Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto da delação premiada, adotado no Brasil por meio de diversas leis, demonstrando seu conceito, natureza jurídica, aplicação e finalidade para a qual foi criado, bem como a extensão de seu âmbito de incidência possibilitada por meio da edição da Lei 9.807/99.
Palavras-chave: Delação premiada. Lei 9.807/99. Alcance normativo.
Sumário: 1 – Conceito e previsão legal. 2 – Natureza jurídica. 3 – Alcance normativo e a Lei 9.807/99. 4 – Conclusão.
1- Conceito e previsão legal
Por meio da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, foi adotado no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, cujo objetivo é possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações criminosas, facilitando a investigação criminal e evitando a prática de novos crimes por tais grupos.
Além da citada lei que inaugurou a normativização da delação premiada no Brasil, atualmente o instituto encontra-se previsto em diversos instrumentos legais, dentre os quais: Código Penal (arts. e 159, §4º, e 288, p.u.), Lei do Crime Organizado – nº 9.034/05 (art. 6º), Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – nº 7.492/86 (art. 25, §2º), Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais – nº 9.613/88 (art. 1º, §5º), Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica – nº 8.137/90 (art. 16, p.u.), Lei de Proteção a vítimas e testemunhas – nº 9.807/99 (art. 14), Nova Lei de Drogas – nº 11.343/06 (art. 41), e, mais recentemente, na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – nº 12.529/2011 (art. 86).
Consoante conceitua Nucci, a delação premiada:
“(…) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.”[1]
O instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime.
Diz-se indiciado ou acusado o delator em virtude de o instituto da delação poder se dar durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Na prática, é mais comum ocorrer na fase inquisitiva, pois é nessa etapa que o delator se faz mais útil, sendo capaz de fornecer ao órgão acusador mais elementos da materialidade e da autoria do crime para consubstanciar a denúncia.
Também chamada de confissão delatória, a delação se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação do fato criminoso a terceiros.
2 – Natureza jurídica
Basicamente, a delação premiada se perfaz num acordo entre o Ministério Público e o acusado, onde este recebe uma vantagem em troca das informações que fornecerá ao parquet. Quanto mais informação for dada por aquele que delata, maior será o benefício a ele proporcionado.
Como benefício ao delator temos a substituição, redução ou isenção da pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a depender da legislação aplicável ao caso.
Sendo assim, a natureza da delação premiada variará conforme a situação do caso concreto, podendo ser, por exemplo, uma causa de diminuição de pena, incidente na terceira etapa do sistema trifásico de aplicação da pena, ou uma causa extinção da punibilidade, pois pode resultar na concessão do perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99, abaixo transcrito:
“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
Além disso, a delação premiada também tem um viés processual, posto valer como meio de prova na instrução processual penal.
Nesses casos, importante salientar que a delação não deverá servir como prova absoluta contra aquele que está sendo delatado. O instituto apenas servirá como indicador da materialidade e da autoria do crime, devendo o processo ser instruído com outras provas que corroborem as informações apresentadas pelo delator.
Se assim não fosse, tal instituto serviria tão somente como uma forma de o delator conseguir um benefício a todo custo, mesmo que para isso tivesse que atribuir a autoria da conduta delituosa a quem é inocente.
3 – Alcance normativo e a Lei 9.807/99.
Antes da edição da Lei 9.807/99, que regula o Sistema de Proteção a vítimas e testemunhas, a delação premiada era aplicável somente aos tipos penais descritos nas leis especiais que previam tal instituto. Porém, com o advento da referida norma, esse benefício foi estendido a todos os tipos penais, posto que neste diploma não foi ressalvada a aplicação do instituto a nenhum crime específico.
Apesar de parte da doutrina defender que a Lei 9.807/99 teria sido editada tendo como foco o tipo penal previsto no art. 159 do CP, qual seja, extorsão mediante seqüestro, a posição majoritária entende que a aplicação da delação premiada passou a ser geral e irrestrita, uma vez que tal instrumento normativo não especificou expressamente para quais tipos penais estaria destinado.
Rogério Greco, ao tratar da possibilidade de concessão do perdão judicial, prevista no art. 13 da Lei 9.807/99, decorrente da delação premiada, afirmou:
“Pela redação do mencionado art. 13, tudo indica que a lei teve em mira o delito de extorsão mediante seqüestro, previsto no art. 159 do Código Penal, uma vez que todos os seus incisos a ele se parecem amoldar. Contudo, vozes abalizadas em nossa doutrina já se levantaram no sentido de afirmar que, na verdade, a lei não limitou a sua aplicação ao crime de extorsão mediante seqüestro, podendo o perdão judicial ser concedido não somente nesta, mas em qualquer outra infração penal, cujos requisitos elencados pelo art. 13 da Lei nº 9.807/99 possam ser preenchidos.”[2]
Ora, não havendo ressalva expressa, não pode o aplicador do direito interpretar a norma penal mais benéfica restritivamente. Segundo o próprio Greco, “havendo dúvida em matéria de interpretação, deve esta ser resolvida em benefício do agente (in dúbio pro reo)”[3]. Portanto, desde que a Lei nº 9.807/99 entrou em vigor, resta claro que a aplicação da delação premiada não está limitada a tipos penais específicos.
Essa ampliação no âmbito de incidência da delação premiada era medida necessária, uma vez que não faz sentido o benefício se restringir apenas a certos delitos quando se tem em vista que a mens legis é proporcionar ao Estado uma melhor aplicação da lei penal, facilitando a persecutio criminis, e um conseqüente controle da criminalidade.
Por mais que se discuta a respeito da eticidade do instituto, já que se exige uma postura “imoral e antiética” do delator para com seus comparsas, é inegável que a medida contribui na busca do esclarecimento do crime. A aplicação do instituto não só facilita o trabalho das autoridades policiais e a instrução probatória, como também acelera a solução do litígio penal.
E ainda, cabe dizer que o Estado, ao adotar o uso da delação premiada, não está atestando a sua ineficiência na persecução criminal, mas sim aperfeiçoando os instrumentos que possui para alcançar, o mais rápido e da melhor maneira possível, a verdade real.
Ademais, os efeitos benéficos dessa medida alcançam tanto o acusado quanto à sociedade, que luta contra a impunidade e pela redução da criminalidade no país.
Por essa razão que é defensável e louvável a utilização da delação premiada em qualquer delito, sem restrição.
4 – Conclusão.
Portanto, não havendo justificativa para limitar a aplicação do instituto da delação premiada, a Lei 9.807/99 veio atender aos anseios da população, tornando legal a posição doutrinária que entendia ser possível a extensão dos efeitos da delação premiada a todos os tipos penais.
Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4661. Acesso em 15/02/2012.
Informações Sobre o Autor
Marcella Sanguinetti Soares Mendes
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogada