Resumo: O presente trabalho analisa as peculiaridades do procedimento citatório do militar previsto nos três códigos de processo atualmente em vigor no Brasil civil penal e penal militar de formas bastante diversas tendo em vista as peculiaridades do regime jurídico a que o militar está submetido e a necessidade de que seja assegurada a continuidade do serviço e a preservação da disciplina.
Sumário: 1. Introdução. 2. A citação no Código de Processo Penal. 3. A citação no Código de Processo Penal Militar. 4. Efeitos extraprocessuais da citação penal do militar. 5. A citação no Código de Processo Civil. 6. Alcance da expressão "militar" nos códigos de processo. 7. Conclusão. 8. Referências.
INTRODUÇÃO
A citação é o ato pelo qual se comunica ao réu, ou interessado nos procedimentos de jurisdição voluntária, que contra ele é movido um processo a fim de que possa se defender.
Este importante procedimento, fundamental ao exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é previsto de forma bastante diversa nos três códigos de processo atualmente vigentes – civil, penal e penal militar – quando o citando é militar, devido ao peculiar regime jurídico a que está submetido.
Visa, assim, este estudo a analisar criticamente a citação do militar no ordenamento processual brasileiro, buscando meios de conciliar as prescrições legislativas com as peculiaridades das atividades castrenses para que não ocorra nulidade na citação e o militar possa adequadamente exercer a ampla defesa e o contraditório no processo em que venha a ser réu.
A CITAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O art. 358, do Código de Processo Penal estabelece que “a citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço”. O juiz, assim, remeterá um ofício ao chefe de serviço requisitando que este execute o ato citatório.
Para que seja exercida a ampla defesa e o contraditório, entendemos que a requisição do juiz deverá conter todos os elementos previstos no art. 352 do CPP[1] e deverão os mesmos ser informados pelo superior hierárquico ao citando, especialmente o inciso V, para que o militar acusado na justiça comum possa apresentar sua defesa escrita no prazo de 10 dias.
Sobre a citação do militar no Processo Penal, Eugênio Pacelli Oliveira (2011, p. 602) leciona que:
“Da perspectiva da ampla defesa, não há como se dispensar a comprovação de que a citação tenha efetivamente chegado ao seu destino, embora não se possa exigir a certidão do oficial de justiça, uma vez que, em semelhante modalidade, não há a sua intervenção. E como o ato do superior hierárquico não goza de fé pública, como ocorre com aqueles praticados pelo oficial de justiça, a comprovação da efetiva citação – quando houver alegação de sua inexistência – poderá ser feita por todos os meios de prova”.
Como a norma do CPP visa a possibilitar o planejamento pelo superior hierárquico da continuidade do serviço providenciando um eventual substituto e a preservação da disciplina militar, que ao lado da hierarquia é base institucional das Forças Armadas e auxiliares (art. 142 e 42 da CF/88), será nula a citação do militar procedida por meio de oficial justiça[2]. Se, todavia, a citação for feita nos moldes previstos no CPPM (conforme será abordada no tópico seguinte) em que o comandante ou chefe apresenta o militar para que o oficial de justiça proceda à sua citação, entendemos que não haverá nulidade, em atenção ao princípio do ne pas de nullité sans grief , uma vez que o superior hierárquico terá tomado ciência da citação e do processo, assegurando-se, assim, a continuidade do serviço e a disciplina militar e não terá havido prejuízo à defesa no processo.
A CITAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR
A citação do militar na esfera processual penal militar será feita, conforme prevê o art. 280 do CPPM, “mediante requisição à autoridade sob cujo comando ou chefia estiver, a fim de que o citando se apresente para ouvir a leitura do mandado e receber a contrafé”.
A leitura apressada do dispositivo pode levar o intérprete equívoco de que a citação no processo penal militar ocorreria da mesma forma como prevista no CPP, todavia, o art. 280 do CPPM deve ser aplicado em conjunto com o art. 277, III, do CPPM, que prevê que a citação do militar será realizada pelo próprio oficial de justiça[3].
Sobre o local em que será realizada a citação, é precisa a lição de Célio Lobão (2009, p. 345):
“O Juiz requisitará o militar para comparecer à Auditoria, onde será citado pelo oficial de justiça, mesmo que a unidade onde serve o citando esteja situada em lugar diverso da sede do Juízo Militar. No entanto, o Juiz poderá determinar que o oficial de justiça proceda à citação na unidade militar situada na mesma cidade da sede da Circunscrição Judiciária Militar.”
A requisição ao chefe do respectivo serviço, no CPPM, não será para que este realize a citação do militar, tal como prevê o CPP, mas para que apresente o militar a ser citado a fim de que seja feita a leitura do mandado e recebida a contrafé e ao mesmo tempo tome ciência de que contra seu subordinado corre ação penal militar.
É mister ressaltar que as peculiaridades da citação do militar, previstas no CPP e no CPPM referem-se unicamente aos militares da ativa. O objetivo das normas, ao estabelecer procedimento diferenciado para a citação do militar foi atender à continuidade do serviço e a preservação da disciplina militar e não a criação de um suposto privilégio processual.
EFEITOS EXTRAPROCESSUAIS DA CITAÇÃO PENAL DO MILITAR
Conforme abordado nos tópicos anteriores, as citações feitas com base no Código de Processo Penal (CPP) e Código de Processo Penal Militar (CPPM) devem ser realizadas na unidade em que serve o militar, ou o militar ser apresentado à sede do Juízo, com a necessária e inerente ciência de seu comandante ou chefe. Tal ocorre porque o interesse no processo foge da esfera apenas privada do militar que é réu e passa a interessar também à esfera disciplinar.
A citação na esfera penal e penal militar além de comunicar ao réu que contra ele corre um processo criminal, serve também para dar ciência ao comando ao qual o citado está subordinado que contra ele há uma denúncia. O militar ficará na condição de sub judice, ou seja, impedido de ingressar ou constar em Quadro de Acesso para promoção por se encontrar respondendo a processo criminal e, igualmente, impedido de passar para a reserva remunerada a pedido enquanto permanecer nesta situação[4].
Em Minas Gerais, por exemplo, não concorrerão a promoção nem serão promovidos os militares das instituições militares do Estado que estiverem sub judice, denunciados por algum dos crimes doloso previstos no art. 13, §2º, IX, do Decreto/MG nº 44.557/2007, se for praça, e no art. 14, IX, do Decreto/MG nº 44.556/2007, se for oficial.
Para as Forças Armadas, o Decreto nº 4.034 (Marinha), Decreto nº 4.853/2003 (Exército), Decreto nº 881/93 (Aeronáutica) e a Lei 5.821/1972 possuem dispositivos semelhantes e tratam, respectivamente, os decretos e a lei, dos graduados e dos oficiais, estabelecendo regra mais severa que o Estado de Minas, permanecendo sub judice o militar que se encontrar respondendo a qualquer processo criminal até o seu trânsito em julgado.
A CITAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
No Código de Processo Civil, a citação do militar é prevista no art. 216, parágrafo único, dispositivo com redação mantida no projeto do novo CPC (art. 212, parágrafo único):
“Art. 216. (…)
Parágrafo único. O militar, em serviço ativo, será citado na unidade em que estiver servindo se não for conhecida a sua residência ou nela não for encontrado.”
Observe-se que a regra do parágrafo único que alude aos militares é uma exceção ao previsto no caput do art. 216, segundo o qual “a citação efetuar-se-á em qualquer lugar em que se encontre o réu”.
Desta forma, apenas se não for o militar encontrado em sua residência – verificando-se tal fato através de certidão negativa expedida pelo oficial de justiça – ou se o autor desconhecer seu endereço é que o militar poderá ser procurado em sua unidade para ser citado. Conforme sintetiza Costa Machado: “não é legítimo, assim, perante a lei, que, por conveniência, realize-se a citação no local do serviço” (2012, p. 192)
Objetivou o legislador, acertadamente, evitar que o autor solicite a citação diretamente no quartel, pela facilidade de encontrar lá o réu, assim expondo o militar citado perante seus companheiros de farda por estar respondendo a uma ação, que muitas vezes restringe-se à sua esfera exclusivamente privada.
Conclui-se, com base no art. 247 do CPC que a citação feita diretamente no quartel quando o autor conheça a residência do militar ou ele não tenha sido anteriormente lá procurado causa a irregularidade da citação, sem prejuízo dos danos morais pelo eventual constrangimento e danos à reputação do citado.
A notificação na Lei 12.016/2009
A notificação da autoridade coatora, prevista no art. 7º, I, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo, equivale à citação, pois a partir dela correrá o prazo para que autoridade preste as informações ao Juízo.
A Lei não prevê nenhuma regra específica para a notificação da autoridade militar, todavia,
ALCANCE DA EXPRESSÃO “MILITAR” NOS CÓDIGOS DE PROCESSO
Conforme discorrido acima, nos três Códigos de Processo (CPC, CPP e CPPM), a expressão militar refere-se ao militar que se encontra na ativa – no CPC por expressa disposição legal e no CPP e CPPM por interpretação teleológica da norma.
É considerado militar, assim, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, esteja incorporado às Forças Armadas (art. 142, §3º, da CF/88) e também os membros das Forças Auxiliares – Polícias Militares e Bombeiros Militares dos Estados e Distrito Federal, conforme expressa disposição do art. 42 da Constituição Federal de 1988, não mais subsistindo o conceito restritivo de militar adotado pelo Código Penal Militar em seu art. 22, que considerava militares apenas os integrantes das Forças Armadas.
CONCLUSÃO
A citação do militar merece especial atenção em nosso ordenamento processual diante da falta de unidade na forma em que o militar deve ser citado nos três códigos de processo.
Desta forma, este artigo objetivou contribuir para que a citação do militar seja realizada de forma correta, evitando-se a ocorrência de nulidade processual e possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa do militar citado, além de preservar a disciplina e a continuidade do serviço, que são resguardadas pelas regras especiais de citação do militar previstas nos três códigos de processo atualmente vigentes.
Informações Sobre o Autor
Luiz Rosado Costa
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), especialista em Direito Constitucional (UGF – 2013) e especialista em Aplicações Complementares às Ciências Militares (EsFCEx – 2011). É oficial de carreira do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, área de Direito