A cláusula indenizatória e compensatória desportiva x cláusula penal

A proposta inovadora trazida pela Lei n.° 12.395, publicada em 16 de março de 2011, trouxe, dentre outras alterações, a modificação da antiga cláusula penal as relações desportivas em detrimento as novas cláusulas indenizatória e compensatória  desportivas.


O desenvolvimento da exploração econômica do esporte em conjunto com o desenvolvimento do direito do trabalho, obrigaram a readequação destes contratos trabalhistas especiais, que passararão a contar com (1) cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva em razão de transferência do atleta, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo ou por ocasião do retorno do atleta profissional em outra entidade de prática desportiva e (2) cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta nas hipóteses de rescisão por inadimplemento salarial, rescisão indireta ou dispensa imotivada.


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Antigamente, existia a “Lei do Passe” (Lei n.° 6.354/76), onde os jogadores ficavam demasiadamente vinculados aos clubes, sendo permitida a transferência para outro time apenas mediante o ressarcimento dos valores constantes no “passe” do atleta. Por isso tal dispositivo era tão duramente criticado, constituindo base até mesmo para o impedimento ao exercício da atividade de jogador, na hipótese de não serem “vendidos”, sendo extinto em 2001.


O Projeto de Lei – PL n.° 5.186/05, que resultou na Medida Provisória – MP n.° 502/2010, acabou com a discussão a respeito da unilateralidade ou bilateralidade da cláusula penal do contrato especial de trabalho dos atletas profissionais, na medida que definiu os institutos da indenização e da compensação.


É certo que, assim como ocorreu com o direito de arena, houve uma redução dos direitos trabalhistas e das discussões acerca das interpretações sobre “multa rescisória” e cláusula penal desportiva”.


Neste contexto, também foi mantido a ausência de limite para a cláusula indenizatória desportiva que versem sobre transferências internacionais, sendo estabelecido limite apenas para as transferências nacionais. A limitação de 400 (quatrocentas) vezes o salário mensal no momento da rescisão, nos casos de atletas dispensados é de causar estranheza por todas as reduções expostas no novo texto legal.


Com isso, não é mas aplicável ao atleta o disposto no artigo 479 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que prevê o pagamento de 50% (cinqüenta por cento) do que o atleta profissional deveria receber até o término do contrato.


Ao contrário das reformas realizadas pela Resolução CNE n.° 29 de 10 de dezembro de 2009, que alterou dispositivos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), concedendo margem a dosimetria na aplicação das infrações cometidas, a reforma na Lei Pelé não possui nenhuma proporcionalidade, razoabilidade, isonomia ou harmonia entre as cláusulas indenizatória e compensatória.  


A açodada reforma foi elaborada com disparidade e desequilíbrio, bastando para tanto a supressão da diminuição proporcional da multa, conforme o cumprimento contratual (10%, 20%, 40%, 80%), em gradiente a prefixação de valores independentemente do montante temporal cumprido. A supramencionada lei foi baseada nas exceções (atletas profissionais), que representam apenas cerca de 5% da realidade dos contratos desportivos.


A equidade prevista no art. 413 do Código Civil, que parece ausente na nova roupagem legislativa:


“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”


Outra evidente contradição encontra-se na autorização de atletas entre 16 a 17 anos firmarem seus primeiros contratos como profissionais, sem a presença obrigatória de agentes que os aconselhem para discutir cláusulas contratuais. Qual será o destino destes contratos senão o estabelecimento de cláusulas indenizatórias fixadas pelos limites máximos e as compensatórias pelo limite mínino? A resposta é óbvia.


A atual redação da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):


“Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:


I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:


a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou


Foi retirado do caput a expressão “de todas as modalidades esportivas“, porquanto desnecessária.


A alínea seguinte representa uma inovação na qual o clube em que jogador retornar terá que pagar a multa rescisória, caso a rescisão contratual não estipule o contrário, no lapso de 30 (trinta) meses.


“b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e


II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5o“


§ 1º O valor da cláusula indenizatória desportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactuado pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual: 


I – até o limite máximo de 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário contratual, para as transferências nacionais; e


II – sem qualquer limitação, para as transferências internacionais.


§ 2º São solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva de que trata o inciso I do caput deste artigo o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora. 


§ 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato’


A multa rescisória do clube passa a ser calculada de forma diversa à daquela devida pelo atleta. Pode favorecer as dispensas sem justa causa, permitindo que o clube gaste menos para se livrar de atletas que fazem “corpo mole”, utilizando os times apenas como “barriga de aluguel”.


“§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes:


I – se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede;


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II – o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto;


III – acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual;


IV – repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana;


V – férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas;


VI – jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais. “


Em abono da verdade, a solidariedade incluída no § 2° sobre a responsabilidade do pagamento da cláusula indenizatória desportiva (antiga cláusula penal), devida ao atleta era encargo já reconhecido pelos clubes negociantes.


“§ 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:


III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;


IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e


V – com a dispensa imotivada do atleta.“


Estes dispositivos visam eliminar as controvérsias, como foi o tom de toda a reforma desta Lei, sobre direitos trabalhistas, tais como a horas extras e colocar alguns limites às concentrações e jornada de trabalho. Os 30 dias de férias se tornam obrigatórios, sem ressalvas.


 O inciso II volta a tratar da temática das cláusulas compensatória e indenizatória, mas sem qualquer co-relação com a “Lei do passe”, vez que nesta hipótese, o contrato já estaria rescindido. Pela sistemática anterior, o jogador poderia deixar a entidade desportiva, sem a que o clube pudesse retê-lo, passando a multa nada mais que uma mera dívida.


Levando-se em consideração o real intuito das modificações realizadas na Lei Pelé, é de causar estranheza a supressão do parágrafo 6º, mas em razão da nova possibilidade de pactuação pelo limite mínimo de meses faltantes ao término do contrato, o percentual pode ser ainda menor.


“§ 7º A entidade de prática desportiva poderá suspender o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional, ficando dispensada do pagamento da remuneração nesse período, quando o atleta for impedido de atuar, por prazo ininterrupto superior a 90 (noventa) dias, em decorrência de ato ou evento de sua exclusiva responsabilidade, desvinculado da atividade profissional, conforme previsto no referido contrato.”


O parágrafo supramencionado visa impedir as notórias imprudências e excessos extra-campo praticados por alguns jogadores. Na redação antiga, tal dispositivo versava sobre outorga de poderes para o uso de imagem.


“§ 8º O contrato especial de trabalho desportivo deverá conter cláusula expressa reguladora de sua prorrogação automática na ocorrência da hipótese prevista no § 7o deste artigo.”


 A cláusula expressa reguladora da prorrogação automática aplicar-se-á as exceções que demandarem a sua continuidade, fatalmente ligadas às causas graves e cuja resolução será fornecida pelo Poder Judiciário.


“§ 9º Quando o contrato especial de trabalho desportivo for por prazo inferior a 12 (doze) meses, o atleta profissional terá direito, por ocasião da rescisão contratual por culpa da entidade de prática desportiva empregadora, a tantos doze avos da remuneração mensal quantos forem os meses da vigência do contrato, referentes a férias, abono de férias e 13o (décimo terceiro) salário.“


“§ 10.  Não se aplicam ao contrato especial de trabalho desportivo os arts. 479 e 480 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.”


A preocupação com o isolamento da aplicabilidade da CLT perante a Lei Pelé volta à tona nestes últimos parágrafos, deixando claro a prevalência dos interesses dos clubes de futebol, mas tecnicamente desnecessária, vez que não existe espaço para “reforços” nos textos legais.


Muitos doutrinadores já consideravam na redação original que os valores limites das cláusulas penais ou das multas rescisórias poderiam ser impagáveis, mas agora tais temores tornaram-se uma realidade, porquanto os percentuais utilizados integralmente majorados.


A multa rescisória, manteve-se inalterada, sendo reformada apenas para adequação a nova redação, conforme art. 31 da Lei 9.615/98, dispõe:.


“Art. 31.  A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.”


A Jurisprudência, minoritária a época da cláusula penal, que já sinalizava os interesses em atribuições unilaterais das obrigações:


“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL ART. 28 DA LEI 9.615/98 (LEI PELÉ) RESCISÃO CONTRATUAL CLÁUSULA PENAL. 1. Consoante o disposto no art. 28 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral. 2. Na hipótese vertente, o Regional entendeu que a mencionada cláusula penal objetiva apenas compensar o investimento realizado pelo clube do jogador, bem como indenizar os lucros cessantes de um atleta, que daria, até o final do contrato, vantagens financeiras para o clube, de modo que a referida cláusula só tinha aplicabilidade em favor do clube empregador, sendo que, nas rescisões de sua iniciativa, não havia obrigação ao respectivo pagamento.” (RR-343/2005-654-09-00 Relator – GMIGM- DJ de 29/6/2007).


“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CLÁUSULA PENAL. MULTA DO ART. 479 da CLT. A cláusula penal a que alude o artigo 28 da Lei nº 9.615/1998 dirige-se, apenas, ao atleta profissional que rescindir antecipadamente o contrato de trabalho, com o nítido objetivo de assegurar ao clube a prestação dos serviços profissionais do atleta nos termos do contrato previamente ajustado, de molde a dificultar a sua transferência para outro clube. Na hipótese de ruptura antecipada do contrato, indeniza-se o atleta na forma do art. 479 da CLT, como decidido na origem.” (TST-RR- 90-2006-007-10-00-2. 3ª Turma. DJ: 16/03/07)


A forte influência do futebol no contexto social e o crescente investimento econômico nesta prática esportiva, notadamente pela Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, eclodiu na tentativa açodada, de acautelar a estabilidade do atleta no exercício da profissão. Nesse diapasão, a sucedânea legal do famigerado instituto do passe desportivo, vem sofrendo duros golpes com as atuais reformas, na contramão de todos os anseios da sociedade.


 


Referências:

Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Justiça Desportiva (http://justicadesportiva.uol.com.br)

ESPN Brasil (http://espn.com.br)


Informações Sobre o Autor

Guilherme Pessoa Franco de Camargo

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Advogado do escritório Franco de Camargo Advogados Associados atuante nas áreas de Direito Empresarial e Eleitoral.


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