Resumo: O presente artigo busca fornecer em breve síntese, uma reflexão acerca da realidade democrática da criança e do adolescente no cenário nacional, qual seja, o da dignidade da pessoa humana, para desembocar no espaço privilegiado da educação. Sem alguma pretensão de esgotar a temática sobre o complexo assunto, privilegia-se para este estudo a direção nas principais garantias constitucionais sob a ótica filosófica e teórica desse direito e sua eficácia. A educação tem assumido papel de importante destaque no panorama das políticas governamentais brasileiras, principalmente a partir da década de 1990, em que se pode verificar o fortalecimento do discurso e de propostas que revelam a intenção de garantir educação para todos. A luta da sociedade brasileira pela universalização do acesso à escola remonta a décadas, e a persistência de pautar essa reivindicação como prioridade garantiu, inclusive, que o último texto constitucional reafirmasse a educação como um direito de todos, definindo a quem cabe a responsabilidade por sua promoção e incentivo, e estabelecesse seus fins.
Palavras-chave: Educação, crianças e adolescentes, dignidade da pessoa humana, democracia.
“E mais fácil construir um menino do que consertar um homem” (Charles Chick Govin)
“Educai as crianças e não será preciso castigar os homens” (Pitágoras)
1. APRESENTAÇÃO
O preparo para o exercício da cidadania é sem dúvida papel fundamental da educação. A efetiva proteção dos direitos humanos demanda, por isto, um processo educacional sério, que desperte, nas gerações presentes e futuras, a consciência de participação na sociedade e crie um mínimo senso político nos indivíduos que a compõem[1]. Discorrendo sobre a íntima conexão entre a temática da infância e os problemas ligados a democracia, nos pautamos a constatar que a educação é um direito humano em si, e como tal, fundamental para a realização de uma série de outros direitos.
A construção da educação está intimamente ligada a construção da democracia liberal, em especial a sua imagem de elemento fundante e equalizador. A igualdade dos cidadãos pauta-se na sua formação educativa. Uma sociedade democrática oferece a educação como meio de tornar os cidadãos iguais em capacidade de exercer sua cidadania. Encontramos essa afirmativa entre alguns juristas do século XIX e XX, como por exemplo, em Konrad Hesse: “Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa de ignorante, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade[2].
A emergente democracia liberal tem em sua base a cidadania e nessa, a idéia de cidadãos educados. Essa perspectiva tornou-se dominante na atualidade sendo que os juristas não se intimidam em aludir que: “O melhor investimento para o desenvolvimento que o mundo pode fazer em relação à infância é permitir-lhe um desenvolvimento integral através da educação”[3]. Para o filósofo americano Rawls, em abordagem sobre o tema da educação, segundo ele: “tem uma função ampla de uma “concepção política”. Isso significa que, para além de seu valor instrumental, em uma sociedade bem ordenada, a educação faz com que os indivíduos se reconheçam uns aos outros como livres e iguais[4]. Entende Rawls, que a característica mais importante de uma cultura política democrática e pública está ancorada no pluralismo. E numa sociedade plural a educação não pode promover uma única doutrina comprensiva como exclusiva fonte de valores para a constituição da cidadania.
No cenário nacional, o marco do processo popular na construção da nossa atual Carta Magna, vem a indicar com clarividência o derradeiro desenrolar de quase um quarto de século, sob o autoritarismo do regime militar, e o embrionário e incansável movimento pela luta dos direitos da criança e do adolescente, em articular-se na confecção de variadas propostas, vindo a concluir-se em uma nova forma de política social para a infância: a política social pública, consoante inserida nos arts. 227 e 204 e da educação 205 a 214, da Constituição Ferativa do Brasil de 1988.
2. O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL: UM OLHAR CONSTITUCIONAL
O direito à educação na Constituição Imperial Brasileira de 1824 é expressado em dois tópicos do art.179, enumerando os direitos civis e políticos. Os referidos dispositivos dispunham que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Característicamente liberal, como bem anota José Afonso da Silva, por ser a primeira Constituição no mundo, a subjetivar e positivar os direitos do homem[5]. De certa forma, o direito à educação na citada Carta, apresentou-se, portanto, de forma tímida e fortemente caracterizado pela participação da Igreja Católica no processo educacional do povo, ressaltando ainda outro aspecto na sua centralização do ensino, em grande medida sob a determinação da Coroa.
Com a Constituição de 1891, inaugurou-se uma nova fase no Constitucionalismo brasileiro, o da República Federativa. O direito à educação neste momento sofreu algumas alterações, com ênfase no caráter laico e descentralizado do ensino, mas é importante ressaltar que foram poucas as alterações político-ideológicas entre a Constituição Imperial e a Constituição ora citada. Na afirmação de Calmon “tirando a vitaliciedade do Senado e o Poder Moderador, que o Imperador exercia, o Brasil poderia considerar-se uma República Liberal-Democrática”. Quer-se, com isso, dizer que o modelo assumido pelo Império do Brasil era tendencialmente liberal, principalmente no sentido da garantia dos direitos civis e políticos. Desta forma, no tocante à educação, o comprometimento do Estado com os chamados direitos sociais não exsitia na Constituição de 1824, mas também não esistiu na constituição de 1981. Mudou-se a forma de Estado e de Governo, mas as linhas mestras do paradigma liberal permaneceram inalteradas.
Deixando para traz a tradição liberal democrática da primeira Constituição Repúblicana, a Constituição de 1934 filia-se neste momento à cultura Constitucional de Weimar. Inserindo neste sentido, novos títulos no texto Constitucional, como os relativos à ordem econômica e social, à família, à educação e à cultura, enfim à positivação de direitos sociais. Neste espírito, o direito à educação teve um considerável prestigio. A Constituição Brasileira de 1934 adotou a técnica de Weimar, abrindo um capítulo especial para tratar da “Educação e da Cultura”, em longos e minunciosos artigos[6]. Vindo o governo federal assumir a grande tarefa de traçar diretrizes da educação nacional (art.5° XIV), princípio que vigora até os nossos dias, abandonando a característica descentralizadora da Constituição de 1891, em prol da realização de um projeto de educação nacional.
Deste modo, pela primeira vez, em um texto Constitucional nacional, o direito à educação foi elevado a categoria de direito subjetivo público, nos termos do art. 179: “a educação é um direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes, proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana”. Do citado artigo, podemos observar o rompimento com o ensino laico da Constituição de 1891.
Com a Constituição de 1937, o Brasil viveu a sua experiência sob um regime fascista. Altamente concentradora, a Constituição evidenciava alguns mitos como o patriotismo, os símbolos nacionais, a figura presidenciável. A nova política do país teve grande repercussão na educação, tornando substanciais as alterações em relação à Constituição revogada. Como bem assevera Herkenhoff, em duras críticas à Constituição de Vargas: “sob a inspiração do Fascismo, via-se o Estado promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira a prepará-la para o cumprimento de seus deveres com a economia e a defesa da nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se confundia com o culto ao regime e à pessoa do ditador”[7].
O Estado fascista de 1937, como observa o autor ora citado, concedeu privilégio ao ensino particular, reservando ao Estado uma função suplementar de preencher as deficiências e lacunas desse ensino. Outra crítica ao modelo de 1937, pode ser apontada na existência de escolas secundarias com a missão de preparar a elite dirigente, e de escolas profissionais destinadas aos que seriam dirigidos.
Com a redemocratização do país em 1946, a assembléia constituinte tomando por base a Carta de 1934, em sua índole social-democrática, promulgou a quinta Constituição do Brasil[8]. Em matéria de educação, a referida Constituição definiu a educação como direito de todos, devendo ser garantida no lar e na escola e insipirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana (art. 166).
Dentre as “muitas” Constituições Brasileiras, que demonstraram as suas distintas preocupações em diversos momentos na história de suas promulgações, e refletindo os valores mais relevantes materializados em seus textos, podemos citar como referência a Carta Magna de 1967, aberta com a organização do Estado, demonstrando claramente que este era o merecedor de todas as atenções do legislador constituinte.
Os direitos fundamentais vinham expressados em seu artigo 153, mas isso, por si só, não quer dizer que era mais importante o Estado do que o ser humano; todavia, é notório que aquela Carta refletia os valores cultuados na chamada revolução de 1964, ficando o indivíduo com menor proteção que o próprio Estado, este criado para servi-lo e não o contrário. A nova Constituição do Brasil, ainda que realizada pelo Congresso Nacional, teve considerável censura, de modo que se constituiu em um verdadeiro retrocesso democrático. No que se refere ao tema aqui abordado o direito a educação, teve consideráveis alterações, em especial, a abolição da fixação de percentuais orçamentários destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino[9].
Após um período de instabilidade constitucional que a antecedeu, a Carta de 1988, com uma opção notoriamente socializante, reafirmou os dispositivos de organização e limitação do poder político, além de votar pela garantia da Democracia e da cidadania, pela enunciação dos direitos fundamentais, pela promoção da justiça social, pelo controle do poder econômico e, sobretudo, pela preservação da dignidade da pessoa humana. Desta forma, será com Constituição Federal de 1988 que têm-se nitidamente outro vértice. Tendo como o centro das atenções neste momento o ser humano, demonstrado já pelo Preâmbulo, onde é possível verificar os propósitos que nortearam o constituinte.
Esta nova ordem constitucional, viria a amalgamar o ordenamento jurídico pátrio em um novo alicerce; que é a dignidade da pessoa humana. Com a tutela de um mínimo invulnerável de estima e de direitos dos quais são titulares todos os seres humanos, sendo possível construir uma verdadeira teoria dos direitos da personalidade, que passaram à categoria de direitos e garantias fundamentais. Ancorado pelo texto Constitucional, em nosso tema aqui abordado o Art.205 dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho e mediado também pelo Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem[10].
Buscando uma interpretação do conteúdo Constitucional do direito da educação como direito de todos, utilizando-se da afirmação de Piaget, onde apresenta este autor, que a primeira tarefa da educação consiste em formar o raciocínio. Deste ponto de vista (educação intelectual), o direito a educação consistiria no fato de que o indivíduo tem “o direito de ser colocado, durante a sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica” A educação como direito de todos, portanto, não se limita em assegurar a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo. A rigor, deve garantir a todos “o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como os valores morais que correspondem ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual[11].
O dever do Estado e da família e a colaboração da sociedade, pode ser compreendida sob duas perspectivas: a primeira estaria vinculada à possibilidade do ensino privado, a segunda como bem assevera Piaget ao afirmar que o direito à educação é o direito “que tem o indivíduo de se desenvolver normalmente, em função das possibilidades de que dispoe, e a obrigação, para a sociedade, de trasnformar essas possibilidades em realizações efetivas e uteis. È a sociedade sendo considerada o lugar em que a educação e seus atributos sao desenvolvidos, ou seja, a sociedade como o lugar das oportunidades. O dever da família para com a educação, pode ser compreendido como o direito prioritário dos pais de escolher o genero de educação a dar a seus filhos e como o dever, propriamente, de assegurar a educação a eles. O primeiro consta do art.26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que faz referência a dever e direito. Por certo tais dispositivos podem servir como elementos orientadores da interpretação do dispositivo da Constituição do Brasil, uma vez que também o Brasil é signatário da Declaração Universal.
Successivamente, um segundo aspecto do dever da família, o dever propriamente dito, que pode ser entendido como um dever jurídico, fundamenta-se na exigência que a Constituição faz aos pais de educar seus filhos, como depreende-se dos Arts. 205; Art. 208 parágrafo 3° – Art.227 e 228 da CF.
Como não poderia deixar de ser, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[12], que visou estabelecer normas gerais de proteção do ser humano em desenvolvimento, também objetivou, com primazia, resguardar os direitos da personalidade do infante. E principalmente, concretizar aqueles já elencados pela nossa Carta Magna, em seu art. 227, caput, o qual descreve com humanidade e sensibilidade ímpares. E que sem sombras de dúvidas, a criação em um seio famíliar equilibrado, sóbrio, que possibilite um ambiente sadio e educador a criança e ao adolescente, também vem a constituir um direito inerente ao seu próprio desenvolvimento. De fato, a família continua sendo o embrião da sociedade e o primeiro agente socializador do ser humano, nela ainda se encontrando os valores sociais, éticos e morais necessários ao crescimento de uma criança. O desenvolvimento da personalidade e do caráter, indubitavelmente, estão condicionados à família na qual está inserida a criança ou o adolescente.
Objetivando concretizar esse direito é que o ECA reconheceu o direito de filiação como sendo de índole personalíssima, indisponível e imprescritível. É direito de qualquer criança ou adolescente saber sobre sua origem, bem como assegurar os direitos sucessórios ou alimentares decorrentes da mesma. E como efetivação do direito de uma saudável convivência famíliar, a lei também previu os institutos da guarda, tutela e adoção, tudo visando o bem-estar do menor, podendo, em casos excepcionais, serem os pais suspensos ou até mesmo destituídos do poder famíliar, quando esse se revelar prejudicial ou nocivo ao infante.
Entre os direitos do indivíduo de participar dos benefícios da vida civilizada encontra-se o direito à educação, consubstanciando-se na contribuição geral que permita ao menor desenvolver suas faculdades e habilidades, seu juízo pessoal, sentido de responsabilidade moral, social, senso de ética e cidadania. Não é mais concebível que a educação se limite a uma formação profissional ou a uma instrução escolar. A atual mudança de paradigmas requer também uma educação moral, cívica, bem como práticas sociais, culturais e esportivas, que despertem na criança e no adolescente as suas habilidades intelectuais, físicas e artísticas.
O terceiro aspecto do direito à educação, o direito ao pleno desenvolvimento da pessoa, implica, sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, identificar um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência o mundo. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência, representando a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar[13]. Como bem discorre Piaget, o direito ao pleno desenvolvimento da personalidade humana consiste, pois, “em formar indivíduos capazes de autonomia intelectual e moral e respeitadores dessa autonomia em outrem, em decorrencia precisamente da regra da reciprocidade que a torna legitima para eles mesmos”[14].
O quarto aspecto do direito à educação diz respeito ao preparo para o exercício da cidadania dentro do contexto democrático, que a tem como base. Onde o legítimo poder democrático è exercido quando a sociedade é composta por cidadãos ativos, cidadãos que exercem plenamente a sua cidadania, que não deve ser compreendida em um sentito formal e abstrato, mas como um conjunto de fatores que possibilita o controle do poder pela participação ativa dos envolvidos.
O quinto e último aspecto do direito à educação refere-se à qualificação ao trabalho. A educação, por certo, é elemento indispensável ao preparo profissional, dentro do contexto das condições de qualificação para o trabalho, uma vez que o futuro profissional está sob responsabilidade da família e do Estado devido ao fato de a estes ser atribuído o dever de garantir a educação.
3. A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO
É geralmente aceito que quando analizamos o pensamento político de Rousseau nos dirigimos na sua obra mais difundida O Contrato Social. Nessa elaboração, Rousseau trata dos principais fundamentos de organização da República, mas não apresenta uma das principais condições para o exercício democrático: a educação do povo para o exercício direto do poder. Mas ao tratar das primeiras sociedades, tomando como base a mais antiga de todas e única natural a família, ele narra da seguinte forma: É a família, pois, o primeiro modelo de sociedades políticas, o chefe é a imagem do pai, o povo a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio. A diferença toda está em que, na família, o amor do pai pelos filhos compensa dos cuidados que lhes dedica, enquanto no Estado o prazer de comandar supre esse amor que o chefe não tem por seus povos[15].
Em sua obra O Emílio, Rousseau apresenta uma nova educação, preparando as crianças como sujeitos que se desenvolvem de forma autônoma e criativa, em contato com a natureza. Evitando metodologias expositivas e baseando-se em experiências da vida, o aluno estaria desenvolvendo capacidades que o tornariam comprometido com a sociedade. Narrando a seguinte máxima: Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação. Se o homem nascesse grande e forte, a estatura e a força ser-lhe-iam inúteis até que tivesse aprendido a servir-se delas, ser-lhe-iam prejudiciais, pois impediriam que os outros pensassem em socorrê-lo, e entregues a si mesmo, morreria de miséria anes de ter conhecido suas necessidades. Queixamo-nos da condição infantil e não vemos que a raça humana teria perecido se o homem não tivesse começado por ser criança. Nascemos fracos, precisamos de força, nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência, nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação[16].
Outra característica marcante é a ausência de qualquer idéia de superioridade, educando as pessoas para a valorização da igualdade e da liberdade. A liberdade de um povo, para Rousseau, é algo que pode ser adquirido mas não recuperado. Por isso, a educação dos jovens é colocada como prioridade e os pais têm o dever de gerar e sustentar filhos, seres humanos sociáveis à sua espécie e cidadãos ao Estado. Esta visão ampliada, entende que a criança possui todos os direitos que o adulto tem, peculiar à sua idade. Tem direitos especiais, por não conhecerem seus direitos, por não saber fazer valer esses direitos e muito menos saberem de seu valor. Valor como cidadão, como pessoa humana, como portador do futuro da família, como continuidade da espécie humana, enfim, como unidade da humanidade.
Ainda podemos trazer à luz os comentários sobre a educação em Hannah Arendt, na sua obra Entre o Passado e o Futuro, a autora descreve uma crise na educação entre o fazer e o aprender e a relação entre crianças e adultos: Sob o pretexto de respeitar a independência, ela é excluída do mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu próprio mundo, na medida em que este pode ser chamando de um mundo. Essa retenção da criança é artificial porque extingue o relacionamento natural entre adultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino e da aprendizagem, e por que oculta ao mesmo tempo o fato de que a criança é um ser humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição humana[17]. A educação na visão da autora, está entre as atividades mais elementares e necessárias da sociedade humana, e que jamais permanece tal qual é, porém renovando-se continuamente, sendo assim a criança objeto da educação, pois é um novo ser humano um ser humano em formação.
Busca-se, hoje, na educação, o completo desenvolvimento da criança e do adolescente, passando a se exigir que a escola se torne um verdadeiro segmento do seio famíliar. Neste contexto, Barroso calcifica o princípio da dignidade da pessoa humana, expressada num conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco das prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável concenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação[18].
Na expressão de Rizzato Nunes, o aspecto da dignidade da pessoa humana, e a dimensão dos princípios constitucionais são os mais importantes do arcabouço jurídico nacional[19], e de resto, no mundo, nos leva a atribuir um sentido amplo ao princípio da dignidade da pessoa humana, desde logo porque é ela a destinatária da proteção oferecida pelo sistema jurídico-normativo. Assim, em verdade se afirma que “o ser humano é a pedra de toque do Direito, ou seja, à medida que dele necessita para sua própria preservação, sendo não apenas seu criador, mas seu único destinatário”[20].
Como bem assevera Barroso em sua tese de aplicação da Carta Magna, nos remete a identificar um conjunto de idéias e valores éticos na verdadeira aplicação constitucional. Onde oberva-se o direito constitucional, como o direito em geral, tem possibilidades e limites. O aprofundamento democrático no Brasil está subordinado ao resgate de valores éticos, ao exercício da cidadania e a um projeto generoso e inclusivo de país[21]. Ao comentar sobre as garantias no atual modelo constitucional, Veronese, exalta também, como um sonho distante, e que permanecerá longe da vida dos brasileiros, até o momento em que forem incorporados aos verdadeiros objetivos daqueles que governam[22].
Ainda neste segmento, Paulo Bonavides, descreve as garantias constitucionais como objeto de um exame deveras delicado e complexo, [… percebe-se a amplitude das garantias constitucionais bem como seu valor instrumental de meio defensivo, invariavelmente vinculado a uma prestação do Estado, ou seja, dos poderes públicos, quer pela via constituinte constituída (a reforma da Constituição pelo Legislativo), quer pelas vias regulares e ordinárias de exercício da função jurisdicional (Poder Judiciário). Mas não é possível fazê-las eficazes senão num ordenamento que concretize em toda a plenitude os postulados do Estado de Direito, sem os quais nem vinga a liberdade nem os direitos humanos têm adequada proteção][23].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, pactua-se por refletir até onde na prática irá essa garantia, até quando haverá condições materiais propícias para traduzir em realidade o programa de direitos básicos formalmente postos na Constituição, não podemos afirmar com clareza. Sabendo-se que as bases da cidadania e da democracia se encontram em profundo processo de reforma, a categoria da infância está longe de ser um a exceção. Talvez cedo para antecipar conclusões, mas não tarde para acreditar que, pela extensão daqueles direitos e pela precariedade dos recursos estatais disponíveis, sobremodo limitados, já se armam os pressupostos de uma tempestuosa crise.
É neste sentido que Bonavides ao relatar a crise constituinte no Brasil, faz menção a trajetória dos avanços sociais das Constituições, afirmando que já não se reclamam mais direitos, mas sim garantias[24]. Restando de certa forma um longo caminho a ser trilhado, visando aproximar a lei da realidade e garantir os direitos – diariamente violados – de milhares e milhares de crianças e adolescentes do País. Mesmo apesar das leis não serem prontamente suficientes para uma profunda mudança nas condições materiais da infância, estas têm sido uma condição sine qua non em detrimento da melhoria da situação de crianças e adolescentes e, sobretudo, no quadro geral na qualidade democrática da sociedade[25].
Mas como bem assevera Veronese, Não podemos, de modo algum, ser os reprodutores de uma linguagem que produziu a segregação, o mundo do menor, da situação irregular, que legitimou um sem número de violações aos direitos desse universo de pessoas humanas em desenvolvimento. O uso de uma nova linguagem tem por objetivo á formulação de um valor único: a criança e o adolescente são merecedores de direitos, de garantias, por serem SERES HUMANOS[26].
Podemos concluir que dos que fazem referência à educação das crianças e adolescentes sem levar em consideração o aspecto democrático e o princípio da dignidade da pessoa humana, seguem os mesmos preconceitos e as mesmas máximas, porque observam mal e refletem ainda pior.
Informações Sobre o Autor
Alaerte Antonio Martelli Contini
Doutor em Ciencia Politica pela Università di Pisa, Itália; Pós-doutor em Direito no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC