A desconsideração da personalidade jurídica e a abordagem do código de defesa do consumidor: artigo 50 do NCC versus 28 do CDC

Resumo: No presente artigo procura-se promover uma reflexão sobre a questão da desconsideração da personalidade jurídica, suas controvérsias entre os dispositivos do Código Civil  lei n. 10.406/02 (Art. 50) e do Código de Defesa do Consumidor lei n. 8.078/90 (Art. 28), além de contribuir para a problemática do tema o artigo visa ressaltar a importância da pessoa jurídica para a sociedade.


Palavras-chave: Personalidade jurídica. Desconsideração. Código Civil. Código de defesa do Consumidor.


1 INTRODUÇÃO


Este belo instituto, surgiu para suprir as limitações humanas, uma vez que o


homem não encontrar em si, individualmente, condições necessárias para um desenvolvimento empresarial de grande porte. A solução é a associação com outros homens, estabelecendo uma sociedade, com o escopo de somar forças sinérgicas para formar um organismo capaz de alcançar o objetivo finalístico esperado.


No entanto os indivíduos sempre tiveram receio em empenhar todo o seu


patrimônio em atividades  que ofereçam algum risco. Foi o princípio da separação patrimonial e limitação de responsabilidade, inerentes da personificação de uma sociedade, que acabou por ajudar a direcionar os recursos necessários ao desenvolvimento da economia para atividades de fato produtivas. Neste caso a pessoa jurídica nasce, ganha vida e personalidade, diferenciando-se dos indivíduos que a compõem, dando origem a um ente autônomo, ubíquo que possui direitos e obrigações próprias, não se confundindo com a pessoa de seus membros, que por sua vez investem apenas uma parte do seu patrimônio, assumindo um risco limitado em caso de eventuais prejuízos.


Sempre com a presença do Estado, que criou a pessoa jurídica com o fim de incentivar e proporcionar determinadas condutas úteis para a sociedade. Evidenciamos assim que as contribuições da pessoa jurídica são inenarráveis para o desenvolvimento científico, cultural econômico e social experimentado pelo mundo atual é a pessoa jurídica, com os princípios da separação patrimonial e limitação de responsabilidade que assegura o desenvolvimento econômico e social.


Essa minha exaltação a personalidade jurídica tem uma razão obvia, que é a de explicar que a desconsideração da personalidade jurídica, a contrário senso não visa desvalorizar a pessoa jurídica, mas ressaltar o seu valor diante de qualquer arbitrariedade.


2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


A grande maioria dos autores remonta a origem da teoria ao famoso caso


“Salomon vs Salomon & Co Ltda”, julgado na Inglaterra em 1897. No referido precedente, o Senhor Aara Salomon, um comerciante individual, resolveu constituir uma sociedade com sua mulher e cinco filhos. A sociedade foi fundada, então, com um capital de 20.006 ações, reservando-se 20.000 ações para a propriedade do mencionado comerciante individual, e as outras 06, à de sua mulher e filhos, sendo uma para cada. Para integralizar suas ações o Sr. Salomon transferiu à sociedade o fundo de comércio que possuía a título individual. Como o fundo de comércio valia mais do que as 20.000 ações, o Sr. Salomon tornou-se credor da diferença, tendo instituído a seu favor uma garantia real. A sociedade, depois, tornou-se insolvente e foi dissolvida. Durante a liquidação, o Sr. Salomon pretendeu receber seu crédito, por contar com a garantia real, privilegiadamente em relação aos demais credores. Houve, então, um conflito entre o Sr. Salomon e o liquidante, que levada às barras dos Tribunais, foi vencido, como eu disse, nas instâncias inferiores pela sociedade, sob o argumento de que o Sr. Salomon se confundia com a pessoa jurídica, constituída apenas para fraudar credores.


A personalidade jurídica como já ressaltei foi criada para satisfazer legítimas necessidades humanas, a pessoa jurídica e o princípio da separação patrimonial a ela inerente, foram, no limiar da história sendo desviados de sua finalidade, possibilitando que, por detrás de sua estrutura, escondessem-se pessoas e patrimônios para fins abusivos e fraudulentos. Como bem salientou Tomazette: “A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência de valor mais importante. O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, é que está cederá espaço. Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse volimado através da personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de valores”. Sendo assim a teoria não pretende enfraquecer ou questionar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, mas valorizar a sua importância para o sistema econômico, inibindo as fraudes e abusos que se pratiquem por seu intermédio. Ela não ataca o instituto da pessoa jurídica, mas o mal uso que dele se faz. Por isso não se anula a personalidade jurídica, mas, apenas, diante do caso concreto, suspende-se o véu societário para, enxergando-se por detrás do mesmo, atingir os responsáveis por atos abusivos ou fraudulentos.


3 OS DISPOSITIVOS


“Art. 50 do Código Civil : Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Publico, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações, sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.


Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor:  O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.


§1º .(Vetado).


§ 2º. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.


§ 3º . As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.


§ 4º. As sociedades coligadas só responderão por culpa.


§ 5º . Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.


Veja que durante a redação do Caput e dos quatro primeiros parágrafos tudo bem, mas o problema é o § 5º que com relação a sua interpretação podemos sustentar que houve um erro material no veto lançado ao artigo, isto é, vetou-se o § 1º , mas na verdade o veto, pelas razões explicitadas pelo executivo, destinara-se, na verdade, ao § 5º, que, portanto deve ser considerando inoperante, como se vetado estivesse; ou se dá uma interpretação restritiva ao dispositivo, ligando-o ao caput do art. 28, para aplicá-lo só em hipóteses de abuso de direito. Mas com a entrada em vigor do novo Código Civil o texto promulgado do art. 50 da nova lei substantiva resgatou os verdadeiros fundamentos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.


4 CONCLUSÃO


Essa discussão do controverso tema pertinente à desconsideração da personalidade jurídica ou Disregard of Legal Entity , nos possibilita fazer uma análise muito interessante sobre o tema. Sobre um enfoque da aplicação ao Direito do Consumidor, tendo por base a previsão legal esculpida no artigo 28 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8078/90. A desconsideração da pessoa jurídica significa tornar ineficaz, para o caso concreto, as personificações societárias, atribuindo-se ao sócio ou sociedade condutas que, se não fosse a superação, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio respectivamente. Sendo assim passamos a analisar o Art. 28 do CDC, pode-se desconsiderar a pessoa jurídica por: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação de estatutos ou contrato social. (caput, 1ª parte). Falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocadas por má administração. (caput, 2ª parte). Qualquer hipótese em que a personalidade da pessoa jurídica seja, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (§ 5º).


É importante notar que os pressupostos de todas as hipóteses acima é o da lesão de interesses do consumidor, em seguida é preciso notar que a desconsideração há de supor a incapacidade da pessoa jurídica para reparar o dano. Instaura-se aí o conflito analisado, pois será que sempre que for infligido o direito do consumidor ou prejuízos a essa parte a desconsideração jurídica é logo aplicada sem proteção alguma à pessoa jurídica?


O problema no artigo 28 está sem dúvida no § 5° que modifica toda a construção da personalidade jurídica distinta dos membros que a compõem. O parágrafo torna regra o que é exceção. Permitindo a aplicação da desconsideração “sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Em termos simples, todos aqueles “fatos típicos” do caput caem por terra, pois o parágrafo traz previsão genérica enquanto o caput traz previsões específicas. Por tanto  Assim como na vida, toda defesa exacerbada acaba prejudicando a quem se quer proteger. Levar a proteção do consumidor às últimas conseqüências, (como é o caso do parágrafo quinto do art. 28), significa desestimular o impulso para a criação de novas pessoas jurídicas e de novos fornecedores, o que por sua vez desestimula a concorrência e coloca o consumidor nas mãos dos poucos “sobreviventes” de um mercado já famoso pela rara sobrevivência diante de fatores como a tributação explosiva, a concorrência com produtos piratas, o pagamento de funcionário que mais se paga para os cofres públicos do que para cada funcionário contratado.


Concluo essa dissertação convencido de que não se pode pretender ampliar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que por sua natureza é excepcional.  Portanto no que ser refere ao § 5º do art. 28, é necessário interpretá-lo com muitíssima cautela. A mera existência de prejuízo patrimonial do consumidor não é suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. O texto deixou o significado em aberto. A interpretação mais cuidadosa nos parece ser a de que o § 5º, constitui uma abertura de hipóteses do caput, sem prejuízo dos pressupostos teóricos da doutrina que o dispositivo visou consagrar. A aplicação do § 5º deve restringir-se às situações em que o fornecedor do produto ou serviço ao consumidor constitui a pessoa jurídica, ou a utilizou, especificamente para livrar-se da responsabilização de prejuízos causados ao consumidor.


  


Bibliografia

TEPEDINO, Gustavo (coordenador). A Parte Geral do Novo Código Civil  – Estudos na perspectiva civil-constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, 54-60 p.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V. 1, São Paulo: Saraiva, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da silva. Instituições de Direito Civil. V. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2004.

PEIXOTO, Maurício Cunha. Desconsideração da Personalidade Jurídica e o artigo 50 do Novo Código Civil. Palestra proferida no Seminário: O Direito Societário Face ao Novo

Código Civil – promovido pela Brain Company em Belo Horizonte – MG no dia 27/03/2003.


Informações Sobre o Autor

Márcio Araújo de Mesquita

Acadêmico de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduado em Técnico de Administração de Empresas pela FAETEC. Bolsista-Pesquisador do Programa de Educação Tutorial de Direito (PET-Jur) em Direito Constitucional da PUC-Rio


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