Resumo: O presente trabalho trata da temática da reparação por dano moral e material no divórcio, dando ênfase à responsabilidade civil. Procura-se debater o casamento, suas obrigações, deveres e possíveis conseqüências decorrente do seu descumprimento, inclusive, após a nova lei do divórcio.
Palavras chave: Casamento; divórcio; responsabilidade civil; dano moral; dano material.
Sumário: 1. Introdução; 2. O instituto da reparação civil do dano moral e material no ambito do direito de família; 3. As obrigações e deveres decorrentes do casamento; 4. Dano moral por descumprimento dos deveres conjugais; 5. Distorções da culpa na dissolução do casamento e o dano moral; 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 – INTRODUÇÃO
Apesar do ordenamento jurídico atual não mais sustentar a indissolubilidade do casamento, ainda existem questões afetas aos vínculos afetivos, responsabilidade civil e a dissolução de união conjugal de bastante complexidade quando se trata a possibilidade de reparação por dano moral e material.
O interesse estatal na indissolubilidade do casamento tornou-se ultrapassado, fazendo com que a legislação evolua no sentido de proporcionar o divórcio independente de motivação ou demonstração de culpa.
Desta forma, a culpa passaria a ser analisada, principalmente, para apuração da responsabilidade civil na indenização por dano material ou moral decorrente da violência, sofrimento ou humilhação sofrida pelo cônjuge ofendido.
No presente, analisaremos o instituto da reparação civil no direito de família, as obrigações e deveres decorrentes do casamento e o dano moral pelo seu descumprimento, considerando a legislação vigente.
Embora o ordenamento jurídico e o poder judiciário não consiga reparar a saúde psicológica e traumas sofridos pelo cônjuge ofendido, a indenização pecuniária seria capaz de reduzir o prejuízo sofrido pelo dano moral e psicossocial, bem como inibir futuras condutas similares.
2 – O INSTITUTO DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO MORAL E MATERIAL NO AMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA
A evolução da sociedade e do direito demonstrou a necessidade de se regulamentar o direito de família, a separação e o divórcio. Nessa perspectiva o legislador previu situações que, ocorridas, tornam insuportável a vida comum entre os cônjuges.
O direito brasileiro, no que se refere ao dever de indenizar, positivou no art. 927 do Código Civil de 2002 que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Logo pode-se considerar dentre os ilícitos passíveis de reparação o adultério, não mais como crime tipificado no código penal brasileiro, mas como situação gravosa na relação conjugal; a tentativa de morte, a sevícia ou a injúria grave; o abandono voluntário do lar conjugal; a condenação por crime infamante; a conduta desonrosa ou qualquer outro motivo que o juiz considere pela impossibilidade da vida em comum.
O dano moral corresponde aos efeitos maléficos marcados pela dor ou sofrimento do indivíduo. Trata-se de um padecimento íntimo, humilhação, vergonha, constrangimento de quem é ofendido em sua honra ou dignidade, o vexame e a repercussão social do ato.
A Constituição da República dispõe acerca do instituto no art. 5º, incisos V e X, ficando a obrigação de indenização com caráter compensatório e sancionatório nos arts. 159, 828 e 1056 do Código Civil de 2002.
A moral não pode ser generalizada, é personalíssima devendo-se a humilhação, vergonha, situações vexatórias, a posição social ou cargo exercido pelo ofendido e a repercussão negativa do ato, inclusive quando há má-fé, unicamente para atingir a honra e a boa fama do individuo.
Já o dano material tem natureza ressarcitória, visto que atingem diretamente ao patrimônio, por uma ação ou omissão indevida de terceiros, podendo-se apurar o prejuízo pelo dano efetivo e o lucro frustrado, com base em seu valor econômico.
A extensão do dano deve ser demonstrada de forma precisa, bem como a indenização pretendida, visando a recomposição efetiva do patrimônio, não havendo impedimento a cumulação de pedido de indenização por eventuais danos morais ou à imagem que derivaram do mesmo fato gerador.
O ordenamento jurídico admite a reparação do dano moral e material no âmbito familiar, ainda que praticado pelo cônjuge, conforme no Recurso Especial n. 37.051/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 17-4-2001 no STJ:
“EMENTA: Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais.”
Assim, é plenamente aceitável pelo direito pátrio a responsabilização civil do cônjuge ou companheiro, por ilícito absoluto ou infração à regra do direito de família quando fato ocorrer na convivência do casal, pela infração aos deveres do casamento, ou por dano decorrente do divórcio.
3 – AS OBRIGAÇÕES E DEVERES DECORRENTES DO CASAMENTO
O ordenamento jurídico estabelece casamento como sendo uma comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, regulamentado pelo Estado, constituído com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto.
Paulo Lobo (2008, p. 143), conceitua o casamento como sendo “um ato jurídico negocial, solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família por livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.
Pelo casamento, tanto o homem quanto a mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família, monogamia, liberdade de união e comunhão de vida, renunciando aos institutos egoísticos ou personalistas, em função de um bem maior.
Os cônjuges se obrigam na prática, pela manutenção do lar, educação dos filhos advindos dessa união, compromisso com os votos firmados e convívio harmonioso.
Assim, o casamento gera efeitos jurídicos amplos, trazendo deveres de fidelidade recíproca; vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos, e a quebra desses deveres, pode motivar a separação-sansão, nos termos literais do artigo 1.572, caput, do CC/2002.[1]
De certa forma, os deveres e obrigações vinculam os cônjuges que optaram voluntariamente pelo constituição do casamento, sendo o descumprimento uma grave conduta por parte do cônjuge ofensor.
4 – DANO MORAL POR DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS
O casamento possui efeitos de ordem pessoal, social e patrimonial, decorrentes dos deveres e obrigações, cuja violação possibilita ao cônjuge ofendido a requerer a separação ou divórcio, por se tornar insuportável a vida em comum, e, eventualmente, a requerer danos morais e materiais, se houver.
A responsabilidade civil a ser aplicada nos casos de separação ou divórcio pelo descumprimento das obrigações do matrimônio, assim, como em qualquer caso, exige a demonstração da ação ou omissão do agente; ocorrência de dano; culpa e do nexo de causalidade, onde o cônjuge ofensor poderá ser obrigado a indenizar o cônjuge ofendido.
Assim são os ensinamentos de BITTAR (1998):
“(…) as lesões ao corpo, ou a parte do corpo (componentes físicos), ou ao psiquismo (componentes intrínsecos da personalidade), como a liberdade, a imagem, a intimidade. São morais os danos a atributos valorativos (virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade; vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, como a honra, a reputação, as manifestações do intelecto”.
A indenização além de compensar a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que afeta a integridade psíquica e bem-estar do cônjuge inocente, possui natureza preventiva ou social, pois inibe o cônjuge ofensor a repetir a conduta no futuro, gerando nele um processo de conscientização com imediatos reflexos sociais.
Não obstante a obrigação de reparação do dano estar previsto na legislação pátria, está em andamento no Congresso nacional o Projeto de Lei nº 6.960/2002, para que se adicione o §2º ao art. 927 do Código Civil, e que terá a seguinte redação: “Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de família.”
Nesse sentido os ensinamentos de Carolina Valença Ferraz (2001) ressalta que “o fim da sociedade conjugal com base no descumprimento dos deveres matrimoniais gera a obrigação de reparar em face da presença dos pressupostos da responsabilidade civil: ato ilícito, nexo de causalidade e dano.”
Constata-se, portanto, que mesmo sem a redação prevista no Projeto de Lei nº 6.960/2002, a legislação atual é suficiente para se garantir a devida reparação por danos morais ao cônjuge inocente em divórcio ou separação litigiosa em que houve sofrimento, angústia e desequilibro em seu bem-estar e a sua integridade psíquica em razão do ato culposo do cônjuge descumpridor dos deveres e obrigações matrimoniais.
5 – DISTORÇÕES DA CULPA NA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO E O DANO MORAL
É importante considerar possíveis distorções acerca da culpa na dissolução da entidade conjugal, com a atribuição de proporções maiores que as reais em razão do abalo psíquico-emocional sofrido.
A separação judicial requerida por um dos cônjuges poderia ser culposa, fundamentada em grave descumprimento de dever conjugal; por ruptura, em decorrência da separação de fato por um ano consecutivo; e remédio, embasada em doença mental grave de um dos cônjuges que perdure por mais de dois anos.
A Lei nº 6.515/77 estabelecia duras penas ao autor de ação com fundamento na separação de fato por um ano, que era presumidamente havido pela lei como responsável pela dissolução da sociedade conjugal, bem como na separação remédio, as referidas punições eram aplicadas ao cônjuge sadio pelo mesmo texto legal (art. 5º, § 3º, art. 17, § 1º e art. 26 c/c art. 19).
O novo Código Civil eliminou a maior parte daquelas punições, com o acolhimento de sugestões legislativas. Cada uma dessas espécies tem um sentido próprio, tendo em vista a diversidade de fundamentos e conseqüências da separação, havendo que se falar em responsabilidade apenas na modalidade culposa.
Ademais, quando a separação de fato ou a moléstia mental desfaz a comunhão física e espiritual entre os cônjuges não pode haver mal pior do que a manutenção forçada do casamento.
Em 13 de julho de 2010 o Congresso Nacional publicou a Emenda Constitucional nº 66, facilitando a dissolução do casamento civil, ao eliminar a exigência de separação judicial prévia por mais de um ano, ou separação de fato por mais de dois anos, tornando ainda mais desnecessário que qualquer dos cônjuges incorra em descumprimento de qualquer dever ou obrigação matrimonial, visto que não existem impedimentos para manutenção da entidade familiar.
É inegável que perpetuar um convívio desarmônico e perturbador na esperança de manter a qualquer custo um relacionamento proporcionará na evolução de um clima de falsidade e desrespeito mútuos, podendo, inclusive, afetar o desenvolvimento e a educação dos filhos, se houver.
É verdadeiramente clássica a controvérsia acerca da natureza jurídica do casamento, como contrato, instituição, ou de contrato especial (hibrido), com liberdade volitiva na escolha do cônjuge e do regime de bens, vertendo para uma natureza institucional com a celebração das núpcias.
A doutrina e jurisprudência estampam notória divergência, trazendo elementos subsistentes a todas as teorias, mas nenhuma delas são capazes de repudiar a indenização civil simplesmente porque a legislação já prevê outros meios de punição do cônjuge culpado pela separação.
Yussef Said Cahali (1999) assinala a crescente manifestação doutrinária em favor do ressarcimento do sofrimento moral em razão da infração grave dos deveres conjugais e adverte que apenas impor o encargo alimentar em favor do cônjuge inocente, como se tudo pudesse e devesse ser compensado pela paga alimentar, que em tempos mais distantes, era quase sempre devida e necessária.
“durante muitas décadas e dentro da filosofia de que o casamento deveria ter a duração da própria existência terrena dos cônjuges, não eram muitos os processos judiciais de separação, eis que escassas as causas justificadoras do antigo desquite e se determinado matrimônio batesse às portas do Judiciário, com efeito, que a culpa separatória restava usualmente compensada pelo crédito alimentício prestado em favor do cônjuge inocente.” (CAHALI, 1999)
A ordem judicial de reparação pelo dano moral é sanção atribuída ao ofensor, para compensar o ofendido pelos reflexos negativos por ele sentidos em sua personalidade, independentemente de haver repercussão em sua situação profissional, econômica, política ou social. Seu objetivo é reparar a dor, o padecimento espiritual e emocional infligido à vítima de um evento danoso.
Como bem direciona atualizada doutrina, a responsabilidade civil subjetiva é pressuposto de dano moral, que não se sanciona pelo fato meramente objetivo, sendo necessário imputar dolo ou culpa, ao agir do cônjuge. E busca compensar o real sofrimento do cônjuge judicialmente declarado vítima de violação a honra conjugal ou a sua integridade moral e psíquica.
O Direito de Família repara os danos morais causados pela violação do dever conjugal, ou por conduta considerada desonrosa e que tornem insuportável a vida em comum.
Importante que haja a distinção entre os danos acarretados pelo descumprimento de dever conjugal e os prejuízos oriundos da ruptura do casamento, onde apenas os prejuízos morais são capazes de gerar responsabilização civil, ficando os demais para reparação material.
6 – CONCLUSÃO
Por todo exposto, conclui-se que é possível a indenização por dano moral e material no âmbito do direito de família, ainda que vinculada no processo de dissolução do casamento.
Embora o Poder Judiciário não possua respostas conclusivas, a sociedade e o direito evoluem nesse sentido, desobrigando aos cônjuges a manutenção de uma relação falida com fins meramente sociais.
É por estarem desobrigados a essa perpetuação hipócrita que os cônjuges incorrem em culpa quando não cumprem os deveres e obrigações decorrentes do casamento, com fins de evitar qualquer dano psíquico ao outro.
Tal responsabilização não visa obrigar a manutenção de um relacionamento a qualquer custo, tanto que o próprio ordenamento evoluiu para que a dissolução ocorra por simples manifestação de vontade, independente de culpa ou motivo. O intuito é tão só inibir viés ofensivo daqueles que se utilizam da convivência, intimidade, confiança, companheirismo e fidelidade, para cometer verdadeiros absurdos, e, até, crimes puníveis no âmbito do direito penal.
A polêmica e controvérsia do tema estão distantes de ter fim, ao contrário, possibilitará um debate acirrado entre os profissionais e estudiosos da área de família, operadores e cientistas do direito.
Portanto, é importante destacar que a legislação vigente possibilita a reparação por dano moral e material no direito de família, uma vez que o homem em sociedade e suas relações conjugais estão acima de qualquer paradigma religioso ou moral, tendo o mesmo compromisso para evitar o sofrimento moral, espiritual e psíquico que podem acometer o cônjuge por condutas que podem ser evitadas ou desnecessárias
Informações Sobre o Autor
Cesar Leandro de Almeida Rabelo
Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.