual.
Quanto à conclusão do processo administrativo, é válido salientar que o mesmo não é meio alternativo ou finalístico para que se julgue em definitivo os atos ímprobos baseados na Lei de Improbidade. Esse equívoco é constante no meio acadêmico, visto que ao tratar-se de assunto ligado à matéria de Administração Pública, o resultado seria a instauração de um processo administrativo. Porém, Carlos Frederico Santos[18] traz com propriedade comentários à questão, como segue:
“Embora as suas conclusões possam conduzir à aplicação das penalidades disciplinares previstas no estatuto em face da conduta equivalente à que a LIA qualifica como ímproba, respeitado o contraditório e a ampla defesa poderá aplicar as sanções do art 12 da Lei nº 8.429/92, que ocorrerá sempre por ato jurisdicional típico – sentença (…)”.
Complementa ainda o mesmo autor, que o processo administrativo previsto na LIA funciona como o inquérito policial na esfera criminal, que visa fornecer ao Ministério Público ou ao querelante os alicerces ou as informações mínimas sobre a autoria e a materialidade para propositura da ação penal, tendo em vista que não há previsão legal que fundamente a aplicação das penalidades do art. 12 da lei comentada, ou seja, decorrentes da prática de ato ímprobo, pela autoridade administrativa.
O Ministério Público pode através do inquérito civil ou peças de informação subsidiar a eventual ação civil, procedimento administrativo, inquérito ou processo criminal. Isso porque é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, sendo sua incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Além disso, a promoção da ação civil ligada à Lei 8.429/92 tem a finalidade de cumprir o preceito Constitucional do MP de proteger patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, como reza os artigos 127, caput e 129, inciso III.
Após essa fase de obtenção de subsídios para as acusações que porventura ocorram, a ação de improbidade – ou ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa – poderá ser instaurada finalmente.
Apesar da aparente simplicidade dos procedimentos, eles se equiparam aos liames previstos no processo civil brasileiro, pois possibilitam a oitiva de testemunhas, realização de perícia técnica e levantamento de documentos que ajudem no corpo probante do procedimento. Assim sendo, a mesma demora e o largo período na apuração de todas essas fases ajudam a postergar o resultado final, que culmina na sentença judicial.
No âmbito administrativo, geralmente não é fácil encontrar indícios suficientes da prática de ato ímprobo, mas apenas de infração às normas que regem a atividade administrativa, sendo a representação nem sempre obrigatória. Contudo, deve ser expedido ofício, pois quem deve decidir pela propositura da ação é o Ministério Público ou a Procuradoria do órgão.
Cabe citar, que é voluntária (ou seja, de ofício) a instauração do procedimento investigatório quando decorre do conhecimento, por qualquer meio, de fatos que, em tese, constituam lesão aos interesses ou direitos públicos. Isto é, quando o órgão ministerial se deparar com notícias jornalísticas que, em tese, representam atos ímprobos, poderá instaurar procedimento visando à investigação das irregularidades.
O julgamento e a decisão final é a fase posterior à realização das investigações que poderá concluir que houve ato de improbidade administrativa e sugerir à autoridade competente a instauração de um processo administração ou ação civil correspondente.
A tipologia dos atos de improbidade, entretanto, não é algo de fácil execução, pois permite ao julgador emitir decisão com larga margem de apreciação, visto a abrangência conceitual que o legislador utilizou. A base da Lei de Improbidade foi permeada durante este capítulo, fazendo jus aos detalhes fundamentais que serão utilizados para o desenvolvimento do objetivo precípuo deste trabalho monográfico, qual seja, a perícia oficial e a cadeia de custódia sob a ótica desta norma.
4. A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa
Atualmente, a perícia está em grande evidência por ser um recurso que elucida os diversos fatos com base na ciência, no contexto da investigação policial e no processo criminal.
A perícia colabora com o conjunto probante, tendo o legislador regrado sua importância no art. 155 do CPP, onde diz que: o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Segundo o dispositivo acima, observa-se que o juiz não está obrigatoriamente vinculado às provas elencadas no processo, devido a sua convicção ser formada livremente através do seu entendimento de todo material probante.
Porém, o que ocorre em relação à prova pericial é diferente. Apesar desta grande brecha na lei, ao permitir a livre motivação do juiz na sua decisão final, sabemos que a prova proveniente do trabalho do perito oficial tem um maior aproveitamento sobre as demais, devido ela ser elaborada através de fundamentação científica, de acordo com os resíduos remanescentes da ação delituosa, enquanto que as provas subjetivas dependem de testemunhos ou interpretação de pessoas, que, com o tempo, pode cometer uma série de erros, que distorçam a realidade dos fatos, postergando a chegada à verdade.
O art. 158 do Código de Processo Penal claramente faz jus ao trabalho pericial quando diz: “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” Sem esse trabalho da perícia, pode haver a nulidade do processo, conforme art. 564, inciso III, b.
Nesse sentido, notamos que o Código de Processo Penal evidencia diretamente a relevância da perícia no contexto probante, e não só remete isso nos artigos aqui já citados, como reserva um único capítulo referente ao exame de corpo de delito e das perícias em geral.
Para que o perito atue na perícia oficial há uma série de formalidades que são exigidas legalmente, de acordo com sua atuação específica. Afinal, é necessário que haja uma responsabilidade formal e técnica condizente com o altíssimo grau de responsabilidade atribuído a este profissional.
A história da perícia no Brasil apresenta uma grande carência no que tange às formalidades do trabalho pericial. Mesmo assim, pode-se averiguar grande diferença ao longo dos anos quanto a valorização e a legislação pertinente.
Nos anos 40 foi editado o Decreto-Lei nº 3.689, onde unificou e federalizou a perícia oficial. O legislador, na mesma época, determinou que a perícia fosse executada somente por agentes do Estado, ou seja, que a tarefa fosse executada somente por peritos oficiais, e para as demais localidades, onde não havia agentes para atuar, fosse determinada a atuação de um agente ad hoc, idôneo e com capacitação técnica.
Nos anos 60, no período do regime militar, os laudos emitidos pela perícia ajudavam a controlar a Justiça. Eram elaborados segundo a política militar da época, gerando um transtorno, ingerência e imoralidade quanto ao trabalho pericial. Se, porventura o perito se negasse a emitir conforme requisitado, a prova pericial era excluída ou os processos eram montados a partir das provas subjetivas.
No advento da Constituição de 1988, a perícia não foi contemplada com grandes avanços, mas dentro da ideologia da época, cada Estado iniciou seu processo constituinte, e com isso a perícia oficial teve tratamento diferenciado em vários Estados.
No ano de 1992, a Lei nº 8.455 entrou em vigor, com a finalidade de dispor sobre a prova pericial no âmbito civil.
Em 1994, a Lei nº 8.862 alterou o CPP determinando que as perícias deviam ser feitas por dois peritos oficiais. O isolamento e a preservação do local também foi tema dessa lei, no qual obrigou através da autoridade policial, a tomada de iniciativas que resguardem os vestígios que tenham ocorrido no local do crime.
Na edição da lei 11.690, de 2008, houve a alteração de quatro artigos relacionados à perícia (155 a 159), dentre os mais importantes, o legislador exigiu diploma de nível superior como pré-requisito para realização do exame de corpo de delito e outras perícias; e ficou facultada a atuação de dois peritos, podendo só um realizar a perícia. Houve essa mudança devido à grande falta de peritos na ativa, o que ocasionava grande atraso na emissão dos laudos.
No final de 2009, entrou em vigência a lei nº 12.030, que dispõe sobre as perícias oficiais e demais providências. A lei traz poucas regras, porém eficientes na normatização do trabalho do perito. Dentre elas, assegura a autonomia técnica, científica e funcional, exigindo concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.
No Rio Grande do Sul, a perícia oficial se desvinculou há 13 anos da polícia civil. Esse processo tornou a instituição livre de qualquer obrigação ou apreciação direta dos agentes da polícia, que poderia tornar o resultado da perícia duvidoso, pois sendo do mesmo ente investigador, o trabalho pericial não seria tão isento de opinião e tratamento.
O Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul é hoje o órgão oficial da perícia, que compõe a Secretária da Segurança Pública como órgão autônomo, junto com a Brigada Militar, a Polícia Civil e a SUSEPE. Ele é composto pelos departamentos de criminalística, médico-legal, de identificação e pelo laboratório de perícias. E como se vê adiante, os investimentos em tecnologia, em pessoal e organização institucional são grandes, tornando cada vez mais importantes o resguardo da moralidade e ética desse Instituto.
4.1 – A cadeia de custódia na perícia oficial
A cadeia de custódia é um procedimento utilizado não só pela prática pericial, mas pelas empresas em geral que priorizam a qualidade, a técnica e bom desempenho no desenvolvimento de seus serviços e produtos, utilizando essa garantia como guarnição de tudo que é realizado, na seqüencia de atos que compõem um resultado final.
Particularmente, os institutos de perícia do Brasil ainda não são especialistas no tema, tomando como parâmetro as idéias elaboradas no âmbito internacional. Porém, vários estados já estão elaborando projetos de inserção deste procedimento, sendo a razão principal para tal modificação a reforma processual penal de 2008, promovida pela Lei nº 11.690.
Nas mudanças ocorridas, a referida lei alterou os principais artigos que regem as provas no CPP, em especial o art. 157 que teve nova redação pertinente ao tema aqui discutido. No texto, o legislador ordena que:
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando às partes acompanhar o incidente”.
O tema central deste artigo é a vedação às provas ilícitas, não sendo possível o uso das mesmas no procedimento administrativo ou criminal. Se ela foi ou não obtida de forma ilícita, quem irá determinar é o Judiciário, e por derradeiro, saber todo o caminho que essa percorreu, a fim de localizar alguma ilicitude na sua obtenção, conforme atesta o parágrafo terceiro do artigo ora discutido.
No parágrafo primeiro e segundo, a norma trata das provas que derivam das ilícitas, ou seja, aquelas que estão em conjunto e que serão também destranhadas; e àquelas que poderão ser utilizadas quando de fonte independente, pela ausência do nexo de causalidade com a prova ilícita.
Oportunamente, Ivan Luís da Silva[19] comenta sobre essa regulamentação das provas:
“Trata-se da regulamentação normativa da já conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). Se a árvore está envenenada, seus frutos também estarão. As provas derivadas são aquelas decorrentes de outra produzida anteriormente. Por exemplo, durante uma escuta telefônica realizada sem autorização judicial (prova ilícita), descobre-se o local de um documento que prova a prática de outro crime. A obtenção dessa prova documental deu-se por via reflexa e derivada da prova ilícita. Se o nexo de causalidade entre as provas ilícita e derivada for evidente, a ilicitude da primeira estende-se à segunda. Em decorrência disso, ambas devem ser desentranhadas do processo se anteriormente juntadas ou inadmitidas”.
Nesse contexto, consegue-se justificar a importância da cadeia de custódia na produção de provas que futuramente poderão ser usadas. No local de crime, todo e qualquer vestígio, futuramente pode tornar-se prova, sendo necessário desde então, mapear o manejo dos elementos coletados para futura análise.
A cadeia de custódia é, portanto, conceituada pelo renomado perito criminal Alberi Espíndula[20], da seguinte forma:
“(…) seqüência de proteção ou guarda dos elementos materiais encontrados durante uma investigação e que devem manter resguardadas as suas características originais e informações sem qualquer dúvida sobre a sua origem e manuseios. Pressupõe o formalismo de todos os seus procedimentos por intermédio do registro do rastreamento cronológico de toda a movimentação de alguma evidência. Portanto, a cadeia de custódia é a garantia de total proteção aos elementos encontrados e que terão um caminho a percorrer, passando por manuseio de pessoas, análises, estudos, experimentações e demonstração-apresentação até o ato final do processo criminal”.
A prova ajuda a reconhecer, demonstrar e formar em juízo, a existência de um fato material, pelo qual se conclui pelo estudo do que foi recolhido. Dessa forma, conforme Espíndola[21], todos os elementos que darão origem às provas periciais ou documentais requerem cuidados para resguardar a sua idoneidade ao longo de todo o processo de investigação e trâmite judicial. Necessitam, portanto, dos indispensáveis procedimentos de garantia da cadeia de custódia.
Importante esclarecer, que a cadeia de custódia não está restrita ao perito, mas deve ser registrada desde o momento que a autoridade policial tem contato com qualquer vestígio. Envolve também a delegacia policial, pois geralmente é o primeiro que toma conhecimento do fato, sendo importantíssimo o resguardo dos objetos que por necessidade tenham sido recolhidos. Além disso, o procedimento da cadeia de custódia não termina após a emissão do laudo. Os elementos colhidos são necessários até o fim do processo, até este ter transitado em julgado.
Este pensamento é reflexo da recente inserção da figura do Assistente Técnico, introduzido também pela Lei nº 11.690/2008, que autoriza a sua atuação na justiça criminal como espécie de fiscalizador das partes.
O legislador regulou no artigo 159, § 6º do CPP, a forma pela qual o Assistente deve efetuar seu trabalho: havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
A parte interessada pode requerer ao juiz a atuação de Assistente Técnico com a função se manifestar a respeito do resultado já emitido pelos peritos oficiais, e de repetir os exames que ainda podem ser efetuados, a partir dos vestígios remanescentes. Mesmo assim, encontramos visivelmente ampliada, as condições de questionamento pelas partes no processo, garantindo o contraditório também no laudo pericial.
Alberi Espíndola[22] (2009) traz os procedimentos em três casos: da proteção a partir da perícia, a partir da polícia e nos casos de busca e apreensão. Resta fazer um apanhado dos ensinamentos do perito, a fim de traçar a melhor forma de proceder:
Quanto a seqüencia de proteção a partir da perícia:
1) No momento em que o vestígio for constatado (encontrado), os peritos criminais deverão proceder ao respectivo registro no exato local onde foi encontrado e fazendo todos os demais procedimentos que a técnica criminalística recomenda para o tratamento de vestígios em locais de crime.
2) Ao recolher o vestígio (ou, se for o caso, uma amostra dele), primeiramente devem analisar as suas condições, visando conhecê-lo adequadamente, a fim de não comprometer qualquer informação nele contida e que possa ser alterada com o simples manuseio incorreto.
3) Preparar o vestígio para transporte, acondicionando-o em embalagens previamente confeccionadas. A embalagem deve ser específica para cada tipo de vestígio, dependendo da sua condição (embalagem em saco plástico ou de papel, caixa de papelão e outros tipos que se façam necessários). O acondicionamento em embalagem inapropriada é também uma forma de se quebrar a cadeia de custódia, pois isso pode acarretar modificação das condições daquele vestígio.
4) Imediatamente ao colocar na embalagem própria, esta deve ser fechada e devidamente lacrada. O lacre deve ter numeração, a fim de facilitar os respectivos controles e protocolos de encaminhamentos.
5) Em cada tipo de embalagem já deve haver impresso, em uma de suas faces, um espaço para o preenchimento de dados relativos ao objeto acondicionado e sobre a ocorrência em andamento, além dos objetivos seguintes para quem irá tratar aquele vestígio.
6) Chegando ao Instituto, o perito criminal deve providenciar o encaminhamento inicial desses vestígios aos respectivos setores especializados. Dependendo da estrutura do órgão, poderá existir uma central de vestígios e, dali, ocorrer a respectiva distribuição. Essa embalagem lacrada só poderá ser aberta diretamente pelo perito que irá realizar o exame específico que tenha sido solicitado. Em nenhum momento desse trâmite a embalagem poderá ser aberta.
7) Durante o período do exame no setor especializado, nos momentos em que não estiver sob a guarda visual direta do perito responsável pelo respectivo exame, é preciso que a Instituição tenha formas operacionais de guarda segura desse objeto, a fim de manter a sua idoneidade.
8) O perito do setor especializado que receber a embalagem com o vestígio deve examinar se não há nenhuma violação e, após o exame, se tiver que devolver o material, novamente embalar e dar novo lacre, tudo isso sendo mencionado no Relatório que irá encaminhar ao perito criminal que fez a perícia no local do crime.
9) Por sua vez, o perito criminal do local, ao receber o resultado e a respectiva devolução do material (se for o caso), deve conferir a integridade da embalagem e seu lacre, tudo, também, sendo mencionado em seu Laudo Pericial.
10) Importante ressaltar que, nos encaminhamentos internos que o material sofrer, ninguém poderá abrir tal embalagem para possíveis conferências, pois a responsabilidade de seu conteúdo é do perito criminal que a lacrou. Está autorizado a abrir a embalagem somente o perito do setor especializado que irá realizar o exame específico.
11) Todos os trâmites internos, no Instituto, da embalagem lacrada devem constar de registros administrativos para possíveis conferências futuras.
12) Quando o objeto chegar à Delegacia, procedente do Instituto de Criminalística juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda para quem o abriu.
13) As embalagens de material custodiado que estejam devidamente lacradas devem conter externamente a informação de que tais lacres só podem ser abertos por autoridade devidamente habilitada para tal nos autos do inquérito policial ou processo judicial.
Quanto a seqüencia de proteção a partir da polícia:
1) O agente que primeiro tiver contato com algum objeto suspeito ou resultante de ação delituosa deve fazer o registro formal desse recebimento ou achado, descrevendo todas as informações do objeto, sua origem e tudo o mais que possa garantir a certeza de sua procedência.
2) Imediatamente esse objeto deve ser colocado em alguma embalagem, e devidamente lacrado, para fazer chegar até a autoridade policial que seja a responsável pela coordenação das investigações. Esse encaminhamento deve constar de registros administrativo-operacionais.
3) Na entrega da embalagem lacrada com o objeto, na respectiva delegacia de polícia, a autoridade policial será a responsável por abrir tal embalagem, a fim de fazer providenciar o auto de recebimento e apreensão, nesse momento conferindo especificamente tal objeto.
4) Ao abrir a embalagem, a autoridade policial deve ter o cuidado no contato com o objeto, pois o material pode ser sensível a modificações pelo manuseio, especialmente se demandar a necessidade de algum exame pericial.
5) No auto de recebimento e apreensão, a autoridade policial deverá fazer constar primeiramente as condições da embalagem e respectivo lacre conforme esteja recebendo, para, posteriormente, descrever o objeto em si. Uma cópia desse auto deve acompanhar sempre o objeto em encaminhamentos posteriores.
6) Tal qual na perícia, também a autoridade policial deve atentar para o tipo de embalagem a partir da peculiaridade do objeto, visando sempre resguardar possíveis alterações em função de utilização de embalagens inadequadas.
7) Portanto qualquer objeto que esteja sendo investigado com possível vinculação a um crime, que ficar guardado na delegacia durante o período da investigação, é necessário que seja acondicionado em embalagem lacrada, mantendo-se o rigor da cadeia de custódia.
8) No curso da investigação no âmbito da delegacia, se houver necessidade de manusear diretamente o objeto apreendido, isso deve ser feito pela autoridade policial ou o agente que necessite desenvolver alguma etapa investigatória e, para tanto, devem ser registradas documentalmente a abertura e posterior reembalagem com novo lacre. O documento deve consignar as condições da embalagem/lacre que foi aberto, os objetivos do manuseio, o tempo decorrido com o investigador e o conseqüente processo de embalagem/lacre posterior.
9) Finalizado o inquérito, os objetos seguirão para a justiça em suas respectivas embalagens lacradas, e somente poderão ser abertas nos momentos expressamente determinados pelo magistrado, de tudo se registrando tal abertura, movimentação e quem procedeu a tal manuseio.
10) Assim deve seguir o controle até o processo transitar em julgado, no sentido de garantir a idoneidade desses materiais.
Quando houver necessidade da aparição de peritos nos casos de busca e apreensão, as tarefas concernentes à seqüência de proteção, será como descrito abaixo. Do contrário será da autoridade policial.
1) A busca deve ser efetuada num cômodo de cada vez (sem desmembrar a equipe para atuar simultaneamente em outros ambientes), visando o completo controle dos bens desde o exato momento em que forem encontrados. Não se deve ter preocupação com o tempo. Essa é uma tarefa que precisa ser feita sem pressa e com muito critério.
2) A autoridade policial que estiver coordenando a busca – de acordo com o planejamento prévio – deverá colocar somente alguns policiais (em número suficiente para tornar a busca eficiente, mas sem congestionar o ambiente examinado) nessa tarefa. Os demais ficarão vigiando os outros ambientes.
3) No momento que algum objeto for encontrado ou que seja evidente a sua descoberta, os peritos criminais deverão coordenar os registros da busca, utilizando-se dos recursos e técnicas criminalísticas para o tratamento de vestígios em locais de crime. Além disso, a autoridade policial deverá chamar a atenção das testemunhas para observarem o local onde o objeto se encontra.
4) Encontrado o objeto, primeiramente analisar as suas condições, visando conhecê-lo adequadamente, a fim de não comprometer qualquer informação ali contida e que possa ser alterada com o simples manuseio incorreto. Nesse contexto, pode haver inclusive alguma forma de camuflagem do objeto e que seja importante registrar no exame.
5) Fazer o registro do objeto no exato local onde foi encontrado, descrevendo-o, operando fotografias e medições – a chamada amarração – para, só depois, começar a manuseá-lo.
6) Caso seja imprescindível, os peritos criminais devem estar preparados para realizar alguns exames no próprio local, visando evitar possíveis perdas antes da sua movimentação e recolhimento, em conseqüência do manuseio que será a seguir feito.
7) Antes do recolhimento do objeto, fazer a sua respectiva identificação, para constar do laudo pericial e do auto de apreensão.
8) Colocar o objeto em embalagem adequada (malote, caixa, saco plástico, etc.) e lacrar a sua abertura, apondo a assinatura do perito criminal e/ou da autoridade policial. Quando tiver lacre próprio, relacionar no laudo e no auto de apreensão o respectivo número do lacre. Recomenda-se ainda que o perito criminal ou o delegado de polícia acrescente um sinal/marca própria como garantia adicional, constando essa informação no laudo e no auto.
9) Quando se tratar de material sensível ao manuseio e transporte, tomar os devidos cuidados para mantê-lo como foi encontrado.
10) Transportar o objeto para o Instituto de Criminalística, se for necessário algum exame pericial. Do contrário, levar diretamente para a respectiva Delegacia de Polícia, onde estarão sendo coordenadas as investigações. Em se tratando de valores ou qualquer outro material peculiar (ex.: substância entorpecente), a autoridade policial deverá providenciar a guarda em local seguro ou dar a destinação adequada (ex.: sendo dinheiro, providenciar depósito bancário, sob custódia do Estado ou colocar em um cofre seguro).
11) Quando o objeto chegar à Criminalística, o lacre somente poderá ser rompido pelo perito criminal que for examinar o referido objeto, ficando sob a sua responsabilidade até o final dos exames e entrega do laudo pericial. Durante o período do exame, nos momentos em que não estiver sob a sua guarda visual direta, é preciso que a Instituição tenha formas operacionais de guarda desse objeto, a fim de manter a sua idoneidade. Todas essas informações deverão constar no laudo pericial.
12) Se o objeto foi diretamente para a delegacia ou para lugar pré-determinado em função das suas peculiaridades, a autoridade policial deverá tomar todas as providências para mantê-lo lacrado e somente quando necessário poderá ser aberto, o que, para tanto, deve ser formalmente registrado. Após, voltar a lacrar novamente. Também nesse caso, essas movimentações devem constar de algum documento formal inserido no Inquérito, inclusive listando o nome de quem abriu e quem manuseou tal objeto até o lacre seguinte.
13) Quando o objeto chegar à Delegacia, procedente do Instituto de Criminalística, juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda para quem o abriu.
14) No encaminhamento do Inquérito Policial ao Judiciário, quando relacionar os materiais apreendidos, deverão ser registrados todos os procedimentos adotados para a manutenção da cadeia de custódia e, ao final, informado que tais lacres só podem ser abertos por autoridade devidamente habilitada para tal nos autos do processo.
A perícia gaúcha elaborou projeto, na tentativa de elaborar procedimentos próprios para implementar as alterações do CPP. Desta forma, foi publicado na Portaria IGP nº 24/2009 sobre a constituição de uma comissão para análise, planejamento, apresentação de sugestões de princípios e normativas a serem respeitas na Instituição, considerando a necessidade de definir procedimentos fundamentais do IGP em cada estágio do ciclo de vestígio desde o seu registro, posse, coleta, acondicionamento, transporte, processos de análise, guarda, descarte ou devolução do material probatório e a emissão do laudo, observando as peculiaridades de cada Departamento e laboratório, bem como padronizando trâmites departamentais e interdepartamentais.
O esqueleto do projeto em andamento, presidido pela Perita Criminal Joseli Pereze Baldasso, foi publicado no site do Instituto Geral de Perícias. Seu conteúdo se assemelha ao descrito pelo Perito Alberi Espíndula, porém retrata mais o momento e a realidade da instituição.
O projeto tem por título o “DESENVOLVIMENTO E IMPLANTAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA DE EVIDÊNCIAS DO IGP/RS” e sua implementação justifica-se na idéia de que quando não se pode contestar as provas, vão tentar contestar os procedimentos de obtenção das mesmas. O projeto partiu de uma proposta de trabalho dos integrantes do GTCC nacional que representam o RS, juntamente com o setor da Informática e da Supervisão Técnica, motivado pela consciência da necessidade e urgência do desenvolvimento e implantação da cadeia de custódia no IGP, a exemplo do que já está sendo realizado em outros estados, buscando, primordialmente, orientação na Carta de Brasília elaborada pelo GTCC nacional.
Entretanto, apesar das boas idéias, o projeto apresenta também as restrições que tamanha mudança traz no ambiente laboral. No próprio corpo do programa, as limitações apresentadas são diversas, tais como: limitação de recursos humanos devido as suas atribuições rotineiras; ausência de norma específica estabelecendo a cadeia de custódia nos Órgãos Periciais; ausência de rubrica específica para implantação do projeto; falta de recursos humanos suficientes para a manutenção da cadeia; resistência interna dos servidores frente à mudança de cultura.
4.2 – A Cadeia de Custódia e o perito oficial sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa
As provas, por si só, pertencem a um patamar importantíssimo no processo de verificação e conhecimentos dos fatos apresentados em juízo pelas partes. Elas representam o meio utilizado para demonstrar uma verdade, cabe ao homem saber interpretá-la. Para que essa interpretação ocorra de maneira mais objetiva e científica, faz-se necessária a figura do perito oficial.
Não obstante ao já exaustivamente comentado, o ordenamento jurídico já apresenta leis infraconstitucionais que regulam os detalhes mais imprescindíveis quanto às provas que afetam o processo, em concordância com o preceito constitucional descrito no art. 5º, inciso LVI, que considera inadmissíveis os meios ilícitos para obtenção das provas.
Apesar de já vigentes, muitas dessas leis pegam os diversos órgãos envolvidos desprevenidos, no que se referem a sua manifestação obrigatória quanto aos novos procedimentos a serem atendidos. É o que se verifica na Lei nº 11.690 de 2008, que entrou em vigor sem o devido preparo dos Institutos de Perícia do País.
Partindo do pressuposto, que o legislador identificou a necessidade do sistema ter formalizado a cadeia de custódia, entende-se que há direitos que estavam sendo feridos sem lei que os assegurasse. Afinal, dentro de todo o procedimento desde a coleta do material a ser periciado, passamos por alguns estágios.
Se a prova for direta, ela será percebida e apreendida pelo próprio julgador, ou seja, será o exame pericial direto, que segundo Luiz Ferreira[23] é quando existe o objeto examinado ou quando haja vestígios do fato quando da realização da perícia.
Segundo o mesmo autor, se a prova for indireta, ou seja, necessita de intermediação, ela necessitará de reconhecimento, uma reconstrução dos acontecimentos ou uma projeção do passado para a realidade, mediante a utilização de diversos recursos colocados à disposição dos experts da ciência.
Então, seja qual for sua natureza – documental, testemunhal ou pericial – o primeiro passo para tornar os objetos em provas, é a suspeita ou presunção. A presunção é a opinião pessoal, a convicção subjetiva e experiente, da existência de uma verdade, de uma relação com o delito e determinado fato ou objeto. E o indício, portanto, será o fato ou sinal provado, através da relação deste com o que fora coletado e analisado, pois especialistas não afirmam de início a veracidade dos fatos pelos objetos apontados. Corroborando, o próprio Código de Processo Penal define indício no art. 239, como “a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”
Sobre o tema, Luiz Eduardo Dorea e outros[24] comentam que
“verifica-se, então, que num local de crime, por exemplo, em princípio todos os fatos, marcas, sinais, vestígios, não podem, de início, serem desprezados; poderão ser, na seqüência, de utilidade, ou não, para o esclarecimento do fato e colaborar com a determinação da autoria; se estiverem relacionados com o fato e devidamente interpretados com rigor e exatidão, constituirão a prova por indícios, ou seja, a prova indiciária”.
Discorre ainda os mesmo autores[25], que outro aspecto de significativa importância para o valor probatório da prova por indício é, sem dúvida, do caráter de autenticidade que deve envolver os indícios, ou seja, a sua legalização, especialmente no que se refere ao surgimento, à origem, de cada um deles e trazidos ao bojo dos autos. Implica isto a afirmativa de que deve sempre e invariavelmente haver plena certeza jurídica e processualística ao se considerar e julgar cada elemento de prova, principalmente tendo em vista que se encontra em jogo a segurança da sociedade e a honra, a liberdade e o patrimônio das pessoas.
Constrói-se dessa forma uma situação de sustentabilidade da prova pericial através da cadeia de custódia. De diversas formas foram exploradas e justificadas, a importância de se assegurar a proteção de forma integral dos vestígios encontrados e indicados para análise.
Várias são as causas responsáveis pelas alterações das características dos vestígios, seja elas contaminação, alteração do seu produto, subtração ou adição de substâncias novas, modificação da forma, destacando-se as causas naturais, causas acidentais – negligência, imperícia imprudência, e as causas propositais, que envolvem dolo, como a destruição voluntária de elementos que impossibilitem ou deturpem o resultado final.
Neste momento, se encontra a possibilidade de modificação do resultado final perante a mudança da cadeia de custódia. Ou seja, mais uma vez, é elucidada a importância da manutenção dessa seqüência de registros que se formam ao longo do processo, a fim de não prejudicar o direito das partes, de obterem a verdade a partir da perícia.
Como o assunto ainda é relativamente difícil de ser abordado, por falta de bibliografia especializada, e, principalmente, por falta de opinião unânime dos próprios peritos dos Institutos de Perícia do Brasil, chega-se ao ponto chave da presente pesquisa, que seria qual o enquadramento administrativo adequado, para o perito que não observasse o disposto no Código de Processo Penal (quanto ao resguardo das provas).
Há doutrinadores que detém suas pesquisas em torno do crime de falsa perícia, previsto no Código Penal, art. 342, deixando as sanções administrativas descortinadas e ao avesso da legislação pertinente.
É verdade que pouco se contesta o trabalho do perito, devido sua peculiaridade laboral e sua especificidade, que é restrito a poucos profissionais atualmente. Perito é aquele técnico incumbido por aptidão própria à sua atuação, de averiguar os fatos a ele concernentes e emitir um parecer sobre isso. É a testemunha técnica, que supre as lacunas de um fato a ser julgado, no qual os julgadores não são capazes de atender na sua totalidade.
Tamanha sua importância e responsabilidade, que os estudos referentes ao seu trabalho – como o aprofundamento científico-teórico – tem cada vez mais se tornado evidente na mídia, no meio acadêmico e profissional.
Com o objetivo de tornar isso cada vez mais questionável, o estudo aqui produzido tem o interesse de verificar a sanção administrativa que porventura seja aplicada ao perito oficial, se este culminar com atitude culposa ou dolosa no procedimento da cadeia de custódia. Acredita-se que como se trata de perícia oficial, o enfoque desse trabalho tenha respaldo da Lei de Improbidade Administrativa (lei nº 8.429/92).
Atualmente, o perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por vezes emite opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem a possiblidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do procedimento de recolhimento das futuras provas. É válido atentar, que não se está questionando a qualidade do serviço efetuado pela perícia oficial; o que se questiona é qual o limite aplicado da discricionariedade no trabalho, no que tange o manejo e a qualificação das evidências obtidas na análise dos vestígios.
Nesse diapasão, há a necessidade latente de questionar qual é a norma que resguardaria essa lacuna, sendo a lei de improbidade administrativa a escolhida, devido seu caráter generalista quanto ao sujeito ativo e quanto ao seu objeto.
Como já estudado no Capítulo II, o sujeito ativo é todo aquele que tem vínculo direto ou indireto com qualquer uma das pessoas jurídicas mencionadas no art. 1º, da Lei 8429/92. Por derradeiro, quando o perito oficial, incluso no conceito de agente público, efetuar qualquer uma das condutas previstas nos art. 9º ao 11, ele poderá ser punido por improbidade administrativa, independente das sanções penais e civis previstas em legislação específica.
O que ainda não foi discutido pela doutrina e juristas, se é possível administrar essa lei no procedimento da cadeia de custódia, visto que, além de não ter norma específica sobre o assunto, sua referência no Código de Processo Penal é limitada e não há menção de fiscalização na aplicação dos procedimentos, exceto pelo Assistente Técnico, que encontra diversas limitações e precisa ser contratado pelas partes.
Segundo o perito Espíndula[26], nos últimos anos alguns advogados começaram a contestar as velhas práticas do manuseio incorreto de evidências, lançando dúvidas sobre a sua origem. Agora, com a criação da figura do assistente técnico no processo criminal, certamente esse quesito será enormemente explorado, pois será um outro perito que estará avaliando com mais propriedade todos os procedimentos seguidos pelos peritos oficiais e pelos policiais. O autor roga pela urgente preparação dos Institutos para seguir corretamente os procedimentos da cadeia de custódia, salientando que o Governo Federal é hoje um grande incentivador de qualidade na segurança Pública no Brasil, criando em 2009 um Grupo de Trabalho para estabelecer um projeto básico de implantação de cadeia de custódia nos órgãos periciais oficiais.
Isto posto, verificar os tipos ilícitos que a Lei de Improbidade traz no seu escopo ajuda a delimitar o enquadramento do perito oficial, nos casos em que não obedecer os procedimentos da cadeia de custódia.
O artigo 9º trata do ato de improbidade relacionado ao enriquecimento ilícito, que só se configurará se o perito auferir vantagem patrimonial no exercício do cargo, ou, notadamente cumprir qualquer dos incisos seguintes, que tratam do mesmo tema.
O artigo 10 refere-se aos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, isto é, dentro da realização dos passos da perícia de algum objeto ou fato, o perito precisaria causar prejuízo ao erário por qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que ensejasse perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres da Instituição ao qual ele está vinculado, ou, notadamente, cumprir qualquer dos incisos seguintes, que são algumas possibilidades, sem restrições.
Já o artigo 11, que trata dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração pública, torna qualquer ação ou omissão sensível ao delito ora estudado. Os princípios citados no caput do artigo são os relacionados ao dever de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Porém, a doutrina concorda que são elementos meramente exemplificativos, não limitando aos princípios citados, visto que se trata de um ingrediente nuclear de qualquer sistema, impondo assim a abrangência dos demais elementos que comumente encontramos nos estudos do Direito Público.
Nos incisos seguintes, o artigo continua com rol não taxativo, indicando que o agente público que: praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; negar publicidade aos atos oficiais; frustrar a licitude de concurso público; deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço – também será enquadrado no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
Após justificativa acima estudada, resta assinalar esta como a melhor alternativa para aplicar como sanção ao perito oficial, caso este não incorra com a adequada aplicação da cadeia de custódia, no seu trabalho pericial. Essa conclusão se manifesta através da própria natureza da atividade pública pela qual o perito realiza.
O princípio da legalidade é inerente do sistema democrático, que se manifesta através das leis previamente elaboradas e aprovadas por seus representantes, para o alcance de todos. É tido por Celso Bandeira de Mello[27], como o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo; é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria.
Obedecer a lei é obedecer ao propósito político do país, é garantir que o quadro normativo não empregue favoritismos, desmandos e a discricionariedade exacerbada de muitos agentes públicos, em prol de um objetivo pessoal. É respeitar o coletivo e a opinião da sociedade, afinal, como reza o art. 1º, parágrafo único da nossa Constituição, “Todo poder emana do povo”.
Colaborando outra vez com seus ensinamentos, Celso de Mello[28] discorre que
“(…) o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro”.
Observa Silvio Marques[29] com propriedade, que são múltiplas as possibilidades de verificação aos vícios de procedimento, cujos atos administrativos em regra são praticados nos autos do procedimento próprio ou, ainda, conforme o ritual preestabelecido na lei. Constitui ilegalidade a ofensa ao procedimento previsto em lei e a supressão ou subversão das fases.
Nos termos do art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A opinião vigente entre os estudiosos é que a lei não se assemelha a regulamentos, resoluções e portarias. Logo, se a Administração não proibir ou impor comportamento algum, e a lei necessitar de melhor esclarecimento que venha a minudenciar norma nova, não serão os agentes obrigados a cumpri-la.
A cadeia de custódia é um ato administrativo com todas suas características inerentes, e, apesar da atual preocupação com a redação modificada do Código de Processo Penal, e a necessidade em resguardar a prova pericial ao máximo; a qualidade e a eficiência nas atividades periciais é o que buscam os Institutos de Perícia quando urgem em instituir o procedimento em estudo, na prática cotidiana desta atividade pública. Mas o que não se pode negar, é a falta de norma que registre literalmente e de forma clara a obrigação por parte da perícia oficial com o ditame da documentação da cadeia de custódia.
Enfim, chega-se à conclusão: aquilo que não está normatizado não pode ser cobrado ou considerado ato delituoso por parte do Estado. Neste caso específico, o que nos leva a crer, que somente no momento em que houver norma que regule efetivamente a cadeia de custódia, essa terá eficácia entre os peritos oficiais, não podendo, no momento, configurar ato de improbidade administrativa por ato que fira os princípios da Administração Pública.
5. CONCLUSÃO
O Brasil tem, freqüentemente, relatos e notícias sobre corrupção no serviço público em geral. Isto não ocorre somente nos tempos modernos, pelo contrário, seus primórdios são da época em que Brasil era colônia de Portugal, e o sentimento nacionalista ainda estava em formação.
Tratar sobre a probidade no serviço público é justamente tratar sobre a nação e o espírito coletivo que integra a política de um país. Afinal, tudo que tange os atos da administração refletem nas atividades que são oferecidas à população, imprescindíveis, portanto, a estes para que mantenham uma vida tranqüila e ordenada em sociedade.
Após algumas tentativas, hoje o sistema jurídico dispõe da Lei nº 8429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – para fazer o controle de atos emanados pelos agentes públicos. Elaborada tardiamente, a referida norma relaciona uma série de tipos que correspondem aos delitos praticados no âmbito administrativo contra o patrimônio, ao erário e aos princípios que regem o direito público.
Desde forma, observa-se o caráter generalista da lei ora estudada, buscando na mesma a solução da problemática deste trabalho monográfico, qual seja, a possibilidade do perito ser sujeito ativo da lei de improbidade através do procedimento da cadeia de custódia.
Este procedimento é inovador quanto à guarda e proteção de objeto ou material bruto constatado e recolhido para análise posterior do perito oficial. Poderá após o trabalho atento e justificado, tornar-se futuro elemento probante no âmbito processual.
Esse tipo de prova, a pericial, resguarda em si a história do delito praticado; é o fundamento científico para comprovar uma verdade, isto é, objetiva a reconstrução de um ato já praticado.
Ao empreender este estudo verifica-se, portanto, que está na cadeia de custódia as medidas necessárias para o devido acompanhamento e registro de todos eventos da prova, do seu registro, identificação e utilização final. Seja interferência interna ou externa, deve ser tudo relatado, para fins de possível questionamento das partes envolvidas no processo judicial.
A perícia gaúcha considera a normatização da cadeia de custódia, necessidade urgente, permitindo assegurar o procedimento e ter maior comprometimento de todas as instituições envolvidas. Para tanto, além de normatizar a cadeia precisamos de norma que penalize administrativamente o agente público, sendo até o presente momento, a Lei de Improbidade administrativa a mais adequada.
Porém, a própria perícia oficial e o governo federal estão com projetos em andamento, sem estar nada concluído. Apesar do artigo 159, § 6º, do Código de Processo Penal, rezar que havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes; o legislador faz a ressalva que isso ocorrerá se assim for possível a sua conservação. Ou seja, o ciclo de vida do vestígio não está formalizado e resguardado por nenhuma norma até o resultado final de todas as tratativas dos projetos e grupos de trabalho sobre o assunto.
Ao ocupar-se das sanções que poderiam ser aplicadas, caso o perito oficial não obedecesse ao registro do ciclo de vida do vestígio, chega-se a conclusão que este agente público poderia ser penalizado administrativamente pela Lei nº 8429/92, desde que o procedimento da cadeia de custódia fosse ato padronizado por norma ativa no ambiente público.
Afinal, como garantir a idoneidade do trabalho pericial; a manutenção e documentação da história cronológica do vestígio sob guarda da instituição oficial; o registro da posse e manuseio da amostra; e, garantir a idoneidade e preservação da contra-prova, sem que ao menos conste na administração pública qualquer regra que legalize esse trâmite no ambiente administrativo do órgão da perícia oficial.
Certamente, admitem-se todas as razões para manter a relevância da implementação desse projeto, mas não há atualmente legislação que resguarde a prova da atuação do perito oficial nesse procedimento, visto que nesse percurso de coleta da evidência até sua análise, nem mesmo o assistente técnico tem acesso.
O perito que compõe o corpo laboral da perícia oficial por vezes emite opinião única no processo, sendo que a outra parte não tem a possiblidade de acompanhar e atuar devidamente dentro do procedimento de recolhimento das futuras provas. O tema é de grande importância, devido ao peso que a prova pericial possui no processo, seja qual for sua natureza. Além disso, resguardar a figura do perito oficial e sua metodologia de atuação é fator de suma importância.
A falta de estudo a cerca do assunto é outra razão para que haja um aprofundamento específico do mesmo, visto que, na medida em que não há posição firmada, a discricionariedade exacerbada pode tomar conta dos diversos atos concernentes à perícia.
Nesse sentido, cumpre dizer que não há norma brasileira que proteja o usuário da perícia e sancione os resultados obtidos através do procedimento da cadeia de custódia. Por tal razão, e visando resguardar as garantias constitucionais, se empreendeu este estudo para dirimir qualquer questionamento sobre o assunto até a presente data, visto que se trata de questão a ser ainda discutida pelas instituições de perícia no Brasil.
[1] ARMITAGE, John. História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da História do Brasil de Southey. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981, p.32.
Informações Sobre o Autor
Paula Velho Leonardo
Papiloscopista – IGP/RS; Pós-Graduanda em Direito Público – LFG