Resumo: O presente artigo analisa a cessão de crédito enquanto instrumento de transmissibilidade de bens e crédito no Direito Civil. Para tanto, construiu-se as abordagens observando a doutrina e a legislação que versa acerca do tema. O método utilizado foi o bibliográfico, com consulta de livros e artigos científicos. Almeja-se ao final da construção jurídica sobre tema, registrar a importância da cessão de crédito no direito brasileiro, destacando sua estrutura e conceituação prática.
Palavras-chaves: Cessão de Créditos; Direito Civil; Transmissão.
Sumário: 1. Introdução; 2. Análise temática da cessão de crédito; 3. Efeitos da cessão de crédito; 4. Causalidade ou abstratividade?; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. Introdução
O presente artigo discute a cessão de crédito dentro do direito obrigacional, como mecanismo de transmissão de riquezas e em sua estruturação legislativa e prática. Nesse passo, a priori, aborda-se ao longo das abordagens uma discussão descritiva e crítica, visando compreender de forma basilar o tema proposto.
De imediato há de se reconhecer que a cessão de crédito encontra-se no contexto do Direito das obrigações na seara da transmissão de obrigações. O Direito obrigacional é de grande importância, pois lida com vínculos entre pessoas de caráter econômico, patrimonial. Nos dizeres de Washington de Barros Monteiro citado por Venosa (2006, p. 05) “obrigação é a relação jurídica de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio”.
Assim, o estudo acerca da cessão de crédito analisa as formas de se transmitir a prestação que um credor possui diante de um devedor para um terceiro.
A pesquisa seguiu método bibliográfico e cuidou de analisar o conteúdo doutrinário e legislativo sobre o tema. Em conformidade com Gil (2002), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, capazes de trazer à tona os aspectos doutrinários acerca do assunto em foco, formando assim, um conhecimento elaborado sobre a temálaborado sobre a temhecimento tica abordada. “Para efetuar este tipo de pesquisa, deve-se fazer um levantamento dos temas e tipos de abordagens já trabalhados por outros estudiosos, assimilando-se os conceitos e explorando-se os aspectos já publicados” (PRESTES, 2006, p. 26).
2. Análise temática da cessão de crédito
O direito das obrigações até não muito tempo atrás era identificado como um ramo do direito privado cujas estruturas e funções seriam um tanto quanto estáticas em face da dinâmica da economia. (LEONARDO, 2007). Nesse sentido era atribuído a direito das obrigações um caráter de imutabilidade, esta seria uma visão antiga, pois, hodiernamente vislumbra-se um direito obrigacional intimamente ligado com a teia social, e dotado de uma capacidade de circulação de riquezas.
A cessão e crédito encontra-se lograda dentro do âmbito do Direito Obrigacional. Cabe apontar que o termo obrigação já traz a idéia de vinculo e dever de um ente para com outro que tem então um direito. Trata-se de um instituto capaz de promover a transferência e circulação de bens, em situação a qual um dos entes de uma relação obrigacional transfere para terceiro a titularidade de um crédito junto a devedor.
Atualmente, vislumbra-se o crédito como um bem de aspecto pecuniário, possui assim caráter patrimonial, sendo passível de ser negociado, e nesse sentido, o autor do texto em análise, cuidou de destacar a evolução da cessão de crédito no percurso do tempo.
Nesse passo, Rodrigues (2002, p. 91) dispõe que,
“da mesma maneira que os bens materiais, móveis ou imóveis, têm valor de mercado onde alcançam um preço, assim também os créditos, que representam promessa de pagamento futuro, podem ser objeto de negócio, pois sempre haverá quem por eles ofereça certo valor. A cessão desempenha, quanto aos créditos, papel idênticos ao da compra e venda quanto aos bens corpóreos”.
Da análise do tema tem-se que a cessão de crédito é uma forma de transferir para terceiro um direito ou garantia existe diante de um devedor. Venosa (2006, p.146) nessa discussão, bem pontua que, “a cessão de crédito é, pois,um negócio jurídico pelo qual o credor transfere a um terceiro seu direito”.
Monteiro (2003, p. 236) bem conceitua a cessão de crédito, “a cessão define-se como a transferência que o credor faz a outrem de seus direitos. Num sentido amplo, porém, a palavra cessão indica a transferência, a título gratuito ou oneroso, de bens, direitos e ações”.
Os primeiros sinais de transmissão de crédito ocorreram a partir do século XIII, em decorrência e construções do direito costumeiro Francês e das concepções humanísticas. Nesse passo, cabe dizer que a valorização do Direito Obrigacional é significativa principalmente com o advento das trocas comerciais. Assim, o crédito passou a ser visto como um elemento integrante do patrimônio individual.
A cessão de crédito pelo que foi tratado é um instituto de suma importância, visto que, enquadra-se como mecanismo de transmissão de riquezas. Nas palavras de Maria Helena Diniz (2002, p.422) a cessão de crédito é vista da seguinte forma,
“A cessão de crédito justifica-se, pois o direito de crédito representa, sob o prisma econômico, um valor patrimonial: daí sua disponibilidade, podendo ser negociado ou transferido, já que representa promessa de pagamento futuro. Pode ser, indubitavelmente, objeto de contrato, pois sempre haverá quem ofereça certo valor. A moderna conceituação de obrigação, que a concebe como um vínculo pessoal entre sujeitos substituíveis, foi determinada pelo novo estilo da vida econômica, que impôs a circulação do crédito, de forma que será permitido ao credor dispor dele, realizando negócio para transferi-lo a outrem”.
Conforme fora estipulada nas considerações da autora supracitada a cessão de crédito é um recurso muito útil e de possibilidade de comercialização por possuir um valor econômico, podendo até ser objeto de contrato. Além disso, a cessão de crédito permite este manusear “cambial”. Destaca-se que esta visão foi construída ao longo do tempo, pois, na antiguidade com o direito romano, não havia a perspectiva da cessão de crédito nas relações jurídicas que eram por demais estáticas. Com a proliferação do comércio, estes títulos passaram a possuir valor patrimonial, isso de forma que deu novos contornos e maior uso dessa modalidade de transmissão de obrigação.
Muito chegam a taxar a cessão de crédito como uma transmissão de bem que reflete a idéia de mera espécie contratual, porém, em verdade, o contrato é apenas um meio de manifestação da cessão de crédito.
No tocante à questão dos requisitos, Maria Helena Diniz (2002, p. 426) ensina que,
“A nossa legislação não exige forma específica para que se efetue acessão de crédito: logo, esta se configura como um negócio não solene ou consensual, por independer de forma determinada, aperfeiçoando-se com a simples declaração de vontade do cedente e do cessionário. Porém, para que possa valer contra terceiros, exceto nos casos de transferência de créditos, operados por lei ou sentença, prescreve o Código Civil, que será necessário que seja celebrada mediante instrumento público ou particular, revestido das solenidades do § 1º do artigo 654 desse mesmo diploma legal”.
Conforme averbado, existem determinado ritos a serem seguidos, por exemplo, na perspectiva de fazer a cessão de crédito possa valer contra terceiro, é necessário seguir o mandamento do artigo 288 do Código Civil, “É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1o do art. 654”.
Além destes requisitos, por se tratar de um negócio jurídico, a cessão de crédito existe a capacidade das partes, objeto lícito, dentre outros. E nesse sentido, Maria Helena Diniz (2002, p. 424), discorre que,
“A cessão é um negócio bilateral que além de não prescindir e consentimento, representa ato de disposição, por força do qual o crédito sai do patrimônio do cedente para se incorporar ao do cessionário. Logo, por induzir alienação, exige não só a capacidade genérica para os atos comuns a vida civil, como também a especial, reclamada para atos de alienação, tanto para o cedente como do cessionário. O cedente deverá ter o poder de disposição que supõe a titularidade do crédito”.
Assim, observa-se a importância da cessão de crédito nas relações negociais como instrumento de transmissão de bem e riquezas, nos seus aspectos conceituais e estruturais para sua existência.
3. Efeitos da cessão de crédito
Até o devedor não ter ciência da cessão ele pode pagar seu débito ao devedor primitivo, após ter conhecimento da cessão ele adquire nova relação jurídica. Destarte, destacam-se os efeitos cessão: a) a transferência da relação jurídica; b) o problema da garantia do crédito.
No que atine a transferência, Rodrigues (2002, p. 98) aponta que “o principal efeito da cessão de crédito é proceder ao transporte para o cessionário, da titularidade integral da relação jurídica cedida, isto é, o crédito e seus acessórios formam um todo de caráter patrimonial, um bem tem valor de troca e pode ser alienado”.
O crédito deve ter também, assegurado um aspecto de garantia. Segundo Rodrigues (2002, p. 98-99), “outro importante efeito (que revela a idêntica natureza jurídica da cessão de credito a título oneroso e da compra e venda) consiste na obrigação do cedente de responder pela existência da dívida à época do negócio”.
Note-se que o cedente respondeu pela existência do crédito e não pela solvabilidade do devedor. Isso decorre da própria natureza desse tipo de ato, pois a cessão a título oneroso é negócio especulativo. Aquele que adquire um crédito paga, no geral, menos que seu valor nominal, procurando proveito.
4. Causalidade ou abstratividade?
Leonardo (2007) chama atenção para uma questão relevante, destacando que cabe responder se entre o negócio jurídico basal (compra e venda, doação, dação em pagamento, factoring, por exemplo) e a cessão de crédito como acordo de transferência, há causalidade ou verdadeira abstração causal.
Pontes de Miranda citado por Leonardo (2007, p. 147-148), diz que a cessão de crédito
“Trata-se de negócio jurídico abstrato, porém não contrato de direito das coisas . É válida e eficaz a cessão, ainda que a causa não exista, seja ilícita, ou não se realize. Se houve cessão, sem causa, e o cessionário se enriqueceu injustificadamente, pode o cedente pedir a repetição: o crédito volta; mas, enquanto não passa em julgado a sentença, o crédito pertence ao cessionário. A cessão de crédito é negócio jurídico abstrato. Porque a cessão é abstrata, em si, não pode ser nula por ilicitude de objeto. Se o negócio jurídico subjacente é nulo, cabe a repetição. (…) O negócio jurídico de cessão é bilateral, abstrato, acordo de transmissão, que independe do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente (cessão de crédito para servir de garantia a negócio jurídico de outrem, ou do próprio cedente). O efeito translativo, a imediata transferência do crédito ao cessionário, é independente do fim que se colimou, cedendo-se o crédito. Vale, e é eficaz, a transferência, ainda que se venha a decretar a nulidade, ou a anulação ou a ineficácia do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente”.
Nos negócios jurídicos, na seara da cessão de créditos a causalidade mostra-se elemento indispensável para a tutela da segurança do trânsito de riquezas. Um exemplo categórico a respeito da questão de tutela e segurança, encontra-se presente nas regras gerais do comprimento das obrigações no artigo 307 do Novo Código Civil, enuncia que “só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu”. Assim, a causalidade compreende a exigência do cumprimento dos requisitos de validade tanto no negócio jurídico basilar, quanto na própria relação de transmissibilidade do crédito ou bem a receber cessão.
Nesse sentido, a causalidade, portanto, apresenta-se como uma decorrência do princípio ético de que os vínculos obrigacionais devem ser dotados de seriedade. Ainda abordando argumentos acerca da casualidade, tem-se o artigo 182 do Código Civil: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”.
Na discussão acerca da casualidade ou abstratividade da cessão de crédito, classifica-se a cessão de crédito pela linha da casualidade, pois, esta seara do direito obrigacional só se concretiza diante da obediência aos ditames a ela relacionados. Um exemplo de ditame sobre a cessão de crédito é a notificação do devedor. A respeito da notificação, Monteiro (2003, p. 240) destaca que,
“Torna-se necessária essa notificação para que o devedor não fique prejudicado, pois, desconhecendo a transmissão pode efetuar o pagamento ao credor primitivo. Mas a notificação não é imprescindível, ela visa a impedir cedido validamente pague ao cedente. Portanto, se o cessionário exige pagamento e se o devedor não prova haver pago ao cedente. Portanto, se o cessionário exige pagamento e se o devedor não prova haver pago ao cedente, não lhe aproveita a falta de notificação”.
Ademais, Monteiro (2003, p.241) ainda preceitua que,
“Não tendo sido notificado, acessão é inexistente para o devedor, e, assim, em atenção à sua boa-fé, válido se tornará o pagamento que venha a efetuar ao cedente. Mas não desobrigará se a este pagar, depois de cientificado da cessão”.
Ainda argumentando sobre a questão da abstratividade e da casualidade, nota-se que a primeira teoria não é adequada ao modelo brasileiro, pois, prega que não importa muito a questão do negócio de base, e sim, a idoneidade do negócio de transmissão, defendendo que a transmissão não pode ser anulada por ilicitude do objeto. Assim a casualidade é regra, pois dá respaldo para a seriedade nas relações obrigacionais. Exemplificando o aspecto de seriedade, Monteiro (2003, p. 242) destaca,
“Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo que lhe cedeu. O cedente enriquecer-se-ia ilicitamente se recebesse pagamento por crédito irreal, de incerta existência. Por esta razão, a lei lhe impõe a obrigação de responder pela positiva existência do crédito cedido”.
Assim, reconhecendo a cessão de crédito como mecanismo de circulação e produção de riquezas, há de se pensar nas preceituações principiológicas trazidas pelo novo Código Civil e que inserem na seara obrigacional de forma efetiva, quais sejam, o princípio da boa-fé, da função social e o princípio da probidade. A cessão de créditos possui um caráter pautado na causalidade, pois, o transcorrer da relação deve pautar-se na obediência dos ditames acerca da transmissibilidade para que assim a cessão venha ser legítima.
5. Conclusão
O instituto da cessão de crédito passou por uma evolução ao longo do tempo, para que fosse reconhecida como riqueza, constituindo assim um bem passível de ser negociado. Atualmente, a visão doutrinária destaca este caráter de transmissibilidade e produção de riquezas através da cessão de créditos ou bens.
Cabe destacar ao fim deste estudo que a cessão de crédito não é meramente um modelo contratual. Ademais, a cessão de crédito é um instituto dinâmico e não só transmite créditos, mas também serve para circular e produzir riquezas.
6. Referências
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso
Policial Militar. Coordenador da ASPRA – Regional Itabuna (Associação de Praças Policiais Militares e Bombeiros do Estado da Bahia). Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público e Privado (FTC). Mestre em Cultura e Turismo (UESC). Professor Universitário – FTC Itabuna