A especialização das varas do trabalho

“A vida do direito é uma luta – uma luta dos povos, do poder estatal, das classes e dos indivíduos. De fato, o direito só tem significado como expressão de conflitos, representando os esforços da humanidade para se domesticar. Infelizmente, porém, o direito tem tentado combater a violência e a injustiça com meios que, num mundo racional, seriam tidos por estranhos e desgraçados. É que o direito nunca tentou verdadeiramente resolver os conflitos da sociedade, mas apenas aliviá-los, pois promulga regras segundo as quais esses conflitos devem ser travados até o fim.” (IHERING, Rudolf Von)


Resumo: A Especialização das varas do trabalho. A Justiça do Trabalho e a sua especialização nos moldes das jurisdições penal e civilista é o escopo a ser abordado no presente trabalho de conclusão de curso. Propor uma Justiça do Trabalho que tenha varas especializadas em áreas específicas do direito do trabalho, a fim de propiciar uma maior capacitação dos seus serventuários, dos seus magistrados e dos representantes do MPT, com o intuito de garantir uma análise dos processos dessas varas com critérios técnico-jurídicos que garantam a satisfação das partes, por meio de um justo julgamento da lide, esse é o objetivo a ser alcançado pelo presente trabalho. A EC 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho de tal forma que houve um considerável aumento da sua competência material. Temas que há muito já deviam ser tutelados pela justiça especializada do trabalho finalmente passaram a ser abrangidos pela sua esfera de atuação, porém, temas que não receberam a sua proteção constitucional continuam a propiciar debates perante os jurisconsultos trabalhistas. No século XXI, rápidas transformações têm afetado os meios de produção, as organizações empresariais e as relações sociais, o que de sobremaneira têm contribuído para o aumento do conflito nas relações econômicas que envolvem a disputa entre o capital e o trabalho. A globalização, o neocapitalismo, a internet, as grandes fusões indústrias e a preocupação com o meio ambiente fomentaram o surgimento de novas perspectivas de abrangência material para a Justiça do Trabalho, perspectivas essas que não foram previstas pelo constituinte derivado. Importante notar o aumento considerável de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais nos trabalhadores brasileiros, dos quais muitos falecem, enquanto os grupos econômicos aumentam gradativamente seu lucro operacional. As causas para essas ocorrências de acidentes são muitas, mas com certeza temos que nos questionar se a falta de especialização das varas do trabalho não faz parte desses motivos. Especializar a justiça especializada do trabalho é um paradigma a ser rompido, o qual tem princípio na coragem daqueles que desejam uma justiça mais célere, capacitada e apta a julgar os dissídios trabalhistas em face de uma nova realidade econômica mundial, globalizada e em processo continuo de expansão.[1]


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Palavras-chave: Justiça do Trabalho. Competência. Especialização. Acidente de Trabalho. Meio Ambiente de Trabalho.


Abstract: Specialization of the poles of the job. The court’s work and its expertise in the manner of criminal and civil jurisdictions is the scope to be addressed in this work of completion. Propose a justice of the work that has specialized courts in specific areas of employment law in order to achieve greater empowerment of their clerks, their magistrates and representatives of the MPT, in order to ensure a process analysis of these rods with criteria technical and legal to ensure the satisfaction of the parties, through a fair trial of the suit, that is the goal to be achieved by this work. The E.C 45/2004 extended the jurisdiction of labor courts so that there was a considerable increase in its substantive jurisdiction. Issues that have long since had to be protected by the justice system for the work finally started to be within their sphere of action, however, subjects who did not receive their constitutional protections continue to provide discussions before the labor lawyers. In the twenty-first century, rapid changes have affected the means of production, business organizations and social relations, which have contributed greatly to increased conflict in the economic relations that involve the struggle between capital and labor. Globalization, neo-capitalism, the Internet, the big industry mergers and concern for the environment fostered the emergence of new perspectives in material scope of work for justice, those prospects that were not predicted by the constituent derived. Important to note the considerable increase in work accidents and occupational diseases among Brazilian workers, many of whom die while economic groups gradually increased its operating profit. The causes for these occurrences of accidents are many, but surely we must ask ourselves if the lack of expertise of the sticks is not part of the work of these reasons. Specializing justice expert at work is a paradigm to be broken, which in principle has the courage of those who want a speedier justifice, qualified and able to judge the labor bargaining in the face of a new global economic reality, global and continuous process of expansion.


Keywords: Labor Law. Competence. Specialization. Accident. Work Environment.


Sumário: Introdução. 1. A competência material da Justiça do Trabalho antes da EC 45/2004. 1.1 A CLT e a competência da Justiça do Trabalho. 1.2 A competência no julgamento dos crimes de trabalho escravo. 1.3 A competência criminal nos dissídios trabalhistas antes da EC 45/2004. 2. As varas do trabalho antes da EC 45/2004. 2.1 As Varas de Acidentes de Trabalho. 2.2 Os Dissídios Coletivos. 3. A EC 45/04 e a ampliação da competência da Justiça do Trabalho. 3.1 A competência da Justiça do Trabalho nas ações decorrentes de acidentes, das doenças ocupacionais e do trabalho após a EC 45/2004. 3.2 A competência para o julgamento de crimes análogos à condição de trabalho escravo após a EC 45/2004. 3.3 A Competência criminal nos dissídios trabalhistas após a EC 45/2004. 3.4 Os Dissídios Coletivos após a EC 45/2004. 4. A justiça especializada do trabalho. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


O presente estudo tem como escopo dissertar sobre a necessidade da especialização da justiça especializada do trabalho. Antes da promulgação da carta magna de 1988, a competência material da Justiça do Trabalho se limitava basicamente ao julgamento dos dissídios individuais e coletivos oriundos das relações de trabalho[2]. A competência jurisdicional para realizar esses julgamentos cabia às chamadas “Juntas de Conciliação e Julgamento”. Com a promulgação da CF de 1988, surge uma constitucionalização dos direitos dos trabalhadores[3], os quais têm como fundamentos a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do princípio da igualdade de direitos independente de cor, sexo, raça ou convicção religiosa. Com o fim do socialismo no Leste Europeu, o sistema capitalista se fortaleceu ainda mais, pois ao não ter sistemas econômicos adversários, este passa a se globalizar sem maiores oposições. Essa globalização do sistema capitalista, aliado às novas tecnologias e ao surgimento da internet, faz surgir uma nova ordem social, fenômeno que afeta os meios de produção, pois há uma crescente busca dos empresários por novos mercados de consumo. Surge assim a expansão empresarial para diversos países onde o trabalhador detenha poder aquisitivo suficiente para adquirir os seus produtos. Com o intuito de reduzir custos, muitas organizações empresariais acabam por fazer parcerias, realizando fusões ou ainda incorporando outras sociedades empresárias.


Após diversos debates e audiências públicas onde a comunidade acadêmica pode participar com sugestões que viessem a dar solução aos problemas existentes na estrutura do poder judiciário, o constituinte derivado promulgou as mudanças necessárias a tornar esse poder mais ágil e dinâmico, promulgando em 30/12/2004 a EC no. 45.


A EC no. 45/2004 cobriu parte da lacuna que foi inoportunamente desperdiçada pelo constituinte originário, pois trouxe uma nova face ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Especializada do Trabalho, pois foi esta a esfera que mais teve ampliada o seu campo de abrangência.


A estrutura das antigas Juntas de Conciliação e Julgamento já não mais garantia às partes um julgamento que tivesse como pressuposto o devido processo legal[4]. Com a transformação das “Juntas de Conciliação” em “Varas do Trabalho”, surge a necessidade de se capacitar os serventuários, os magistrados, os advogados e as demais esferas do poder judiciário para que estes se adequassem a essa nova ordem constitucional e processual, em face do direito do trabalhado.


Após esse período de adaptação sobre essa nova abrangência da competência material da Justiça do Trabalho, faz-se necessário agora que reconheçamos o que deu certo e façamos uma revisão sobre o que não deu certo. Todavia, essa análise estrutural das Varas do Trabalho não deve ser realizada apenas na visão do campo teórico doutrinário, mas também na visão da práxis daqueles que militam e participam do cotidiano dessas varas. Sem dúvida, esse é o objetivo que proponho alcançar nessa dissertação, que é a de realizar uma breve análise sobre a necessidade de se especializar a já especializada Justiça do Trabalho.


1 A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO ANTES DA EC 45/2004


A Justiça do Trabalho foi criada apenas na CF de 1934, vindo a ser integrada à estrutura do Poder Judiciário já na CF de 1946. Antes funcionava como órgão administrativo vinculado ao Poder Executivo. O texto constitucional então vigente determinava a competência da Justiça do Trabalho para julgar as controvérsias oriundas das relações de emprego existentes entre empregado e empregador. Foi criada à época uma estrutura que continha uma formação representativa (empregados e empregadores), chamados de juízes classistas (vogais). Em nível de competência territorial, o texto constitucional já determinava que nas comarcas onde não houvesse as juntas de conciliação e julgamento, que os conflitos ali existentes que fossem da alçada da Justiça do Trabalho deveriam ser dirimidos por um juiz de direito.


Nas chamadas Juntas de Conciliação e Julgamento as decisões eram realizadas pelo sistema de Colegiado (juiz togado + juiz classista empregador + juiz classista empregado). Os juízes togados eram organizados por carreira e os classistas eram indicados pelas suas representações (empregados e empregadores). Na verdade uma composição implementada pelo então presidente Getúlio Vargas que foi copiada do então sistema fascista italiano.


Na verdade, essa estrutura da Justiça do Trabalho que fora constitucionalizado pela Constituição de 1946 já se encontrava previsto pela CLT em 1943, pois dispunha sobre a composição das juntas trabalhistas, as quais eram compostas de órgãos jurisdicionais de primeiro grau da Justiça do Trabalho, sendo composta de um Juiz Vitalício (Presidente) e dois Juízes Classistas (Vogais).


A CF de 1946, no seu art. 123 deu liberdade ao legislador infraconstitucional para através de legislação especial ampliar a competência material da Justiça do Trabalho, o que de fato veio a ocorrer posteriormente.


Ainda no art. 123, no parágrafo primeiro, determinou a competência da justiça ordinária (comum) para tutelar os dissídios relativos aos acidentes de trabalho, competência que somente foi retirada após a promulgação da EC 45/2004 e posicionamento do STF a respeito do assunto, o qual ocorreu após dois julgamentos polêmicos. Assim, cabia à justiça comum o julgamento dessas ações, as quais passaram a ocorrer através das chamadas Varas de Acidentes de Trabalho, que eram varas especializadas nos julgamentos dos litígios relativos aos acidentes de trabalho.


Vejamos o que diz a seção VI da CF de 1946:


Dos Juízes e Tribunais do Trabalho


Art 122 – Os órgãos da Justiça do Trabalho são os seguintes:


I – Tribunal Superior do Trabalho;


II – Tribunais Regionais do Trabalho;


III – Juntas ou Juízes de Conciliação e Julgamento.


§ 1º – O Tribunal Superior do Trabalho tem sede na Capital federal.


§ 2º – A lei fixará o número dos Tribunais Regionais do Trabalho e respectivas sedes.


§ 3º – A lei instituirá as Juntas de Conciliação e Julgamento podendo, nas Comarcas onde elas não forem instituídas, atribuir as suas funções aos Juízes de Direito.


§ 4º – Poderão ser criados por lei outros órgãos da Justiça do Trabalho.


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§ 5º – A constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho serão reguladas por lei, ficando assegurada a paridade de representação de empregados e empregadores.


Art. 123 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.


§ 1º – Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.


§ 2º – A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.[5]


Fato é que a estrutura da Justiça do Trabalho e a sua composição eram tímidas em relação à sua estrutura atual, mas com certeza era um avanço para a sua época, visto ser o Brasil naquele período um país pouco industrializado e mais agrário. Com a justicialização dos julgamentos trabalhistas, pois antes suas decisões eram de mérito administrativo, foi possível se reduzir determinadas situações pelas quais os trabalhadores daquela época eram submetidos, criando também jurisprudências que vieram a garantir direitos aos trabalhadores, dos quais a maior parte deles encontra-se garantidos no art. 7º do atual texto constitucional.


1.1 A CLT e a competência da Justiça do Trabalho


Valentin Carrion[6] nos diz que, “A CLT constitui o texto legislativo básico do Direito do Trabalho, enriquecido pela legislação complementar e pela CF/1988, aqui mencionada”. De fato, a CLT no seu art. 643 dispõe sobre a competência material da Justiça do Trabalho:


DA JUSTIÇA DO TRABALHO


CAPÍTULO I


INTRODUÇÃO


Art. 643 – Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.


§ 1º – As questões concernentes à Previdência Social serão decididas pelos órgãos e autoridades previstos no Capítulo V deste Título e na legislação sobre seguro social.


§ 2º – As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas a justiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente.


Art. 644 – São órgãos da Justiça do Trabalho:


a) o Tribunal Superior do Trabalho;


b) os Tribunais Regionais do Trabalho;


c) as Juntas de Conciliação e Julgamento ou os Juízos de Direito.


Art. 645 – O serviço da Justiça do Trabalho é relevante e obrigatório,ninguém dele podendo eximir-se, salvo motivo justificado.


Art. 646. Os órgãos da Justiça do Trabalho funcionarão perfeitamente coordenados, em regime de mútua colaboração, sob a orientação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho.”


A CLT, já antes da CF de 1946, determinava a competência, a organização e a composição da Justiça do Trabalho. Como a CLT é hoje um compêndio de leis que foram introduzidas no decorrer dos anos, a ampla competência da Justiça do Trabalho deve ser analisada atualmente sob o foco das alterações introduzidas pela EC 45/2004. As competências que não foram alteradas ou revogadas pela EC 45 continuam normalmente em vigor. No âmbito do STF, do STJ e do TST não há súmulas anteriores à CF de 1988 versando sobre a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho. As poucas que existiam apenas disciplinavam temas tutelados pela competência material consoante ao ordenamento juridico vigente à época. Tal motivo se deve à forte influência exercida pelos donos dos meios de produção sobre os seus representantes (juizes classistas no âmbito do poder judiciário e também do enorme lobyy exercido sobre o Congresso Nacional, em especial durante os anos de regime de exceção em que esteve submetido o país.


1.2 A competência no julgamento dos crimes de trabalho escravo


“As primeiras notícias de ocorrências de trabalho escravo depois da abolição e, principalmente no início do século XX, foram denunciadas em obras da literatura brasileira como “Os Sertões”, de Euclides da Cunha; “A Enxada”, conto de Bernardo Elis; “Mad Maria”, de Márcio de Souza, em documentos dos Dominicanos e, eventualmente, na imprensa. Mas o Estado e a sociedade em geral tinham-nas como coisas de ficção ou, quando muito, como fatos isolados”[7]


Passados 121 anos da abolição da escravidão no Brasil, o capital conservador ainda explora o ser humano para garantir o aumento do seu lucro. Permanece a prática das sociedades da idade antiga, onde os homens continuam a explorar outros homens. Manchetes de jornais freqüentemente noticiam a libertação de trabalhadores em situação de trabalho escravo ou em situação análoga ao trabalho escravo. Os direitos humanos e o respeito pelo ser humano são constantemente desrespeitados no Brasil, em especial nas regiões centro-oeste, norte e nordeste.


Até novembro de 2006 existia um conflito de competência entre a justiça comum estadual e a justiça federal, pois ambas as esferas reivindicavam o direito de julgar os crimes envolvendo o trabalho escravo, conforme Art. 149 do CP:


Redução a condição análoga à de escravo


Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:


Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.


§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:


I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;


II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.


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§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:


I – contra criança ou adolescente;


II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.[8]


Em 30/11/2006 o STF abriu precedente sobre o assunto e julgou favorável à justiça federal a competência para o julgamento do crime de trabalho escravo. Com essa decisão, a fiscalização do trabalho passou a realizar em conjunto com a Policia Federal, diversas operações de combate ao crime de trabalho escravo, pelas da quais têm ocorrido diversas prisões por todo o país, além de libertar diversos trabalhadores em situação de trabalho escravo.


1.3 A competência criminal nos dissídios trabalhistas antes da EC 45/2004


Antes da promulgação da Carta Magna de 1988, vigora no Brasil como Lei Constitucional a EC No. 01 de 17/10/1969 que assim previa:


Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho.


§ 1º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.


 § 2º Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)”[9]


Nota-se que em nenhum momento está expressa qualquer competência que delegue à Justiça do Trabalho julgar crimes oriundos das relações de trabalho, todavia, também não há expressado dispositivo algum que proíba a Justiça do Trabalho de julgar tais crimes.


O Poder Constituinte naquela ocasião não permitiu à Justiça do Trabalho julgar crimes, pois se delegou à justiça comum a competência para julgar qualquer espécie de crime, à exceção dos crimes eleitorais, que são julgados pela Justiça Eleitoral e os crimes cometidos por militares, os quais são julgados pela Justiça Militar, ambas especializadas como a Justiça do Trabalho. A posição que vigorava na época era fundamentada pelo princípio da reserva legal, pois reservava ao direito penal a competência para o julgamento das espécies de crimes. Para José Eduardo de Resende Chaves Júnior “o que parece é que se confunde o princípio da reserva legal, que vigora em sede de Direito Penal Material, para efeitos da condenação criminal, com a definição, própria do Direito Processual Penal, do ramo judiciário encarregado de proceder ao julgamento da lide”.[10]


Fato é que no então vigente texto constitucional a competência material e processual penal para o julgamento de crimes envolvendo dissídios trabalhistas era da justiça estadual comum. Quando aconteciam crimes no ambiente de trabalho, esses eram então julgados na justiça comum. Os crimes que eram cometidos perante a Justiça do Trabalho, estes eram julgados pela justiça federal.


2 AS VARAS DO TRABALHO ANTES DA EC 45/2004


2.1 As Varas de Acidentes de Trabalho


Antes da promulgação da EC 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho se limitava à aplicação do art. 643 da CLT:


“Art. 643. Os dissídios, oriundos das relações entre empregadores e empregados regulados na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho”.[11]


O texto da CLT foi criado sob o enfoque do pensamento típico da doutrina do Estado Novo, tratava o texto celetista como de caráter social. O seu campo de aplicação abrangia as relações existentes entre empregadores e empregados. Isso significava que outras relações que não abrangessem tais partes não seriam tuteladas pela alçada da Justiça do Trabalho.


O país já possuía grandes indústrias como a CSN, a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, todas criadas nos governos do então Presidente Getúlio Vargas, era necessário industrializar o país, implantando empresas que pudessem garantir não só empregos, mas também o desenvolvimento econômico do país.


Após o fim do Estado Novo, o Governo JK propiciou a implantação no Brasil da indústria automobilística, que teve fundamental importância no processo de industrialização da matriz econômica, contribuindo para que o país deixasse de ser um país tipicamente agrário para se tornar um país industrializado. O Brasil entra em forte crescimento industrial, especialmente durante o período ditatorial nos anos 70. O país então passa por um processo crescente de êxodo rural, pois todas essas empresas foram inicialmente implantadas próximas aos centros urbanos da região sudeste, pois o restante do país não possuía naquele momento malhas viária e ferroviária em condições técnicas de receber esses complexos industriais.


As relações entre empregadores e empregados tornam-se complexas. Há uma forte presença do Estado no controle acionário das grandes empresas estatais. Nesse período, empresas privadas começam a se modernizar. Surge então o empresário brasileiro, com capital suficiente para poder concorrer até mesmo com as empresas estatais, apesar do atraso tecnológico em que passava o país, decorrente da legislação relativa á reserva de mercado.


Grandes empresas internacionais aproveitaram-se do período ditatorial, dos baixos salários, de uma moeda economicamente fraca e da ausência de sindicatos livres e passam criar filiais no país, como o Grupo Carrefour. O país passa a ter não apenas multinacionais no setor de automóveis, mas também nos setores de alimentos e vestuário.


Na década de 1970, o país, como a maioria dos países subdesenvolvidos, afetados pela crise do petróleo, entra em forte recessão econômica. Surge também o movimento sindical na região do ABC Paulista, especialmente na região de São Bernardo do Campo. Há uma expansão das empresas de pequeno porte, das micro-empresas geridas na economia familiar, na propriedade rural com base na agricultura familiar, além do trabalhador avulso, aquele que não deseja ter carteira do trabalho registrada ou que o mercado de trabalho não acolhia.


As relações oriundas dos conflitos existentes entre o capital e o trabalho tornam-se defasadas, necessitando de sofrer alterações. Em 1986, com a Lei n. 7.494/1986 é feita a alteração do art. 643 da CLT que passa a ter a seguinte redação:


“Art. 643 – Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.”[12]


Amplia-se a competência da Justiça do Trabalho ao acolher as relações de trabalho entre os trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviço. Há liberdade para a edição de súmulas e OJ’s disciplinando a competência da Justiça do Trabalho, pois esta poderia vir a ser estabelecida por meio de jurisprudência.


A Justiça do Trabalho, antes da EC 45/2004, não possuía competência para julgar as ações relativas aos infortúnios do trabalho. O julgamento desses conflitos, apesar de envolver empregados e empregadores no mesmo ambiente de trabalho, eram julgadas pala justiça comum (varas cíveis). Os empregados que desejassem impetrar ação de indenização decorrente de acidente de trabalho ou doença do trabalho por culpa do empregador, tinha necessariamente que se socorrer às varas de acidentes de trabalho. Apesar de serem varas de primeira instância da justiça comum, essas varas eram altamente preparadas, pois, os Juízes, os promotores de justiça e os seus serventuários freqüentemente participavam de cursos e seminários que abordavam os infortúnios decorrentes do meio ambiente do trabalho.


No caso de uma das partes virem a recorrer, tal recurso tinha que ser impetrado no TJ estadual, nos moldes do direito processual civil. A instância recursal superior era o STJ.


As varas de acidentes de trabalho, apesar de tratarem de temas que há muito já deveriam ter sido tutelados pela Justiça do Trabalho, eram altamente especializadas, no entanto, os princípios que gerem o processo civil não dão aos empregados a mesma proteção e celeridade que lhes são dispensados pelos princípios do processo do trabalho e nem sempre a justiça era realmente feita. Os princípios da celeridade, da informalidade e da primazia da realidade não tinham cabimento na justiça comum, todavia, quando se julgava em favor do empregado, os valores das indenizações eram muito superiores aos valores que hoje são estipulados pela Justiça do Trabalho.


Outro aspecto interessante e que se mostrava favorável ao trabalhador diz respeito á prescrição, pois vigorou até 09/01/2002 a prescrição de 20 (vinte) anos prevista pelo então CC de 1916.


DOS PRAZOS DA PRESCRIÇÃO


Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.1955)”[13]


Após a entrada do CC de 2002, em 10/01/2002, o prazo prescricional passou então a ser de 3 (três) anos, conforme art. 206. Art. 206. Prescreve: (…) § 3o Em três anos: (…)V – a pretensão de reparação civil.[14]


Os infortúnios laborais podem vir a se manifestar, no caso de doenças ocupacionais, anos após o contato com determinados agentes ambientais de natureza química, física, biológica ou ergonômica, assim, os prazos prescricionais previstos na legislação civil, em especial no CC de 1916 sem dúvida alguma era o que mais satisfazia as necessidades do trabalhador que é a parte mais fraca da relação de trabalho.


2.2 Os Dissídios Coletivos


Antes da EC 45/2004 a solução dos conflitos de dissídios coletivos eram passíveis de solução por meio de negociação ou de arbitragem, que são formas de autocomposição e heterocomposição. Para se instaurar um dissídio coletivo, as partes tinham necessariamente que esgotar todas as chances de negociação. Caso uma das partes recusa-se o acordo, poderia parte que se sentisse prejudicada, ajuizar pedido de dissídio coletivo na Justiça do Trabalho.


Constituição Federal – EC No. 01 de 17/10/1969


Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho.


§ 1º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.[15]


A competência para julgar os conflitos coletivos do trabalho (dissídios) antes da EC 45/2004 era dos Tribunais Regionais dos Trabalhos para os dissídios no âmbito dos Estados e do Tribunal Superior do Trabalho nos dissídios no âmbito da União.


3 A EC 45/04 E A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO


Com a promulgação da EC 45/2004, pode-se afirmar que o direito do trabalho passa por a sua maior transformação após a publicação da CLT, pois, a sua abrangência passa englobar matérias que há muito já merecia fazer parte da alçada do direito do trabalho. Deve-se lamentar a forma como se originou os debates que motivaram a promulgação da EC 45. O então Plano Real, no final dos anos 90, apesar de ter conseguido garantir estabilidade à moeda, não conseguiu eliminar por total a inflação. Em discurso à imprensa, o então Presidente do TST à época, Ministro Francisco Fausto afirmará que as reposições salariais deveriam ocorrer, por ser essa uma garantia constitucional dos trabalhadores. O então Presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, membro da base do governo vigente, fez críticas a esse posicionamento e em especial à Justiça do Trabalho, afirmando publicamente que esta deveria ser extinta. Tais afirmações geraram inúmeras controvérsias na sociedade em geral e no mundo jurídico. Surgiu assim a chamada Reforma do Poder Judiciário, que entre as várias mudanças que foram implementadas no âmbito do Poder Judiciário, destacou-se a consideravelmente ampliação da competência da Justiça do Trabalho.


O interessante a se notar é que a EC 45/2004 não foi uma medida que surgiu de uma iniciativa dos próprios atores do poder judiciário, devido à inércia desses atores, mas de elementos estranhos a esse poder, elementos que na verdade almejavam enfraquecer esse poder. Todavia, os objetivos que propiciaram o surgimento necessário e moderno da EC 45/2004 não foram perpetuados e o seu resultado final foi uma ampliação das prerrogativas do poder judiciário, em especial, da Justiça do Trabalho. Por conseqüência, o art. 114 da CF/88 passou a ter a seguinte redação:


Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;


II as ações que envolvam exercício do direito de greve;


III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;


IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;


V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;


VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;


VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;


VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;


IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.


§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.


§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.


§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito”.[16]


O aumento das atribuições da Justiça do Trabalho, além de ter servido para englobar matérias que há muito já deveriam fazer parte da sua esfera, trouxe para a mesma outras conseqüências, como o aumento da demanda de processos para uma esfera do judiciário que não se encontrava devidamente equipada e preparada de recursos humanos e materiais para um repentino aumento do número de processos.


Em pouco tempo, novos e controvertidos temas propiciaram grandes debates doutrinários entre jurisconsultos de várias esferas do judiciário, sobre qual era realmente a verdadeira competência que o constituinte derivado desejou para a Justiça do Trabalho. Vários processos trabalhistas foram paralisados por intermédio de recursos aos tribunais superiores, recursos que envolveram tanto o TST, como o STJ e o STF. Felizmente, e em tempo, o STF, ao julgar em 29/06/2005 o conflito de competência de no. 7204/MG[17] acabou por dar uma resposta aos anseios e às dúvidas que tanto afligiam os operadores do direito que militam no âmbito da Justiça do Trabalho.


3.1 A competência da Justiça do Trabalho nas ações decorrentes de acidentes, das doenças ocupacionais e do trabalho após a EC 45/2004 


A EC N. 45 trouxe várias mudanças, algumas aconteceram em curto prazo, outras vieram a ser implantadas em médio prazo e por fim, outras necessidades e modificações ainda poderão vir a acontecer.


A alteração constitucional tornou a Justiça do Trabalho competente para julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.


De forma sadia, vários debates surgiram a respeito dessa alteração. No direito comum, houve uma divisão, pois uma parte defendia a manutenção dessas ações sob a competência da justiça civil, entretanto, outros juristas plenamente atentos à sobrecarga que assola a justiça comum, se posicionaram favorável ao deslocamento dessa competência para a Justiça do Trabalho. Na justiça especializada do trabalho, havia uma unanimidade sobre a necessidade de esta vir a ser competente para processar e julgar as ações decorrentes de dano moral ou patrimonial no ambiente de trabalho.


O acidente de trabalho, a doença do trabalho e a doença ocupacional na maior parte dos casos causam danos materiais e morais aos trabalhadores, necessário então que a Justiça do Trabalho fosse competente para julgar os dissídios decorrentes desses danos.


Na data de 09/03/2005, o Excelso STF julgou o RE 438.639-9/MG, que teve como relator o Ministro Carlos Ayres Brito, onde por maioria, julgou procedente ser a justiça comum a esfera competente para processar e julgar as ações decorrentes de dano moral ou patrimonial no ambiente de trabalho.


Após vários protestos de jurisconsultos, magistrados trabalhistas, advogados e diversas entidades, como a OAB e a ANAMATRA, a Corte do Excelso STF, na data de 29/06/2005 se reuniu com o escopo de apreciar de novo a matéria, que após brilhante parecer do Relator da matéria, novamente o Ministro Carlos Ayres Brito, que ao julgar o então conflito de competência de no. 7204/MG acabou por modificar o seu posicionamento anterior e restaurou o objetivo do constituinte derivado que na EC 45/2004 declinou formalmente a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os litígios que tratem de danos de natureza patrimonial ou moral.


A decisão do STF trouxe para quem de direito há muito já reivindicava a competência para julgar essas ações. Todavia, essa ampliação de competência trouxe prejuízos para o trabalhador no tocante à prescrição, pois na Justiça do Trabalho o prazo prescricional é de 02 anos para se propor ações, contados após a rescisão do contrato de trabalho e também com prazo prescricional de 05 (cinco) anos a contar da data de ocorrência do infortúnio no ambiente de trabalho, conforme art. 7o, XIX:


Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


XIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)[18]


Na justiça comum, esse prazo era de 20 (vinte) anos pelo CC de 1916 e de 03 (três) anos pelo CC de 2002. De fato, o trabalhador passou a ter uma perda no prazo prescricional, por outro lado, este ganhou uma justiça mais especializada para julgar esses dissídios. Interessante notar que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho trouxe uma modificação considerável na preparação das peças processuais, que em alguns casos passaram a ter conteúdo semelhante às peças de direito comum, como nas causas relativas a dano moral e material decorrente de acidentes e doenças do trabalho.


3.2 A competência para o julgamento de crimes análogos à condição de trabalho escravo após a EC 45/2004


Não houve alteração em relação à competência para o julgamento de crimes de trabalho escravo, inclusive foi mantida a decisão do STF que em 30/11/2006, já após a promulgação da EC 45/2004, que julgou em favor da justiça federal o julgamento desses conflitos. No entanto, há no âmbito da esfera trabalhista, juristas que defendem a competência da Justiça do Trabalho para julgar crimes relacionados ao ambiente de trabalho. Caso essa competência fosse delegada à Justiça do Trabalho, poderíamos entender que os crimes de trabalho escravo também poderiam ser deslocados para a competência da Justiça do Trabalho.


3.3 A Competência criminal nos dissídios trabalhistas após a EC 45/2004


Com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, têm surgido recentes discussões sobre a possibilidade de esta vir a julgar os crimes que envolvam as relações de trabalho. Porém, em 08/03/2006, o pleno do STF julgou a ADI nº 3684, acolhendo a liminar do Procurador Geral da República sobre a competência criminal da Justiça do Trabalho, publicando a seguinte ementa:


“COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho.


Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência.


Interpretação conforme dada ao artigo 114, incs, I, IV e IX da Constituição da


República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do


Trabalho competência para processar e julgar ações penais.”[19]


Encontro-me no grupo daqueles que defendem a necessidade se haver melhores debates sobre o tema proposto, visto ser o mesmo polêmico. Ampliar a competência da Justiça do Trabalho, inclusive na esfera criminal seria dar uma maior autonomia para o julgamento das lides trabalhistas, mas também, viria a cria uma enorme responsabilidade aos juízes trabalhistas, pois estes teriam que julgar os crimes oriundos das relações de trabalho. Haveria uma necessidade de se especializar mais ainda a já especializada Justiça do Trabalho.


Recentemente o Deputado Valtenir Pereira do PSB-MT apresentou a PEC 327/09[20] que “modifica o inciso IX e acrescenta os incisos X a XIII ao art. 114, e revoga parcialmente o inciso VI do art. 109 da Constituição da República, para conferir a competência penal à Justiça do Trabalho, especialmente em relação aos crimes contra a organização do Trabalho, os decorrentes das relações de trabalho, sindicais ou do exercício do direito de greve, a redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, aos crimes praticados contra a administração da Justiça do Trabalho e a outros delitos que envolvam o trabalho humano”. Este será um momento único para que a sociedade e os operadores do direito possam debater profundamente sobre o tema.


Gribaldo Fernandes, Presidente da Amatra no ano de 2002[21], defendeu amplamente a ampliação da competência criminal da Justiça do Trabalho ao citar que “A concepção atual que define a competência da Justiça do Trabalho e informa sua estrutura não se coaduna com a realidade e menos ainda com o futuro iminente. È inadequada e insuficiente para o mundo hodierno, e tende ser obsoleta para o amanhã […]. A proposta, ao visar trazer tal competência para o campo da Justiça do Trabalho, pretende ainda dinamizar o ramo do Ministério Público que mais tem familiaridade contra o trabalho escravo e outras formas degradantes de exploração do ser humano: o Ministério Público do Trabalho, que através da atuação corajosa de seus membros, nas mais diversas frentes, estão alcançando resultados altamente satisfatórios. Com a nova atribuição, além da denúncia trabalhista, estariam os procuradores do trabalho aptos a conseguir maior rapidez na propositura da ação penal e a permitir célere e eficaz julgamento pelos juízes e tribunais mais afinados com as discussões no ambiente de trabalho ou tendentes à sua perturbação: os juízes e tribunais do trabalho. Com isso, abre-se caminho à paz social no ambiente laboral pela certeza de inibição de tais condutas, já que a agilidade no conhecimento e julgamento das ações penais impedirá a prescrição que tem inibido o curso ou mesmo a execução de sentenças prolatadas pela Justiça Federal. Ademais, se encararmos a questão do ponto de vista emergencial, a Justiça do Trabalho encontra-se mais capilarizada e interiorizada do que a Justiça Federal, presente ou muito próxima das cidades brasileiras de porte médio, inclusive nos locais em que há trabalho escravo ou recrutamento desta mão-de-obra, de como é exemplo a cidade de Araguaína, no Estado do Tocantins […] Finalizando: A Justiça do Trabalho deve ter meios para enfrentar a transformação demandada pelos novos paradigmas econômicos e culturais deste início de século, com a sua competência abrangendo todas as relações de trabalho e os seus desdobramentos.”


A Justiça Eleitoral que também é uma justiça especializada como a Justiça do Trabalho e que também pertence à esfera federal tem por meio do Código Eleitoral de 1965, competência para julgar os crimes eleitorais, sendo que na Carta Magna de 1988 não há qualquer dispositivo que impeça à Justiça do Trabalho de julgar crimes. Interessante salientar que o Código Eleitoral é anterior à CF de 1988 e até o presente momento não houve questionamento na Suprema Corte sob a sua recepção pelo atual texto constitucional.


Ao ampliar a competência da Justiça do Trabalho, faz-se necessário que nesse momento posterior se abra uma nova discussão sobre o alcance dessa competência. Apesar do Excelso STF já ter se manifestado contra a delegação de competência criminal para a Justiça do Trabalho, similar ao julgamento da competência para as ações decorrentes de infortúnios do trabalho, pode a Suprema Corte, também nesse caso, vir a modificar o seu atual entendimento.


3.4 Os Dissídios Coletivos após a EC 45/2004


A EC 45/2004 deu nova redação ao art. 114 da CF, modificando substancialmente a sua atuação perante os dissídios coletivos, pois acabou com a competência normativa da Justiça do Trabalho, pois agora, às partes é facultado ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, todavia, é necessário que ambas as partes estejam de comum acordo. A Justiça do Trabalho poderá julgar o dissídio, para isso, ela e as partes devem respeitar as condições mínimas legais de proteção, ou seja, as normas não podem ser desfavoráveis ao trabalhador, os desfavorecendo em detrimento de normas mais benéficas. Também devem ser respeitadas as normas anteriormente convencionadas. Assim, a Justiça do Trabalho não mais poderá criar normas coletivas de trabalho, pois deverá necessariamente haver a concordância das partes.[22] Assim, só haverá dissídio com sentença normativa se houver acordo entre as partes. Esse é o entendimento que compactuo, defendido por Rodrigues Pinto que assim defende: “o que o poder normativo e a competência normativa dos tribunais do trabalho devem ser considerados extintos em razão da clareza do §2º do atual art. 114, ao dispor que a Justiça do Trabalho deve ‘decidir o conflito’, em lugar de ‘estabelecer normas e condições’ (destaque do autor), como era dito antes” [23]


Entendo que os dissídios coletivos devem continuar como importante mecanismo de proteção dos interesses gerais e abstratos das diversas categorias de trabalhadores espalhadas por todo o país, sempre respeitando as cláusulas e condições mais benéficas dos trabalhadores, as convenções da OIT e a Carta Magna, cabendo à Justiça do Trabalho a tutela desses direitos e quando necessário for, de forma negociada com as partes envolvidas, pactuar sentença normativa que obrigue às partes o respeito às cláusulas pactuadas, princípio fundamental do Pacta Sunt Servanda.


4 A JUSTIÇA ESPECIALIZADA DO TRABALHO


Após a promulgação da EC 45/2004 a Justiça do Trabalho passou a ter uma competência não só abrangente, mas também inovadora, que necessita, especialmente com as constantes mudanças que vem modificando a relação de capital x trabalho, capacitar ainda mais os operadores do direito que militam na Justiça do Trabalho. Magistrados, Procuradores do Trabalho, Advogados, Serventuários e demais agentes envolvidos na dinâmica processualista do trabalho têm uma necessidade de se especializar ainda mais para garantir uma melhor solução dos litígios trabalhistas.


A justiça comum há muitos anos já vem se especializando, todavia, na Justiça do Trabalho, uma vara tem a responsabilidade de conciliar, julgar e executar os mais diversos tipos de dissídios trabalhistas, pois estes envolvem os mais diversos tipos de pedidos e situações e em muitas situações, os diversos operadores do direito certamente terão dificuldade em julgar tais dissídios devido à dinâmica que hoje envolve a competência da Justiça do Trabalho ter característica própria e singular no mundo do direito.


Hoje, não só a relação de emprego é protegida pela tutela jurisdicional, mas as diversas formas de relação de trabalho têm buscado a sua proteção, pois se trata de novas condições de exercício do trabalho e a Justiça do Trabalho deve estar preparada para poder julgar essas novas situações, pois o obreiro se socorrerá a ela em busca de direitos que na maior parte das vezes não foi garantida por quem de fato o deveria ter feito, o empregador.


A Justiça do Trabalho tem se inovado e nos últimos anos vem demonstrando isso nas suas decisões, sempre procurando atender aos anseios da sociedade, reflexo também na ampliação da sua competência pela EC 45/2004.


A necessidade de julgar vários assuntos de sua competência torna necessário especializar ainda mais a já especializada Justiça do Trabalho. Apesar da mesma já ser uma justiça especializada, um mesmo juiz pode julgar as mais diversas situações. Especializar as Varas do Trabalho não significa repartir competências e esvaziar das varas já existentes a sua competência, mas apenas especializá-las e dinamizá-las para as situações mais complexas.


Como exemplo, temos o TRT-RS que criou em 12/09/2005 uma vara especializada em acidentes de trabalho. Cabe a essa vara o julgamento das ações de dano moral e patrimonial decorrentes de acidentes de trabalho. Todos os processos dessa natureza que ingressam na Justiça do Trabalho em Porto Alegre estão sendo concentrados numa mesma unidade judiciária, no caso, a 30ª Vara do Trabalho, medida que deverá garantir celeridade na tramitação dos casos. A decisão, inédita no país, faz do TRT-RS o primeiro dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho a criar uma unidade judiciária especializada na matéria r foi tomada pelos juízes que compõem o Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS).” [24]


Na justiça comum, a denominação é Vara de Acidentes de Trabalho, enquanto que no TRT-RS a denominação continua a ser Vara do Trabalho, apesar desta ser especializada em acidentes de trabalho. No TRT-RS, especificamente no Foro da cidade de Porto Alegre – RS é onde se localiza essa vara, ela é a 30ª Vara do Trabalho. O seu Juiz Titular é o Exmo. Doutor Raul Zoratto Sanvicente.


A criação de uma vara especializada em acidentes de trabalho pelo TRT-RS é um avanço para a especialização da já especializada Justiça do Trabalho. Ao julgar ações que envolvam os infortúnios do trabalho em varas especializadas, essas ações não serão apenas céleres, serão com certeza processadas com muita mais técnica, pois terá juízes e serventuários muito mais preparados.


No futuro, caso haja uma decisão que traga à esfera da Justiça do Trabalho a competência criminal para julgar os crimes ocorridos no ambiente de trabalho, poderiam ser criadas varas especificas para o julgamento de crimes envolvendo o trabalho escravo. Assim, a Justiça do Trabalho teria condições de julgar com mais celeridade os litígios trabalhistas daqueles trabalhadores que são vitimas de trabalho escravo, pois garantiria a estes ao mesmo tempo uma justa indenização e àqueles que cometem tais ações criminosas a aplicação da correta e devida sanção penal.


A Justiça Criminal há pouco tempo passou a ter competência para poder condenar os réus ao pagamento de indenizações de natureza civil para as vitimas dos crimes por eles cometidos. Nada mais justo então do que a Justiça do Trabalho se especializar ainda mais para poder aplicar a correta sanção penal àqueles que cometem crime nas relações de trabalho, bem como a devida reparação civil. Com certeza, haveria uma maior celeridade dos processos, bem como seria uma forma de desafogar a já tão congestionada Justiça Criminal, além do Estado Juiz poder vir a atender os anseios de celeridade e justiça tão almejados pela nossa sociedade.


CONCLUSÃO


Acredito que a Justiça do Trabalho tem passado por profundas mudanças após a promulgação da EC 45/2004, mudanças que não são apenas necessárias, mas também urgentes, pois contemplam os anseios da sociedade, em especial dos operadores do direito que no cotidiano visualizam as dificuldades por que passam aqueles que se socorrem da sua tutela jurisdicional.


A especialização da Justiça Especializada do Trabalho é uma medida que deve urgentemente ser implementada por aqueles que administram a estrutura da Justiça do Trabalho. Todavia, se faz necessário que seja realizado no âmbito do Poder Judiciário, a realização de debates, seminários, congressos, painéis, etc., que possibilitem o debate e o encaminhamento de propostas que vise dar à Justiça do Trabalho uma maior ampliação da sua competência com o escopo de poder julgar os crimes ocorridos dentro das relações de trabalho.


Concluo que a EC 45/2004 trouxe uma nova imagem à Justiça do Trabalho, que ela se encontra cada vez mais dinâmica, a fim de poder responder aos anseios do novo milênio e das novas condições de trabalho criadas pela relação capital x trabalho.


Para que seja garantida uma maior celeridade aos dissídios trabalhistas e que sejam realizados processos com técnicas processuais cada vez mais dinâmicas e especializadas, para que seja garantida uma justa sentença, torna-se necessário especializar ainda mais a já especializada Justiça do Trabalho, pois as mudanças e conquistas propiciadas pelo legislador por meio da EC 45/2004 ainda não se concretizarão, felizmente, a sua ampliação e a sua concretização ainda não se esgotaram.


Por fim, acredito que a Justiça do Trabalho pode concretizar mecanismos que venham a possibilitar a plena tutela das relações de trabalho. Cabe a todos os operadores do direito, especialmente aos que militam no âmbito da Justiça do Trabalho possam contribuir assiduamente para que essa realidade possa se materializar e que a paz social nas relações de trabalho possa ser finalmente alcançada.


 


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Notas:

[1] Este Trabalho de Conclusão foi submetido à banca examinadora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Orientador: Prof. Msc. Neimar Santos da Silva.

[2] Constituição da República Federativa do Brasil de 1946, art. 123.

[3] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 7.

[4] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5, LIV.

[5] Constituição da República Federativa do Brasil de 1946, art. 122.

[6] Brasil. Carrion, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 33 ed. Atualizada por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 21. 

[7]MORAES, Maria José Souza. Trabalho escravo: da omissão do Estado a CONATRAE passando pela bicicleta do Padre Canuto. Disponível em: <http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/trabalhoescravo.htm>. Acesso em: 01 maio 2010. 

[8] Código Penal Brasileiro, art. 149.

[9] Constituição da República Federativa do Brasil de 1969, art. 142. 

[10] CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. A EC nº 45/2004 e a competência penal da Justiça do Trabalho. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7787>. Acesso em: 01 maio 2010.

[11] Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, art. 643.

[12] Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, art. 643, alterado pela Lei n. 7.494/1986.

[13] Código Civil de 1916, art. 177.

[14] Código Civil de 2002, art. 206, § 3 V.

[15] Constituição da República Federativa do Brasil de 1969, art. 142

[16] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 114. 


[18] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 7º.

[19] STF – ADI 3684 MC – DF / Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ADI-MC.SCLA.+E+3684.NUME.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 30 junho 2010.  

[20]CÂMARA DOS DEPUTADOS – PEC-327/2009. Valtenir Pereira – PSB/MT. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=423901>. Acesso em: 30 junho 2010.

[21] COUTINHO, Gribaldo Fernandes, Presidente da AMATRA, ano 2002. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/palestra_drgrijalbo_oit.pdf>. Acesso em: 02 maio 2010.

[22] ROCHA, Andréa Presas. Dissídios coletivos: modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8147>. Acesso em 31 maio 2010.

[23] PINTO, José Augusto Rodrigues. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto

Goiano de Direito do Trabalho, em ROCHA, Andréa Presas. Dissídios coletivos: modificações introduzidas pela EC nº 45/2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8147>. Acesso em: 31 maio 2010.

[24] REVISTA EM PAUTA. TRT Gaucho cria vara especializada em acidentes de trabalho. Disponível: <http://www.trt4.jus.br/PautaPortlet/download/em_pauta_29.pdf>. Acesso em: 28 maio 2010.


Informações Sobre o Autor

Marco Antonio de Sousa Souza

graduado em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2007). Professor universitário – FACULDADE UNISABER. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC/RS.


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