O exercício do poder pela administração pública: Considerações acerca da limitação da liberdade do particular e o Poder de Polícia

Resumo: O texto aborda as características do regime jurídico público na utilização do poder pela Administração Pública. Sabe-se que há legitimação legal para a utilização da força pelo Estado e esta utilização, como instrumento para consecução dos fins sociais, não deve ser implementada sem critérios e medidas, mas sim, a partir de delineamentos constitucionais e legais que proporcionem a legalidade, igualdade e justiça. Deste modo, abordar-se-ão os institutos dos Poderes da Administração Pública, os critérios para a submissão a lei e combate ao abuso de poder, a teoria dos motivos determinantes e a sua essencialidade na exteriorização do Poder de Policia, bem como a diferenciação deste em relação a Polícia Judiciária.


Palavras chave: Administração Pública, Poder de Polícia, Abuso de Poder, Polícia Administrativa.


Abstract: This paper addresses the characteristics of the legal public use of power by public authorities. It is known that there is legal legitimization for the use of force by the state and use this as a tool for achieving social goals, should not be implemented without criteria and measures, but rather from constitutional and legal designs that provide the legal, equality and justice. Thus, addressing will be the offices of the Authority of Public Administration, the criteria for submission to the law and fight against abuse of power, the theory of motives for their essentiality and the externalization of police power and the differentiation of for the Judicial Police.


Keywords: Public Administration, Power of Police, Abuse of Power, Police Administration.


Sumário: Introdução; 2 As prerrogativas e obrigações na atuação da Administração Pública: apontamentos sobre o abuso de autoridade; 3 A atuação discricionária da Administração Pública: a exteriorização dos motivos e a teoria dos motivos determinantes; 4 A Administração Pública e os instrumentos para limitação das atividades do particular: o exercício do poder de polícia; 4.1 Polícia administrativa e polícia judiciária: elementos de diferenciação; Considerações finais; Referências bibliográficas.


Introdução


Pode-se afirmar que a Administração Pública tem como fim principal a busca do interesse público. Em virtude de seus fins, obviamente delineados na lei, o Estado tem um regime jurídico diferenciado, em razão desse mesmo fim a ser buscado. Por este motivo são erigidos princípios basilares que impõem à atuação do Estado (Administração Pública): a supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público.


Cabe ressaltar que a doutrina administrativa faz a diferenciação entre interesse público primário e interesse público secundário. Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, este diz respeito aos interesses do administrador público no exercício de suas atribuições, enquanto aquele é o interesse da coletividade, que deve sempre prevalecer, de molde a se ajustar com a real necessidade da atuação estatal e dos princípios de cidadania e democracia.


Desta forma, a Administração Pública (Administração Direta) realiza através de seus órgãos e agentes os serviços públicos, promovendo a partir da descentralização (criação da Administração Indireta) a especialização dos serviços, no intuito de promover e conseguir os objetivos constitucionais de eficiência, que detêm do mesmo modo as prerrogativas e obrigações determinadas pela lei aos entes políticos.


Nessa medida, cabe esclarecer que para a consecução do interesse público são disponibilizados instrumentos aos agentes públicos para alcançar o interesse público de uma forma mais satisfatória, através das atividades de fomento, prestação de serviços públicos, exercício do poder de polícia, regulação das atividades dos particulares, inter alia.


Como supedâneo do princípio da legalidade, os agentes só podem agir quando houver lei autorizando ou determinando a conduta, conclui-se que o exercício dos poderes, bem como seus limites, estão na lei.


Na lei estão previstos aspectos como competência e utilização das ferramentas administrativas para se perseguir o interesse público (proporcionalidade, necessidade, eficiência). Os poderes não deixam de ser competências legais ou constitucionais (por exemplo, o exercício do poder regulamentar, parte do poder hierárquico, etc.).


2 As prerrogativas e obrigações na atuação da Administração Pública: apontamentos sobre o abuso de autoridade.


São características dos poderes da Administração Pública, o caráter instrumental (ferramentas para conseguir o interesse Público); serem de exercício obrigatório (não é mera faculdade); o aspecto dúplice dos poderes: poder-dever ou dever-poder (Celso Antonio B. Melo), nessa medida, as obrigações são mais importantes do que a prerrogativas; são irrenunciáveis (em nome e no interesse do povo).


Outro importante fator a ser considerado quanto ao exercício dos poderes da administração é a responsabilização quanto aos atos praticados. Na ação, ou seja, no exercício positivo dos poderes, pode o administrador agir em desobediência aos limites impostos na lei; ou ainda, atuar de maneira omissa, através do não exercício das atribuições determinadas na lei (omissões específicas), o que pode ensejar responsabilidade do agente e do Estado.


Para proteger o interesse público, pode o administrado ingressar com ação e requerer ao juiz que determine que se faça.


Desta forma, pode o administrador responder pelos seus atos irregulares nas esferas administrativa, (através de processo administrativo que podem ensejar também a persecução por atos de improbidade, conforme delineado na Lei nº. 8.429 de 1992), civil ou criminal.


Assim, abuso de poder é o exercício ilegítimo dos poderes conferidos pela lei ao administrador público (desrespeito aos limites da lei), pode ocorrer das seguintes formas: excesso de poder e desvio de finalidade.


O Excesso de poder se configura quando o agente ultrapassa os limites legais ou constitucionais (para o caso de agentes políticos) de sua competência. Por exemplo, quando a autoridade superior em processo disciplinar aplica penalidade não prevista no estatuto do servidor, por exemplo, uma suspensão de direitos políticos. Houve excesso de poder disciplinar.


O agente é competente para realizar o ato até certo ponto, quando avança passa a ser incompetente e, nesse momento, ultrapassa os limites legais de sua competência viciando o ato por excesso de poder. Com o excesso haverá violação ao princípio da legalidade


O Desvio de Poder ocorre quando o agente apesar de competente para a prática do ato, o faz buscando outra finalidade que não o interesse público.  Nesse caso não há violação à legalidade, pois o agente é competente. Aparentemente o ato é legal e sem qualquer vício. Por exemplo, há a expedição de ato de desapropriação, cujo agente competente é o prefeito, através da forma determinada na lei, o decreto, entretanto, o motivo real para a existência do ato é perseguição política.


Para se perquirir da existência real do desvio de poder a única forma é vislumbrar os sintomas denunciadores do desvio, que na pratica são muito difíceis, a violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade.


3 A atuação discricionária da Administração Pública: a exteriorização dos motivos e a teoria dos motivos determinantes


Quanto ao grau de liberdade do administrador publico na expedição de seus atos e no exercício de suas funções, pode-se dizer que os atos são divididos em vinculado e discricionário.


Para Di Pietro, os chamados poderes discricionário e vinculado, não existem como poderes autônomos, sendo apenas atributos de outros poderes ou competências da Administração.


Para Hely Lopes, tal classificação dos poderes existe e eles são encarados sim como poderes autônomos. Para Celso A. B. Melo não existe um Poder Discricionário, mas sim atos em que há competência discricionária e atos em que a atuação é vinculada.


No exercício do poder vinculado, o administrador não tem liberdade de escolha, juízo de valor, oportunidade ou conveniência, há tipificação objetiva e clara. Encerra, portanto, não uma prerrogativa, mas uma restrição à atuação, ou seja, o seu exercício está sujeito a lei em todos os aspectos.


Preenchidos os requisitos legais, o administrador é obrigado a praticar o ato, por exemplo, a concessão de aposentadoria a um servidor público que preenche todos os requisitos legais.


No exercício do poder discricionário, o administrador tem liberdade (oportunidade e conveniência), podendo exercer juízo de valor. Tendo inserido em seu bojo a ideia de prerrogativa, pois deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Administração diante do caso concreto.


Os atos administrativos são compostos por elementos: Competência, Forma, Motivo, Objeto e Finalidade, terá, pois discricionariedade (exercício dos juízos de conveniência e oportunidade) nos elementos motivo e objeto.


Os critérios, podem ser esclarecidos da seguinte maneira: na conveniência, o agente analisa se há interesse público que justifique a produção do ato administrativo; na oportunidade, O agente analisa a partir de que instante o interesse público reconhecido deve ser satisfeito.


O Poder Judiciário pode, através dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, controlar o exercício deste poder, declarando a ilegalidade do ato que viole estes princípios.


Para que haja a possibilidade de controle no exercício de suas atribuições, o administrador público deve explicitar os motivos de suas decisões. O motivo a ser exposto na atuação do Estado nada mais é do que os fatos e fundamentos jurídicos que levaram a pratica do ato.


Por exemplo, na expedição de um ato administrativo que determina o fechamento de fábrica poluente, as razões de fato são o fato de a fábrica ser uma poluidora do meio ambiente; os fundamentos jurídicos que fundamentam tal atitude é a legislação ambiental que impende pela proteção do meio ambiente da poluição, permitindo que haja o cancelamento de atividades que degradam o ambiente. O Motivo deve sempre respeitar o princípio da legalidade.


Neste sentido, o motivo deve ter os caracteres da materialidade, devendo ser verdadeiro e existir (motivo falso é ilegal e deve ser retirado do ordenamento); compatibilidade, entre o ato praticado e o motivo previsto na lei (motivo declarado = tipicidade administrativa); Compatibilidade com o resultado do ato, o motivo do ato deve ter compatibilidade com a situação de fato.


Em razão desta obrigatoriedade de externarem-se os motivos que levaram a pratica do ato e também em virtude da existência das características supra mencionadas, a doutrina administrativa construiu a teoria dos motivos determinantes que preconiza que uma vez declarado o motivo ele vai ter de ser cumprido, portanto, vincula o administrador ao motivo declarado. Se por acaso o administrador exonera servidor com a razão de excesso de despesas (art. 169, da LRF), no dia seguinte, ele não pode contratar pessoas para a mesma função (se o motivo falso, não há como cumprir os motivos, que são determinantes). Como o motivo é falso (ilegal), não deve ser obedecido.


A única exceção a teoria dos motivos determinantes diz respeito ao instituto da tresdetinação, em que a própria lei abre a possibilidade de alteração dos motivos explicitados pelo administrador na edição de seus atos (Dec.-lei nº 3365/41). Na desapropriação, pode haver a mudança de motivos autorizada pela lei, quando mantida a razão de interesse público, por exemplo, o administrador desapropria para fazer escola e faz hospital (vice-versa), nesta situação o motivo que foi alterado respeita ainda o interesse público, e este interesse é que deve determinar a atuação da Administração.


Pela motivação, o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática. Portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda.


A Teoria dos Motivos Determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos; tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato. Por aí se conclui que, nos atos vinculados, a motivação é obrigatória; nos discricionários, quando facultativa, se for feita, atua como elemento vinculante da Administração aos motivos declarados, como determinantes do ato; se tais motivos são falsos ou inexistentes, nulo é o ato praticado.


4 A Administração Pública e os instrumentos para limitação das atividades do particular: o exercício do poder de polícia


Quando da atuação da administração pública como reguladora das atividades particulares, impondo limites a propriedade e liberdade da atuação particular, tem-se o que se denomina exercício do poder de polícia.


O poder de policia é a prerrogativa que tem o Estado para restringir, limitar, frenar a atuação do particular, em nome do interesse público, sempre em busca do bem estar social e através da compatibilização de interesses (interesse público interesse privado).


O poder de polícia é conceituado pela própria legislação como sendo


“Art. 78. CTN: Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (sic).”


Portanto, cabe ressaltar que o poder de policia não exclui o direito do particular, ele define o exercício desses direitos, não atingindo a pessoa, mas sim os direitos, interesses, atividades ou bens do particular.


Na atuação pública de limitação às atividades do particular não há obrigação de indenizar, podendo inclusive, no exercício do poder de polícia, cobrar taxa de polícia (que é um tributo vinculado a contraprestação estatal).


4.1 Polícia administrativa e polícia judiciária: elementos de diferenciação


Ressalta-se, pois, as característica da polícia administrativa, que tem, via de regra, caráter preventivo, em geral, fiscalizador; pode ser exercido pelas autoridades administrativas ou pelas polícias (inúmeros órgãos – toda a Administração Pública); atua sobre bens, direitos e atividades; age, portanto, sobre ilícitos administrativos. Enquanto que a polícia judiciária tem caráter repressivo, via de regra; é exercida por corporações especiais, tais como a Polícia Civil e Militar; atua sobre as pessoas de modo a garantir a aplicação da lei penal.


Os meios de atuação da Administração Pública na efetivação do interesse público, através do exercício do poder de polícia, externa-se de inúmeras formas, como por exemplo, por meio de atos concretos, que tem destinatário específico, como na interdição de restaurante determinado; atos gerais que não tem destinatário específico, a exemplo da proibição de soltar balões em festa junina que se destina a todos os habitantes de uma determinada cidade; preventiva, através de autorizações e licenças; fiscalização, por meio de vistorias, inspeções e exames; repressivos, quando a administração aplica uma multa, embargo, intervenção na atividade, apreensões.


Deste modo, por atingir a esfera de direitos do indivíduo, o poder de polícia tem limites que impendem para a perseguição contínua do interesse público.


Considerações finais


Como visto, na atuação da Administração Pública, a lei confere prerrogativas que se impõe para o bom exercício das atividades do Estado que visam a efetivação do interesse público.


Nesta medida, o administrador público deve respeitar os limites legais e os motivos que a própria lei explicita de molde a manter a probidade administrativa.


Como sucedâneo para esta atuação proba e legal, impõe-se que o agente público exteriorize sempre os motivos que determinaram a sua atuação, possibilitando ao cidadão ter conhecimentos dos motivos determinantes para atuação do Estado, bem como possibilite àqueles que se sentirem prejudicados a busca nas vias cabíveis a efetivação de seus direitos. Surge, deste modo, a teoria dos motivos determinantes, que vinculam o administrador aos motivos que foram exteriorizados na pratica dos seus atos e impede que os atos administrativos sejam utilizados como forma de se suprimir direitos dos cidadãos.


Assim, no poder de polícia deve ser observada a necessidade das medidas, utilizado para evitar ameaças reais ou prováveis que violem o interesse da coletividade; a proporcionalidade, onde se deve ponderar entre a proteção ao interesse público e a limitação do direito de liberdade e propriedade; eficácia, que determina que tem de ser observada a medida mais adequada quantitativa e qualitativamente para a tutela do interesse público.


Sem dúvidas, deve ser mantido sempre o respeito aos direitos do cidadão, as liberdades públicas e prerrogativas individuais previstas na Constituição Federal brasileira de 1988.


 


Referências bibliográficas

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19 ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

ANDRADE, Flavia Cristina Moura de. Elementos do direito administrativo. 2 ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 13 ed. rev. atual. São Paulo: Impetus, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


Informações Sobre o Autor

Jailton Macena de Araújo

Mestre em Ciências Jurídicas área de concentração Direito Econmico pela Universidade Federal da Paraíba 2011 aprovado “com distinção”. Especialista em Direito Processual pela Universidade Anhanguera – UNIDERP 2010. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande 2007. Professor da Universidade Federal de Campina Grande. Advogado – Ordem dos Advogados do Brasil. Associado ao CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito e à SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Tem experiência na área de Direito Público com ênfase em Direito Administrativo atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas Constituição dignidade da pessoa humana direitos sociais e desenvolvimento socioeconmico.


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