A cooperação jurídica internacional na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

Resumo: A inegável sobrecarga de competência e a imposição de padrões rígidos compromete a almejada celeridade dos processos de cooperação jurídica internacional no Brasil. A despeito dos recorrentes pronunciamentos jurisprudenciais do STF e STJ, a cooperação jurídica internacional não tem se mostrado efetivamente célere e eficaz em nosso país. Procuramos neste artigo demonstrar a evolução e os equívocos das interpretações dadas ao objeto em análise.


Palavras-chave: Cooperação Jurídica Internacional. Competência. Jurisprudência.


Abstract: The undeniable burden of responsibility and the imposition of strict standards compromises the desired speed of the processes of international legal cooperation in Brazil. Despite the recurring jurisprudential pronouncements of the STF and STJ  international legal cooperation has proved effective in quickly and effectively our country. In this paper demonstrate the evolution and the misunderstandings of interpretations given to the object in question.


Keywords: International Legal Cooperation. Competence. Jurisprudence.


Sumário: I. Introdução. II. Aspectos Gerais da Cooperação Jurídica Internacional. III. Cooperação Jurídica Internacional e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. IV. A ineficiência brasileira e as novas perspectivas da Cooperação Jurídica Internacional no Direito Brasileiro. V. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução


Este estudo apresenta como eixo central, uma reflexão acerca da importância da cooperação internacional no contexto jurídico contemporâneo, do ponto de vista teórico e prático, destacando-se a jurisprudência já edificada no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, sobretudo, em matéria civil.


O Brasil, desde a Constituição de 1934, optou por conferir ao Supremo Tribunal Federal a função, basicamente administrativa, de analisar estes pedidos formais de cooperação judicial internacional como forma de, dentre outros motivos não menos importantes, exercer sua função de zelar pelo respeito à ordem pública nacional, esculpida especialmente em nossa Constituição através dos direitos e garantias fundamentais e dos princípios gerais de direito.


A Emenda Constitucional n. 45, dentre as inúmeras inovações incorporadas junto ao ordenamento jurídico brasileiro, alterou a competência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça reconhecer e homologar sentenças estrangeiras (inclusive as proferidas por árbitros), bem como a concessão do exequatur às cartas rogatórias alienígenas.


Não obstante a transferência da competência constitucional, a sobrecarga de trabalhos que recai sobre o STJ é tão grande, quanto aquela que onera o STF e muita coisa ainda deverá ser feita em prol da reforma do Judiciário. Não se sabe ainda como a lei regulará esses processos. Todavia, considerando que jurisdição é expressão de soberania e obrigatoriamente deve estar vinculada à ordem pública interna e, mais ainda, quando se trata de recepção comiter de soberania estrangeira, não se deve olvidar que algumas decisões do STJ poderão desaguar no STF, em função de recursos constitucionais. Mesmo com o acréscimo do § 3° ao art. 102 da Magna Carta pela EC 45/2004, a hipótese é real.[1]


E, considerado que o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, “processo é vida”[2], procura-se impingir ao presente trabalho tal ousadia.


2. Aspectos gerais da cooperação jurídica internacional


O mundo globalizado vivencia uma crescente circulação de pessoas, bens e serviços.  Como consequência, os Estados passam a enfrentar situações nas quais necessitam de auxílio para o exercício da jurisdição. A cooperação entre os Estados no âmbito jurídico faz-se, assim, imprescindível e, por isso, constitui área de grande desenvolvimento nos dias atuais.


Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades refletirem-se nos ordenamentos jurídicos, forçando-os a amoldarem-se às novas realidades.


Apesar de não constituir novidade na área jurídica, o estudo da cooperação jurídica internacional[3] adquire particular relevo na atualidade, diante da conjuntura internacional de um mundo multicultural, por possibilitar o dinamismo e a eficácia da prestação da tutela jurisdicional estatal. Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades refletirem-se nos ordenamentos jurídicos, forçando-os a amoldarem-se às novas realidades[4].


A intensificação das relações internacionais no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, segundo Eduardo Felipe P. Matias[5], deve-se, principalmente, a dois fatores fundamentais:


“O primeiro relaciona-se com a consciência dos Estados quanto ao fato de que não são auto-suficientes, de que o isolamento representa um retrocesso e de que o crescimento está vinculado à cooperação. O segundo fator é a coexistência de múltiplos Estados independentes.”


O contexto atual fez com que os Estados deparassem com problemas que não conseguiriam resolver sozinhos, ou, pelo menos, resolveriam melhor por meio da cooperação[6] Nessa nova ordem global, é inevitável que haja uma série de políticas públicas que não podem ser implementadas sem a cooperação de outros países, enquanto várias funções tradicionais dos Estados não poderiam ser cumpridas sem se recorrer a formas internacionais de colaboração[7].


Cooperação pressupõe trabalho conjunto, colaboração. É nesse sentido que toda e qualquer forma de colaboração entre Estados, para a consecução de um objetivo comum, que tenha reflexos jurídicos, denomina-se cooperação jurídica internacional.


Cooperação jurídica internacional, que é a terminologia consagrada,[8] significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado. Tradicionalmente também incluir-se-ia nessa matéria o problema da competência internacional. Além disso, hoje há novas possibilidades de uma atuação administrativa do Estado nessa matéria, em modalidades de contato direto entre os entes estatais.


Rodrigo Otávio já se referia à cooperação entre os Estados como algo baseado em mais do que o sentimento de cortesia internacional, também conhecida como comitas gentium[9]. Segundo ele, cortesia, convivência, condescendência eram sentimentos arbitrários, que o Estado pode fazer hoje e não mais amanhã. No seu entender, havia uma obrigação entre as nações,[10] e não mera faculdade. Esta era resultante de uma obrigação moral, mas cujo descumprimento impunha ao Estado uma perda de prestígio no convívio internacional de todo indesejável. Traduzia-se em uma limitação à soberania do Estado, pelo próprio Estado, com o fito de respeitar o direito internacional e melhorar o relacionamento no plano da comunidade internacional.


Carolina Yumi de Souza[11] refere-se a cooperação jurídica internacional como:


“[…] pode ser considerada como um intercâmbio entre estados soberanos, destinando-se à segurança e à estabilidade das relações transnacionais. Tem por premissas fundamentais o respeito à soberania dos Estados e a não-impunidade dos delitos. Em sentido lato, engloba todos os atos públicos (legislativos, administrativos e judiciais). […] compreende os atos judiciais não decisórios, de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e decisórios, além daqueles destinados à instrução probatória.”


A cooperação jurídica internacional pode ser classificada nas modalidades ativa e passiva, de acordo com a posição de cada um dos Estados cooperantes. A cooperação será ativa quando um Estado (requerente) formular a outro (requerido) um pedido de assistência jurídica; a cooperação, por outro lado, será passiva quando um Estado (requerido) receber do outro (requerente) um pedido de cooperação.


A cooperação jurídica internacional também pode ser classificada em direta e indireta. Esta, para ser efetivada, depende de juízo de delibação, como é o caso da homologação de sentença estrangeira e das cartas rogatórias. A cooperação direta é aquela em que o juiz de primeiro grau tem pleno juízo de conhecimento. Trata-se da assistência direta.


Ainda no tocante à classificação, a cooperação jurídica internacional pode ocorrer em matéria penal ou em matéria civil, a depender da natureza do processo ou do procedimento em trâmite no Estado requerente.


É necessário, ainda, distinguir a cooperação jurídica e a jurisdicional. Esta ocorreria quando um ato de natureza jurisdicional é reclamado do Estado cooperante, ao passo que naquela a cooperação demandada não envolveria necessariamente a intervenção do Poder Judiciário, requerendo somente atividade administrativa.


O conceito de que um Estado tem o direito e o dever de zelar pela justiça em sua jurisdição está diretamente relacionado com o próprio conceito de Estado e de soberania. Tradicionalmente, a cooperação jurídica é vista como o resguardo de interesses entre Estados: por um lado, o interesse de um Estado em solicitar auxílio ou cooperação e, por outro, a soberania do Estado requerido na hora de responder à solicitação de auxílio[12].


Com efeito, pode-se afirmar que a cooperação jurídica entre Estados não é um fenômeno moderno. Segundo Kimberly Prost[13], registros apontam que, por volta do ano 1280 a.C., Ramsés II teria celebrado um dos primeiros instrumentos de cooperação jurídica internacional conhecidos quando previu a possibilidade de retorno extradicional de criminosos em tratado de paz firmado com o povo hitita.


Hoje em dia, no entanto, já não se pode vincular os conceitos tradicionais de soberania à cooperação jurídica internacional. A cooperação jurídica entre Estados pode ser vista, de certa forma, como um meio de preservar a própria soberania.


Não existe uma definição absoluta de soberania. No entanto, no âmbito da cooperação jurídica internacional, a soberania pode ser vista como “o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro de seu território[14]. Dessa forma, cabe ao Estado soberano proteger-se de ingerências externas e, ao mesmo tempo, garantir o seguimento e a execução das regras estabelecidas em seu território.


Sob tal prisma, cada Estado tem seu próprio serviço jurisdicional e é capaz de julgar e fazer executar o julgado somente dentro de seu território. Quando certos atos processuais devam ser desenvolvidos no território de outro Estado, faz-se necessária a cooperação jurídica. Nesse contexto, a negativa à cooperação pode causar uma frustração do interesse legítimo das partes[15], limitando o direito e o dever do Estado requerente de resguardar o andamento da Justiça em seu território.


Induvidosa, pois, a necessidade da cooperação jurídica internacional considerando que as mudanças tecnológicas e políticas e o aumento no deslocamento de pessoas e bens entre fronteiras têm causado maior interesse por parte dos Estados no estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras.


Portanto, a imprescindibilidade da cooperação internacional nos termos atuais é indiscutível, fazendo com que essa prática “deixe de ser um mero compromisso moral (comitas gentium), tornando-se obrigação jurídica[16].


O respeito à obrigação de promover a cooperação jurídica internacional é imposto pela própria comunidade internacional[17]. Qualquer resistência ou desconfiança com relação ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princípio da boa-fé, que rege as relações internacionais de países soberanos tanto nos casos cíveis quanto nos penais. Afinal, o mundo está cada dia menor e mais próximo.


Pode-se asseverar que o objetivo da cooperação jurídica internacional é atender às reivindicações externas, garantindo a eficácia da prestação jurisdicional e o acesso à justiça, fortalecendo, por conseguinte, o estado democrático de Direito.


Com o objetivo de acompanhar este brusco aumento de questões jurídicas transnacionais, constatamos o avanço da cooperação jurídica internacional, estreitando as relações entre os países, através da intensificação da assinatura de tratados, convenções e protocolos, nos quais se celebra a reciprocidade, o auxílio mútuo.


Nota-se, e daí a importância desta abordagem, que o espírito de solidariedade internacional se faz cada vez mais necessário, emergindo com a modernidade, mostrando-se como tendência irremediável, e, concomitantemente, exigindo eficácia na assistência, respeito à soberania do país envolvido no processo de cooperação e garantia aos indivíduos, sem olvidar-se, obviamente, da salvaguarda intransponível dos direitos humanos[18].


A dificuldade de conciliar tais exigências é o que engrandece, por demais, o estudo do tema, configurando um desafio teórico e pragmático sem precedentes.


3. Cooperação jurídica internacional e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça


Como cediço, cabia ao Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião da Constituição da República, desde a promulgação da Constituição de 1934, analisar as cartas rogatórias oriundas de Estados estrangeiros e, após a verificação de seus pressupostos, mormente a existência de atos atentatórios à ordem pública pátria, autorizar ou não o seu seguimento.


Antes disso, contudo, desde a época do Império há menções sobre cartas rogatórias em nossa legislação, como por exemplo, no Aviso Circular n. 01, datado de 1847, que permitia o recebimento da carta por via diplomática ou consular, mediante apresentação do interessado ou por remessa direta do juiz rogante ao magistrado rogado. A Lei n. 221, de 1894, por sua vez, apresenta-se como marco histórico na legislação brasileira, por instituir a figura do “exequatur” do poder público interno, através de um procedimento prévio de admissibilidade que cabia à época, ao Executivo.


O Brasil durante os últimos 80 (oitenta) anos optou por conferir ao Supremo Tribunal Federal a função, basicamente administrativa, de analisar estes pedidos formais de cooperação judicial internacional como forma de, dentre outros motivos não menos importantes, exercer sua função de zelar pelo respeito à ordem pública nacional, esculpida especialmente em nossa Constituição através dos direitos e garantias fundamentais e dos princípios gerais de direito.


A competência do Supremo Tribunal Federal para homologar as sentenças estrangeiras que não se revelem ofensivas à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, também está presente em nosso ordenamento jurídico desde a Constituição de 1934, não obstante o Decreto n. 3.094, de 1898, já ter previsto a necessidade de homologação de sentenças estrangeiras para sua execução no Brasil.


Este ato formal de recepção, pelo direito positivo brasileiro, de decisão emanada de Estado estrangeiro, se apóia, dentro do sistema de controle limitado instituído pelo ordenamento jurídico nacional, em juízo meramente delibatório, que se traduz na verificação dos requisitos enumerados pela legislação ordinária (artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 483 do Código de Processo Civil) e pelo próprio regimento interno do Egrégio Supremo Tribunal.


Durante os sessenta anos em que cuidou da matéria, o STF desenvolveu larga jurisprudência sobre o cumprimento de cartas rogatórias. Os requisitos e o procedimento para sua tramitação eram os do Regimento Interno do STF (RISTF). Vários pontos controvertidos, como a questão das cartas rogatórias de caráter executório e a exceção de ordem pública, foram resolvidos ao longo dos anos.


O RISTF foi substituído, no STJ, pela Resolução n. 9. Essa resolução consolidou as regras e as práticas do STF, estabelecendo as regras da tramitação e seus prazos. Manteve a concessão do exequatur em cartas rogatórias como decisão monocrática do Presidente do Tribunal, bem como os requisitos anteriormente definidos no RISTF.


Na esteira da jurisprudência firmada pelo STF, várias posições foram questionadas pela doutrina. Assim, questão importante a ser discutida é a relativa ao posicionamento do Brasil quanto à dicotomia dualismo x monismo.


Apesar da doutrina majoritária no país adotar a teoria monista[19], o STF se pronunciou no acórdão tratado acima e na ADIn n. 1.480-DF[20], no sentido de que o Brasil adota na verdade a teoria dualista moderada.


A doutrina considera a posição do Brasil como monista por admitir o conflito entre norma de direito interno e norma de direito internacional, colocando-as em um mesmo plano. Seria, porém, de forma moderada porque há a equiparação do tratado internacional à lei ordinária pela jurisprudência do STF.


Já o STF manifestou estranho entendimento, de que o Brasil adota um posicionamento dualista moderado.


Neste sentido, veja-se o seguinte julgado:


“CR 8279 AgR/AT-Argentina


AgRg na CR


Relator(a): Min. Celso de Mello


Julgamento: 17/06/4998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno


Publicação: DJ Data-10-08-00 PP-00006 Ement Vol-01999-01 PP-00042


Mercosul – Carta rogatória passiva – Denegação de exequatur – Protocolo de medidas cautelares (Ouro Preto/MG) – Inaplicabilidade, por razões de ordem


circunstancial – Ato internacional cujo ciclo de incorporação, ao direito interno do brasil, ainda não se achava concluído à data da decisão denegatória do exequatur, proferida pelo presidente do supremo tribunal federal – relações entre o direito internacional, o direito comunitário e o direito nacional do brasil – Princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata – Ausência de sua previsão no sistema constitucional brasileiro – Inexistência de cláusula geral de recepção plena e automática de atos internacionais, mesmo daqueles fundados em tratados de integração – Recurso de agravo improvido. A recepção dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos acordos celebrados no âmbito do Mercosul está sujeita à disciplina fixada na Constituição da República”


Isso se dá porque há, em primeiro lugar, um procedimento especifico de internalização das regras de direito internacional ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo que esse procedimento se faz necessário porque as regras estão em planos diversos e separados. Em segundo lugar, pode ocorrer de uma regra estabelecida em um tratado internacional incorporado ao direito brasileiro ser revogada por lei ordinária posterior no ordenamento jurídico interno e, mesmo assim, o Brasil continuar sendo parte desse tratado na seara internacional, respondendo por seus atos perante a comunidade internacional.


A afirmação de Nádia de Araújo e Inês da Matta Andreiuolo[21] sobre esse assunto se faz relevante:


“A incorporação dos tratados ao sistema interno brasileiro, equiparando-o à lei interna, transforma-os em uma lei nacional e, por conseguinte, extingue o conflito próprio da teoria monista, pois a regra vigente de revogação de lei


anterior pela lei posterior é princípio assente no nosso sistema jurídico e aplicável ao ordenamento como um todo. Com isso também fica claro que os dois sistemas – o interno e o internacional — são separados, pois ocorre, muitas vezes, do Brasil continuar obrigado internacionalmente por dispositivo de tratado (posto que seu “parceiro” não foi comunicado da modificação) enquanto a legislação interna já o modificou”.[22]


O enquadramento do posicionamento brasileiro como dualista moderado ou como monista moderado não parece apresentar muita relevância na prática. Contudo, o que se mostra relevante é o posicionamento do STF, pois ele mostra à comunidade internacional qual é o entendimento no Brasil sobre o direito internacional. Além disso, suas decisões refletem diretamente à seara internacional, uma vez que no caso da Carta Rogatória 8279, por exemplo, houve denegação de exequatur e um dos argumentos utilizados foi precisamente a concepção dualista moderada do direito em relação ao direito internacional, adotada pelo Brasil. A validade da norma na ordem internacional não implica em validade da mesma na ordem interna.


Outro entendimento firmado pelo STF e corretamente questionado pela doutrina foi o pronunciamento no agravo regimental em Carta Rogatória 3.166-1/UR. Nesse caso houve uma eleição de foro para solução de controvérsias, sendo que o foro eleito foi o Brasil. A despeito dessa eleição foi instaurado processo no Uruguai e expedida carta rogatória de citação à parte brasileira. O STF deveria apreciar se a carta rogatória continha os requisitos necessários para a concessão do exequatur. Mais do que isso o STF entendeu que a cláusula que elegia o Brasil como foro competente era válida e assim, não deveria a parte ser citada por rogatória, pois a ação deveria ser aqui proposta.


O entendimento contrariou a tendência até então seguida pelo STF, pois impediu que a ação proposta no exterior tivesse seu curso normal com a citação por meio de rogatória do réu domiciliado no Brasil, acabando por impossibilitar que o réu se submetesse expressa ou tacitamente ao juízo estrangeiro, ultrapassando os limites do exequatur e adentrando no mérito da questão.


O relator rejeitou a interpretação de que as normas contidas no art. 12 da LICC e incisos I e II do art. 88, do CPC, tratam da competência internacional relativa, que pode ser derrogada pela vontade das partes de modo expresso ou tácito. Invocou-se o respeito à soberania nacional e ordem pública em caso versando sobre competência relativa, no qual as partes têm liberdade para deliberar de acordo com seus interesses.


Diz a ementa do acórdão:


“1. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, art. 12. Código de Processo Civil, art. 88, I e II. É competente a Justiça brasileira para conhecer de ação judicial em que o réu se acha domiciliado no Brasil ou aqui houver de cumprir a obrigação. Caso em que o demandante tem domicílio no Uruguai e o réu é brasileiro domiciliado no Brasil, onde se deverá cumprir a obrigação questionada na demanda proposta no Uruguai. 2. Eleição de foro. Se as partes, uma domiciliada no Uruguai, outra domiciliada no Brasil, contratam que suas divergências pertinentes ao contrato a que se vincularam seriam solvidas no foro da comarca de São Paulo, Brasil, esse é o foro competente, e não o do Uruguai. 3. Carta rogatória de citação do contratante brasileiro para


responder, no Uruguai, à demanda que lhe foi acolá proposta pelo contratante uruguaio. 4. Exequatur inicialmente concedido e posteriormente revogado. 5. Agravo regimental a que o STF nega provimento.”


Em trecho da decisão argumenta-se:


“(…) se o contrato a que se reporta a Agravante continha a cláusula de eleição de foro, deve concluir-se que o foro eleito é o competente para discutir e julgar, a demanda que a ela propôs a outra parte. O princípio que domina o assunto é de que a autonomia dos contratantes é extensível à matéria de competência jurisdicional, notadamente no caso em que se tenha de solver competência pertinente à execução de alterar ou derrogar a jurisdição, exceto, é óbvio, no tocante ao assunto envolvido pela ordem pública, pois neste ponto não se admite prevaleça o princípio da autonomia da vontade, visto que as regras de ordem pública não podem ser descumpridas mediante escolha de foro.”[23]


Referida decisão do STF além de contradizer todo o seu entendimento sobre autonomia da vontade nos contratos internacionais faz uma análise da carta rogatória extrapolando todos os seus limites fixados em lei, adentrando em matéria que deveria ser discutida e alegada pelo réu brasileiro e não pelo tribunal.


No âmbito do Mercosul, o sistema avançou, mas ainda é marcado pela  utilização do sistema clássico de exequatur, cuja admissibilidade se dava no STF e passou ao STJ.


A tramitação de sentenças estrangeiras no Mercosul possui regras próprias, sendo um pouco mais simplificada, pois podem ser encaminhadas via carta rogatória. Tal posição foi adotada no AgRg na Carta Rogatória 7.613, proveniente da Argentina, em que o STF aplicou o Protocolo de Lãs Leñas, revertendo sua posição anterior quanto à denegação de exequatur de cartas rogatórias requerendo medidas de caráter executório. Note-se, entretanto, que assim o fez porque considerou que a homologação daquela carta rogatória equivalia à homologação de uma verdadeira sentença estrangeira, agora diretamente enviada ao STF, por força do disposto no art. 1961 do Protocolo, que prevê a possibilidade do trâmite de pedidos homologatórios por via rogatória.[24]


Referido entendimento fora assim ementado:


“CR 7613 AgRg/AT-Argentina


AG.REG.NA Carta Rogatória


Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence


Julgamento: 03.04.1997 Órgão Julgador: Tribunal Pleno


Publicação: DJ DATA 09.05.97 PP-18154 EMENT VOL-01868-02 PP-00223


“Sentença estrangeira: Protocolo de Las Leñas: homologação mediante carta rogatória. O Protocolo de Las Leñas (“Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa” entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta à admissão de seu reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever, no art. 19, que a homologação (dito reconhecimento) de sentença provinda dos Estados partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio de agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento”.


Nesta senda, o STF se pronunciou no sentido de ser imprescindível a homologação formal das sentenças estrangeiras, mesmo que ela esteja seguindo os trâmites contidos no Protocolo de Las Leñas.


Pode-se dizer, assim, que existem dois tipos de homologação: um para os países do Mercosul, cujas autoridades judiciais podem remeter a sentença pelo mecanismo do Protocolo, para obtenção do exequatur na própria carta rogatória; e outro, tradicional, para os demais países.


Outra hipótese delicada que, como visto, suscitou negativas de homologação de sentença estrangeira é o das citações internacionais por via postal, comuns no sistema da common law. Em diversos pedidos de homologação de sentenças estrangeiras, negou-lhes deferimento o STF porque a citação para o processo não havia sido feita mediante carta rogatória. E houve casos em que a citação se perfizera pelo correio, outras por affidavit (citação efetuada em caráter privado, por um procurador da parte interessada, que afirma esse fato, sob juramento, perante um oficial consular do país de origem) ou mesmo através de funcionário consular do país requerente.[25]


A Reforma do Processo Civil transformou a citação pelo correio de exceção em regra (Lei n. 8.710, de 24.09.1993),[26] dispensando, quando o autor não a exigir, a citação pessoal por Oficial de Justiça. No entanto, após a entrada em vigor da citada lei, o STF continuou na mesma linha de entendimento com relação às cartas rogatórias, não havendo motivo para pensar que possa prescindir da citação por carta rogatória. Uma vez concedido o exequatur, nada impede, porém, que o juiz federal que for dar cumprimento à carta rogatória determine que se proceda à citação por via postal.


Veja-se que o CPC dispõe, no caput do art. 222, com a nova redação, que “a citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País...” (grifo nosso). Assim, não se podendo citar pelo correio réu domiciliado no exterior, para responder a uma ação proposta no Brasil, parece ao menos lógico não se poder admitir, por uma questão de isonomia, que a justiça estrangeira possa citar pelo correio réu domiciliado no Brasil.


O que se poderia questionar, em tese, é se a efetivação de um ato citatório no território nacional por meio outro que não a rogatória ensejaria invalidade do ato em razão das garantias processuais de nosso sistema jurídico, única hipótese que justifica invocar a ordem pública e a soberania nacional para denegar o cumprimento da medida. O STF fez uma análise caso a caso, porque a garantia da citação por rogatória é para assegurar a ciência do réu aqui domiciliado. Se este compareceu espontaneamente ao processo no exterior e lá procedeu à sua defesa, a homologação não deverá ser indeferida apenas por vício de citação, que terá sido sanado.


Firmou entendimento ainda o STF, de que as sentenças estrangeiras não fundamentadas não são passíveis de homologação no Brasil, por contrariar o Princípio Constitucional da Fundamentação das Decisões Judiciais, princípio jurídico esse inserto no artigo 93, inciso DC, da Lex Legum vigente.[27]


A tradição do STF continua definindo todas as questões relativas às cartas rogatórias. A denegação de pedido de exequatur pelo STF era de dois tipos: de caráter formal e de caráter material. No primeiro, por falta de algum requisito essencial sobre a autenticidade — v.g., ausência de chancela consular, de tradução etc. No segundo, se a Carta Rogatória não fosse contrária à ordem pública, à soberania nacional e aos bons costumes. De 2005 a 2010, o STJ deu exequatur em inúmeras cartas rogatórias e mostrou que pode dar celeridade ao tema, em consonância com a jurisprudência construída pelo STF.


A jurisprudência sobre a ocorrência de violação à ordem pública e à soberania nacional, em tema de cartas rogatórias, gira em torno de poucas hipóteses. A da soberania nacional só foi utilizada uma vez, para um pedido de oitiva de testemunha, em audiência que seria realizada na Embaixada da Argentina, por magistrado daquele país. O STF entendeu que a soberania nacional seria ferida, porque o depoimento só poderia ser prestado perante a Justiça Federal.[28] Nas inúmeras cartas rogatórias pesquisadas no STJ, este argumento não se repetiu.


Ocorre que a Reforma do Judiciário, culpada por emendar pela 45ª vez nossa Constituição da República, transferiu tais competências ao Superior Tribunal de Justiça, ao argumento fundamental de permitir que a Corte Suprema brasileira se liberasse de interesses menores, esquivando-se de milhares de cartas rogatórias e processos de homologação de sentenças estrangeiras com o intuito de julgar apenas as grandes causas que afetam, de forma mais detectável, a nação.


A argumentação de contrariedade à ordem pública aparece muito nas impugnações dos que são intimados, pois muitos entendem que seria incompetente a justiça estrangeira, quando o réu fosse domiciliado no país. O STF, e agora o STJ têm reiteradamente indeferido esses pedidos, quando se trata de competência concorrente, descrita na legislação no art. 88 do CPC.[29]


No que diz respeito às questões formais, verifica-se que o STJ, na esteira do que decidia o STF, é bastante cuidadoso com a verificação de todos os elementos necessários para a concessão do exequatur. É comum algumas cartas rogatórias serem indeferidas, sem prejuízo de nova remessa, por falta de documentos ou elementos formais.


Neste sentido, em recente decisão o STJ manteve precedente outrora firmado pelo STF, no sentido de que “para homologação de sentença estrangeira de divórcio proferida em processo que tramitou contra pessoa residente no Brasil, indispensável que a citação tenha sido regular, assim considerada a que fora efetivada mediante carta rogatória” (SEC 4.611/FR, CE, Min. João Otávio de Noronha, DJe de 22/04/2010). [30]


De outra banda, alguns equívocos cometidos pelo STF não voltaram a ser empregados pelo STJ.


Sob tal prisma, a discussão acerca do comparecimento espontâneo do interessado e da necessidade de citação pessoal, encontra-se, por ora, superada. Veja-se:


“AgRg na CR 2842 / FR
Agravo Regimental na Carta Rogatória 2007/0236389-0


Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA – Corte Especial


DJe 05/08/2010


Ementa. AGRAVO REGIMENTAL. CARTA ROGATÓRIA. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DA INTERESSADA. APLICAÇÃO AO CASO DO ART. 214, § 1°, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CITAÇÃO. REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE. – Nos termos do art. 214, § 1º, do Código de Processo Civil, o comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação. Desnecessária, assim, a remessa dos autos à Justiça Federal para cumprimento do exequatur. – Ausente qualquer prejuízo à interessada, que, de forma induvidosa, tomou conhecimento do pedido de citação formulado na carta rogatória, a ponto de impugná-la. Agravo regimental improvido”.[31]


Nota-se, também, a utilização cada vez maior das convenções internacionais, sejam de caráter multilateral ou bilateral, como fundamento à concessão ou negativa da ordem. Na CR 44, STJ,[32] proveniente de Portugal, país com o qual existe um tratado específico de cooperação penal, o pedido foi prontamente atendido. Já na CR 998, STJ, o pedido, também de caráter penal, foi formulado de acordo com o tratado bilateral com a Itália e o exequatur concedido.[33]


Outro inquestionável avanço consolidado pela atual jurisprudência do STJ se refere à aplicabilidade do procedimento de auxílio direto ou assistência direta como ferramenta constitucional de cooperação jurídica internacional. Estudaremos tal perspectiva em capítulo próprio.


Com a transferência de competência para o STJ, pouco se modificou a sistemática anterior, ou seja, um único tribunal, e no caso um que se encontra no chamado terceiro nível hierárquico, continua a deter toda a competência para cuidar da matéria. Apesar de algumas evoluções ao longo destes mais de 06 anos, mostra que a prática do STF continua a servir de base para o STJ.


4. A ineficiência brasileira e as novas perspectivas da cooperação jurídica internacional no direito brasileiro


Infelizmente, a resistência à cooperação jurídica internacional não se revela apenas na autoridade judiciária brasileira. As autoridades judiciárias e os sistemas jurídicos internos de todo o mundo são ainda muito avessos à integração internacional.


David McClean, Professor da Universidade de Oxford, testemunha que a cooperação internacional em matéria cível e criminal tem crescido “dramaticamente” nos últimos anos:[34]


“The scale of that activity which forms the subject matter of this book, international co-operation in civil and criminal matters, has grown quite dramatically in very recent years. It increasingly engages the attention of lawyers in private practice, in the offices of corporate legal counsel, and in government service. (…)


There is now a set of well-established techniques and procedures for co-operation in civil and commercial proceedings, together with a very much more recent growth of international agreements, bilateral, regional and multilateral, in which those techniques and procedures are extended and developed for use in the field of criminal investigations, prosecutions, and to trace and seize the proceeds of crimes. The latter area is developing so rapidly, and sees so many new initiatives, that its shape is still relatively unclear and the techniques are still being refined; but they are firmly based on the much longer experience gained through co-operation in the civil area.”


É curiosa, nesse ponto, a observação lançada pela Conselheira da Carreira Diplomática Susan Kleebank, em sua obra Cooperação judiciária por via diplomática – avaliação e propostas de atualização do quadro normativo (Brasília: Instituto Rio Branco, 2004, p. 57/58), no sentido de que os problemas maiores se concentram no cumprimento das diligências requeridas pelo Brasil. Segundo ela, provêm dos juízos rogantes brasileiros a quase totalidade dos reclamos acerca das tramitações pendentes.


O problema que se coloca é, portanto, de envergadura mundial, mas, no Brasil, em especial, a par da preocupação revelada pelas nossas autoridades (Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Justiça Federal, Ministério Público e Escolas da Magistratura), nota-se uma expressiva evolução nos meios de cooperação jurídica internacional, como é o caso de admissibilidade do caráter executório das cartas rogatórias; da dispensa da intimação do interessado no cumprimento das cartas rogatórias passivas, quando dessa intimação prévia puder resultar a ineficácia da cooperação internacional, bem como e, sobretudo, da gradativa implantação da assistência direta ou auxílio direto.


No que se refere à celeridade dos procedimentos de concessão de exequatur às cartas rogatórias e homologação de sentença estrangeira, a transferência de competência do STF para o STJ, pelos resultados até então apresentados, foi positiva.


Parte dessas inovações inserem-se na Resolução n. 9, de 4.5.2005, do Superior Tribunal de Justiça, conseqüente à transferência da competência para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, do Supremo Tribunal Federal para aquela Corte.


Não é demais lembrar que o STJ, em linhas gerais, manteve o acervo jurisprudencial de há muito construído pela Suprema Corte, que lhe tem servido de guia. As modificações introduzidas objetivaram agilizar e modernizar o trâmite das comissões rogatórias aqui aportadas. Verdade é que o Excelso Pretório permanece exercendo o controle excepcional das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, seja por meio do habeas corpus (bastante utilizado), seja por meio do recurso extraordinário.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado em 1988, em substituição ao antigo Tribunal Federal de Recursos. Atualmente, é composto por 33 ministros nomeados pelo presidente da República, após aprovação do Senado Federal.  É o número mínimo previsto no art. 104 da Constituição Federal.


Registre-se que, ao longo destes 22 (vinte e dois) anos e a despeito da crescente demanda jurisdicional, o Superior Tribunal de Justiça sempre manteve intacto o número de seus ministros.


O número de processos distribuídos em 2010 no Superior Tribunal de Justiça teve queda de 21,6% em relação ao ano anterior. O Boletim Estatístico[35] da Corte, divulgado no dia 21/01/2011, revelou também que os ministros conseguiram reduzir em 10% o seu estoque, que passou de 212.446 processos para 192.802. A produtividade foi praticamente a mesma.


A despeito do progresso quanto ao número de julgamentos, o STJ continua sendo ineficiente e absurdamente lento na prestação da Justiça quando a matéria é Cooperação Jurídica Internacional.


Com sua imediata vigência e sem normatização de suas disposições, repentinamente, viu-se o STJ com novos processos sobre a mesa, imaginando os interessados que tudo andaria sem atropelos. Não nos enganemos[36]. A sobrecarga de trabalhos que recai sobre o STJ é tão grande, quanto aquela que onera o STF e muita coisa ainda deverá ser feita em prol da reforma do Judiciário.


A concentração em tribunal superior, no caso, STJ, do reconhecimento dos atos estrangeiros, inviabiliza a eficácia da prestação jurisdicional célere.


Neste sentido, a Constituição de 1988, em sua redação anterior à Emenda Constitucional n° 45/04, autorizava textualmente, no artigo 102, inciso I, alínea “h”, que o Regimento Interno do STF conferisse ao Presidente da Corte a competência para a homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur, o que, de fato, passou a constar no artigo 2° do Regimento Interno do STF.


A Emenda Constitucional n. 45/04, contudo, não previu disposição semelhante na alínea “i”, inserida do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, silenciando a esse respeito. Inobstante isso, a Resolução n. 09/05 do STJ manteve a sistemática procedimental constante do RISTF, ao prever, no artigo 2°, a competência do Presidente para a homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur.


Com efeito, todos os processos de homologação de sentença estrangeira instaurados são diretamente remetidos ao Presidente do STJ. Somente no caso de oferecimento de contestação pelo requerido ou impugnação pelo Ministério Público será o processo distribuído para um dos Ministros integrantes da Corte Especial do STJ, que será designado Relator, na forma do parágrafo 1° do artigo 9° da Resolução, passando a presidir o processo.


Todavia, não havendo impugnação, o Presidente do STJ irá presidir todos os atos praticados ao longo do processo e, ao final, julgá-lo.


Assim sendo, cumpre destacar que a concentração de todos os processos de homologação de sentença estrangeira – assim como as cartas rogatórias – sob a direção do Presidente do STJ, ainda que seja em sua fase inicial, anterior à impugnação, enseja inegável sobrecarga da Presidência do Tribunal, que já concentra inúmeras outras funções. A manutenção desse mecanismo, outrora previsto no RISTF, decerto comprometerá a almejada celeridade dos processos de homologação de sentença estrangeira, o que poderia ser evitado com a nova regulamentação dispensada à matéria[37].


O sistema atual, extremamente formalista e burocrático, inviabiliza a adoção de providências básicas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo muito mais razoável, que se outorgassem competências aos juízes de 1º grau, internamente competentes para tratar as mesmas matérias.


No mesmo sentido e como já afirmado, prejudicada estará a celeridade nos procedimentos de Cooperação Jurídica Internacional em função de recursos constitucionais, onde algumas decisões do STJ poderão desaguar no STF, em casos de questão constitucional de repercussão geral[38].


Do mesmo modo, a solução no sentido de distribuir os processos de homologação de sentença estrangeira contestados para um dos Ministros integrantes da Corte Especial, que será designado relator do processo, tampouco contribui para a celeridade do processo. De fato, melhor seria que a Resolução tivesse previsto a distribuição dos processos de homologação para uma das Turmas do E. STJ. Com isso, o número de Ministros competentes para o julgamento dos processos seria maior, contribuindo para o seu pronto desfecho.


Nesse caso, será observada a competência do E. Superior Tribunal Justiça, sendo certo que não há qualquer restrição na Emenda Constitucional n. 45/04, e, de resto, na Constituição Federal, que obste o julgamento dos processos de homologação de sentença estrangeira pelos Ministros integrantes da aludida Corte Superior. Ao contrário, entendemos que a interpretação sistemática da Emenda Constitucional n. 45/04 conduz justamente à solução ora esposada, tendo em vista que prestigiou, em diferentes dispositivos, a celeridade processual, a ponto de instituir, no novo inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal, a garantia da duração razoável do processo.


O ilustre jurista José Carlos Barbosa Moreira chega a afirmar que qualquer lei cuja aplicação venha a atuar em detrimento da garantia constitucional da duração razoável do processo deve ser tida como incompatível com a Constituição Federal, sendo, portanto, inválida. Do contrário, a norma constitucional acabará perdendo efetividade e sendo tratada, em última análise, como norma programática, o que deve ser evitado[39].


Diante disso, entendemos que o julgamento dos processos pelos Ministros integrantes das Turmas do E. STJ consiste em solução consentânea com os escopos da Emenda Constitucional onde se encontra inserida a alteração ora em comento, além de não ferir a competência constitucional atribuída ao STJ, sem quaisquer ressalvas ou restrições.


Com efeito, considerando-se que a previsão da competência do STJ para a homologação de sentença estrangeira encontra-se prevista na EC n. 45/04, a mesma que estabeleceu a garantia da duração razoável do processo, decerto a manutenção da competência do Presidente do Tribunal Superior para o julgamento de todos os processos de homologação em que não haja contestação ou impugnação compromete o ideal de celeridade.


Por outro lado, alternativas internas já foram implementadas. Modificando o entendimento antes firmado pelo E. STF, tem-se que a Resolução n. 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de tutela cautelar quanto de tutela antecipada.


De fato, tal medida se coaduna com o escopo de celeridade que inspirou a edição da Emenda Constitucional n. 45/04.


Contudo, enquanto a prodigalidade recursal e o excesso de demandas abarrotam o Judiciário brasileiro, a cooperação jurídica requerida por outros países não é atendida a tempo e modo esperados.


Para um país que se afirma como líder regional e busca maior credibilidade no contexto internacional, é salutar que a cooperação judiciária internacional permaneça na ordem do dia, sofrendo as críticas que induzem ao aperfeiçoamento.


O estado democrático de direito exige prestação jurisdicional, célere, útil e efetiva; e, no mundo globalizado atual, não há como se obter efetividade sem a cooperação internacional, que funciona, pois, como instrumento viável à efetividade das decisões judiciais e como mecanismo garantidor de amplo acesso à justiça.


Neste viés, independentemente da concessão de tutela de urgência nos casos em que for cabível, espera-se que, com a previsão da competência do STJ, os procedimentos de homologação de sentença estrangeira, concessão de exequatur em cartar rogatórias e deferimento de auxílio direto, recebam tratamento ágil e sejam julgados em tempo razoável, representando um verdadeiro avanço, como foi o ideal perquirido pelo constituinte derivado e como esperam os operadores do Direito e os jurisdicionados.


5. Conclusão


O presente estudo fora conduzido a uma análise aprofundada acerca de um tema de alcance e repercussão internacional. Desenhada pela necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional.


Nesta perspectiva, a presente pesquisa propôs-se a identificar e avaliar a postura das autoridades judiciárias brasileiras frente ao fenômeno da Cooperação Jurídica Internacional.


Observou-se que a cooperação judicial precisa acompanhar a crescente internacionalização das relações econômicas e sociais, e desenvolver mecanismos que permitam o máximo de agilidade no trâmite internacional das referidas medidas. A necessidade de uma providência internacional no curso de um processo judicial não pode ser prejudicada em sua viabilidade pelo elevado custo ou tempo de duração.


Diante das demandas do mundo atual, resta ao nosso país adequar-se às inovações do direito internacional contemporâneo.


Não obstante o conspícuo e nobre argumento apresentado, o remendo constitucional apenas mudou o problema de lugar. No atual cenário vislumbra-se uma inundação de novos processos no Superior Tribunal de Justiça que agora concentra a competência para a concessão de exequatur às cartas rogatórias e para a homologação de sentenças estrangeiras. Obviamente, esta Corte possui um número muito maior de ministros, que, contudo também se encontram absolutamente assoberbados, tais quais os excelentíssimos congêneres da outra Casa. O sistema processual brasileiro, infelizmente, parabeniza à profusão de recursos protelatórios que se alastram durante anos, às vezes décadas, em todas as instâncias do Poder Judiciário e não poupam, naturalmente, os tribunais superiores.


Assim, a despeito do progresso quanto ao número de julgamentos, o STJ continua sendo tímido, ineficiente e absurdamente lento na prestação da Justiça quando a matéria é Cooperação Jurídica Internacional.


O direito é estatal, mas a sociedade é global. Ou aprendemos a promover uma cooperação jurídica internacional célere e eficiente ou continuaremos a testemunhar a impotência do Estado diante dessa nova sociedade.


 


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Notas:

[1]  HC 82.561-3/PR, 1ª T., j. em 08.04.2003, v.u. – Rel. Min. Ilmar Galvão, Boletim AASP 2405, 07-13.02.2005, p. 3.369. No seu voto, o Min. Sepúlveda Pertence faz a seguinte afirmação: “Sr. Presidente, verifiquei hoje, no exame de outro caso, que começa a grassar, no Colendo Superior Tribunal de Justiça, essa tese que, desde Rui Barbosa, não se discute mais: o cabimento ou mesmo a pendência de recurso ordinário ou extraordinário não impedem a utilização do habeas corpus“. Precisamos entender que o STF não é apenas a Corte Suprema, mas a Suprema Corte.

[2] Apud L. G. Marinoni. Questões do novo direito processual civil brasileiro, Curitiba: Juruá, 2000, p. 112.

[3] BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Breves considerações sobre o anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo= 774>. Acesso em 3.08.2010.

[4] CAPUTE, Yolanda de Souza. As inovações introduzidas com a EC 45/2004 no âmbito da cooperação jurídica internacional. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2006/relatorio/CCS/Dir/DIR_25_Yolanda_Capute.pdf >. Acesso em 3.08.2010.

[5] MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 206.

[6] VAN KLEFFENS, E. N. Sovereignty in international law: five lectures. Recueil de Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, v. 82, 1953, p.8.

[7] HELD, David. Democracy and the global order: from the modern state to cosmopolitan governance. Stanford: Stanford University, 1955, Apud MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

[8] PERLINGEIRO, Ricardo, Cooperação Jurídica Internacional In O Direito Internacional Contemporâneo, org. Carmen Tibúrcio e Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.797/810. Sobre a definição: “A preferência pela expressão cooperação jurídica internacional decorre da idéia de que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou, ainda, entre órgãos judiciais e administrativos, de Estados distintos.”

[9] OTÁVIO, Rodrigo. Direito Internacional Privado, Parte Geral. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1942, p. 115.

[10] Op. cit., p. 135.

[11] SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: considerações práticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.71 – maio-junho, São Paulo: RT, 2008, p. 300.

[12] GONZÁLEZ, S. A.; REMACHA Y TEJADA, J. R. (org.) Cooperación Jurídica Internacional. Colección Escuela Diplomática, nº 5. Madri, Boletin Oficial del Estado, 2001. p. 61.

[13] PROST, Kimberly. Breaking down the barriers: International cooperation in combating transnational crime. Disponível em: <http://www.lexum.umontreal.ca/mla/en/can/doc/prost.en. html>. Acesso em 3.08.2010.

[14] LITRENTO, Oliveiros. Curso de direito internacional público. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.  116. 

[15] GONZÁLEZ, S. A.; REMACHA Y TEJADA, J. R. (org.) Cooperación Jurídica Internacional. Colección Escuela Diplomática, nº 5. Madri, Boletin Oficial del Estado, 2001. p. 65.

[16] ARAÚJO, Nadia de; GAMA JUNIOR, Lauro. Sentenças estrangeiras e cartas rogatórias: novas perspectivas da cooperação internacional. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br/ sis_artigos/artigos. asp?codigo=51>. Acesso em 3.06.2010.

[17] Nesse sentido, enfatizando a necessidade dos Estados de cooperar, confira-se a Resolução da Assembléia Geral da ONU, nº 2526, 1970, disponível em www.un.org.

[18] BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Breves Considerações sobre o Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional. Disponível na Internet: http:<//www. buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22143/21707>. Acesso em 11 de outubro de 2010.

[19] São monistas: Hildebrando Accioly, Haroldo Valladão, Oscar Tenório, Celso D. Albuquerque Mello, Vicente Marotta Rangel, dentre outros. Entre os dualistas pode-se citar Amílcar de Castro e Nádia de Araújo. Posteriormente, Celso D. Albuquerque Mello mudou seu posicionamento e seguiu a posição dualista moderada, influenciando por completo suas decisões enquanto ministro do STF.

[20] Veja-se parte da ementa: “Paridade normativa entre atos internacionais e normas infraconstitucionais de direito interno. – Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (“lex posterior derogat priori”) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” ADI 1480 MC / DF – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator Min. Celso de Mello. j. 04.09.1997 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 18.05.2001.

[21] ARAÚJO, Nadia de; ANDREIUOLO, Inês da Matta. A internalização dos tratados no Brasil e os  direitos humanos. in: Boucaut, Carlos E. de A.; Araújo, Nadia de (orgs.). Os direitos humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 91.

[22] José Francisco Rezek explica que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado lesado uma reparação adequada. Continua explicando que basta haver afronta a uma norma de direito das gentes, cujo resultado seja danoso para outro Estado ou organização, para a responsabilização ser vislumbrada. Ainda, o Estado é responsável diretamente pela ação de seus órgãos, seja ela resultante do exercício de competência legislativa ou judiciária. Assim sendo, segundo ele, toda lei nacional conflitante com tratado em vigor representa a evidência de um ilícito internacional. Neste caso, a responsabilidade do Estado resulta da atividade legiferante. A afronta ao tratado – que é, em última análise, uma afronta ao princípio pacta sunt servanda – coloca o Estado em situação de ilicitude desde quando entre em vigor a lei com ele conflitante, e até que revogue tal lei, ou até que produza efeito a denúncia do compromisso internacional pelo Estado faltoso. 2000. p. 264.

[23] STF, Pleno, unânime, AGRCR 3.166/MG, rel. Min, Antônio Neder, j. 18.06.1980, DJ 15.08.1980, Ementa. 1179-01/25; RTJ 95-01/42, disponível em: <http://www.stf.gov.br>.

[24] “Art. 19. O pedido de reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais por parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da autoridade central.”

[25] Sentença Estrangeira 3.534, j. 26.02.86, p. DJ de 21.03.1986: “Ré domiciliada no Brasil e aqui citada por carta registrada com aviso de recepção e não por carta rogatória. Nulidade não sanada porque a ré não compareceu ao processo e aqui impugnou com esse argumento a homologação da sentença estrangeira“. AgRg na Sentença Estrangeira 4.605, DJ de 13.12.1996: Ementa: “A citação do réu em processo que corre no estrangeiro deve ser feita mediante carta rogatória. No caso, o requerido teria sido citado, no Brasil, para ação de divórcio pelo sistema norte-americano de affidavit. Homologação indeferida“. Sentença Estrangeira 4.248, j. em 20.11.1991, in RTJ 138/471: “Ré domiciliada no Brasil e aqui citada no processo que corre no estrangeiro, mediante carta registrada, e não por carta rogatória. Nulidade de citação que não foi sanada, porque a ré não compareceu ao processo e oficiou nos autos da homologação, impugnando a citação. Pedido homologatório indeferido“. Ver, ainda, Sentença Estrangeira 2.912 in RTJ 109/30;j Sentença Estrangeira 3.662 in RTJ 119/ 597 e Sentença Estrangeira 3.534, in RTJ 117/57, Sentença Estrangeira 4.125, j. 12.09.1990, DJ 09.11.1990; Sentença Estrangeira 3.976, DJ 15.09.1989; e Sentença Estrangeira 4.951, 05.09.1996, DJ 08.11.1996.

[26] A Lei 8.710/93 alterou a redação dos arts. 222, 223, 224, 230, 238, 239, 241, 242 do CPC, estabelecendo, entre outras modificações, que “a citação será feita pelo correio para qualquer comarca do País, exceto: a) nas ações de estado; b) quando for ré pessoa incapaz; c) quando for ré pessoa de direito público; d) nos processos de execução; e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; f) quando o autor a requerer de outra forma“.

[27] “Ementa-Homologação de Sentença Estrangeira. 1. Não é homologável a sentença estrangeira desmotivada. O art. 458, II, do Código de Processo Civil brasileiro, é norma de ordem pública, e com ela deve harmonizar-se o julgado estrangeiro para que tenha eficácia no Brasil. 2. Ação homologatória improcedente.”(STF-TP- Ação Homologatória de Sentença Estrangeira n° 2.521/RFA – Min. Antônio Neder). Apud Negrão, Theotônio. Código de Processo Civil Anotado e Legislação Processual em Vigor, cf. Nota 4 do art. 216 do RISTF, p. 1721.

[28] Carta Rogatória n° 8.577, STF, Argentina, julgada em 19/6/1999, Relator Min. Celso de Mello. Nesse caso, a Justiça argentina requereu oitiva de testemunhas aqui no Brasil, na sede de sua embaixada, perante um juiz argentino, que viria especialmente para a diligência. Decidiu o ministro Celso de Mello, à época presidente do STF: “Revela-se lesiva à soberania brasileira, e transgride o texto da Lei Fundamental da República, qualquer autorização, que, solicitada mediante comissão rogatória emanada de órgão judiciário de outro País, tenha por finalidade permitir, em território nacional, a inquirição, por magistrados estrangeiros, de testemunha aqui domiciliada, especialmente se se pretender que esse depoimento testemunhal — que deve ser prestado perante magistrado federal brasileiro (CF, art. 109, X) — seja realizado em Missão Diplomática mantida pelo Estado rogante junto ao Governo do Brasil”.

[29] Cf. CR 1043, STJ, DJ 13.12.2005. Nesta CR, o argumento do Subprocurador da República Edson de Oliveira foi acolhido pelo Presidente, que concedeu o exequatur. Veja-se a questão: Não merece ser acolhida a impugnação ofertada, uma vez que, segundo nossa legislação (artigo 88 e incisos e artigo 89 e incisos, ambos do Código de Processo Civil) a hipótese dos autos cuida de matéria cuja competência é relativa da autoridade judiciária brasileira e, portanto, concorrente. O STJ não admite que se discuta o mérito da ação do exterior no âmbito da carta rogatória ou da homologação de sentença estrangeira.

[30] No mesmo sentido, confiram-se outros precedentes da Corte Especial: SEC 1.483/LU, Min. Ari Pargendler, DJe de 29/04/2010; SEC 2.493/DE, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 25/06/2009; SEC 113/DF, Min. João Otávio de Noronha, DJe de 04/08/2008; SEC 200/US, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 14/08/2006. Nessa mesma linha de consideração, colhem-se os seguintes julgados do Plenário do STF: SEC 6.684, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 08/10/2004; SEC 7.394, Min. Ellen Gracie, DJ de 07/05/2004; AgRg na SE 4.605, Min. Carlos Velloso, DJ de 13/12/1996.

[31] No mesmo sentido: AgRg na CR 3.306/US, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 24/11/2008 e AgRg na CR 2.498/US, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 03/11/2008.

[32] CR 44, STJ, publicada em 8.9.2205. Veja-se o trecho do parecer do MP, que serviu de base à decisão de concessão: “Opina o Ministério Público Federal pela concessão da ordem, ao fundamento de que “os requisitos do pedido de diligência, segundo o Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, foram atendidos.

[33] CR 998, STJ, publicada em 18.10.2005. Veja-se o trecho da decisão: “A solicitação está albergada no Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e a Itália, promulgado pelo Decreto n° 862/93. Assim, o objeto desta carta rogatória não atenta contra a soberania nacional ou a ordem pública. Observa-se, portanto, conforme ressaltado pelo MPF “que o pedido abarca assistência de segundo grau, ou de segundo nível, para o fim de transmissão de informações contratuais, contábeis e de movimentações bancárias”.

[34] McCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 3.


[36] WAMBIER, T. A. A et al. Reforma do judiciário. RT Informa, Ano VI, n. 36, março/abril de 2005, p. 4 ressaltou juntamente com outros estudiosos exatamente esse ponto de estrangulamento da morosidade do Judiciário nacional.

[37] O eminente processualista José Carlos Barbosa Moreira, ao se debruçar sobre o tema, constatou que a transferência da competência para a homologação de sentença estrangeira para o STJ, embora tenha sido movida pela busca por celeridade, dificilmente logrará alcançar seus objetivos, uma vez que esse E. Tribunal se encontra igualmente assoberbado. Em suas palavras, o jurista invoca antigo ditado popular, afirmando que, nesse caso, “despiu-se um santo para vestir outro”. De fato, entendemos que a situação se agrava ainda mais ao se verificar que a Resolução n° 09/05 mantém a solução adotada pelo RISTF de concentrar os processos na Presidência do Tribunal, contribuindo, assim, para uma maior sobrecarga do órgão máximo do STJ, em prejuízo da celeridade processual. MOREIRA. José Carlos Barbosa. “A Emenda Constitucional n° 45 e o Processo.” Revista Forense, vol. 383, Rio de Janeiro: Forense, ano 102, 2006. pp. 181-191. 

[38] da CF. “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

Art. 543-A, do CPC. “O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”. (Acrescentado pela Lei 11.418/2006).

§ 1º “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.

[39] Idem, p. 183. 


Informações Sobre o Autor

Márcio Mateus Barbosa Júnior

Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de Brasília com ênfase em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Especialista em Direito Empresarial e Contratos pelo Centro Universitário de Brasília e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Membro de Grupo de Pesquisa da Universidade Católica de Brasília – UCB. Membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Atualmente é advogado, sócio fundador do escritório Barbosa, Lobo & Meireles Advogados (BL&M, Advogados, Brasil) e professor universitário na cadeira de Direito Processual Civil. Tem experiência e atua nas áreas do Direito Civil, Empresarial, Societário e Internacional.


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