Resumo: A importância da pesquisa sobre o tema “A Exploração do labor infantil e seu impacto na sociedade contemporânea brasileira” está em apresentar os pontos relevantes sobre o assunto dentro de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. O que se pretende com este trabalho, em sentido amplo, é analisar a evolução social e legislativa no que se refere à problemática do labor infantil, destacando aspectos históricos que ensejaram o seu surgimento e sua propagação pelo mundo. E, em sentido estrito, pretende-se analisar o impacto que tal evolução causou na sociedade como um todo, explanando a dura realidade existente, na qual a criança tem sua infância vergonhosamente roubada, sua dignidade negada e sua precária força de trabalho explorada, distante da efetiva proteção legal e sobretudo estatal. Finalmente, tenta-se demonstrar como tais fatos expõem crianças a situações na maioria das vezes perigosas e prejudiciais ao desenvolvimento físico e intelectual, traçando um futuro duvidoso e sem perspectiva, o que desencadeará fatalmente um ciclo de marginalização, no qual, se deverá combater suas causas. Diante desse quadro, entende-se que definir novos espaços de participação cidadã, fomentando novas formas de articulação entre o Estado e a sociedade na busca do fortalecimento e sensibilização frente ao trabalho infantil, é um dos componentes fundamentais para a sua erradicação, pois inútil será fazê-lo em seus efeitos.
Palavras-chave: Labor infantil. Infância. Força de trabalho. Ciclo de marginalização.
Sumário: INTRODUÇÃO; 1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO TRABALHO INFANTIL; 1.1 Origem do trabalho infantil; 1.2 Difusão do trabalho infantil; 1.2 Legislação pertinente à época; 2 DESENVOLVIMENTO E ATUALIDADE; 2.1 Dimensionando o fato social – Dados recentes; 2.2 Causas do trabalho infantil; 2.3 Conseqüências do trabalho infantil; 3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS; 3.1 As Convenções da OIT; 3.1.1 Convenção Nº 138; 3.1.2 Convenção Nº 182; 3.2 Legislação nacional; 3.2.1 Consolidação das leis trabalhistas; 3.2.2 Constituição Federal; 3.2.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; 3.3 Aspectos mais relevantes da legislação nacional e trabalhista do Estatuto da Criança e do Adolescente; 3.3.1 Artigos do Estatuto relacionados ao trabalho do menor; 3.3.2 Perspectivas de modernização do ECA; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
Introdução
O combate ao trabalho infantil é, para a Nação brasileira, uma questão de direitos humanos. O tema constitui um desafio tanto para o Governo quanto para a sociedade. No entanto, a responsabilidade principal da política, legislação, estratégias e ações orientadas para eliminar o trabalho infantil é missão governamental. A infância e a adolescência merecem especial atenção das políticas sociais, enquanto etapas do ciclo de vida que devem ser destinadas primordialmente à educação e à formação dos indivíduos.
A questão do trabalho infantil é complexa. O problema está associado, embora não esteja restrito, à pobreza, à desigualdade e à exclusão social existentes no Brasil, mas outros fatores de natureza cultural, econômica e de organização social da produção respondem também pelo seu agravamento. Há, de forma regionalmente diferenciada no país, uma cultura de valorização do trabalho que insere crianças na força de trabalho com o objetivo de retirá-las do ócio e da possível delinqüência. Por outro lado, existem fatores vinculados a formas tradicionais e familiares de organização econômica, em especial na pequena produção agrícola, que mobilizam o trabalho infantil. Ademais, as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho urbano influenciam sobremodo a participação das crianças na força de trabalho que, a despeito dos direitos que lhes asseguram o ordenamento jurídico, continuam à margem da rede de proteção, quer na esfera dos direitos humanos, quer na esfera social e trabalhista.
Ao admitir o problema e sua complexidade, o Governo tem buscado, em parceria com a sociedade, instrumentos, instituições e programas que possam combater o trabalho infantil em todas as suas formas, principalmente aquelas consideradas intoleráveis por não respeitarem os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. Importa nessa questão não apenas os números que mostram a inserção precoce das crianças na força de trabalho, mas também a natureza desse trabalho, em particular pelas condições em que se realizam e pelos riscos e abusos a que os menores estão submetidos ao exercê-lo. No caso brasileiro, o trabalho infantil de alto risco localiza-se na zona rural, nos fornos de carvão, na extração de pedras, no beneficiamento do sisal, na agroindústria canavieira e na extração de sal; na zona urbana, no setor informal e em algumas atividades formais, a exemplo da produção de calçados, em determinadas áreas. As crianças participam também de atividades ilegais e anti-sociais de alto risco, como a prostituição e o tráfico de drogas.
Trabalho infantil é um problema social crônico, que aflige ampla parcela da humanidade. Ele está intimamente vinculado à condição econômica. Quando a criança trabalha – muitas vezes em circunstâncias que comprometem sua saúde e esperança de vida – pode não haver outra saída: é porque os pais contam com os braços dos filhos para sobreviverem. E se o trabalho apenas consegue assegurar a comida para a sobrevivência, a educação é luxo inacessível e o futuro não existe.
O reconhecimento do problema e as formas pelas quais Governo e sociedade o estão enfrentando têm sido registrados em documentos e fóruns nacionais e internacionais voltados para a questão do trabalho infantil. A despeito dos avanços no entendimento do tema e na concepção e implementação das ações há muito ainda por fazer, não só em termos de definição de novas estratégias, mas também de articulação institucional, dentro e fora das diversas esferas do Governo, para ampliar as atividades de combate a tal condição de trabalho.
Desta forma, no decorrer deste trabalho monográfico, procurar-se-á responder a determinados questionamentos, tais como: O trabalho infantil é um fenômeno novo? Quais as conseqüências do trabalho infantil para o desenvolvimento da criança? Quais os fundamentos jurídicos para se combater o trabalho infantil? A justificativa para este trabalho é que toda criança possui plena dignidade como ser humano, sendo esta uma verdade inquestionável, aceita e positivada universalmente. A criança é um ser humano íntegro, encontrando-se em uma fase de desenvolvimento a qual enseja proteção especial em todas as áreas.
Tem-se, então, como objetivo geral, analisar o trabalho do menor como fator social e jurídico em todos os seus aspectos, observando as modificações da legislação anterior confrontando-os com a nova realidade da sociedade contemporânea brasileira. Os objetivos específicos são: analisar a evolução histórica do trabalho do menor; identificar as conseqüências do trabalho infantil para o desenvolvimento da criança; avaliar os fundamentos jurídicos para se combater o trabalho infantil.
Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas através de pesquisa bibliográfica e histórica. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de ampliar os conhecimentos. Segundo a abordagem, é qualitativa, com a apreciação da realidade no que concerne ao tema no ordenamento jurídico pátrio. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, descrevendo, explicando, classificando e esclarecendo o problema apresentado, e exploratória, uma vez que procurará aprimorar idéias, buscando maiores informações sobre a temática em foco.
Frente aos desafios da temática proposta a reflexões acerca do trabalho infantil, a estrutura básica desta monografia está organizada em três capítulos, distribuídos da seguinte forma. No primeiro capítulo, busca-se apresentar a trajetória histórica do trabalho infantil, além de sua origem, difusão e legislação pertinentes à época.
No segundo capítulo, apresentam-se o desenvolvimento e a atualidade quanto à questão do trabalho infantil, dando ênfase à dimensão do fato social, demonstrando através de dados recentes. Na seqüência, discute-se quanto às causas e conseqüências do trabalho infantil.
No terceiro capítulo, sistematizam-se os principais convênios internacionais ratificados pelo Brasil e os instrumentos legais de aplicação nacional que devem proteger as crianças contra a exploração de sua força de trabalho, com fulcro na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, na Constituição da República Federativa do Brasil/88 e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Ao final, expõem-se as conclusões deste estudo, refletindo juntamente com os autores pesquisados o panorama exaustivo da questão do trabalho das crianças, aqui denominado simplificadamente “trabalho infantil”.
O trabalho infantil deve ser eliminado, especialmente nas suas manifestações mais intoleráveis, por não ser consistente com a ética de uma sociedade democrática que busca a justiça e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.
1 Aspectos históricos do trabalho infantil
“Só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia-a-dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos…” (Mário Quintana)
A exploração do trabalho infantil acompanha a história do próprio trabalho através dos tempos. Essa exploração persistiu entre diferentes povos pelo mundo, sempre causando indignação na sociedade.
No Brasil, a história do trabalho infantil, reconhecidamente ilegal até os 14 anos pela Constituição brasileira, acompanha a própria trajetória do país enquanto colônia, quando crianças descendente de negros e índios eram obrigadas a incrementar a mão-de-obra das fazendas.
1.1 Origem do trabalho infantil
A história do trabalho infantil tem seu início paralelamente ao do próprio trabalho, desde que o ser humano passou a depender da agricultura de subsistência. Possui suas raízes ligadas à escravidão, ou seja, desde os primórdios da humanidade existe a exploração do homem pelo próprio homem e, juntamente, do labor infantil, porque se existia escravidão por dívidas, e quando se conquistavam novos povos, claro que não se poupavam às crianças, que possuíam braços para trabalhar, assim como os adultos. No caso da escravidão por dívidas, os credores utilizavam a mão-de-obra dos filhos dos devedores para aumentar sua lucratividade, o que ocorria com freqüência nas civilizações grega e romana.
Nos tempos bíblicos há referências à exploração de crianças escravas e à repulsa que isso causava já naquela época. No século VI a. C, os judeus, retornando a Jerusalém após o exílio na Babilônia, já se revoltavam contra o destino de seus filhos, escravizados em troca de alimentos (RUSSOMANO, 2005).
Na Antigüidade, o trabalho dava-se, via de regra, no âmbito doméstico e, na maioria das vezes, os menores eram utilizados em serviços domésticos e artesanais. O caráter de aprendizagem era sua característica básica.
Na época corporativa, contudo, os ensinamentos eram transmitidos no âmbito familiar com caráter predominantemente didático, sujeitando o menor aprendiz à proteção e aos ensinamentos do mestre e/ou do companheiro, que se localizava em uma escala um pouco mais elevada que a sua na corporação.
Até a Revolução Industrial era realizado principalmente pelo homem, devido à necessidade da força bruta. Com o desenvolvimento das máquinas, a mão-de-obra feminina e infantil, as chamadas meias forças, foi largamente utilizada, uma vez que a remuneração de tal força de trabalho chegava a um terço da remuneração dos homens adultos. Isso trouxe uma situação de total desamparo para com a criança.
A Revolução Industrial inglesa tornou-se tão dependente do trabalho infantil que, em momentos de crise econômica, crianças passaram a competir com o empregado adulto. Isso levou ao surgimento de propostas concretas de proteção ao trabalho da criança. Apenas em 1802 a Inglaterra editou a lei Act for preservation of health and moral apprentices employed in cotton and others mills expedida por Robert Peel que foi, por assim dizer, a primeira manifestação concreta correspondente à idéia contemporânea de Direito do Trabalho, ou seja, o surgimento da primeira norma trabalhista. Sua principal conquista foi a redução da carga horária de trabalho da criança para no máximo 12 horas diárias. Entre 1802 e 1867, 17 leis inglesas foram editadas para a proteção do trabalho das crianças (MARTINS, 2003).
No Brasil, a evolução histórica da proteção trabalhista não coincide com a do continente europeu. As raízes do trabalho infantil estão depositadas na colonização portuguesa e sua associação ao tráfico negreiro. Ocorreu a escravização de alguns indígenas, mas a dificuldade em mantê-los cativos e a defesa por parte dos jesuítas em transformá-los cristãos influenciaram na importação de mão-de-obra escrava advinda da África. Esses escravos africanos não gozavam de nenhuma proteção, até porque os jesuítas não os consideravam criaturas de Deus. Os escravos menores, quando não eram vendidos a outros senhores – assim que passassem a possuir desenvolvimento físico que lhes permitisse trabalhar, eram transportados para outros lugares, longe de seus pais – eram utilizados em atividades domésticas, olarias, indústrias rudimentares e habitualmente trabalhavam nas colheitas dos campos desde pequenos. No regime escravocrata, os grandes proprietários tinham direito sobre a vida e a morte de seus escravos.
A manutenção do trabalho infantil decorreu do subdesenvolvimento e da precária situação econômica da população. Até meados do século XIX, a população brasileira era, em sua maioria, rural. O trabalho de crianças, não como mão-de-obra individual, mas como mão-de-obra familiar, era comum.
Mesmo com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a implantação do salário mínimo, o trabalho infantil continua a ser explorado, uma vez que o serviço rural atende a uma logística peculiar de produção, existindo lacunas nessas normas de regulamentação das relações trabalhistas.
1.2 Difusão do trabalho infantil
Segundo Russomano (2005), a expansão do trabalho infantil ocorreu quando, na Idade Média, o homem começou a observar os mares conhecendo assim novos mundos. De acordo com teóricos do direito do trabalho, sua maior expansão se deu com as guerras, pois a maioria dos homens adultos ia guerrear, fazendo com que as mulheres e as crianças passassem a trabalhar na agricultura e na indústria para garantir o seu sustento. Para os industriais esse fato se tornou vantajoso, visto que, para trabalhar, mulheres e menores aceitavam condições subumanas e salários baixíssimos, aumentando assim a lucratividade devido ao baixo custo da produção. Sendo aproveitado em larga escala, quer quanto à natureza do trabalho como pela duração da jornada, que eram as mesmas dos adultos, sendo aproveitados também em minas de subsolo.
O desenvolvimento tecnológico e o uso das máquinas permitiram que crianças pudessem participar de trabalhos industriais, sendo uma das principais portas pelas quais entraram no mercado de trabalho, em condições paritárias de serviço com os adultos. Por suas capacidades de produção serem inferiores, eram submetidos a abusos por parte dos empregadores, tornando-se assim, ao lado de mulheres, camponeses, mutilados e todos aqueles que têm sua capacidade de trabalho reduzida, as primeiras legiões de trabalhadores marginais (RUSSOMANO, 2005).
No início do século XX, o que se buscava com o trabalho fabril era a disciplinarização do trabalhador, isto é, a incorporação de seus movimentos ao ritmo sincronizado das máquinas. Essa disciplina dos gestos e dos movimentos era ensinada desde cedo, empregando-se crianças de 10 anos de idade, ou menos. A história das crianças operárias acha-se assim inserida no processo de industrialização como um capítulo pontuado de relatos de acidentes de trabalho, que registram desde queimaduras, passando por perdas parciais de mãos e/ou braços, chegando mesmo à morte.
Da perspectiva dos industriais, o emprego e a baixa remuneração de mão-de-obra infanto-juvenil significavam aumentar seus lucros, pois pressionavam para baixo o salário do trabalhador adulto.
Mas não só na indústria havia exploração do trabalho infantil. De modo geral as cidades, apesar dos baixos salários, ofereciam mais oportunidades de trabalho, inclusive informais, como os de vendedor ambulante, engraxate e jornaleiro. Desse modo, a cidade representava um atrativo para a família inteira migrante do campo, pois acenava com a possibilidade de emprego para os adultos e seus filhos. Entre os operários, de uma maneira geral, o salário infantil era entendido como forma de complementar o orçamento familiar.
1.3 Legislação pertinente à época
A primeira lei que tratou sobre o labor infantil (também o 1º código da humanidade) foi o Código de Hamurabi, datado de 2000 anos antes de Cristo. Logo após, ou na mesma época, o Egito, nas dinastias XII a XX, elaborou escritos que falavam de menores, mas resguardavam que o labor deles se submetia ao regime geral, desde que possuíssem algum desenvolvimento físico (OLIVEIRA, 1994).
Dos países do Velho Mundo, o primeiro a lançar leis de proteção à infância, que fixaram a idade de admissão ao emprego e à jornada de trabalho, e a proibição de serviço noturno em minas subterrâneas, foi a França, talvez porque a industrialização não trouxe tanta repercussão quanto na Inglaterra.
De acordo com Oliveira (1994), em 1819 a Inglaterra aprovou uma lei, que tornou ilegal o trabalho de menores de nove anos na indústria algodoeira, e em 1933 foi votada uma lei que reduzia a jornada de trabalho de menores de 13 anos para 9 (nove) horas.
Vinte anos mais tarde, a Alemanha também publica sua primeira lei de proteção a menores. E por último a Itália, em 1886, aprovou uma lei que estabeleceu proibições a certos tipos de trabalho para o menor.
No ordenamento jurídico pátrio, a Legislação atinente ao Trabalho foi inaugurada pela Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, na qual era assegurada a liberdade de trabalho, nos termos do artigo 179, inciso XXIV que preceituava “nenhum genero de trabalho, de cultura, indústria, ou commércio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos”.
Por seu turno, o Código Comercial brasileiro, de 1850, apresentou vários dispositivos referentes à prestação habitual de serviço, aludindo ao comerciante menor de idade em seu artigo 1º, quando ostentou como regra geral sua vedação para comerciar, salvo nas hipóteses de legítima emancipação e de autorização dos pais, provada por escritura pública.
Com a Proclamação da República, em 1889, a legislação do trabalho entra em aplicação no Distrito Federal através do Decreto nº 1.313, no qual o governo provisório regulamentou o trabalho dos menores.
Em 1916, o Código Civil dedicou alguns artigos às questões trabalhistas ao dispor sobre a locação de serviços (artigos 1216 e seguintes). A esse impulso dado pelo referido diploma legal, aliou-se a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, no encaminhamento da legislação da matéria, que culminou em 1º de maio de 1943 com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, cujo escopo magno é assegurar os direitos dos trabalhadores.
Acentue-se que, em decorrência da Revolução de 1930 e da política governamental do ex-presidente Getúlio Vargas, houve uma farta produção legislativa sobre os direitos e benefícios conferidos aos trabalhadores, precipuamente com a possibilidade de sua sindicalização, destarte ficasse a mesma sob o controle do governo.
Conforme Oliveira (1994), a primeira proteção realmente efetiva no Brasil ocorreu no governo de Getúlio Vargas, que foi o decreto nº 24.042, de 03.11.32, que estabelecia as condições de trabalho dos menores na indústria. Além da própria CLT (legislação principal e mais utilizada no universo das relações de trabalho), de 1943, que dita e disciplina regras sobre o trabalho infantil nos seus artigos 402 a 443.
Por sua vez, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, arrolou vários princípios importantes no âmbito laboral, tais como:
a) salário mínimo (artigo 121, § 1º, “b”);
b) jornada diária de 8 horas (artigo 121, § 1º, “c”);
c) proibição do trabalho ao menor de 14 anos (artigo 121, § 1º, “d”);
d) férias anuais (artigo 121, § 1º, “f”);
e) reconhecimento das convenções coletivas (artigo 121, § 1º, “j”).
Em 1937, a nova Carta Política inseriu, em seu artigo 137, as principais normas trabalhistas e destacou alguns princípios significativos como, por exemplo, a remuneração do trabalho noturno superior à do trabalho diurno (artigo 137, letra j). Em verdade, o mencionado artigo repetiu os direitos consagrados na Lei magna anterior.
Em 1946, a Assembléia Nacional Constituinte ampliou as garantias e os direitos trabalhistas, destacando princípios básicos na Constituição dos Estados Unidos do Brasil como:
a) liberdade sindical (artigo 159);
b) proibição do trabalho ao menor de 14 anos (artigo 157, inciso IX);
c) estabilidade e indenização por dispensa imotivada (artigo 157, inciso XII).
A Carta Magna de 1967, com a redação da E. C. nº 1/69, manteve as conquistas das Constituições anteriores com algumas modificações que, naturalmente, estavam em consonância com o quadro socio político da época. Podem-se ressaltar alguns princípios:
a) o direito de greve ficou restrito (artigo 165, inciso XXI);
b) proibição de trabalho, em indústrias insalubres, a mulheres e menores de 18 anos, e de trabalho a menores de 12 anos (artigo 165, inciso X);
c) descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário (artigo 165, inciso XI);
d) proibição de diferença de salário e de critério de admissão por motivo de sexo, cor e estado civil (artigo 165, inciso III).
Há uma lei processual – a lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), que prevê a possibilidade de, a par da imposição da obrigação de não fazer, ser a empresa infratora do ordenamento jurídico condenada em pecúnia, revertendo a indenização para um fundo federal da reparação do dano (artigos 3º e 13) que, no caso das lides trabalhistas, tem sido o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.
Com o término do regime militar, em 1985, a chamada “Nova República” propiciou a afirmação de partidos políticos alicerçados na luta pelos direitos dos obreiros, derivando, daí, a elaboração de uma Constituição que ampliou as garantias concedidas aos trabalhadores. A inovação mais significativa do texto constitucional de 1988 foi o deslocamento dos direitos trabalhistas do capítulo atinente à “Ordem Econômica e Social” para uma posição de destaque no capítulo dos “Direitos Sociais”, situado topograficamente no início da Lei Magna de 1988 (Título II, capítulo II).
No rol de princípios importantes adotados pelo legislador constituinte de 1988, especificamente no artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, destaca-se a vedação “[…] de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz” (inciso XXXIII, in fine).
Em verdade, a Constituição brasileira de 1988 reafirma, em seu artigo 227, § 3º, inciso I, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar proteção especial ao “menor” no que tange à observância da idade mínima de 14 anos para sua admissão ao trabalho.
Verifica-se, nesse breve resumo da evolução legislativa brasileira, no que concerne ao trabalho do menor de idade, a preocupação sempre presente em proibir sua participação no mercado de trabalho, entendendo-se, finalmente, seu direito a um tratamento condizente com a sua especial condição de ser em desenvolvimento, a qual será especificamente delineada na legislação própria (Lei 8.069/90).
2 desenvolvimento e atualidade
“Há que se cuidar do broto para que a vida nos dê flor e fruto” (Milton Nascimento)
A exploração da mão-de-obra infantil vem dos mais longínquos tempos, quando, diante de necessidades imediatas, buscavam-se soluções, pondo em risco não só a vida de crianças, mas também o futuro da própria nação, não proporcionando a seus cidadãos condições mínimas de subsistência, acabando por dar margem a tal barbárie.
O trabalho infantil acaba por ser, literalmente, um fim em si mesmo, haja vista as deficiências carregadas por quem as sofreu, acarretando por sua vez um elevado grau de desgaste, pelo resto da vida, privando crianças de serem o que são, terminando no hoje o amanhã.
A sociedade vem “selecionando naturalmente” os capazes, impondo circunstâncias desumanas aos excluídos, aqueles que nada possuem. Este resultado não nos permite sequer disfarçar uma triste realidade, a desigualdade social, fruto da enorme concentração de renda existente, sendo um dos principais fatores que acarretam de forma cruel a exploração do trabalho infantil.
Dessa forma, perante o capitalismo exacerbado, no qual não importa o quanto se pode explorar outrem e sim o quanto aquele pode me lucrar, e a legítima necessidade de sobrevivência das pessoas que se submetem, em troca de um prato de comida, às ordens e vontades que lhes são postas, não há como conscientizar um explorador de que, apesar de o trabalho infantil ser menos oneroso e mais lucrativo, é prejudicial àquela criança por ela estar em desenvolvimento, ficar suscetível a acidentes, a doenças, enfim, não estar apta a determinadas tarefas pesadas paras as quais freqüentemente é designada a fazer. De sorte que, quem pode explorar o faz, ignorando as leis e todas as conseqüências inerentes a tal atitude (MINHARRO, 2003).
2.1 Dimensionando o fato social – Dados recentes
Necessidade, oportunismo e incompreensão se mesclam para explicar o trabalho precoce. A situação de pobreza obriga os pais tanto a utilizar os filhos como mão-de-obra doméstica, quanto a oferecê-los no mercado de trabalho para aumentar a renda familiar.
Como uma das expressões da pobreza e da injusta distribuição de renda, o trabalho infantil sempre se fez presente em nossa sociedade.
A década de 80 foi marcada por grande instabilidade econômica, fazendo com que o Brasil entrasse nos anos 90 com um dos piores desempenhos entre os países pobres do Terceiro Mundo, no que diz respeito ao enfrentamento da pobreza e à distribuição de renda. E, embora tenha sido também a década da mobilização social pela redemocratização do país, a luta contra o trabalho infantil e a inserção do tema na agenda social nacional só se iniciariam na década seguinte (MINHARRO, 2003).
Os anos 90 foram decisivos para o início do movimento contra o trabalho infantil, tanto para a mobilização da sociedade civil como para a implementação de políticas públicas de assistência social.
Para conhecer melhor o fenômeno do trabalho precoce, é preciso pois desagregar os dados por faixa etária.
Os indicadores sobre a participação de crianças na força de trabalho mostram que essa participação cresce com a idade e é maior entre os meninos do que entre as meninas (com a ressalva da invisibilidade e maior dificuldade de estimativa do trabalho destas em casa); decresce com o aumento do nível de renda das famílias onde estão inseridas; e é mais elevada na área rural do que na urbana.
É preciso ressaltar que, ao longo da década de 90, os dados mostram que houve uma redução no número de crianças trabalhando. Isso provavelmente se deve ao fato de a sociedade estar mais atenta e denunciar a exploração de crianças e adolescentes.
Também pode estar refletindo a vigência de algumas estruturas de controle social e a implementação, mesmo se pontual e insuficiente, de políticas públicas de assistência para retirar crianças do trabalho – o que só reforça a necessidade de incentivar a manutenção e ampliação eficiente e sustentável das políticas públicas de combate ao trabalho infantil.
O Brasil é um dos países que apresentam altos índices de trabalho infantil. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD de 2003, do total de 79,1 milhões de pessoas ocupadas, 16,6% tinham começado a trabalhar antes de completarem 9 anos de idade. Referida proporção sobe para 59,4% (47,1 milhões de pessoas) quando se faz o corte etário fixando a idade de 14 anos como máxima. Finalmente, do total de ocupados, 81,7% começaram a trabalhar com menos de 17 anos. Evidentemente, muitos desses trabalhadores, por terem começado a trabalhar tão cedo, sacrificaram seus níveis de escolaridade, por se afastarem da escola mais cedo ou por terminarem seus cursos em condições de verdadeiros sacrifícios.
Dentre os ocupados do sexo masculino, 18,5% começaram a trabalhar antes de 9 anos, enquanto que entre as mulheres, este percentual cai para 13,9%, a indicar que a mulher, mesmo ainda criança, entrava no mercado de trabalho muito mais tarde, o que não elimina a hipótese de terem permanecido em suas casas suprindo a ausência de suas mães, estas, sim, oficialmente ocupadas.
É no setor rural onde as crianças começam a trabalhar mais cedo. Ainda de acordo com a PNAD, do total de homens trabalhando, 34% teriam começado a trabalhar antes dos 9 anos de idade, sendo que, entre as mulheres, referido percentual é de 29%. Estes percentuais superam enormemente os da área urbana (14,6% entre os homens e 10,8% entre as mulheres), dando maior ênfase à idéia de interligação entre a pobreza, baixo nível de escolaridade e entrada precoce no sistema de produção.
Considera-se normal que o jovem, aos 14 anos de idade, tenha completado pelo menos 7 anos de estudo. Do total da População Economicamente Ativa – PEA, ou seja, os que estavam trabalhando, referidos acima, e os que buscavam trabalho, de 2003, cerca de 10% não tinham instrução ou tinham menos de um ano de estudo; 12% tinham entre 1 e três anos, e 28%, entre 4 e 7 anos de estudo. Ou seja, 50%, não completaram o ensino fundamental. Entre a PEA feminina, sua entrada mais tardia no mercado de trabalho teria permitido alcançar um maior nível de instrução, já que 43,8% não teriam completado o ensino fundamental. Mesmo assim, ainda é bastante elevado referido percentual (8% tinham menos de um ano de estudo, 10.2% entre um e 3 anos de estudo e 25.6% entre 4 e 7 anos).
Do ponto de vista do rendimento, 9,2% do total da PEA recebia menos que meio salário mínimo. Outros 16,3% recebiam entre meio e um salário mínimo e 24,8% entre um e dois salários mínimos. Ou seja, 50,3% da PEA tinha uma renda inferior a dois salários mínimos. Portanto, 50% da PEA não teria completado o ensino fundamental, 50% com renda inferior a dois salários mínimo e 59% começaram a trabalhar antes dos 14 anos de idade.
Quanto mais pobre a família, mais se exige de todos os seus membros que colaborem na renda familiar, independente do sexo e idade. No caso específico do trabalho infantil, este afasta a criança da escola, compromete seu desempenho escolar e, no futuro, limita suas oportunidades de melhores empregos.
Segundo a PNAD, em 2003 havia 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil, sendo que 1,3 milhão tinham entre 5 e 13 anos. Ainda segundo a PNAD, a metade dessas crianças pertencia a famílias com rendimento familiar per capita inferior a meio salário mínimo. No Nordeste esta proporção chegava a 73%. Pior ainda é o fato de que cerca da metade destas crianças e adolescentes não recebia nenhuma remuneração pelo seu trabalho. Consequentemente, além da contribuição nula à formação da renda familiar, a decisão por trabalhar inibe o direito daquele segmento infanto-juvenil a buscar uma formação educacional mais elevada.
Além dos efeitos perversos que o trabalho precoce pode trazer à criança, resta ainda o repúdio a esta prática pela exploração barata daquela “mão-de-obra”, uma vez que, se dado a um adulto, o custo deste emprego seria muito mais elevado. Estamos falando de 2,2 milhões de crianças com menos de 14 anos de idade (sendo 250 mil menores de 9 anos), trabalhando em atividades perigosas, “competindo” no mercado de trabalho com o segmento adulto da PEA.
Dez anos atrás, a PNAD estimava que existiam 7,8 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando no Brasil. Isto quer dizer que, em 10 anos, foi possível retirar do mercado de trabalho infanto-juvenil cerca de 2,7 milhões. Referido sucesso resulta da combinação de esforços entre a sociedade civil, as organizações de trabalhadores e empregadores, o Fórum Nacional de combate ao trabalho infantil e a imprensa de modo geral, após o Brasil ter aderido formalmente à campanha internacional promovida pela Organização Internacional do Trabalho voltada para a erradicação do trabalho infantil.
A visibilidade do problema do trabalho infantil, traduzido em números, contribui sobremaneira para compreender a dimensão que este vem assumindo no Brasil. Embora em termos estatísticos os números possam parecer pouco significativos, no que diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes (como também aos direitos humanos), enquanto houver uma só criança que esteja trabalhando, devemos exercer não só o direto de nos indignar, como também nos posicionar contra essa exploração e reivindicar medidas concretas para a erradicação dessa chaga, em qualquer parte do mundo.
2.2 Causas do trabalho infantil
Existem diversos motivos para as crianças se incorporarem ao mercado de trabalho. A pobreza é o principal, sem dúvida, a base do processo de exploração da criança, principalmente em trabalhos perigosos e debilitantes. O baixo nível de rendimentos de muitas famílias, insuficientes para sua própria sobrevivência, constitui-se forte fator indutor da alocação do tempo da criança no trabalho, que poderia ser, alternativamente, distribuído entre o lazer, a escola e o repouso.
Embora exista um amplo consenso sobre o papel preponderante da pobreza como fator causador do trabalho infantil, esta posição pode ser corroborada pela comparação da incidência do trabalho infantil nos países ricos e nos do terceiro mundo e, ainda, pela comparação entre os estratos populacionais de maior renda e os de menor renda no Brasil. A pobreza não explica a grandeza do trabalho precoce nos centros urbanos brasileiros.
A relação existente entre a pobreza e o trabalho infantil não é evidente, isto é, a pobreza, por si só, não explica a grandeza do trabalho precoce no país, indicando a existência de outros fatores causadores do problema.
Um sistema educacional deficiente também contribui para empurrar crianças para o trabalho. Mesmo tendo acesso à escola, crianças e adolescentes das camadas pobres são mais atingidos pela repetência. Após repetir várias vezes, a criança – por si mesma e pelos pais – é considerada “incapaz” de aprender, saindo da escola e sendo destinada ao trabalho. Um sistema escolar eficiente deve assegurar a permanência de todas as crianças na escola, com aprendizagem efetiva (DELGADO, 2004).
Outro fator que obriga ao trabalho infantil é a crença, comum em muitas culturas – e não só nos estratos mais pobres –, de que as crianças devem compartilhar as responsabilidades da família, participando do trabalho dos pais, ganhando remuneração fora de casa ou ajudando na administração da casa. Esta última é especialmente verdadeira para as meninas, de quem é esperado que cuidem dos irmãos e irmãs, bem como das tarefas domésticas, a ponto de estas se tornarem sua principal ou única atividade. Tais crenças fazem com que o peso da responsabilidade seja assumido por crianças desde cedo, sem qualquer questionamento, de geração em geração.
Dessas crenças e da situação de vulnerabilidade econômica, os empregadores tiram vantagens em proveito próprio. Ao empregar crianças, têm em mente garantir trabalhadores dóceis, submissos, que não causem “encrenca” e sejam incapazes de defender seus direitos; crianças e adolescentes têm menos condições de se negar a realizar tarefas servis por baixos salários do que os adultos. Os empregadores beneficiam-se ainda da ineficácia da fiscalização: embora cientes da lei que proíbe o trabalho infantil, violam-na na certeza da impunidade.
Outra causa importante é a demanda do mercado de trabalho por mão-de-obra barata. Além do fato de as crianças trabalharem por menos dinheiro, elas são mais facilmente disciplinadas e não estão organizadas em sindicatos.
Uma outra causa é a tradição socioeconômica existente no Brasil. Mas é preciso diferenciar o trabalho infantil tradicional, como o dos descendentes dos imigrantes europeus, e os trabalhos infantis insalubres, perigosos ou penosos em carvoarias, plantações de cana-de-açúcar, de laranja ou pedreiras. A inserção no trabalho nas famílias de imigrantes italianos, alemães e poloneses do sul do país representa uma maneira de ensinar um ofício e ajudar na renda dos pais. Embora comecem o trabalho muito cedo, essas crianças não deixam de freqüentar a escola. Uma situação bem diferente é a das crianças que trabalham pesado, sem nunca freqüentar a escola.
Muitos governos, ao enfrentar crises econômicas, não dão prioridade às áreas que poderiam ajudar a aliviar as dificuldades enfrentadas por famílias de baixa renda: não priorizam saúde, educação, moradia, saneamento básico, programas de geração de renda, treinamento profissional, entre outros. Para essas famílias, a vida se torna uma luta diária pela sobrevivência. As crianças são forçadas a assumir responsabilidades, ajudando em casa para que os pais possam trabalhar, ou indo elas mesmas trabalhar para ganhar dinheiro e complementar a renda familiar. Em um mundo crescentemente desigual, em um processo acentuado pelo fenômeno da globalização, cada vez mais contrapõem-se riqueza e pobreza. Assim, todo um segmento da população, alijado de condições adequadas de formação, educação e acesso a bens e serviços, vem constituindo um contingente de despossuídos.
Portanto, a incorporação de crianças e adolescentes no mercado formal e informal de trabalho expressa, por um lado, deficiências das políticas públicas para educação, saúde, habitação, cultura, esportes e lazer, além da ineficácia da fiscalização do trabalho para cumprimento da lei e da vigência de certas crenças, mesmo entre os próprios pais. Por outro lado, expressa os efeitos perversos da má distribuição de renda, do desemprego, dos baixos salários, ou seja, de um modelo econômico que não contempla as necessidades do desenvolvimento social (DELGADO, 2004).
2.3 Conseqüências do trabalho infantil
O trabalho precoce de crianças e adolescentes interfere diretamente em seu desenvolvimento, em três aspectos:
a) físico – porque ficam expostas a riscos de lesões, deformidades físicas e doenças, muitas vezes superiores às possibilidades de defesa de seus corpos;
b) emocional – podem apresentar, ao longo de suas vidas, dificuldades para estabelecer vínculos afetivos em razão das condições de exploração a que estiveram expostas e dos maus-tratos que receberam de patrões e empregadores;
c) social – antes mesmo de atingir a idade adulta realizam trabalho que requer maturidade de adulto, afastando-as do convívio social com pessoas de sua idade.
Ao mesmo tempo, ao ser inserida no mundo do trabalho, a criança é impedida de viver a infância e a adolescência sem ter assegurados seus direitos de brincar e de estudar. Isso dificulta muito a vivência de experiências fundamentais para seu desenvolvimento e compromete seu bom desempenho escolar – condição cada vez mais necessária para a transformação dos indivíduos em cidadãos capazes de intervir na sociedade de forma crítica, responsável e produtiva. Entre as crianças que trabalham há maior repetência e abandono da escola.
As pesquisas e estudos realizados no Brasil a partir da década de 90 apresentaram as sérias conseqüências da exploração do trabalho infantil no Brasil. Podem ser elencadas algumas conseqüências geradas pelo trabalho infantil, tais como: a reprodução do ciclo intergeracional de pobreza, pois crianças que trabalham estudam menos, tendo acesso na fase adulta a trabalhos em condições precárias, reproduzindo a condição de pobreza, fortalecendo a necessidade de recurso à mão-de-obra infantil para garantir as condições de subsistência e reprodução social.
É de se destacar, também, que o trabalho infantil é o principal fator determinante da falta de freqüência e evasão escolar, impossibilitando que a população infantil brasileira alcance os necessários onze anos de escolarização para a ruptura do ciclo de pobreza.
O trabalho infantil gera sérios prejuízos ao desenvolvimento físico e psicológico, provocando conseqüências na saúde e desenvolvimento da criança de longo prazo. Estudo elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, de 2000, destaca:
“Como conseqüência das condições de vida extremamente insatisfatórias, as crianças e adolescentes que trabalham têm como características o retardo no desenvolvimento pondero-estatural, desnutrição protéico-calórica, fadiga precoce, maior ocorrência de doenças infecciosas (gastrointestinais e respiratórias) e parasitárias. Estes prejuízos são agravados pelas condições de trabalho, que leva à formação de adultos de menor capacidade de trabalho e aumentando o contingente de trabalhadores incapazes, parcial ou totalmente, para o trabalho”.
O trabalho de crianças, diante de sua fase de desenvolvimento, gera um elevado grau de desgaste, já que suas resistências são limitadas em comparação ao adulto, e não fazendo a alimentação diária adequada ficam enfraquecidas e sua saúde debilitada.
O trabalho precoce interfere, pois, negativamente na escolarização das crianças, seja provocando múltiplas repetências, seja empurrando-as para fora da escola – fenômeno diretamente relacionado à renda familiar. Crianças e adolescentes oriundas de famílias de baixa renda tendem a trabalhar mais e estudar menos, comprometendo, dessa forma, suas possibilidades de vida digna.
O trabalho infantil constitui assim obstáculo ao desenvolvimento das crianças, resultando em redução de suas expectativas.
3 Fundamentos jurídicos
“Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que pode vir a ser”.(Louis Pasteur)
A questão dos direitos e do atendimento a crianças pelo mundo está alicerçada política e juridicamente em uma série de acordos e tratados internacionais e em toda uma normativa nacional de natureza legal, jurisprudencial e administrativa.
Internacionalmente, podemos estabelecer como ponto de partida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada pela Organização das Nações Unidas – ONU, através de sua Assembléia Geral, em 10 de dezembro de 1948, seguida pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 20 de novembro de 1959, e a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral daquela Organização, em 20 de novembro de 1989.
Na normativa nacional foi o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que reconheceu a condição de ser humano em desenvolvimento das pessoas nesta fase da vida e assegurou-lhes direitos, passando a adotar a doutrina da proteção integral (defesa, amparo e atendimento a todos e em especial àqueles que se encontram em situação de risco social), nascendo fundamentada na Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988, em seu artigo 227.
3.1 As Convenções da OIT
As normas internacionais trabalhistas são definidas pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, órgão vinculado à ONU. Com a criação, em 1919, passou-se a ser verificada uma generalizada preocupação com o problema do “labor infantil”, sendo esse um dos principais fatores que a mobilizou em seus primeiros anos de atuação, sistematizando várias Convenções editadas com o intuito de amenizar os efeitos maléficos desse tipo de mão-de-obra.
A OIT tem incentivado, nos últimos anos, o desenvolvimento de ações de combate ao trabalho infantil por parte dos países membros, propiciando apoio técnico para a ampliação do conhecimento do problema por parte das sociedades nacionais e o desenvolvimento da capacidade institucional nacional. Ademais, ela atua na avaliação e difusão de experiências que privilegiem o combate ao trabalho infantil em atividades claramente prejudiciais ao desenvolvimento físico, intelectual e moral das crianças e ao emprego de crianças de pouca idade.
Os instrumentos normativos da OIT são convenções sobre o trabalho da criança. Uma convenção é um instrumento do sistema internacional de direitos humanos que se torna vinculante, ou seja, de cumprimento obrigatório pelos países que a ratificam. Como signatário das convenções da OIT, o Brasil assume o compromisso de fazer cumprir suas determinações. Em relação ao trabalho infantil, duas delas merecem destaque: a Convenção nº 138 (cf. Anexo) sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego e a Convenção nº 182 (cf. Anexo) sobre as piores Formas de Trabalho Infantil.
3.1.1 Convenção nº 138
A Convenção nº 138 sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego (OIT, 2001), de 1973, constitui o mais importante instrumento normativo de luta contra o trabalho infantil, somente ingressando no ordenamento jurídico brasileiro após a edição do Decreto Presidencial nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002 (cf. Anexo). Essa Convenção determina, no geral, a idade mínima de 15 anos para o ingresso no mercado de trabalho, em todos os setores da atividade produtiva (para trabalhos perigosos, a idade mínima é 18 anos e, para trabalhos leves, 14 anos). É uma norma que, por seu caráter flexível, atende ao nível de desenvolvimento socioeconômico dos diferentes países-membros da OIT e admite iniciativas a médio e longo prazo.
O art. 1o da Convenção 138 incute a idéia de que a norma internacional prioriza o “desenvolvimento físico e mental do adolescente”. Parece assim se nortear, até quando dispõe exceção à regra da idade mínima para admissão no emprego como sendo a da “conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos” (art. 2o, 3o parágrafo).
Artigo 1° Todo Estado-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.
A respeito dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o parágrafo 4o do mesmo art. 2o reza que o “País-membro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de quatorze anos”.
Artigo 2° […] 4. Não obstante o disposto no parágrafo 3º deste artigo, o Estado-membro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá, após consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de 14 anos. […]
O parágrafo 3º do artigo 5o da Convenção 138 determina que
Artigo 5º […] 3. As disposições desta Convenção serão, no mínimo, aplicáveis a: mineração e pedreira; indústria manufatureira; construção; eletricidade, água e gás; serviços de saneamento; transporte, armazenamento e comunicações; plantações e outros empreendimentos agrícolas de fins comerciais, excluindo, porém, propriedades familiares e de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente mão-de-obra remunerada. (grifo nosso) […]
Percebe-se, com destaques nossos, que o trabalho do menor em atividade agrícola comercial tem alguma prevalência sobre o trabalho agrícola não comercial, o que até pareceria óbvio, em primeira análise, visto que o artigo 3o do Decreto 4.134/2002 expressamente exclui da abrangência da norma “as empresas familiares ou de pequeno porte que trabalhem para o mercado local e que não empreguem regularmente trabalhadores assalariados”.
Acreditamos – sem deixar de reconhecer a peculiaridade dos empreendimentos familiares de cunho de subsistência – que a Convenção 138 poderia ter estendido sua preocupação em tolher o trabalho do menor, sem limite de idade, em empreendimentos agrícolas também sem fins comerciais.
No que tange à Convenção nº 138 da OIT, pretende ela que todo o país ratificante comprometa-se a adotar uma política que garanta a efetiva abolição do trabalho infantil e a elevação paulatina da idade mínima de admissão em atividades laborativas em um nível compatível com o pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente, permitindo, por sua vez, que o próprio Estado-membro delimite, por meio de uma declaração, qual será a idade mínima a vigorar em seu território, desde que esta não seja inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória e, em qualquer hipótese, que não seja inferior a quinze anos. Permite, entretanto, que nos países de economia e desenvolvimento precários adote-se a idade de quatorze anos como mínima (MINHARRO, 2003).
3.1.2 Convenção nº 182
A Convenção nº 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil (OIT, 2001) especificou que todo o país que a ratificasse deveria adotar medidas imediatas para erradicar todas as maneiras de escravidão infanto-juvenil, determinando a imediata concentração de esforços para erradicar o trabalho infantil nas seguintes situações:
a) todas as formas de escravidão e práticas análogas, como a venda e o tráfico de crianças, o trabalho forçado ou obrigatório, a servidão por dívidas e a condição de servo;
b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;
c) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de substâncias entorpecentes, tal como se definem nos tratados internacionais pertinentes;
d) qualquer outro tipo de trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que se realiza, possa supor ameaça à saúde, à segurança ou à moralidade das crianças.
Com relação ao trabalho perigoso acima mencionado, a OIT indica que se considerem, no mínimo, os trabalhos em que as crianças:
a) fiquem expostas a abusos de ordem física, emocional ou sexual;
b) atuem embaixo da terra e da água, em alturas perigosas ou em meios confinados;
c) utilizem maquinário, equipamentos e ferramentas perigosas ou que manipulem e transportem cargas pesadas;
d) atuem em meio insalubre ou estejam expostas, por exemplo, a substâncias, agentes ou processos perigosos, ou ainda a temperaturas ou níveis de ruído e vibração prejudiciais à saúde;
e) atuem em condições especialmente difíceis, como por exemplo horários prolongados, noturnos ou que impeçam o regresso diário à sua casa.
Além dos instrumentos normativos, a OIT emprega outros dois meios de ação: a produção e disseminação de informação; e a cooperação técnica para desenvolver programas como o Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil – IPEC, cujo objetivo é estimular, orientar e apoiar iniciativas nacionais na formulação de políticas e ações diretas que coíbam a exploração da infância.
O IPEC visa à erradicação progressiva do trabalho infantil mediante o fortalecimento das capacidades nacionais e do incentivo à mobilização mundial para o enfrentamento da questão. Promove o desenvolvimento e a aplicação de legislação protetora e apóia organizações parceiras na implementação de medidas destinadas a prevenir o trabalho infantil, a retirar crianças de trabalhos perigosos e a oferecer alternativas imediatas, como medida transitória para a erradicação do trabalho infantil.
3.2 Legislação nacional
A legislação brasileira relativa à regulamentação do trabalho infantil remonta ao ano de l891, quando o Decreto 1.313 definia que os menores do sexo feminino, com idade entre 12 e 15 anos e os do sexo masculino, na faixa entre 12 e 14 anos, teriam uma jornada de trabalho máxima de 7 horas e fixava uma jornada de 9 horas para os meninos de 14 a 15 anos de idade. Até o advento da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em l943, vários dispositivos regularam a idade mínima para o trabalho, destacando-se o Primeiro Código de Menores da América Latina, de l927, que vedava o trabalho infantil aos l2 anos de idade e proibia o trabalho noturno aos menores de l8 anos. A CLT tratou da matéria de forma abrangente, definindo a idade mínima em l2 anos, e estabelecendo as condições permitidas para a realização do trabalho (CACCIAMALI, 2003).
Os direitos da criança e do adolescente no Brasil são assegurados na Constituição brasileira e especificados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Fruto de um processo democrático, de mobilização e organização popular poucas vezes visto na história da sociedade brasileira, o ECA representa o esforço de diversos setores sociais comprometidos com a causa da infância e da juventude.
Durante a elaboração da Constituição de 1988, diversos grupos de pressão e movimentos sociais organizados denunciaram a situação desumana e violenta a que estavam submetidas grandes parcelas da população de crianças e adolescentes pobres do país e conseguiram aprovar dois artigos constitucionais sobre os direitos da infância e da juventude, que vieram a servir de base para a elaboração do ECA em 1990.
3.2.1 Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT
A CLT faz uma ampla abordagem da proteção do trabalho do menor, contando com dispositivos que tratam da fixação de idade mínima para o exercício laboral, das atividades vedadas à sua atuação, das condições de trabalho, entre outras.
Como bem preceitua Martins (2003), é considerado menor, para efeitos trabalhistas, o trabalhador de 14 a 18 anos e as regras que regulam seu trabalho estão reunidos nos artigos 402 a 441 da CLT, com exceção dos artigos 403, 413 e 415 a 423 já revogados.
O artigo 405 da CLT preconiza ainda que ao menor é vedado o trabalho ou serviço prejudicial à sua moralidade (o prestado, de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos congêneres). O trabalho a menores de 16 anos também é vedado como propagandista e vendedor de produtos farmacêuticos (Lei nº 6.244/75).
O trabalho do menor tem a mesma duração do trabalho do adulto com as seguintes ressalvas. Após cada período de trabalho efetivo, quer contínuo, quer dividido em dois turnos, haverá um intervalo para repouso, não inferior a 11 horas (art. 412 da CLT). É vedado prorrogar a duração normal do menor, salvo até mais duas horas, independentemente de acréscimo salarial, mediante convenção ou acordo coletivo, desde que o excesso de horas em um dia seja compensado pela diminuição, em outro, de modo a ser observado o limite máximo de horas semanais ou outro inferior legalmente fixado. Excepcionalmente, por motivo de força maior, é possível a prorrogação até o máximo de doze horas, com acréscimo salarial de, pelo menos, 25% sobre a hora normal e desde que o trabalho do menor seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento.
Outro ponto importante, segundo Martins (2003), é que o menor pode assinar recibo de salário, exceto no caso de rescisão de seu contrato, que deve ter a assistência dos seus responsáveis legais, aos quais incumbe dar quitação ao empregador pelo recebimento das verbas rescisórias.
Portanto, há um grande arcabouço legal a proteger o menor e urge que a sociedade e o Ministério Público possam dar vazão à sua missão no sentido de evitar atrocidades e abusos que têm desafortunadamente se tornado “lugar-comum” no País.
3.2.2 Constituição Federal
A Constituição Federal proíbe o trabalho de menores de 16 anos, permitindo, no entanto, o trabalho a partir dos 14 anos de idade, desde que na condição de aprendiz. Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em atividades insalubres, perigosas ou penosas, trabalho que envolva cargas pesadas, jornadas longas, e, ainda, trabalhos em locais ou serviços, que lhes prejudicam o bom desenvolvimento psíquico, moral e social.
Estabelece o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, que
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Como a educação constitui um ponto nodal de toda e qualquer política infanto-juvenil, a Constituição Federal detalha, no artigo 228, os deveres próprios do Estado:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino;
III – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
V – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Entre vários temas relativos à área social, a problemática da criança encontra, na Constituição Federal de l988, respaldo sem precedentes se comparada ao tratamento dado à temática infanto-juvenil pelas Constituições anteriores.
3.2.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, promulgado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, veio regulamentar os direitos e garantias assegurados às crianças e adolescentes consubstanciadas na Constituição Federal em favor da infância e da juventude, dentre eles o direito ao trabalho. O estatuto introduz inovações importantes no tratamento dessa questão, sintetizando mudanças em diversos níveis.
O ECA pretende assegurar, a toda criança e adolescente, o direito básico de viver – desenvolver-se saudavelmente, educar-se e receber proteção. Contrariando a tradição brasileira de estabelecer o ordenamento jurídico a partir “de cima” (quase sempre atendendo aos interesses dos segmentos dominantes da sociedade), o ECA resultou desse processo de mobilização dos setores sociais comprometidos com a mudança, tanto na maneira de “ver” a criança e o adolescente quanto no atendimento a lhes ser dedicado. Assim, sua redação evitou o termo “menor”, o que representou uma mudança radical em relação à legislação anterior sobre o assunto, o Código de Menores.
O termo “menor”, de larga utilização no senso comum, na imprensa e mesmo na pesquisa científica, inicialmente associado à idade, passou a assumir conotação estigmatizante, designando principalmente crianças pobres, abandonadas, ou que incorriam em delitos, generalizando-se daí por diante para referir-se a crianças e adolescentes oriundos das camadas populares e em situação de miséria. Substituir o termo “menor” por criança e adolescente é, portanto, uma atitude política e filosófica de resistência e não-discriminação.
Nesse sentido, o ECA representa uma mudança de paradigma na área da infância e da juventude, na medida em que incorpora uma nova concepção de criança e adolescente – como sujeitos de direitos – na perspectiva da proteção integral, em contraposição à concepção anterior, em que eram definidos por suas carências. Pensar a infância e a adolescência nessa perspectiva significa reconhecer que, nessa fase da vida, crianças e adolescentes necessitam de atendimento e cuidados especiais para se desenvolver plenamente; e essas necessidades constituem direitos do conjunto desse segmento social, sem discriminação de qualquer tipo.
O principal aspecto do ECA é especificar os direitos da criança e do adolescente no que diz respeito à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à educação, à cultura, ao esporte e lazer, e à profissionalização e à proteção no trabalho. Além disso, explicita claramente a condenação legal contra toda e qualquer forma de ameaça ou violação dos direitos, sob forma de violência, exploração, discriminação ou negligência, responsabilizando o poder público pela implementação de políticas sociais “que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (Art. 7º). O Estatuto também assegura às crianças e adolescentes o direito à convivência comunitária e familiar, à livre expressão de opiniões e crenças; o direito de brincar, de praticar esportes e de se divertir. Cabe aos adultos preservar-lhes a integridade física, moral e psíquica, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento ou constrangedor.
Dois direitos assegurados pelo ECA, em especial, interessam-nos aqui: o direito à educação e à proteção no trabalho. Entre os maiores ganhos do Estatuto está o reconhecimento do princípio da centralidade da educação. O direito à educação como direito do cidadão criança e adolescente e como dever do Estado e da sociedade tem sido um instrumento poderoso na exigência do direito de acesso à escola pública e gratuita, próxima da residência, em igualdade de condições de acesso e permanência, assegurando-se também o direito a programas suplementares de material didático-escolar, transporte escolar, alimentação e assistência à saúde.
Cabe ao Estado oferecer ensino fundamental, obrigatório e gratuito, buscar a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade para o ensino médio, além de assegurar a oferta de creche e pré-escola para as crianças de até 6 anos. O Estatuto determina ainda que deve ser oferecido ao adolescente trabalhador ensino noturno regular e atendimento especializado para os portadores de necessidades especiais, estabelecendo a obrigação dos pais de matricular seus filhos na escola e definindo como direito dos responsáveis participar da questão referente às propostas educacionais. Na perspectiva aqui adotada, esse direito é tão importante que é tratado em tópico à parte, adiante.
No que se refere ao trabalho, o capítulo V do ECA é inteiramente dedicado ao tema. Embora o Estatuto tenha definido a idade mínima de 14 anos para a admissão ao trabalho, a legislação posterior determinou a idade mínima de 16 anos; o trabalho da criança de 0 a 14 anos permanece terminantemente proibido; e ao adolescente entre os 14 e 16 anos é facultado o trabalho na condição de aprendiz.
Ao ingressar em um emprego, o adolescente maior de 16 anos tem todos os direitos assegurados ao trabalhador na CLT (carteira de trabalho assinada, salário, repouso semanal remunerado, férias, recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, direitos previdenciários etc.).
É possível o adolescente com mais de 14 anos trabalhar como aprendiz, sendo a aprendizagem realizada pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem instalados em todo o país, por organizações credenciadas de ensino profissionalizante ou na própria empresa, desde que supervisionada pelos órgãos públicos responsáveis das Secretarias de Educação e Delegacias do Trabalho e que sejam observadas as regras de proteção ao trabalho previstas na CLT. O Estatuto determina, porém, em seu artigo 68 sobre o trabalho educativo, que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevaleçam sobre o aspecto produtivo.
A única possibilidade de trabalho para o adolescente sem vínculo de emprego é a condição de estagiário. Mas essa forma de aprendizagem profissional é regida por legislação específica, que estabelece, entre outras coisas, que haja compatibilidade entre a atividade do estágio (“parte prática”) e o horário escolar (“parte teórica”), não devendo a jornada de estágio ultrapassar seis horas diárias, objetivando priorizar a freqüência à escola diurna.
Para fazer valer os direitos que arrola, o ECA também determina a criação de um sistema de garantia de direitos e de proteção integral, o que significa dizer que não apenas descreve os direitos, mas cria mecanismos para que os mesmos possam ser assegurados na prática. A proteção integral obriga a que todas as políticas sociais se articulem para viabilizar o atendimento às necessidades da criança e do adolescente. A exigibilidade torna legítima a defesa comunitária desse atendimento por meio dos Conselhos de Direitos (nacional, estaduais e municipais) e dos Conselhos Tutelares. Cabe aos Conselhos de Direitos formular e definir políticas públicas para a infância e juventude, financiadas com recursos da União, dos estados e municípios. Em cada município deve haver um Conselho Municipal e um Fundo da Criança e do Adolescente. Apesar de serem instrumentos democráticos, é preciso fiscalizar as políticas formuladas pelos conselhos, bem como o destino dos recursos do Fundo.
Os Conselhos Tutelares são órgãos autônomos e permanentes, encarregados de garantir o respeito aos direitos de todas as crianças e adolescentes. É composto por cinco membros eleitos pela própria comunidade que têm como atribuições, dentre outras, atender crianças e adolescentes cujos direitos foram ameaçados ou violados, aplicando as devidas medidas de proteção; atender e aconselhar pais e responsáveis; requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. Vale lembrar que somente a autoridade judiciária tem poder para rever as decisões do Conselho Tutelar (mais de uma década depois da promulgação do ECA, porém, o papel dos conselheiros de direitos e tutelares ainda é pouco entendido por diversos setores da sociedade).
O Estatuto institui pois direitos dos quais não podemos abrir mão – e tampouco podemos deixar de lutar para sua efetiva implementação.
3.3 Aspectos mais relevantes da legislação nacional e trabalhista do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto, em seus 267 artigos, garante os direitos e deveres de cidadania a crianças e adolescentes, determinando ainda a responsabilidade dessa garantia aos setores que compõem a sociedade, sejam estes a família, o Estado ou a Comunidade.
3.3.1 Artigos do Estatuto relacionados ao trabalho do menor
A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê, em seus artigos 60 a 69, o direito à profissionalização e à proteção no trabalho, regulando as conquistas consubstanciadas na Constituição Federal em favor da infância e da juventude, introduzindo inovações importantes no tratamento dessa questão. Assim, proceder-se-á, em seguida, a um rápido exame desses dispositivos, realçando aspectos referentes ao interesse do presente estudo.
O artigo 60 do Estatuto reproduz a proibição assentada em sede constitucional de contrato de trabalho de qualquer ordem à pessoa menor de 14 anos, abrindo a única exceção para os aprendizes. Vale dizer, então, que a capacidade jurídico-laborista dos 14 aos 18 incompletos é relativa, sendo plena a partir dos 18 anos. Obviamente, o artigo 402 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT sofreu derrogação no que diz 12 anos, para entender-se, a partir da Constituição Federal/88, 14 anos como idade mínima exigida na relação trabalhista: “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”.
Quanto ao artigo 61 da Lei nº 8.069/90 deve-se asseverar que a legislação especial nele referida é a CLT que no Título II, Capítulo IV, artigos 402 usque 441, trata do trabalho do “menor”. Tem-se aqui uma hipótese de convalidação do ordenamento jurídico infraconstitucional preexistente, posto que compatível com a nova Carta Magna, que lhe confere novo fundamento de validade, nos moldes da teoria da recepção: “A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei”.
Com alusão ao artigo 62 da lei estatutista tem-se a definição de aprendizagem que estende o conceito de aprendiz estabelecido no artigo 80, parágrafo único da CLT: “sujeito à formação metódica do ofício em que exerça o seu trabalho”. Nesse dispositivo, cuidou o legislador estatutário de não olvidar o permissivo constitucional para o trabalho do menor de 14 anos somente na condição de aprendiz. Adicione-se o fixado no artigo 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, nos moldes do SENAI e do SENAC: “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”.
Por seu turno, o artigo 63 do Estatuto regula o cumprimento do artigo 227, § 3º, inciso III da Constituição Federal/88, determinando que a aprendizagem profissional respeitará as condições peculiares do adolescente como pessoa em fase de desenvolvimento, posto que a carga horária não prejudicará a participação regular do aluno na sua escola.
Art. 63. A formação técnico-profissional obedecerá aos seguintes princípios:
I – garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;
II – atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
III – horário especial para o exercício das atividades.
No que concerne ao artigo 64 da Lei nº 8.069/90 extraí-se a garantia de bolsa de aprendizagem até o adolescente completar 14 anos: “Ao adolescente até quatorze anos de idade é assegurada bolsa de aprendizagem”.
O artigo 65 da lei estatutista exclui do seguro social aquele “menor” que estiver entre 12 e 14 anos, já que o direito à previdência social e à proteção trabalhista é devido aos aprendizes com 14 anos ou mais de idade, na forma dos artigos 194 e 203 da Constituição Federal de 1988: “Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”.
Com referência ao artigo 66 da lei estatutária obtém-se a garantia de que o trabalho do adolescente hipossuficiente terá de ser compatível com suas condições pessoais, de modo a não lhe agravar a deficiência nem prejudicar a sua reabilitação, seguindo-se os contornos ditados no artigo 227, § 1º, inciso II da Constituição Federal/88: “Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido”.
Por sua vez, o artigo 67 do Estatuto proíbe, terminantemente, a realização de trabalho pelo adolescente que possa importar em risco e agressão à sua vida, à sua saúde e à sua dignidade, dando-se azo à determinação de proteção especial ao adolescente trabalhador fixada na Constituição Federal/88 (artigos 7º, inciso XXXIII e 227, caput).
Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:
I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;
II – perigoso, insalubre ou penoso;
III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
Quanto ao artigo 68 da Lei nº 8.069/90, constata-se que ele trata da atividade exercida na execução prática de programa de ação social promovida por entidade pública ou particular ou ainda classista, sem finalidade de lucro. No § 1º exige-se que seja ministrado ao adolescente ensinamento que o prepare para o mercado de trabalho; no § 2º, faz-se previsão de estímulo econômico ao educando.
Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.
§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.
§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.
Finalmente, o artigo 69 do Estatuto repete, a título de um autêntico corolário, o direito à profissionalização e à proteção no trabalho conferidos ao adolescente, primeiramente pelo legislador constituinte de 1988 e, posteriormente, pelo legislador da lei destinada especialmente a disciplinar a proteção integral à criança e ao adolescente.
Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:
I – respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
II – capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
O Estatuto institui nos artigos elencados acima, relacionados ao trabalho do menor, direitos dos quais não devemos abrir mão – e tampouco podemos deixar de lutar para sua efetiva implementação.
3.3.2 Perspectivas de modernização do ECA
O estatuto é mais do que uma lei: é uma lei moderna, fundamentada nas diversas declarações e convenções dos Direitos Humanos, que marcaram a segunda metade do século XX que, há dezesseis anos, decidiu dar às suas crianças e aos seus adolescentes o que de melhor existia em recursos, criatividade, respeito, e prioridade absoluta.
É uma lei transformadora e portanto desafiadora, como as convenções que a fundamentaram e como todos os tratados que, neste século, vieram propor a efetivação dos direitos humanos para todos.
Portanto o cumprimento dos 267 artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser considerado um desafio para todos. Iludem-se aqueles que pensam que a promulgação de uma lei é o suficiente para transformar uma sociedade. O Estatuto propõe direitos iguais para todas as crianças e a garantia de um crescimento e desenvolvimento saudável do ponto de vista social, psicológico e biológico.
O ECA, nesses 16 anos de existência, consolidou-se como o grande desafio para a sociedade brasileira. Os seus fundamentos não podem ser mudados pois se estaria indo contra os movimentos universais de justiça.
Temos avançado na proteção integral de crianças e adolescentes como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. O assistencialismo e o paternalismo tão tradicionais na sociedade vêm sendo substituídos, aos poucos, por ações duradouras, frutos de parcerias entre o Estado, a sociedade em geral e as empresas. A visão da criança e do adolescente como seres humanos em desenvolvimento (e não adultos pequenos), sujeitos de direitos específicos (e não objetos apenas de proteção através da sua exclusão da sociedade), vem se sedimentando, aos poucos.
O reconhecimento da família como foco maior de atenção dos governos é ainda um grande desafio. Mas em todas as áreas – drogas, violência, exploração sexual, abandono – cada vez mais está se impondo a necessidade de municipalização das ações, para que se chegue o mais precocemente possível àquelas famílias com maior potencial de risco.
Avançamos no Brasil, nos últimos anos, no combate ao trabalho infantil. A tarefa da sociedade é maior que uma lei por melhor que ela seja. A nossa tarefa é mudar, transformar, antes de tudo uma sociedade extremamente injusta social e economicamente. A desigualdade, mais que a miséria ou pobreza, é o grande fator que favorece a violência em todas as suas formas.
O grande desafio é nosso. Crianças para bem se desenvolverem necessitam se sentir amadas desde o nascimento (ou até antes), necessitam de apoio, de incentivo, de reconhecimento, de carinho, de autoridade sem autoritarismo, de limites bem estabelecidos, de pais seguros e firmes nas suas decisões, mas afetuosos até onde os seus próprios limites permitem.
Que a perplexidade da sociedade diante das situações a que estamos todos sujeitos e que o peso dos grandes problemas estruturais do Brasil, não nos imobilizem e não sepultem nossa capacidade de indignação. E o melhor fio condutor de nossas ações deve ser o cumprimento das leis.
Conclusão
O escopo deste trabalho foi mostrar que os menores de 16 anos que laboram não são apenas estatísticas, são cidadãos brasileiros; não são meras alegações em um pedaço de papel, é a realidade pátria.
Não é nosso intuito transformar crianças e adolescentes em trabalhadores, entretanto a realidade que nos circunda mostra-nos que a idade em que os menores trabalham por necessidade e não por opção é bem menor do que o fantasioso limite de 16 anos.
Refletir sobre soluções que, de alguma maneira, enfrentem a realidade do trabalho infantil implica, principalmente, discutir a urgência de uma política econômica que redistribua a renda de maneira mais justa, promovendo as reformas estruturais necessárias e implantando programas específicos para as famílias em situação de pobreza extrema, para erradicar de maneira definitiva a prática do trabalho infantil no país. Tais medidas devem estender a todos os brasileiros condições dignas de moradia, uma educação pública de qualidade e um sistema de saúde eficiente.
Essas são ações de caráter político-institucional, mas muito também pode ser feito no cotidiano, por cidadãos comuns. Não basta discutir e refletir sobre as condições em que uma imensa parcela de crianças e jovens estão sendo precocemente inseridos no mundo do trabalho. É preciso agir e propiciar condições para que o problema seja efetivamente resolvido. Cada qual com sua parcela de contribuição e responsabilidade, governos, empregadores, trabalhadores e suas organizações, organizações da sociedade civil e as próprias famílias devem empenhar-se no objetivo comum de garantir a todas as crianças e adolescentes os direitos assegurados na Constituição brasileira.
A análise da realidade fática que se vive no contexto nacional aponta para um flagrante desrespeito à obrigação de proteger o “menor” em seu trabalho, nos contornos fixados na legislação correspondente.
Diante do exposto, a exploração do trabalho infantil requer inúmeras mudanças por possuir em seu cerne questões culturais, econômicas, sociais e políticas que precisam, portanto, ser tratadas em conjunto para que haja um resultado efetivo. De nada adiantarão medidas isoladas, senão soluções temporárias.
Assevere-se, finalmente, que é necessário enfrentar a exploração do trabalho do “menor” imbuído do reconhecimento da delicada fase de vida em que ele se encontra e com a consciência de que não será exeqüível pedir desculpas ao tempo que se deixou escoar sem a devida atenção e resolução do problema, o qual se remete à constitucionalização dos direitos humanos consagrados ao segmento social que comporá a sociedade brasileira futura e que responderá por sua força laborativa, constatação essa que aprofunda a responsabilidade de todos (família, sociedade e Estado) na extirpação do problema em apreço e no compromisso de garantir uma mão-de-obra produtiva no futuro do Brasil.
Referências
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Christiani Alves de Almeida