A falácia da diminuição da maioridade penal

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Determinados setores da imprensa parecem fazer uma campanha constante a favor da diminuição da maioridade penal, que passaria de dezoito para dezesseis anos (existem propostas de diminuição até para quatorze anos de idade). São jornalistas que fazem um estilo popular, a exemplo de Gil Gomes, José Luiz Datena e Marcelo Rezende, ao explorarem o enorme potencial publicitário da criminalidade junto às classes sociais menos privilegiadas.

O apelo comercial do crime é tão grande que normalmente os veículos de comunicação que exploram tal filão são líderes de audiência ou de vendas em suas respectivas áreas, o que cria um círculo vicioso: não se sabe se a imprensa se foca no tema porque a violência vende ou se a violência vende porque a mídia se foca no tema. Em vista disso, se a violência é vendida como fato diário, a diminuição da maioridade penal é apresentada como remédio que pelo menos acabaria com a impunidade caso não diminuísse o índice de criminalidade nessa faixa etária.

É exatamente nos períodos eleitorais em que esse discurso ganha maior corpo, já que alguns políticos usam a redução da maioridade penal como plataforma política. É o caso do senador Romero Jucá e do ex-senador e atual deputado federal José Roberto Arruda, entre outros que apresentaram projetos de emenda à Constituição Federal nesse sentido.

O crescimento da violência nos últimos anos aumenta de forma significativa as chances de aprovação de uma emenda constitucional modificando a maioridade penal, já que de um lado as políticas públicas de segurança não têm surtido o efeito esperado e de outro o envolvimento dos menores com o crime é cada vez maior tendo em vista a falta de perspectiva econômica e social. Ao se sentirem pressionados pela população e pela imprensa não é improvável que os políticos cedam ao discurso fácil de que a mudança na maioridade penal pode modificar a ordem social, em uma tentativa de dar satisfação às reivindicações sociais da forma mais rápida possível.

O tema é instigante e dá ensejo a diversas colocações e esclarecimentos.

O primeiro questionamento diz respeito aos impactos que essa mudança poderia trazer para a sociedade. Ninguém em são consciência apostaria que a modificação da maioridade penal pode efetivamente diminuir o índice de criminalidade entre os jovens.

Aliás, a idéia de relacionar a diminuição da impunidade ou da ocorrência de crimes ao aumento das penas já é tratada como um mito. Na verdade, é muito mais provável que os impactos causados por essa mudança sejam negativos.

É sabido que o sistema carcerário está falido e que ao longo do tempo tem se transformado em uma verdadeira universidade do crime. Se com a adoção das medidas indicadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não existe certeza de que o menor infrator poderá se ressocializar, a pena de prisão é a certeza de que aquele jovem se tornará realmente um criminoso.

Provavelmente a diminuição da maioridade penal faria o efeito oposto ao propagado pelos seus defensores, realimentando o ciclo de violência e aumentando a criminalidade. É nesse contexto que aos menores de dezoito anos se aplicam medidas protetivas e medidas sócio-educativas, inclusive com a internação do menor infrator, não se devendo confundir impunidade com a falta de responsabilização criminal dos menores.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina para os menores de idade que cometerem infração penal um regime especial que inclui também medidas sócio-educativas que podem atingir até a própria privação da liberdade pelo limite máximo de três anos. A esse respeito, José Cordeiro Santiago[1] fala o seguinte:

Em comparação a um réu adulto, primário e de bons antecedentes, para que o mesmo permanecesse três anos recluso em estabelecimento prisional fechado, teria que ter sido condenado à pena de dezoito anos, cumprindo somente a sexta parte, segundo a progressão da pena.

Com efeito, verifica-se uma discrepância grande, pois muitas vezes o adolescente primário condenado por roubo qualificado fica recluso em uma Unidade “Educacional” por mais de dois anos, enquanto que o condenado na esfera penal comum, pelo mesmo crime, com as mesmas circunstâncias pessoais, via de regra, não excede a 6 anos e, portanto, pode iniciar o cumprimento da pena diretamente em regime semi-aberto ( artigo33, §2º, alínea “b” do Código Penal). Na pior da hipóteses, se condenado em regime fechado, cumprirá apenas 1 ano (1/6 da pena- Instituto da Progressão da Pena), contrariamente ao adolescente, que amargará cerca de dois anos em regime totalmente fechado tão degradante, odioso e violento quanto o regime prisional comum.

A maioridade penal é estipulada em dezoito anos por se tratar do período em que o indivíduo completa o seu desenvolvimento psíquico-social e, conseqüentemente, passa a responder integralmente por todos os seus atos praticados na sociedade, de forma que a legislação brasileira adota o critério biológico para auferir a compreensão do ilícito por parte do jovem infrator. Sendo assim, têm razão os defensores do estatuto de Criança e do Adolescente ao afirmarem que a proposta reducionista da maioridade penal consiste em um retrocesso social que determinadores setores querem impor a uma sociedade que clama por maior segurança a qualquer custo.

Na verdade, seria mais correto se esses setores exigissem do Estado a disponibilização dos recursos necessários à adequada implementação das políticas públicas estabelecidas pelo Estatuto de Criança e do Adolescente, no sentido de procurar reintegrar esses menores à sociedade. Se essa política pública não tem obtido êxito, a razão é exatamente a falta de alocação dos recursos por parte do Poder Público, que parece não compreender que a Constituição Federal coloca a criança e o adolescente como prioridade absoluta para o Estado e para a sociedade.

 

Nota:
[1] SANTIAGO, José Cordeiro. Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1644>. Acesso em: document.write(capturado()); 22 abr. 2006.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Talden Queiroz Farias

 

Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba