A ética cristã

Resumo: Como é possível seduzir uma doutrina da renúncia e do sofrimento a uma sociedade da implicação mundana afetada por um fundamentalismo consumista e uma compulsão quase enfermiça pela felicidade a aparência o individualismo possessivo e o êxito terrenal a qualquer preço Pois renunciando é renúncia e instaurando uma nova ordem moral baseada no dever de ser feliz em Cristo. Quer dizer como se fosse um suplemento oficial de contrapeso da alma materialista servindo versões lights e multifuncionais de um cristianismo mais adequado para nosso delicado e sobreexcitado ego um tipo de discurso camaleônico ao alcance de todos e que serve para qualquer ouvinte que anele aceitar Jesus Cristo como seu Senhor e salvador pessoal. Como disse Dante hemos perdido el camino rectoV

 “Mi Reino es todo de este mundo”. ALBERT CAMUS

Em seu livro «The Folly of Fools. The Logic of Deceit and Self-Deception in Human Life» (2011), Robert Trivers, ao tratar da religião e o autoengano,  recorda que a deificação do profeta Jesus (o mito evangélico de Cristo) não tem paragão na concepção dos profetas no islamismo e o judaísmo. Não há nessas outras duas religiões nada similar ao seu insólito nascimento, nada parecido aos milagres que lhe atribuem, nada que se assemelhe ao sofrimento de uma morte cruel que expia o pecado da humanidade e posterior ressurreição três dias mais tarde, e definitivamente nada que implique uma sorte de transformação de Jesus, enquanto Deus encarnado, em um terço (1/3) do espetáculo constituído pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo.

E quanto mais os cristãos deificam o mito de Cristo e maior é o delírio da imaginação ou “fé cega” em uma divindade arquitetada pelo judeu helenizado Paulo de Tarso (e elaborada pelos evangelistas teologicamente ex post e, a sua vez, com a tergiversação ominosa do Jesus histórico[1]), menor é a atenção que prestam à doutrina que, segundo os Evangelhos, predicou o profeta em sua breve travessia pela terra. A “cristomania” e o “jesuismo”, esse amálgama de crenças sui generis centrado na secular convicção e eufórica exaltação da deidade de Jesus, estão de moda, um fenômeno cada vez mais extremo e difuso, consumível por todos e a todas as idades, à gosto do consumidor, em todo momento, em casa, fora de casa, à distância e on-line[2].

De fato, a ideia de Jesus como um exemplo de excelência moral é um tópico cultural que se dá por firme e iniludível, inclusive entre mentalidades agnósticas e não crentes. Consiste em crer que a vida de Jesus (supondo que existiu, pois sua existência real segue sendo objeto de polêmica[3]) oferece um modelo de comportamento ético que deve ser emulado[4], e suas doutrinas éticas umas regras de conduta que devemos seguir – quer dizer, que temos que residir aqui abaixo segundo as leis e valores de outro mundo.

Nada obstante, Michael Martin, filósofo e autor do livro The Case Against Christianity (1991), propõe certos argumentos morais que questionam a exemplaridade do mitológico “fundador” do cristianismo. Partindo do juízo de que não está claro quais foram exatamente os princípios morais que ensinou, do discutível ideal ilustrado supostamente por sua conduta e de que a moral cristã é de duvidosa valia, confusa, contraditória e difere de outros sistemas aceitáveis de ética profana, este professor emérito da Universidade de Boston questiona que a ética proposta por Jesus resulte desejável ou (inclusive) praticável desde algumas (entre outras) particularidades, a saber:

1. O principal mandamento de Jesus é amar a Deus (Mt. 22, 37-38). Na firme crença da iminência do Reino de Deus, Jesus, tal como aparece nos evangelhos sinópticos, não se interessou pelos problemas mundanos (como a família, a própria vida, a liberdade e a propriedade – Lc. 18, 22), se desentendeu de sua família por seu evangelho (Mt. 12, 46-50), sustentou que seus discípulos deviam odiar aos membros de sua família e sua própria vida (Lc. 14, 26), disse que quem não renunciara a todas suas possessões não podia ser discípulo seu (Lc. 14, 33), e também ameaçou com terríveis castigos a quem rechaçara seus ensinamentos (Mt. 10, 14-15).

2. As práticas morais de Jesus contrastam com as imagens pacifistas idealizadas e com sua suposta perfeição moral. Predicou, por exemplo, o castigo eterno para quem blasfemasse contra o Espírito Santo, empregou a força para expulsar os que vendiam e compravam no templo, valorou a obediência cega, ensinou o dever de humilhar-se  e rebaixar-se (Lc. 18, 14; Lc. 9, 48), a não enfrentar-se ou opor resistência aos malvados (Mt. 5, 39-41)[5], e no que se refere às virtudes intelectuais importantes tanto suas palavras como suas obras parecem indicar que depreciou e não valorava a razão e os conhecimentos (Mt. 18, 3).

3. Embora muitos cristãos declarem encontrar nos ensinamentos de Jesus respostas à todas as questões morais da vida moderna, as preocupações da sociedade atual abordadas por Jesus de maneira explícita foram poucas. Por exemplo, não disse nada diretamente sobre a moralidade ou imoralidade do aborto, da pena de morte, da guerra, da discriminação racial ou sexual[6] e da escravidão, tão comum no mundo antigo (e não está claro que se possa deduzir de suas máximas e suas práticas algo a respeito desses temas). Também parecia advogar pela pobreza material quando afirmava que “un rico no puede entrar en el reino de los cielos (Mt. 19, 23-24), y, según la versión de la bienaventuranzas de Lucas, los pobres son dichosos y el reino de los cielos les pertenece (Lc. 6, 20)”.

4. A mensagem de Jesus está tão condicionada pela iminência do Reino de Deus que desprezou a preocupação e provisão pelo futuro (característica de qualquer civilização ou ética), guardou silêncio contra (e praticou) o trato inumano dado aos animais (Lc. 8, 28-33) e nunca ofereceu uma justificação racional para suas afirmações (aliás, um aspecto sumamente desagradável na prédica de Jesus: a contínua ameaça com o fogo infernal – ao castigo eterno no lugar mais horrível, para sempre -, muito distante da persuasão racional[7]).

Há também outra ironia: o autêntico e certo é que o Nazareno, “el profeta judío apocalíptico”, abrigava a absoluta convicção de que a história do mundo tal como nós a conhecemos (melhor dito, como ele a conheceu) ia experimentar uma interrupção estridente, que Deus ia intervir de um momento a outro nos assuntos deste mundo, derrubar as forças do mal em um ato de juízo cósmico, destruir uma grande parte da humanidade e abolir as instituições humanas, políticas, e religiosas existentes. Tudo isso seria o prelúdio da chegada de uma nova ordem sobre a terra, o Reino de Deus. Ademais, Jesus esperava que este fim cataclísmico da história teria lugar em sua própria geração ou, ao menos, em vida de seus discípulos (B. D. Ehrman, Jesus. Apocalyptic Prophet of the New Millenium, 1999).

Como assinala G. Puente Ojea (El mito de Cristo, 2000), Jesus esperou totalmente convencido que o “Reino escatológico-mesiánico estaba al llegar, a la mano, y que sería un impresionante acontecimiento visible y datable, tangible y público. Por ello hay que estar alerta, «no sea que, viniendo de repente, os encuentre dormidos». No es posible decirlo más claro: estad despiertos, no vaya a ser que «de repente venga sobre vosotros aquel día…» (Lc. 21.34). Pero no hubo caso, porque jamás llegó”.

E por último, mas não por isso menos importante, embora exista aspectos louváveis na ética cristã, esses não são originais do cristianismo, já que a “novidade” da mensagem de Jesus não consistiu em postular novas normas ou adicionais preceitos. Na verdade, já se despejou toda dúvida sobre seu rigoroso respeito à Lei (Torah). Em Mc. 12, 28-34, Jesus, em amigável diálogo com um escriba, formula os dois mandamentos básicos do judaísmo: amar a Deus sobre todas as coisas, e amar ao próximo como a si mesmo. Nenhuma novidade. Na aplicação prática dos preceitos, Jesus foi um observante da Lei (Torah) e um judeu leal[8]. Sua religião foi o judaísmo, e sua fé se baseava na Bíblia judia. Não se lhe ocorreu pensar-se a si mesmo como uma figura divina[9]. Tal crença haveria sido, para ele, uma transgressão direta do primeiro dos Dez Mandamentos.

Assim as coisas, parece que são cinco os aspectos relevantes da mensagem de “urgência e radicalidade” do Nazareno: a perspectiva messiânica, o Reino de Deus como utopia religiosa-política[10], a iminência do Reino e a exigência urgente da reconversão pessoal, o radicalismo da ética escatológica (de uma moral de entrega total e incondicional de controverso valor universal e atemporal para o tempo brevíssimo que precederia à eclosão iminente do Reino), e o cumprimento das promessas de Deus ao povo de Israel (G. Puente Ojea, 2000).       

Sobra dizer, e aqui termino, que não sou ateu em absoluto porque, de sê-lo, estaria seguro de que nenhum Deus existe. Mas não é assim. Muito pelo contrário; claro que existe: como toda e qualquer ideia construída pelo cérebro humano, Deus existe metido dentro da mente de alguns membros de nossa espécie. Agora, toda essa inscrível narrativa em que intervém um Deus, uma ave e uma mulher casada, quero dizer, sobre o "fato" de que um pássaro (Espírito Santo) foi capaz de fecundar e emprenhar a uma fêmea humana virgem (Maria), francamente me supera[11].

 

Notas:
[1] Bart D. Ehrman, Jesús no dijo eso. Los errores y falsificaciones de la Biblia, 2007; P. Rodríguez, Mentiras fundamentales de la Iglesia católica, 2011.

[2] Como é possível seduzir uma doutrina da renúncia e do sofrimento a uma sociedade da implicação mundana afetada por um fundamentalismo consumista e uma compulsão quase enfermiça pela felicidade, a aparência, o individualismo possessivo e o êxito terrenal a qualquer preço? Pois renunciando à renúncia e instaurando uma nova ordem moral baseada no «dever» de “ser feliz em Cristo”. Quer dizer, como se fosse um suplemento oficial de contrapeso da alma materialista, servindo versões lights e multifuncionais de um cristianismo mais adequado para nosso delicado e sobreexcitado ego, um tipo de discurso camaleônico ao alcance de todos e que serve para qualquer ouvinte que anele aceitar Jesus Cristo como seu Senhor e salvador pessoal. Como disse Dante, “hemos perdido el camino recto”. 

[3] Sobre a existência histórica de Jesus e sua ética (entre muitos outros): Bart D. Ehrman, How Jesus Became God: The Exaltation of a Jewish Preacher from Galilee, 2014, Did Jesus Exist?: The Historical Argument for Jesus of Nazareth, 2012, Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium, 1999, ¿Dónde está Dios? El problema del sufrimiento humano, 2008; E. P. Sanders, The historical figure of Jesus, 1993; Piergiorgio Odifreddi, Perché non possiamo essere cristiani, 2007; C. G. Novella, ¿Dónde está Dios, papá? Las respuestas de un padre ateo, 2012; Pascal Boyer, Y el hombre creó a los dioses, 2010; A. C. Grayling, Contra todos los dioses, 2011; Peter Singer (Ed.), Compendio de Ética, 2010; Barón de Holbach, Moisés, Jesús y Mahoma, 2011; F. de Waal, El bonobo y los Diez Mandamientos, 2014; e J. E. Galán, El catolicismo explicado a las ovejas, 2009.

[4] Daí a inevitável algofilia dos cristianismos protestante, ortodoxo e católico: que o emblema de uma religião seja um crucificado em sua cruz significa que aquela inscreveu a morte de Deus no coração de seu ritual. Ao agonizar, Jesus se converte em “proprietário do sofrimento e da morte” (Paul Valéry) e transmuta estes em alegria: dor e ressurreição. O filho de Deus na cruz afirma o trágico da condição humana e a supera para acercar-se à ordem sobrehumana da esperança e do amor: cada desgraçado tem que carregar com sua própria cruz e encontrar em Jesus um guia e um amigo que lhe ajude; e com esta condição, seu sofrimento deixará de ser um inimigo mortal para converter-se em um aliado com um grande poder de purificação, de “renovação da energia espiritual” (Pascal Bruckner, L´euphorie perpétuelle, 2008).  Por isso a virtude cristã, renunciando a autonomia do indivíduo, não é obra exclusiva de seu portador (e isto aclara o caráter compulsivo da moralidade cristã): o virtuoso não se modela a si mesmo; a virtude se consegue por assistência divina, pela graça, a qual se recebe em troca de determinada conduta ou por capricho divino (Gratia gratis data, diz Santo Agostinho). E  embora o cristianismo não se engane metafisicamente sobre os horrores da vida, sobre a natureza “caída” da criatura, exorta os homens, paradoxalmente, a livrar essa batalha sem transformar o conjunto exterior de oportunidade (pois não se pode remediar a “caída”) e – isto é o crucial – sem tocar o conjunto de oportunidade interior. O bom cristão há de vencer mediante o sofrimento, há de triunfar sobre o mundo sem modificar suas preferências de primeira ordem, sem alterar ou extinguir os desejos. E mais: há de se expor a eles… e frustá-los, e assim sofrer e mostrar seu padecimento (sua  “paixão”) ao mundo.

[5] Paulo de Tarso, o “décimo terceiro apóstolo histérico e masoquista” (para usar as palavras de Michel Onfray), foi o verdadeiro fundador do cristianismo e quem expôs as ideias com as que este triunfou: o elogio do gozo da submissão, a obediência, a passividade, a escravidão baixo os poderosos com o pretexto falaz de que o poder vem de Deus e que a situação social do pobre, o modesto e o humilde emerge da vontade celestial ou da decisão divina (Michel Onfray, Traité d´athéologie, 2005). Com sua apologia da dominação e renúncia ao mundo, Paulo fixou claramente desde o começo a doutrina da natureza humana pecadora, caída e maleável, e, a partir dela, sua dura (e misógina) postura acerca dos poderes terrenais. E esse pessimismo antropológico da doutrina paulina se reproduz já na Primeira epístola universal de Pedro desde sua Cadeira (1  Pedro, 2, 13-18), em um claro “grito” a favor da perda de amor pela liberdade: “Sejais pois sujeitos a toda ordenação humana por respeito a Deus: já seja ao rei, como ao superior”(13); “já aos governadores, como dele enviados para a vingança dos malfeitores, e para o louvor dos que fazem o bem”(14); “porque esta é a vontade de Deus”(15); “como livres, e não como tendo a  liberdade por cobertura de malícia,  senão como servos de Deus”(16); “honrai a todos. Amai a  fraternidade (philadelphía, palavra que nessa cultura encontrava-se intimamente ligada ao despotismo e à servidão avassalada) . Temei a Deus. Honrai ao rei”(17); “Servos, sejais sujeitos com todo temor a vossos amos; não somente aos bons e humanos, senão também aos rigorosos”(18).

[6] Quatro séculos depois de Paulo outro Santo, Jerônimo (coetâneo de Santo Agostinho), o pai ocidental da Igreja e autor da versão latina – a  Vulgata – da Bíblia oficialmente admitida pela Igreja romana (e a única versão canônica depois de Trento), havia transformado a misoginia paulina em aberta ginecofobia: “A mulher é o portal do diabo, o caminho  da  maldade […], em uma palavra, uma coisa perigosa”.

[7] Afortunadamente, nem sempre esse signo de intransigente condenação/salvação presidiu este tipo de iniciativa. A função dos sacramentos, sobretudo o da penitência, é aliviar ao fiel de uma terrível tensão e permitir-lhe alternar a culpa, o arrependimento e absolução em um vai e vem que escandalizava tanto a Calvino como a Freud. Por outro lado, não há dúvidas de que foi um verdadeiro golpe de gênio por parte da Igreja inventar no século XII, baixo pressão popular e em resposta aos milenarismos, a noção de Purgatório, essa grande sala de espera, um lugar entre o Paraíso e o Inferno que autoriza aos seres humanos de vida medíocre, nem muito boa nem muito má, a saldar suas dívidas com o Altíssimo. Ao modificar “la geografía del más allá”, o Purgatório instaurou todo um sistema de “mitigação de condenas”, introduziu na fé a noção de ragateio com todos os excessos que conhecemos e que desencadearam a fúria dos reformados, e se converteu em uma técnica, um tranquilizante psicológico que permite que qualquer falta deixe de acarretar uma infinita e eterna degradação no Inferno (S. Freud, em seu prefácio a Los hermanos Karamazov, de F. Dostoyevski). Ademais, esta espécie de recuperação póstuma, sempre condicionada e dependente da infinita misericórdia do Criador, também proporciona aos vivos um meio para obrar e dialogar com os defuntos graças às orações (P. Bruckner, 2008).          

[8] “El hecho de que Jesús no abogase por ninguna desviación de la religión judía está probado por la práctica de los seguidores que formaban la “Iglesia de Jerusalén” bajo el liderazgo de Santiago, Pedro y Juan. Éstos fueron todos adherentes piadosos al Judaísmo, que observaban la circuncisión, el sábado, las leyes alimentarias, los festivales y ayunos, el culto sacrificial del Templo, y las otras observancias del judaísmo farisaico. Es evidente que nada de lo que Jesús les decía les hizo pensar que estas observancias fueran a quedar interrumpidas” (Hyam Maccoby, Judaism in the first Century, 1989).

[9] “Jesús no fue nunca cristiano. Era un hebreo observante, que permaneció como tal hasta su muerte y que jamás habría imaginado dar origen a una nueva religión y mucho menos fundar una «Iglesia». No se proclamó jamás y rechazó siempre el título de Mesías. Joshua bar Joseph era un profeta judío itinerante, exorcista y sanador, un misionero apocalíptico que anunciaba en las aldeas de Galilea el euangelion (buena noticia) de la llegada inminente, más aún amenazadora, del Reino por obra de Dios, el triunfo del Reino en donde los últimos serían los primeros. Predicaba en arameo, exclusivamente para sus correligionarios judíos, y si alguno de los apósteles barruntó que fuese Cristo (traducción griega del hebreo meshiah y del arameo mashiha, «ungido») lo fulminó con un anatema: «Vade retro me Satana!» (Marcos 8, 33) [expresión de la Vulgata latina, incorporada al uso proverbial, con el que Jesús rechaza violentamente la esperanza de Pedro («Tú eres el Cristo», 8, 29)]. La idea de ser considerado «Dios verdadero de Dios verdadero, engendrado, no creado, de la misma naturaleza que el Padre» – según el «Credo» del concilio de Nicea, aún en vigor en la Iglesia católica – le habría ocasionado un indecible horror. […] Para darse cuenta de eso basta leer con atención y sobre todo por entero el Nuevo Testamento, que la mayor parte de los fieles conoce solo a través de los fragmentos leídos durante la misa.” (Paolo Flores d´Arcais, Jesús. La invención del Dios cristiano, 2012).

[10] No cálculo cristão da utopia religiosa está, por exemplo, a «aposta da eternidade»: prometer uma recompensa pelas misérias deste mundo, uma esperança de outra vida e retribuição de felicidade celestial no Paraíso, um lugar de delícias absolutas donde já não existem nem a fome nem a sede, nem a maldade nem o tempo, e o único modo de pôr fim ao escândalo da prosperidade do malvado e do infortúnio do justo. E posto que a felicidade cristã foi sempre um assunto «del más allá», para um cristão virtuoso e comprometido com a causa, o «temor» e/ou a «dor» da morte não deveria implicar nenhuma carga cognitiva e/ou emocional, porque “lo maravilloso de la muerte”, escreve S. Bossuet citando a Santo Antônio, “es que, para el cristiano, no pone punto final a la vida, sino a los pecados y peligros a los que ha estado expuesto. Al abreviar nuestros días Dios abrevia nuestras tentaciones, es decir, todas las ocasiones de perder la verdadera vida, la vida eterna, puesto que el mundo tan sólo es nuestro común  exilio”. Contudo, como a «fé» não diminui nem o «temor» nem a «dor» da morte, Richard Dawkins (El espejismo de Dios, 2007) se pergunta acertadamente: “Si uno cree de veras en la vida después de la muerte, cómo es que no reacciona como el abad de Ampleforth que, cuando Basil Hume le dijo que estaba moribundo, le repuso: «¡Felicidades, hombre! Es una noticia maravillosa. Me encantaría poder acompañarte»”.     

[11] Outro estranho “mistério”, este “curioso mecanismo que permite, graças à ausência de resposta, que tenhamos resposta para tudo; uma noção empregada à tort et à travers que se converte em um mero sofisma para justificar o injustificável” (Marcel Conche, Orientation philosophique, 1990). Aliás, seja dito de passagem, uma das maiores vantagens constitutivas das religiões sobre as ideologias laicas é a denominada “inutilidade da prova”. As ideias, contos e fabulações que nos apresentam não têm escala humana ou temporal, ao contrário de nossos ideais terrestres, obrigados a resignar-se às leis da verificação e da persuasão racional. 


Informações Sobre o Autor

Atahualpa Fernandez

Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Titular Cesupa/PA (licenciado); Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT (aposentado); Advogado.


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