Sumário: 1. Competência – Aspectos Gerais. 1.1 Critérios de Competência – Absoluta e Relativa. 1.2 A Competência dos Juizados Especiais Estaduais – Valor e Matéria. 1.2.1 Competência Absoluta, Relativa ou Mista? 2. O Artigo 3º inciso I da Lei 9099/95 versus O Artigo 98, I da Constituição Federal – A Efetividade do Acesso à Justiça. 3. A Competência Absoluta dos Juizados Especiais Federais. 4. A Problemática das Causas de Menor Complexidade. 5. O Rol do Artigo 3º Inciso II – A Competência Material e o Acesso à Justiça
1. Competência – Aspectos Gerais
Competência é um termo de origem latina que, em sua acepção jurídica, significa a atribuição da aplicação da lei a determinada pessoa, no caso o juiz ou tribunal, para a decisão de certas questões. Dizer que uma pessoa é competente significa dizer que ela é plenamente apta para a desenvoltura de certa atividade, afastando para aquela atividade as pessoas incompetentes para tal.
Ante a complexidade da nossa sociedade e ao número de indivíduos e demandas que são ajuizadas diariamente, necessitou-se a criação de um sistema capaz de atribuir a competência a ser designada às próprias pessoas já competentes dentro da lei, ou seja, a competência teve que ser desmembrada a fim de que o complexo sistema humano fosse melhor organizado, em outras palavras, como explica Athos Gusmão: “todos os juízes exercem jurisdição, mas a exercem numa certa medida, dentro de certos limites, pois são competentes somente para processar e julgar determinadas causas”[1].
Essa organização tem por base o que se denomina “critérios de competência”, a fim de que as causas sejam remanescidas aos juízes e tribunais que ensejam melhor medida para atender os interesses particulares, bem como visando à comodidade das partes litigantes. Liebman ainda completa explicando que a competência determina em que casos e com relação a que controvérsias tem cada órgão, em particular, o poder de emitir provimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas[2].
1.1 Critérios de Competência – Absoluta e Relativa
A distribuição interna de competência entre os diversos órgãos judiciários inferiores e tribunais superiores têm por finalidade o controle da legalidade das decisões proferidas de acordo com sentenças justas e adequadas. Inúmeros são os critérios através dos quais se costuma classificar as espécies de competência, porém, consubstanciando com o nosso ordenamento, podemos dividir as espécies de competência em apenas duas: competência absoluta e competência relativa.
Segundo esse critério de classificação, a competência absoluta é aquela fixada em razão da matéria, em razão da pessoa ou pelo critério funcional, sendo uma das suas principais características a inderrogabilidade, não podendo de forma alguma ser modificada.
Já a competência relativa é aquele fixada em razão do valor da causa e território (foro) e pode ser argüida de exceção pela parte como dita-nos o artigo 304 do Código de Processo Civil, caso em que ocorrerá a mudança de competência o juízo; caso a parte não suscite a argüição de incompetência, o magistrado, diferentemente da competência absoluta, não tem obrigação de se decretar incompetente posto que a competência relativa comporta a derrogação, e assim, o juízo antes incompetente, passa a ser competente para o julgamento e processamento da causa. Geralmente a competência relativa visa atender os interesses das partes, facilitando ao autor o acesso ao poder judiciário e propiciando ao réu meios de defesa mais eficientes, frisando que somente o réu pode suscitar a exceção de incompetência, no prazo de 15 dias contados da intimação.
1.2 A Competência dos Juizados Especiais Estaduais – Valor e Matéria
A competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais foi recepcionada pela lei 9099/95 no artigo 3º, estabelecendo como critérios o valor e a matéria. O referido artigo estabelece que os Juizados Especiais Estaduais têm competência para processar e julgar as causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: nas causas cujo valor não exceda 40 vezes o salário mínimo, nas causas enumeradas no artigo 275 II do Código de Processo Civil[3] qualquer que seja o valor e nas ações de despejo para uso próprio e nas ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 salários mínimos. Vejamos a íntegra do artigo:
“Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III – a ação de despejo para uso próprio;
IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
Artigo 275 II do Código de Processo Civil: Observar-se-á o procedimento sumário:
II – nas causas, qualquer que seja o valor
a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;
b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;
d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;
e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução;
f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;
g) que versem sobre revogação de doação;
h) nos demais casos previstos em lei.”
Nota-se que o legislador utilizou duplo critério para delinear a competência dos Juizados Especiais Estaduais, o quantitativo (valor) no inciso I e o qualitativo (matéria) nos demais incisos. O valor e o território determinam a competência relativa, e a matéria determina a competência absoluta, ambas recepcionadas pela lei 9099/95.
1.2.1 Competência Absoluta, Relativa ou Mista?
No âmbito da competência, Joel Dias Figueira Júnior[4] destaca assunto dos mais polêmicos versa sobre as seguintes questões: estamos diante de competência absoluta ou relativa? É possível se estabelecer a competência mista?
Para ele, e para a maioria dos autores analisados, se fosse adotada, para os Juizados Especiais, o critério de competência absoluta, jamais as demandas poderiam ser remetidas à justiça Comum, como acontece em muitos casos, já que a competência absoluta, já estudada, é inderrogável; por isso que se diz que os Juizados Especiais estão no rol da competência relativa, tendo como maior justificativa para tanto, o artigo 98 I da Constituição Federal[5], que diz que os Juizados Especiais versam sobre causas de menor complexidade, outra justificativa é que, se fosse admissível a tese da competência absoluta dos Juizados Especiais, significaria a declaração prévia de seu falimento já que importaria uma sobrecarga insustentável pelas novas unidades jurisdicionais[6]·.
Equivocado é dizer, para a totalidade dos doutrinadores, que estamos diante de competência mista, pois, se assim fosse, se dividiria o artigo 3º da Lei n. 9099/95 em duas partes: tratando de competência relativa os incisos I, II e IV, e de competência absoluta o inciso III (Artigo 275 II CPC). A própria prática mostra que isso não é verdade, já que mesmo as matérias elencadas no inciso III podem ser processadas e julgadas na justiça Comum, o que não aconteceria se esta fosse de competência absoluta dos Juizados Especiais. Porém, vale salientar que a Lei Maior no artigo 24 X e XI, permite aos Estados e ao Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados Especiais, e procedimentos em matéria processual; em decorrência desse dispositivo, atualmente, muitos doutrinadores entendem ser de competência mista a competência dos Juizados Especiais, pois nada obsta que os Estados ou Distrito Federal editem regras procedimentais ou de processo, além daquelas contidas na lei 9099/95 em sede de competência, aumento-a ou diminuindo-a, ou ainda definindo-a como competência mista, desde que observadas as restrições do artigo 3º caput da lei 9099 e artigo 98 I da Constituição Federal (causas de menor complexidade)[7].
Nesse diapasão, podemos afirmar, não sem certa ousadia, que se fosse adotada o critério de competência mista dos Juizados Especiais, em face da própria lei Maior artigo – 24 X e XI – a Justiça Comum talvez pudesse ser pouco mais célere, já que, observadas as causas tramitadas e julgadas na Justiça Comum, muitas ações teriam pleno cabimento para serem processadas e julgadas nos Juizados Especiais Cíveis, porém, por se tratar de competência relativa pela maioria dos doutrinadores e consagrada pela prática e jurisprudência, muitas dessas causas são tramitadas na Justiça Comum, ajudando ainda mais a crise do Judiciário no que diz respeito à morosidade processual.
Sobre o assunto, em conversas reiteradas com professores – mestres e doutores – do Direito, de forma ainda mais ousada, polemizou-se a respeito dos Juizados Especiais consagrarem em seus âmagos a competência absoluta, isso porque, devido à crise da morosidade que o Judiciário brasileiro vem enfrentando, se as causas postas no artigo 3º da lei 90995 fossem todas processadas e julgadas nos próprios Juizados, talvez a Justiça Comum pudesse ser ainda mais célere do que somente consagrar a competência dos Juizados como mista, além de se evitar o processamento na Justiça Comum apenas como forma de procrastinação. Entretanto, por mais que acreditamos ser um ganho para a Justiça Comum, também estaríamos infringindo a lei Maior, pois o artigo 3º da referida lei deve ser interpretado de acordo com o artigo 98 I da Constituição Federal, ou seja, deve versar sobre causas de pequena complexidade, para tanto, então, não importando se tem em seu bojo o critério do valor ou da matéria.
2. O Artigo 3º inciso I da Lei 9099/95 versus O Artigo 98, I da Constituição Federal – A Efetividade do Acesso à Justiça
Uma das questões que tem ensejado muita polêmica no âmbito do Juizado Especial é a possibilidade de serem aforadas ações cujo valor da causa seja superior ao valor de alçada estabelecido pelo inciso I do artigo 3º da Lei 9.099/95, proporcionando, portanto, a interferência da Justiça Especial em maior gama de demandas a fim de efetivar o acesso à justiça pretendido quando da criação do microssistema.
Com efeito, o entendimento dominante aponta para a existência de uma limitação valorativa, delimitada no bojo do inciso I e que se estenderia a todas as causas em tramitação, com exceção daquelas em que não há cobrança de crédito, tais como as derivadas de arrendamento rural ou parceria agrícola.
A polêmica aludida residiria, assim, na possibilidade de serem aforadas, junto aos Juizados Especiais Cíveis, causas que ostentassem valor da causa acima de 40 salários mínimos, por força do disposto nos artigos 98 I da Constituição Federal[8] e 3º inciso II da Lei Especial que estabeleceram, respectivamente, a criação da Justiça Especial competente para processar e julgar causas de menor complexidade, sem, portanto, delimitar um valor para tal; e que o microssitema será competente para processar e julgar, qualquer que seja o valor, as causas enumeradas no artigo 275, II do Código de Processo Civil, [9]
Com a leitura do artigo 98, I da Constituição Federal, percebe-se que o principal critério orientador da competência da Justiça Especial não é o limite valorativo imposto pelo inciso I do artigo 3º da Lei n. 9099/95, mas antes e principalmente a menor complexidade da causa, possibilitando uma maior efetivação da tutela jurisdicional do Estado às demandas de fácil e simples solução sem a necessidade das partes recorrerem à Justiça Comum. Ocorre que, porém, delimitando causas de menor complexidade em razão do valor, a Justiça Especial deixa a desejar no que concerne ao acesso à justiça, haja vista que muitas demandas simples são desviadas para a Justiça Comum.
Da mesma forma, com a leitura do artigo 3º inciso II da Lei Especial, percebe-se que o legislador adotou os parâmetros constitucionais de complexidade ao declinar que aquelas demandas enumeradas no artigo 275 II do Código Civil, independente do valor, poderão ser processadas e julgadas no Juizado Especial, ou seja, o legislador possibilitou uma abrangência maior de demandas sob a égide da Lei 9099/95, proporcionando maior acesso á justiça apenas com a declinação de “causas de menor complexidade” pela matéria e não pelo valor.
Considerando tal raciocínio, alguns questionamentos surgem quanto a ligação entre causas de menor complexidade e valor da causa, ou seja, o critério expressamente adotado pelo legislador constituinte para a competência dos Juizados Especiais Cíveis foi o da menor complexidade e não o valorativo, o qual se apresenta meramente secundário. Melhor seria a adoção do critério puramente material para estabelecer quais as causas de menor complexidade, aumentando o rol das causas do artigo 3º inciso II e conseqüentemente aumentando o acesso à justiça em vias do microssistema.
3. A Competência Absoluta dos Juizados Especiais Federais
Enquanto a lei 9099/95 estipulou sua competência baseando-se no valor e matéria, a lei 10259/01 fixou a competência dos Juizados Especiais Federais pelo critério valorativo apenas, ou seja, causas que não ultrapassem o valor de 60 salários mínimos, observada no artigo 3º da citada lei. Não há necessidade que o critério qualitativo seja explícito, pois, como já analisado, a Lei Maior dita-nos no artigo 98 I que os Juizados processarão, julgarão e executarão causas de menor complexidade, sendo esse requisito implícito na lei dos Juizados Estaduais ou Federais.
Entretanto, mesmo estipulando sua competência pelo critério valorativo, o § 3º do artigo 3º da lei 10259/01 fixou como competência absoluta os Juizados Especiais Federais no foro onde estiver instalado.
Muito se discutiu a respeito desse dispositivo, pois, o Judiciário ganhou muito em termos de celeridade processual quando se estabeleceu a competência absoluta desse microssistema, desafogando a Justiça Federal Comum, porém, ainda ficou restrito às causas de valor até 60 salários mínimos.
De forma ousada, novamente, perquirimos em dizer que o critério valorativo não é suficiente para dar ensejo à propositura e julgamento das demandas na Justiça Especial. A própria Lei Maior estipulou que o Juizado Especial processará e julgará as causas de menor complexidade. É de se atentar, novamente, que muitas vezes, uma demanda com um valor da causa alto pode ser perfeitamente julgada de acordo com o rito sumaríssimo. Acreditamos que muito se ganhou no Judiciário brasileiro com o estabelecimento da competência absoluta do Juizado Especial Federal no foro onde estiver instalado, porém, o Judiciário ganharia muito mais se não existisse um critério valorativo determinante para tal julgamento.
Não ingenuamente, sabemos que nesse ponto surge outro problema: quais seriam as causas de menos complexidade? Haveria um rol taxativo para tal igual ao artigo 275 II do Código de Processo Civil? Acreditamos que um rol taxativo talvez seria a melhor solução, seguindo os parâmetros do artigo 3º II da Lei Especial Estadual.
Para finalizar esse item, bem traduz nosso posicionamento as palavras do Juiz Federal Júlio Emílio Abranches Mansur, do Rio de Janeiro, para o qual “… a menor complexidade não depende tanto do valor da causa, sendo mais importante considerar o grau de complexidade”[10].
4. A Problemática das Causas de Menor Complexidade
Como já mencionado o artigo 98 I da Constituição Federal determina que cabe ao Distrito Federal e os Territórios, juntamente com a União, criarem os Juizados Especiais os quais terão competência para processar, julgar e executar causas de menor complexidade.
O problema surge como já falado, com a definição de causas de menor complexidade. Em posição majoritária na doutrina e jurisprudência, causas de menor complexidade são aquelas que não necessitam de prova pericial, ou qualquer outro instituto que necessite da paralisação do processo; disso resultou a não permissão da prova pericial nos trâmites do microssistema de acordo com a Lei Especial Estadual – os artigos 32 a 35 fazem menção apenas à prova oral, documental, inspeção judicial e a inquirição de técnicos da confiança do juiz – justamente com o escopo do alcance de um processo célere e econômico; o próprio legislador infraconstitucional diz respeito à necessária harmonia entre o conflito e a adequada necessidade de produção de provas que ele necessita; se o conflito exigir produção de prova pericial é porque apresenta grande ou considerável grau de complexidade.
Não obstante, porém, a prova pericial, segundo a análise da jurisprudência, vem sendo admitida quando esta não conflitar com os princípios informadores do microssistema[11], nessa celeuma, observa-se que o os tribunais superiores vêm tentando efetivar o princípio da celeridade na Justiça Especial, fazendo interpretação extensiva do artigo 35 da Lei 9099/95 que não faz referência expressa da possibilidade desse tipo de prova, porém, admitindo-a quando condizente com o rito sumaríssimo.
Em detrimento desse novo posicionamento que vem sendo consolidado pouco a pouco na jurisprudência, a posição majoritária ainda dispõe que a prova pericial é fator excludente de competência da Justiça Especial[12] devido principalmente ao fator da economia processual, haja vista que a prova pericial, na maioria das vezes, necessita de valor considerável em dinheiro, e, como é sabido, a Justiça Especial em primeiro grau é gratuita. Se de um lado estaríamos ganhando celeridade, por outro o Judiciário estaria gastando mais. Todavia, acreditamos que as causas de menor complexidade devem ser analisadas diante do caso concreto e de acordo com suas especialidades; o juiz deve analisar o caso e decidir pela competência ou incompetência do microssistema.
Ao contrário da lei 9099/95 que excluiu implicitamente a prova pericial de sua competência, o legislador da lei 10259 não teve essa preocupação já que admitiu expressamente no artigo 12 a realização de provas técnicas através de laudos periciais, o que, por si corrobora nosso pensamento em acreditar que a prova pericial por si só não representa uma lide de maior complexidade[13].
Não obstante ao entendimento de que a perícia por si só não é fator excludente da competência da Justiça Especial, sabemos que definir a competência da mesma tão somente como aquela competente para processar e julgar as “causas de menor complexidade” acaba sendo fato difícil de se consubstanciar na prática, haja vista que o conceito de menor complexidade é um conceito indeterminado, pois seus limites dependem da visão subjetiva do julgador. Compreendemos que a doutrina, para facilitar a prática processual, acabou por entender que causas de menor complexidade são aquelas que contêm o valor da causa até 40 ou 60 salários mínimos, e aquelas enumeradas nas respectivas Leis Especiais, porém, salientamos, novamente, que a Justiça Especial (e a própria Justiça Comum) ganharia muito mais em termos de eficácia se o teto valorativo não fosse fator excludente de competência, podendo, portanto, abarcar na competência da Justiça Especial causas simples de ser resolvidas independente do valor da causa demandado.
5. O Rol do Artigo 3º Inciso II – A Competência Material e o Acesso à Justiça
Apenas para fechar nosso raciocínio ao longo deste capítulo, importante nos ater – em tópico exclusivo – para a tese que defendemos acerca da competência única e exclusivamente material no âmbito da competência do Juizado Especial Cível como forma de facilitar o acesso à justiça pretendido quando da criação da Lei 9099/95.
Primeiramente, porém, ressaltamos que os obstáculos ao acesso à justiça no Brasil em muito transcendem os aspectos jurídicos-processuais, deitando raízes profundas na desigualdade social, de forma que não é nosso objetivo afirmar de forma categórica que a adoção do critério material para a competência do Juizado, por si só, resolveria os problemas de acesso ao Judiciário, porém, analisando tão somente o universo do microssistema, suas propostas e procedimentos, podemos afirmar que o critério valorativo não é suficiente para abarcar todas as causas de menor complexidade.
Vejamos, por exemplo, duas pessoas que sofreram danos materiais facilmente comprovados em decorrência do descumprimento de uma obrigação de fazer não abarcadas pelo rol taxativo do artigo 275 II do Código de Processo Civil; uma delas teve prejuízo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e a outra um prejuízo de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais). Pois bem, ao pleitearem suas demandas, necessariamente o segundo autor está excluído da competência do Juizado Especial, haja vista ter ultrapassado o valor de 40 salários mínimos[14]; já o segundo autor tem a faculdade de ingressar com sua demanda na Justiça Especial em razão do valor da causa.
Observamos, neste pequeno exemplo, que duas causas praticamente idênticas, consideradas de menor complexidade haja vista o magistrado não necessitar de grande deslinde probatório, serão processadas e julgadas de forma completamente distintas – uma pelo rito especial se assim quiser o autor e a outra pelo rito ordinário, famoso pela morosidade. Sem contar, ainda, nas custas processuais – inexistentes no primeiro caso independente do autor ser beneficiário da assistência judiciária.
Assim, fica claro que o acesso à justiça almejado pela Lei Especial, não tem toda a eficácia que poderia ter isso porque a adoção de “causas de menor complexidade” como sendo aquelas com valor da causa abaixo de 40 salários mínimos e aquelas em razão da matéria com insuficiente rol apresentado nos incisos II, III e IV do artigo 3º da Lei 909/95, não conseguem atingir todas as demandas de fácil resolução que acabam sendo desviadas para a Justiça Comum.
A defesa da ampliação do rol taxativo do artigo 3º inciso II da Lei Especial certamente proporcionaria uma maior gama de interferência do Juizado Especial nas demandas facilmente resolvidas independentemente do valor a elas atribuída.
Encerrando nosso raciocínio bem traduz nosso pensamento Luiz de Jesus Maciel com o seguinte excerto:
“Em um Estado Democrático de Direito e com o cidadão sabedor dos seus direitos, logicamente a procura pela Justiça será cada vez maior. Por isso, torna-se necessário fortalecer e estruturar este tão importante meio de acesso à Justiça, para que no futuro não torne os Juizados Especiais também morosos, frustando a expectativa otimista despertada, principalmente no cidadão mais humilde.
Assim, deve-se buscar o alargamento das competências materiais e da legitimidade passiva previstas na Lei 9.099/95, para incluir novas ações, em especial de Família, com demanda intensa na Justiça, além de outras”[15]
Informações Sobre o Autor
Tônia de Oliveira Barouche
Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Advogada. Membro do Núcleo de Pesquisas em Direito Processual Civil Avançado e Comparado –NUPAD – UNESP. Pós Graduanda em Direito Civil/Processo Civil