A fase de investigação social nos concursos público: moralidade administrativa x proibições causuísticas

Resumo: Trata-se de um estudo sobre a fase de investigação social presente em alguns certames públicos, bem como dos critérios utilizados para aferição do requisito da idoneidade moral, à luz dos princípios que regem nosso ordenamento jurídico. Baseado nos princípios da vedação de proibições casuísticas, da moralidade administrativa e os que deles decorrem, este estudo explana de forma reflexiva o requisito da investigação da vida pregressa presentes nos editais de alguns concursos públicos, aplicando estes às pessoas que já cumpriram penas. De forma, a saber, se este requisito é aplicado com observância aos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito. Ainda assim busca-se verificar se esta previsão do requisito moral para a investidura em certos cargos públicos está pautada em critérios objetivos ou em critérios meramente subjetivos, o qual se for o caso abrem precedentes para decisões arbitrárias por parte da Administração Pública. Verifica-se também se a aplicação e a interpretação dada pelo Estado ao princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo nº 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, da forma que é sustentada em tal fase do certame é coerente.

Palavras-chave: Investigação social; concursos públicos; moralidade administrativa; proibições casuísticas; reabilitado; direitos humanos.

Abstract: It is a study about the state of social research that exist in the public affair, as the criteria that is used for measuring the requirement of good moral character, in the light of the principles governing our legal system. Based on the principles sealing casuistic prohibitions, of the administrative morality and resulting therefrom, this study explains in a reflexively way the requirement of investigating past life present in some public notices, applying these to people who have already served sentences, in order to know if this requirement is applied in compliance with the fundamental principles of a democratic state. Yet we seek to determine whether this prediction of the moral requirement for appointment to certain public offices are guided by objective criteria or merely subjective criteria, which in this case, will open precedents for arbitrary decisions by the Public Administration. It also appears that the application and interpretation by the State to the principle of administrative morality, provided for in Article 37 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, the way it is sustained in this phase of the event is consistent.

Keywords:  Social Research; tendering; administrative morality;  casuistic prohibitions; rehabilitated; human rights.

Sumário: 1. Introdução. 2. Investigação social. 2.1. Conceito. 3. Da pena. 3.1. Breve digressão histórica. 3.2. Das espécies de pena. 3.3. Da vedação das penas de caráter perpétuo. 3.3.1. Da vedação de penas de caráter perpétuo e os direitos políticos. 3.3.2. Da vedação de penas de caráter perpétuo e a lei da ficha limpa. 4. O condenado criminalmente pode concorrer a um cargo público e lograr éxito na fase de investigação social? 4.1. Da reintegração social. 4.1.1. Da reabilitação. 4.2. Do direito de ser esquecido. 5. Vedação de proibições casuísticas. 6. Princípio da moralidade administrativa. 8. Conclusão. Referências

1. INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo tem se observado que os indivíduos que já cumpriram penas carregam um estigma social, tal pessoa deixa de ser vista como um ser sociável capaz de desenvolver suas atividades normalmente e em regra é visto sempre como um potencial delinquente. Neste sentido, muitas vezes é posto de lado o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na CF/88, uma vez que muitos deles são postos à margem da sociedade, pois carregam em si um efeito perpétuo de suas penas.

Isto pode ser vislumbrado ao analisar criticamente alguns editais de concursos públicos, onde em sua fase de investigação social, o candidato pode ser eliminado do certame caso já tenha cumprido pena, mesmo que este tenha sido aprovado nas demais fases.

Outro ponto importante nesta problemática é a eliminação do candidato no certame, mesmo que além de já ter cumprido toda sua pena o mesmo não tenha praticado mais nenhum fato delituoso.

A investigação social ou de vida pregressa baseia-se em pesquisa dos antecedentes criminais, analisando também a conduta moral e social do candidato ao longo de sua vida, pois segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é livre o acesso aos cargos públicos uma vez atendidos os requisitos estabelecidos em lei (artigo 37, inciso I).

O artigo 37, inciso II da CF/88 ainda prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação prévia em concurso público, que poderá ser de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

No entanto, dentre tais fases do concurso público, a de investigação social tem causado controvérsias, pois por vezes se utiliza de critérios extremamente subjetivos para aferição de requisitos como idoneidade moral e conduta irrepreensível / ilibada, sendo esta prevista em lei como condição para investidura em certos cargos públicos.

Em análise desta temática observa-se a necessidade de um estudo reflexivo sobre a investigação social e seus efeitos nos certames públicos à luz da Constituição Federal, considerando o candidato um ser holístico, inserido na

sociedade, uma vez que tal efeito algumas das vezes é extremamente prejudicial para o concorrente ao cargo público, a exemplo de quando este é eliminado.

Ante ao exposto, questiona-se: Quais os critérios de avaliação da investigação social? existem critérios utilizados na investigação social que afrontam a constituição, bem como princípios humanitários?

Tal problemática se volta então para um estudo focado no ser, considerando-o não como um delinquente estigmatizado pela sociedade, mas como um ser capaz de ressocializar-se, sendo o Estado ator fundamental para persecução deste fim, bem como de um caráter perpétuo dos efeitos de suas penas.

Diante disto objetiva-se definir em que se baseia a fase de investigação social realizada em certames públicos, como critério eliminatório de candidatos que tenham cumprido pena, à luz da Constituição Federal.

Explanar sobre a ressocialização do ser, incluindo o papel do Estado neste processo, bem como romper o estigma do ser delinquente e o caráter perpétuo dos efeitos de suas penas.

Como ferramenta para o desenvolvimento desta monografia foi escolhido o método dedutivo de raciocínio, com base em revisão de doutrinas, artigos, jurisprudências e editais de certames públicos.

2. INVESTIGAÇÃO SOCIAL

2.1 Conceito

A atual Constituição da República Federativa do Brasil passou a tornar necessária a prévia aprovação em concurso público para o ingresso em cargos ou empregos na Administração Direta e Indireta, inclusive para pessoas jurídicas de direito privado que fazem parte da Administração Indireta. (ALEXANDRINO E PAULO, 2009).

O artigo 37, inciso II da CF/88 prevê que investidura depende da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

Todavia é na fase de investigação social que consiste nossa discussão, tal fase do certame baseia-se em verificar se o candidato incorreu em algum delito, não se retendo apenas a isto, ainda pode ser realizada uma análise das condutas morais e sociais no decorrer de sua vida. (BRASIL, STF, 2012).

Segundo o edital 11/2012 DGP/DPF são considerados fatos que afetam o procedimento irrepreensível e a idoneidade moral inatacável do candidato:

“I – habitualidade em descumprir obrigações legítimas; II – relacionamento ou exibição em público com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes criminais; III – vício de embriaguez; IV – uso de droga ilícita; V – prostituição; VI – prática de ato atentatório à moral e aos bons costumes; VII – prática habitual do jogo proibido; VIII – respondendo ou indiciado em inquérito policial, envolvido como autor em termo circunstanciado de ocorrência, ou respondendo a ação penal ou a procedimento administrativo-disciplinar; IX – demissão de cargo público e destituição de cargo em comissão, no exercício da função pública, em qualquer órgão da administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, mesmo que com base em legislação especial; X – demissão por justa causa nos termos da legislação trabalhista; XI – existência de registros criminais; XII – declaração falsa ou omissão de registro relevante sobre sua vida pregressa; XIII – outras condutas que revelem a falta de idoneidade moral do candidato.”

O edital, nº 2 – TRT 5ª REGIÃO – Juiz do Trabalho Substituto, de 21 de dezembro de 2012, também elenca no tópico 9.2.6 os casos de desabono moral, que são dentre outras as seguintes:

“São fatos que afetam o procedimento irrepreensível e a idoneidade moral do candidato: a) habitualidade em descumprir obrigações legítimas; b) relacionamento ou exibição em público com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes criminais; c) vício de embriaguez; d) uso de droga ilícita; e) prostituição; f) prática de ato atentatório à moral e aos bons costumes; g) prática habitual de jogo proibido; h) estar respondendo ou ter sido indiciado em inquérito policial ainda em curso, estar envolvido como autor em termo circunstanciado de ocorrência, ou estar respondendo a ação ou a procedimento administrativo-disciplinar; i) demissão de cargo público e destituição de cargo em comissão, no exercício da função pública, em qualquer órgão da administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, mesmo que com base em legislação especial; j) despedida por justa causa nos termos da legislação trabalhista; k) existência de registros criminais; l) declaração falsa ou omissão de registro relevante sobre sua vida pregressa; m) outras condutas que revelem a falta de idoneidade moral do candidato”.

Como pode se observar em epígrafe a investigação social realizada em alguns concursos públicos muitas vezes lança mão de critérios meramente subjetivos, sustentando que tais critérios estão pautados no princípio da moralidade administrativa, no entanto conforme será abordado em seguida, apesar do conceito de moral ser subjetivo, o princípio da moralidade administrativa deve ser pautado em critérios objetivos.

3. DA PENA

3.1. Breve Digressão Histórica

Afirma-se que os primeiros homens viviam em estado selvagem, no entanto, com o crescimento do gênero sentiram a necessidade natural de agrupar-se, resultando em algumas sociedades, logo seguidas por outras, pela necessidade de resistir à primeira. As Leis foram necessárias para que possibilitasse o convívio do homem em um agrupamento social, o qual inicialmente eram independentes e isolados. Diante disto o homem sacrificou parte de sua liberdade, assim podendo usufruir do restante de sua liberdade com segurança, à soma destas partes constitui a nação soberana, a quem incumbe garantir a segurança. (BECCARIA, 1764)

Surge então o que a doutrina considera como o Período da Vingança que está dividido em três fases, as quais podem ser representadas pela vingança privada, vingança divina e vingança pública, tais fases foram marcadas por sentimentos religiosos muito fortes, em seguida surge o Período Humanitário e posteriormente o Período Científico, será estudado sucintamente cada um destes.

Nas sociedades primitivas, eram tidas como divinas as reações naturais, quando tais reações eram tidas como negativas ou maléficas, isso era interpretado como uma manifestação divina (“totem”) revoltado com atos que deveriam ser corrigidos. O que levava a sociedade a punir o infrator para desagravar a divindade. Nesta época a pena tinha caracterizava a resposta da sociedade à agressão sofrida, desproporcional, sem perquirir a justiça, um período denominado de fase da vingança divina, por ter grande influência da religião, pois a repressão era a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. A punição deveria ser severa, a pena buscava salvar a alma do apenado através da purificação da alma. (BITENCOURT, 2010)

Posteriormente surge então o a vingança privada, em que a pena era imposta pelo grupo, a exemplo da Pena de Talião, ou a punição poderia ser uma reação pessoal/individual contra o criminoso. E logo em seguida surge a fase vingança pública, em que a pena é aplicada pelo soberano, que busca repelir a criminalidade, aplicando a justiça e a repressão, por meio de penas cruéis, torturas e muitas das vezes a pena de morte, almejava-se proteger o Estado a qualquer custo, com isso utilizavam-se de práticas intimatórias, efetivando essas penas por diversas vezes em via pública. (ALVES, 2010)

Chegando então no período humanitário com pensadores como: Cesare Beccaria, John Howard, Jeremias Bentham e outros os quais sustentavam que a pena deve ser proporcional ao crime, devendo ser levado em conta no julgamento a intenção do autor do fato e as circunstancias pessoais, devendo a pena aplicada ser menos cruel ao corpo do apenado, tal período influenciou profundamente o direito penal moderno. (BITENCOURT, 2010)

Michel Foucault foi um grande defensor da humanização da pena sustentando que os suplícios das penas não deveriam, mas ser carregados nos corpos dos apenados, em lição argumenta que:

“No suplício corporal, o terror era o suporte do exemplo: medo físico, pavor coletivo, imagens que devem ser gravadas na memória dos espectadores, como a marca na face ou no ombro do condenado. O suporte do exemplo, agora, é a lição, o discurso, o sinal decifrável, a encenação e a exposição da moralidade pública. Não é mais a restauração aterrorizante da soberania que vai sustentar a cerimônia do castigo, é a reativação do Código, o reforço coletivo da ligação entre a ideia do crime e a ideia da pena. Na punição, mais que a visão da presença do soberano, haverá a leitura das próprias leis. Estas haviam associado a tal crime tal castigo. Assim que o crime for cometido, e sem perda de tempo, virá a punição, traduzindo em ações o discurso da lei e mostrando que o Código, que liga as ideias, liga também as realidades”. (FOUCAULT, 2013, pg. 106)

3.2.Das Espécies de Pena

São duas as espécies de sanção penal a pena e a medida de segurança, todavia aqui será explanado apenas sobre a pena que tem como suas espécies as: privativas de liberdade, as restritivas de direito e multa. O Brasil adota como teoria, a eclética que afirmar que a pena tem como aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.

O código penal elenca como penas de interdição de direitos as seguintes:

“Art. 47 – As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. IV – proibição de frequentar determinados lugares. V – proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. Limitação de fim de semana Art. 48 – A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único – Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas. “(BRASIL, 1940)

Como o próprio nome diz tal interdição de direitos só pode ser aplicada de forma temporária, ou seja, só pode ser efetivada pelo tempo máximo estabelecido na condenação não podendo extrapolar, tão pouco perdura seus efeitos, no entanto, tal interdição não deve ser confundida com os efeitos do artigo 92 do código penal, uma vez que aquela se dirige aos condenados por delitos praticados com abuso ou violação no exercício do cargo, profissão, função, ofício ou atividade e este é consequência da condenação.

3.3. Da Vedação das Penas de Caráter Perpétuo

A Constituição da República Federativa Brasileira prevê em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”, que não haverá penas de caráter perpétuo, corroborando com esse entendimento o Código Penal sustenta que a pena máxima a ser aplicada não deve extrapolar os trinta anos.

Ademais tal vedação não é restrita apenas a esfera penal, repercute também nas demais esferas, inclusive a Suprema Corte já se posicionou em ser inadmissível a efetivação de uma pena que proíba o exercício de alguma atividade profissional que tenha caráter perpétuo ou definitivo. (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010)

Cabe aqui trazer a decisão do STF:

“Tendo em vista a vedação constitucional da perpetuidade da pena (CF, art. 5º, XLVII, b), a Turma confirmou acórdão do STJ no ponto em que deferira mandado de segurança contra ato do Presidente do Conselho Monetário Nacional para afastar o caráter permanente de pena de inabilitação imposta ao impetrante (antes da CF/88) para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras. Recurso extraordinário interposto pela União Federal conhecido e provido em parte apenas para reformar o acórdão no ponto em que deferira a anulação de qualquer sanção imposta ao recorrido, devendo o Conselho Monetário Nacional prosseguir no julgamento do pedido de revisão, convertendo a inabilitação permanente em temporária, ou noutra, menos grave, que lhe parecer adequada. RE 154.134-SP, rel. Min. Sydney Sanches, 15.12.98”. (BRASIL, STF, 1998)

A Carta Magna afirma que é vedada a pena de caráter perpétuo, seja esta em qualquer das esferas, logo não pode ser estabelecido critérios que sempre trazem a tona o delito cometido e sobre ele aplique nova punição, pois isso geraria um ciclo vicioso e o ato seria sempre punido ao ser relembrado.

Todavia se uma vez cumprida a pena, a dívida do apenado já foi paga e pelo próprio caráter da pena o mesmo teoricamente já estaria ressocializado, mesmo que este tenha sido impedido de exercer alguma função pública, por uma pena imposta ou como consequência desta, tal impedimento não poderia ser definitivo, pois, caracterizaria uma pena de caráter perpétuo, tornando tal medida incompatível com o dispositivo constitucional previsto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”.

3.3.1. Da Vedação de Penas de Caráter Perpétuo e os Direitos Políticos

A Carta Magna veda a cassação de direitos políticos, no entanto prevê hipóteses de perda ou suspenção dos direitos políticos. Conforme afirma o artigo 15º:

“É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.” (BRASIL, 1988)

Apesar da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 não fazer distinção entre perda e suspenção dos direitos políticos a doutrina reconhece como hipótese de perda, as seguintes: a) o cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; b) a perda da nacionalidade brasileira, por aquisição de outra nacionalidade; c) a recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta e da satisfação da prestação alternativa (artigo 5º, VIII). (MENDES, COELHO E BRANCO, 2010).

Todavia apesar do termo perda remeter a definitividade da decisão não se deve confundir com uma pena de caráter perpétuo, uma vez que isto não ocorre, pois nos casos de perda ou cancelamento da nacionalidade, a perda dos direitos políticos é mera consequência daquela, uma vez que a nacionalidade é requisito fundamental para a aquisição da cidadania. (BARROS, 2011).

Quanto à perda, no caso da recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta e da satisfação da prestação alternativa (artigo 5º, VIII), observa- se também que não apresenta um caráter perpétuo, bastando que a pessoa cumpra a obrigação ou a prestação alternativa para que seus direitos políticos sejam reestabelecidos, apesar de haver divergência doutrinária quanto ao tema ser caso de perda ou suspenção dos direitos políticos, a lei nº 8.239/1991 no artigo 4º, § 1º e 2º prevê taxativamente ser hipótese de suspenção de direitos políticos e não de perda.

Já as hipóteses contidas na CF/1988 de suspenção de direitos políticos exprimem uma ideia de temporariedade, são elas: a) incapacidade civil absoluta, que será decretada mediante sentença e seus efeitos duram enquanto perdurar os efeitos da interdição; b) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, o STF tem entendido que a própria condenação penal transitada em julgado, em regra dará ensejo de ofício a suspenção dos direitos políticos, até que finde os efeitos da condenação; c) improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição.

Todavia o caso previsto no artigo 15º, inciso V da CF/88, além da perda dos direitos políticos ensejará além dá suspenção dos direitos políticos, na perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Logo se abstrai da referida legislação que esta não aplica medida/pena alguma que tenha caráter perpétuo, não infringindo assim nenhum preceito fundamental previsto na Constituição Federal.

3.3.2 Da Vedação de Penas de Caráter Perpétuo e a Lei da Ficha Limpa

Por volta de abril de 2008, a campanha denominada “Ficha Limpa” encabeçada pelo Movimento Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, com o objetivo de moralizar, combater a corrupção e punir políticos e agentes públicos que corromperam a administração pública, a sociedade já havia aprovado o projeto de lei nº 519/09, que deu origem a Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990 – Lei das Inelegibilidades que estabelecia rígidos critérios a candidatos que almejavam retornar ou concorrer a algum cargo público, no entanto a sociedade ainda vislumbrava a necessidade de criar mais critérios para a admissibilidade e ocupação de cargos públicos, surgindo então a Lei Complementar nº. 135/2010, denominada Lei da Ficha Limpa. (CAMARGO 2014).

A lei da “Ficha Limpa” fortaleceu as punições aos cidadãos e candidatos que maculassem a lisura e a moral das eleições ou que tenham determinadas condenações na seara administrativa, criminal ou eleitoral. São previstas quatorze hipóteses de inelegibilidades que submetem os que nestas se enquadram a oito anos de exclusão do pleito eleitoral.

Apesar das divergências em torno da referida lei e de diversas ações propostas no Supremo Tribunal Federal, pleiteando pela inconstitucionalidade da norma, o STF decidiu pela constitucionalidade da norma afirmando ser ela uma lei proporcional e pautada nos princípios constitucionais. todavia o ministro relator, Luiz Fux, votou pela parcial constitucionalidade da norma, pontuando a desproporcionalidade na fixação do prazo de oito anos após o cumprimento da sentença condenatória de vedação ao pleito eleitoral. (BRASIL, STF, 2012)

Sustentou o ministro que este tempo deveria ser detraído do prazo entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença, aplicando a o mecanismo da detração, no entanto foi voto vencido e a Corte Suprema declarou a lei constitucional e a penalidade aplicada razoável. (BRASIL, STF, 2012)

4. O CONDENADO CRIMINALMENTE PODE CONCORRER A UM CARGO PÚBLICO E LOGRAR ÉXITO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL?

Caso o condenado criminalmente não tenha cumprido totalmente a pena estabelecida na sentença judicial transitada em julgada, este não pode ser aprovado na fase de investigação social, em razão de uma dedução lógica, a própria natureza da pena, enquanto esta é cumprida, torna em regra temporariamente o candidatado a qual se submete inapto ao exercício de certos cargos públicos, pois enquanto está sobre efeito da pena sua reputação torna-se incompatível com a conduta e moral exigida para determinados cargos, uma vez que este ainda não está plenamente reabilitado. Seguindo este entendimento foi prolatada a seguinte decisão:

“Não tem capacitação moral para o exercício da atividade policial o candidato que está subordinado ao cumprimento de exigências decorrentes da suspensão condicional da pena prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995 que impedem a sua livre circulação, incluída a frequência a certos lugares e a vedação de ausentar-se da comarca, além da obrigação de comparecer pessoalmente ao juízo para justificar suas atividades. Reconhecer que candidato assim limitado preencha o requisito da idoneidade moral necessária ao exercício da atividade policial não é pertinente, ausente, assim, qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência.” (BRASIL, STF – RE: 568030 RN , Relator: Min. MENEZES DIREITO,

Data de Julgamento: 02/09/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-09 PP-01737)

Todavia entende Mello (2007), que se candidato condenado cumpriu toda a pena estabelecida na sentença e foi deferido a sua reabilitação, é vedado à divulgação de qualquer dado que exista ou remeta aos ilícitos/infrações cometidas na sua vida pregressa, uma vez que a reabilitação tem como função específica absorver os impactos causados na vida do cidadão que esteve submetido a uma condenação criminal, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação. No entanto, tal vedação incide inclusive sobre investigação da vida regressa de cunho social do indivíduo realizada pelos órgãos públicos a quem competem, uma vez que a exceção prevista para está regra é que os dados serão apenas informados em caso de novo processo criminal.

Ressalta-se que Constituição Federal do Brasil, prevê expressamente que constituem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “… promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”. Sustenta também no art. 5º, XLVII – “não haverá penas: de caráter perpétuo.” Além do artigo “Art. 37, inciso I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.

Algumas decisões judiciais tem seguido o mesmo entendimento citado, conforme se verifica a seguir:

“MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO E PENAL – CONCURSO PARA O CARGO DE AGENTE PENITENCIÁRIO – CANDIDATO APROVADO E IMPEDIDO DE SER NOMEADO POR TER SIDO CONDENADO POR CRIME DE HOMICÍDIO COMETIDO HÁ DEZOITO ANOS – OBTENÇÃO DA REABILITAÇÃO CRIMINAL – CONCESSÃO DA ORDEM. Obtida a reabilitação criminal pelo candidato, condenado que foi por homicídio ocorrido há mais de dezoito anos, uma vez não ter incidido em qualquer outra reprovabilidade penal durante todo este tempo decorrido, inadmissível se torna a motivação arguida pelas autoridades impetradas, sob pena de perpetuar a presunção de inidoneidade do candidato” (Mandado de Segurança nº 1999.00.2.002502-9 – Conselho Especial – Rel. Des. Otávio Augusto – Julgado em 23.11.99 – Publicado no DJU em 22.12.99).

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA. 1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes. 2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie. 3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição o Impetrante de medida socioeducativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável.  4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida socioeducativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator). 5. Recurso conhecido e provido”. (RMS nº 18.613/MG – Quinta Turma Ministra Laurita Vaz – Julgado em 27.09.05 – Publicado no DJU em 07.11.05).

Depois de cumprida a pena o cidadão não deve mais a sociedade, por isso não deve sofrer nenhuma sanção em razão da sua condenação passada, pois caso alguma restrição fosse efetivada ficaria caracterizado bis in idem. Observa-se nos julgados citados que caso fosse aplicado o que versava o edital, aplicada a exclusão do candidato restaria desproporcional e o cidadão iria ter assim perpetuado os efeitos de sua pena já cumprida, o que seria uma afronta aos princípios constitucionais e ademais promoveria a segregação social ao invés da almejada reintegração social do apenado.

41. Da Reintegração Social

O artigo 1º da lei de execução penal afirma que execução penal tem dentre outros por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, tais objetivos visa integrar o apenado a sociedade através da humanização deste, para que ao mesmo tempo em que ele esteja sendo punido pelo ato praticado, também seja recuperado para que no seu regresso ao convívio social este possa conviver de forma harmônica em sociedade e não venha, mas a delinquir. (BRASIL, 1984)

Segundo lição de Marcão, preceitua que:

“A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza de pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizer”. (MARCÃO, 2013, pg. 31)

Contudo cabe ao Estado fornecer meios para o efetivo cumprimento da integração social do apenado, pois a limitação imposta ao preso o coloca em um estado extremamente difícil em razão da própria estrutura prisional, além do abalo moral e estigma social que o preso carrega, sendo assim a LEP elencou alguns dos direitos dos presos, para que desta forma possa o Estado efetiva a ressocialização.

Segundo o artigo 41 da Lei de Execução Penal são direitos dos apenados:

“I- alimentação suficiente e vestuário;

II- atribuição de trabalho e sua remuneração; III – previdência social;

IV- constituição de pecúlio;

V- proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

Vl – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

Vll – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

Vlll – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

Xl – chamamento nominal;

Xll – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

Xlll – audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV- representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV- contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Parágrafo único – Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”. (BRASIL, 1984)

A reinserção social do apenado não termina no momento em que este deixa o cárcere, por ter cumprido sua pena ou estar gozando de algum benefício previsto em lei. A reintegração deve ser realizada de forma plena, material e espiritual ao condenado, se possível devendo ser estendida a assistência prestada pelo Estado inclusive a sua família, uma vez que esta também sofreu com os efeitos da pena, senão diretamente indiretamente. (GOULART, 1975)

O CNJ como parte integrante do Estado criou um projeto chamado de começar de novo, voltado para os apenados com o intuito de promover a reinserção no mercado de trabalho, visando assim diminuir a segregação dos que cumprem penas.

Segue informe do CNJ:

“O Começar de Novo visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes.

Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Portal de Oportunidades. Trata-se de página na internet que reúne as vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário. As oportunidades são oferecidas tanto por instituições públicas como entidades privadas, que são responsáveis por atualizar o Portal.” (BRASIL, CNJ, 2014)

4.1.1 Da Reabilitação

O código Penal trás no artigo 93 o instituto de reabilitação, que “alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva”. Este instituto visa garantir a não divulgação da pena sofrida, bem como que através de uma decisão judicial seja declarado que o indivíduo que já cumpriu pena está reabilitado para o convívio social, todavia já existe previsão expressa na Lei de Execução Penal, artigo nº 202, que:

“Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.” (BRASIL, 1984)

Todavia para Jesus (1988), o instituto da reabilitação não atinge apenas a garantia da não divulgação da condenação sofrida, mas também a vedação de que tenha repercutido em outras esferas, além da judicial os desdobramentos dos efeitos da pena. Maggiore (1954, pg. 783) ainda afirma que: “A reabilitação se assenta em razões de humanidade, enquanto auxilia o condenado, após a expiação ou extinção da pena, a recuperar a reputação moral que lhe foi ofuscada pelo delito”.

Bitencourt (2010, pg. 776) ainda afirma que a reabilitação:

“Visa resguardar o sigilo sobre a condenação, permitindo ao condenado apresentar-se à sociedade como se fosse primário. A reabilitação não rescinde a condenação. Na verdade, a reabilitação não extingue, mas tão somente suspende alguns efeitos penais da sentença condenatória, que, a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se restabelece à situação anterior. A rigor, a reabilitação tem duas finalidades: permitir ao condenado uma folha corrida in albis e a restaurar os direitos atingidos pelos efeitos específicos da condenação”.

Poderá ainda ser revogada a reabilitação nos casos previstos no artigo 95 da LEP, está poderá ser “revogada de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa”. Observe que a revogação da reabilitação só será possível nestes casos previstos no artigo nº 95 da Lei de Execuções Penais, no caso de revogação passaram a incidir os efeitos aos quais ela atingia.

4.2. Do Direito de Ser Esquecido

O Jurista Zaffaroni (2013) sustentou que o poder punitivo sempre discriminou os seres humanos retirando muitas das vezes o sua condição de pessoa através da aplicação das penas, aqueles que eram considerados como seres perigosos ou que ofereciam potencial risco, sendo-lhes negado o direito de suas infrações serem dosadas dentro dos limites estabelecidos no código penal bem como em obediência a Constituição Federal e as normas de direitos humanos.

Apesar de uma parte da população e por muitas vezes inclusive o Estado taxar quem cometeu algum crime como um “inimigo social”, o artigo 4º do Pacto de San José da Costa Rica ao qual o Brasil é signatário afirma que:

“Art. 4º I- Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem- se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Art. 5º I. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. II. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.; … VI. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

Art. 11º I- Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. II- Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.” (BRASIL, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, 1969)

Assim abstrai-se dos referidos artigos que toda pessoa sem exceção tem direito não deve ser vítima de preconceito seja ele qual for, bem como tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral, além do direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade, logo não se deve confundir a penalidade aplicada, com o estado do ser, pois uma vez que o apenado esta cumprindo sua pena ele estaria apenas sendo privado temporariamente de alguns direitos.

Logo uma vez aplicada a pena o apenado sofrerá uma limitação temporária em alguns dos seus direitos individuais, que geralmente será a liberdade, todavia o apenado não perde seu caráter de pessoa, devendo então seus direitos e garantias serem preservados ao máximo, tais como a moral, dignidade, honra e sua integridade física e psíquica. E se tais direitos lhe forem retirados também seria então retirado à condição de humano, sendo lhe imposto a de “inimigo”. (ZAFFARONI 2013)

Mesmo que haja previsão legal e nos editais de certos concursos, de que o candidato não deve possuir nenhum registro em seu assentamento de uma prática delituosa, mesmo sendo está pontual, pois o mesmo seria excluído do certame. Todavia qualquer norma ou edital deve ser editada em conformidade como a Constituição Federal de República Federativa do Brasil, bem como dos tratados de humanos os quais somos signatários, sob pena de tal norma ser declarada inconstitucional.

Contudo, mesmo que seja prática corriqueira da administração pública, a discriminação com indivíduo que tenha cumprido pena poderá ensejar em indenização por dano moral, conforme preceitua a seguinte decisão:

“DESEMBARGADORA FLÁVIA LORENA PACHECO (RELATORA): ACÓRDÃO 0000034-62.2012.5.04.0019RO Fl. 3 PRELIMINARMENTE DO NÃO CONHECIMENTO DOS DOCUMENTOS DAS FLS. 79 e 80.

Nos termos da Súmula nº. 8 do TST, “a juntada de documentos na fase recursal só se justifica quando provado o justo impedimento para sua oportuna apresentação ou se referir a fato posterior à sentença”.

No caso, a reclamada não comprovou nem sequer alegou justo impedimento para a oportuna apresentação dos documentos juntados às fls. 79 e 80, que tampouco se referem à fato posterior a sentença.

Assim, não conheço dos documentos juntados às fls. 79 e 80, nos termos do entendimento contido na Súmula nº. 8 do TST. NO MÉRITO

1. DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

A demandada investe contra a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Sustenta que não agiu de forma discriminatória em relação ao reclamante por ele ser ex- presidiário. Aduz que, se discriminação houvesse, o reclamante sequer teria sido admitido pela reclamada, sendo que, no caso, o autor chegou a trabalhar 1 mês e 4 dias na recorrente. Refere que mantém “Protocolo de Ação Conjunta” com a SUSEP justamente para a contratação de detentos, o que afasta a verossimilhança das alegações do autor. Diz que o reclamante foi dispensado por razões que não são pertinentes ao deslinde do feito, asseverando que não há norma que obrigue o empregador a justificar o rompimento do contrato de trabalho quando não o faz por justa causa.

Obtempera que a prova oral não foi suficientemente conclusiva ao ensejo da pesada responsabilidade que lhe foi atribuída. Ressalta que a indenização deferida ao autor equivale se considerado um salário na ordem de R$679,54, a 46 meses de serviços prestados, sendo que o reclamante trabalhou apenas 1 ano e 4 dias para a ré. Salienta que o recorrido não sofreu nenhum dano, não havendo nenhum prejuízo de ordem moral que possa ser imputado à ré. Diz que a indenização por dano moral deve ter caráter punitivo, proporcional ao grau de culpa, com atenção às peculiaridades de cada caso. Destaca que não praticou ato ilícito. Diante do exposto, requer absolvição da condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Sucessivamente, postula a redução do quantum indenizatório. Analiso.

O reclamante alegou na peça de ingresso que foi contratado pela reclamada, em 01.08.11, mediante contrato de experiência, para trabalhar na construção do complexo da Arena do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, na função de servente de obras. Alegou que é ex-detento, estando atualmente em liberdade condicional, tendo que comparecer uma vez por ano na Vara de Execuções Criminais do Foro de Porto Alegre. Referiu que no dia 05.09.11, após cumprir sua obrigação de comparecer na VEC, apresentou-se normalmente para trabalhar às 12h55min, munido do comprovante de comparecimento respectivo, a fim de atestar o motivo do seu atraso. Alegou que ao apresentar o comprovante a um empregado da ré ele o questionou se já havia sido preso, sendo que, diante da resposta afirmativa, lhe foi dito que não poderia estar ali, que não sabia como ele estava trabalhando. Narra que no mesmo dia foi dispensado pela ré.

Sustenta que tal fato lhe causou danos morais, inclusive porque seus colegas ficaram sabendo do ocorrido. Diante do exposto, o autor postulou o pagamento de indenização por danos morais.

A reclamada, em defesa oral (fl. 20) sustentou que “não há discriminação por parte da empresa, tendo um projeto dentro da empresa na obra da Arena para contratação de pessoal presidiário e ex-presidiário ou em liberdade condicional.”.

Do cotejo do “termo de apresentação” juntado à fl. 11 e do comunicado de dispensa da fl. 12 resta evidente que o reclamante efetivamente foi dispensado pela ré no mesmo dia em que compareceu à Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (VEPMA) da Comarca de Porto Alegre.

A cópia da CTPS juntada à fl. 13 evidencia que o contrato de trabalho a título de experiência firmado entre as partes foi estipulado pelo prazo de 45 dias, sendo que o referido contrato de trabalho restou extinto antes de decorrido o prazo estipulado.

Por ocasião da audiência realizada no dia 16.07.12 (ata das fls. 28/29) a preposta da reclamada afirmou em seu depoimento (fl. 28): não sabe o motivo pelo qual o reclamante foi despedido, mas diz que o encarregado, a quem os serventes e demais pessoas da área de produção se subordinam, informa a parte administrativa quando não é mais necessário o trabalho daquela equipe por ter sido concluído a parte em que estavam trabalhando; o reclamante trabalhava na obra da Arena do Grêmio onde o pessoal é dividido em equipes Leste, Norte, Nordeste e Sudeste, não sabendo qual equipe ele integrava; também não sabe qual o serviço havia sido concluído quando da despedida do reclamante; desconhece a quem o reclamante auxiliava como servente; também não sabe quantas pessoas, além do reclamante, foram despedidas na mesma oportunidade, embora diga que com certeza houve outras despedidas; o mestre Gonzaga é quem solicita as admissões e dispensas, ocorrendo cerca de 300 atos tanto de admissões como de dispensas por mês; o procedimento que a reclamada adota para a despedida de seus empregados é o seguinte: no final do expediente Zé Carlos, auxiliar do mestre, vai até o canteiro de obra e chama o número da pessoa a ser despedida, solicitando que compareça na administração; o empregado vai, é comunicado da despedida, assina a “carta de demissão” e é marcado o dia para receber as rescisórias; não só para a despedida são chamados os empregados no canteiro pelos números; desconhece porque o reclamante não foi chamado ao final do expediente e sim entre 15 e 16 horas; não tem conhecimento do documento da fl. 11. (grifei)

A única testemunha ouvida nos autos, Celestino Vinter, indicada ao Juízo pelo reclamante, por sua vez, afirmou em seu depoimento (fl. 28v): trabalhou na obra da Arena de julho de 2011 a fevereiro de 2012, contratado pela empresa VM Serralheria, que prestava serviços à reclamada; o depoente e o reclamante trabalhavam no mesmo setor dessa obra, ou seja, na feitura das formas, o depoente soldando as formas e o reclamante limpando as vigas; em uma ocasião em que o depoente compareceu no departamento pessoal da reclamada para buscar uma autorização para pegar EPIs, presenciou o reclamante chegar e entregar um papel a um rapaz da reclamada que estava ali; o depoente ouviu quando esse rapaz, após ver o papel, perguntou ao reclamante se ele já havia sido preso, ao que o reclamante respondeu que já tinha passado pelo sistema prisional; diante disso o rapaz disse ao reclamante que então ele não deveria estar ali; o depoente não ouviu mais do que isso, uma vez que pegou a autorização e retirou-se; isso aconteceu por volta das 13 horas ou 13h15min; nesse mesmo dia o depoente viu o reclamante trabalhando nas formas até “umas horas da tarde” e depois não o viu mais; desde então o depoente não mais viu o reclamante trabalhando no local, podendo ocorrer dele ter trabalhado em outro local da obra, sem que o depoente o visualizasse; a atividade em que o reclamante até então trabalhara, próximo ao depoente, não foi concluída naquela ocasião, sendo que os demais trabalhadores, cuja equipe ele integrava, continuaram trabalhando ali; desconhece a existência de um programa de inclusão de detentos na reclamada ou nessa obra. (grifei) Diante do exposto resta evidente que a dispensa do reclamante foi discriminatória, em razão da sua condição de ex-presidiário. Conforme se observa, os procedimentos para a dispensa do autor afiguram-se totalmente diversos do procedimento padrão da reclamada, informado pela própria preposta da ré. Com efeito, o reclamante foi dispensado no meio da sua jornada de trabalho, e não ao final dela, e quando não havia sido concluída a parte da obra em que estava trabalhando.

Ademais, como bem referiu a Julgadora de origem, não seria mera coincidência que a dispensa do autor, sem justa causa, tivesse ocorrido no mesmo dia em que foi lavrado o “termo de apresentação” do autor perante a VEPMA.

Ressalto que, ainda que a reclamada mantenha um projeto de contratação de presidiários e ex-presidiários, o que se aduz por sabor ao argumento, tal fato não descaracteriza a evidente dispensa discriminatória do reclamante.

Cumpre salientar que, conforme bem referido pela Magistrada de origem, é incontroverso nos autos que a condenação penal do reclamante não guarda relação com o ambiente de trabalho e que o autor respondia em liberdade devido ao benefício de livramento condicional, de forma que não se trata de caso de absoluta impossibilidade de cumprimento das obrigações laborais.

O art. 1º da Lei nº. 9.029, de 13 de abril de 1995, veda a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de manutenção da relação de emprego.

Os danos morais suportados pelo reclamante no presente caso são in re ipsa, ou seja, independem de demonstração, sendo presumíveis em razão do ato discriminatório da ré. A propósito, saliento que a reclamada não contestou o fato alegado pelo autor na petição inicial de que inclusive seus colegas ficaram sabendo do motivo da sua dispensa.

Diante do exposto, certo é que a reclamada tem o dever de indenizar o reclamante pelos danos morais sofridos em decorrência da dispensa discriminatória.

Relativamente ao quantum fixado a título de danos morais (R$31.100,00, correspondente a 50 salários mínimos quando da prolação da sentença), entretanto, entendo que a decisão da instância a quo comporta reforma, visto que o valor estipulado é demasiado, não atentando aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A fixação do valor correspondente à indenização por danos morais deve sempre se pautar nas circunstâncias do caso concreto, levando-se em conta, ainda, como parâmetro, os valores normalmente fixados em casos análogos.

Assim, no presente caso, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto, bem como os valores normalmente fixados em casos análogos, entendo adequada a fixação da indenização por danos morais em R$10.000,00.

Destarte, dou parcial provimento ao recurso ordinário da reclamada para reduzir o valor da indenização por danos morais de R$31.100,00 para R$10.000,00.” (BRASIL, TRT-5, 2013)

Apesar de o Estado ter o monopólio do poder punitivo este não deve ser empregado deliberadamente e sem limites, os limites estão resguardados nos próprios princípios do estado de direito, a relativização destes ou a anulação feri diretamente os alicerces de um estado democrático de direito, ademais afirma o artigo 185 da Lei de Execução Penal que haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

Marcão (2013, pg. 349), afirma que dentre outras hipótese será constatado o excesso na execução quando:

“1) Submeter o executado a regime mais rigoroso do que aquele a que tem direito em razão do fixado na sentença ou em decisão que concedeu progressão; 2) manter em cadeia pública ou estabelecimento inadequado aquele a quem se impôs medida de segurança; 3) submeter o executado a sanção administrativa além do fixado em lei.”

O indivíduo mesmo que tenha cometido um delito não perde seu caráter humano, por isso não deve ser despersonalizado e julgado como inimigo, o que deve ser julgado são suas ações. Em julgamento o STF se pronunciou da seguinte forma:

“HABEAS CORPUS” – INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO A REGIME DE CUMPRIMENTO PENAL MAIS BRANDO – POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO – RÉU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES, CONDENADO A PENA NÃO SUPERIOR A 08 (OITO) ANOS (CP, ART. 33, § 2º, b)- ESTIPULAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INICIALMENTE FECHADO – FUNDAMENTAÇÃO BASEADA APENAS NOS ASPECTOS INERENTES AO TIPO PENAL, NO RECONHECIMENTO DA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO E NA FORMULAÇÃO DE JUÍZO NEGATIVO EM TORNO DA REPROVABILIDADE DA CONDUTA DELITUOSA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – PEDIDO DEFERIDO. – Revela-se inadmissível, na hipótese de condenação a pena não superior a 08 (oito) anos de reclusão, impor, ao sentenciado, em caráter inicial, o regime penal fechado, com base, unicamente, na gravidade objetiva do delito cometido, especialmente se se tratar de réu que ostente bons antecedentes e que seja comprovadamente primário. – O discurso judicial, que se apóia, exclusivamente, no reconhecimento da gravidade objetiva do crime – e que se cinge, para efeito de exacerbação punitiva, a tópicos sentenciais meramente retóricos, eivados de pura generalidade, destituídos de qualquer fundamentação substancial e reveladores de linguagem típica dos partidários do “direito penal simbólico” ou, até mesmo, do “direito penal do inimigo” -, culmina por infringir os princípios liberais consagrados pela ordem democrática na qual se estrutura o Estado de Direito, expondo, com esse comportamento (em tudo colidente com os parâmetros delineados na Súmula 719/STF), uma visão autoritária e nulificadora do regime das liberdades públicas em nosso País. Precedentes.” (BRASIL, STF, 2005)

Em 20 de abril de 1997 um crime chocou o Brasil, quatro jovens do Distrito Federal atearam fogo no índio Galdino Jesus dos Santos, um dos rapazes que na época do ocorrido era menor de idade cumpriu a medida sócia educativa, recentemente G. N. A. J. prestou concurso para agente da Polícia Civil do Distrito Federal e logrou êxito nas prova de conhecimentos, avaliação médica, teste de aptidão física, exame psicotécnico, no entanto, foi reprovado na fase de investigação social, sob alegação de que este não poderia prosseguir por ter cometido ato infracional análogo ao homicídio. (OAB-RJ, 2014)

Contudo apesar da fundamentação de exclusão do candidato ser fundada no ato cometido, observa-se que não foi o ato que foi julgado, pois este já o foi e inclusive a medida sócio-educativa que visa reintegrar o inimputável a sociedade já foi cumprida há mais de 17 anos e não há nenhum registro de o mesmo tenho cometido novo delito/ato infracional, o que a administração pública disfarçadamente realizou foi a discriminação do sujeito por ter um cometido um ato infracional, tentou assim retirar seu caráter de humano o considerando como ser perigoso ou “inimigo da sociedade”.

Porém o TJ-DF concedeu uma liminar que possibilitasse em caráter precário o G.N.A.J., de prosseguir no concurso.

Contudo o homem não deve ser considerado um Ser imutável, que uma vez adquirido certos traços de personalidade ou de conceitos pessoais estes se eternizem, não podendo assim nada referente aquele conceber algum tipo de mudança, seja ela para melhor ou para pior. Todavia o homem deve ser considerado uma criatura em constantes mudanças, da mesma forma por uma atitude boa o homem não pode ser considerado eternamente bom, caso este cometa uma atitude ruim não pode ser considerado um homem imoral ou perverso eternamente.

Quanto a este entendimento Heráclito já afirmava que: “Nenhum homem pode atravessar o mesmo rio duas vezes, porque nem o homem nem o rio são os mesmos.”, por isso afirmo que o que deve ser posto em pauta para julgamento deveria ser do ato cometido e não o homem que o cometeu, apesar da pena ser dirigida a este, no entanto como resultado de sua ação.

Ademais existem virtudes que podem ser adquiridas e entre elas a moral, em lição ensina Bastos (2013) apud. Aristóteles que:

“Linguagem aristotélica, as virtudes morais podem ser adquiridas em razão do hábito, do exercício, da prática cotidiana e, por isso, podem ser tanto ensinadas quanto aperfeiçoadas. “Nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza, visto que nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito.”

Visto que o homem está em constante mudança, não pode este ser discriminado ou taxado de imoral por ter cometido algum ilícito no passado e inclusive pago a pena estabelecida, teria este ser o direito de ter seu delito “esquecido”, pois tem ele o direito de escrever uma nova história, sem ser posto a margem da sociedade por vir sempre à tona o ato cometido, sendo assim a sociedade o faria sempre carregar na alma a sua pena perpétua, pois seria este sempre considerado um homem sem moral.

5. VEDAÇÃO DE PROIBIÇÕES CASUÍSTICAS

Apesar de não contemplar expressamente a vedação de proibições discriminatórias ou casuísticas em nosso ordenamento jurídico, no entanto este princípio tem aplicação no ordenamento brasileiro, pois em sua essência este é um desdobramento da igualdade material, o qual objeta atos discriminatórios, tanto para favorecimento quanto para prejuízo de alguém. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010)

Segundo entendimento de Canotilho (1986, pg. 614), tal princípio refere-se:

“As razões materiais desta proibição sintetizam-se da seguinte forma: (a) as leis particulares (individuais e concretas), de natureza restritiva, violam o princípio material da igualdade, discriminado, de forma arbitrária, quanto à imposição de encargos para uns cidadãos em relação a outros: (b) as leis individuais e concretas restritivas de direitos, liberdades e garantias representam a manipulação da forma da lei pelos órgãos legislativos ao praticarem um ato administrativo individual e concreto sob as vestes legais (os autores discutem a existência), neste caso, de abuso de poder legislativo e violação do princípio da separação dos poderes: (c) as leis individuais e concretas não contêm uma normatização dos pressupostos da limitação, expressa de forma previsível e calculável e, por isso, não garantem aos cidadãos nem a proteção nem a proteção da confiança nem alternativas de ação e racionalidade de atuação”.Contudo, é sabido que as normas de casuísticas infringe diretamente o princípio da igualdade previsto na nossa carta magna, e sua aplicação restaria maculado o estado democrático de direito, pois violaria preceitos fundamentais, pois apesar de muitas das vezes a lei possuir enunciados gerais e abstratos, todavia, seus efeitos e conteúdos, são direcionados a determinadas ou determináveis pessoas. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010)

O STF julgou inconstitucional vedação prevista na Lei dos Partidos Políticos, pois se firmaria em critérios pautados em fatos que já exauriram efeitos bem como já constatados, para que se estabelecesse uma participação posterior, conforme expresso na seguinte ementa:

“PARTIDOS POLÍTICOS – INDICAÇÃO DE CANDIDATOS – PRESSUPOSTOS – INCONSTITUCIONALIDADE. EXSURGEM CONFLITANTES COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL OS PRECEITOS DOS PARS. 1. E 2. DO ARTIGO 5. DA LEI N.8.713/93, NO QUE VINCULARAM A INDICAÇÃO DE CANDIDATOS A PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR E VICE- -GOVERNADOR E SENADOR A CERTO DESEMPENHO DO PARTIDO POLÍTICO NO PLEITO QUE A ANTECEDEU E, PORTANTO, DADOS FATICOS CONHECIDOS. A CARTA DE 1988 NÃO REPETIU A RESTRIÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 152 DA PRETERITA,   RECONHECENDO, ASSIM,     A REPRESENTAÇÃO DOS DIVERSOS SEGMENTOS SOCIAIS, INCLUSIVE OS QUE FORMAM DENTRE AS MINORIAS”. (BRASIL, STF, 1994)

6. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O princípio da moralidade previsto no artigo 37 da nossa carta magna norteia administração pública bem como trona jurídico o conceito de moral, o que o diferencia do conceito de moral estabelecido no cotidiano que não tem caráter legal, por essa exigência o ato praticado pela administração pública que viole este princípio é passível de anulação, pois depreende-se de tal fundamento que a administração pública deve agir eticamente.

O efetivo cumprimento deste princípio se dar quando além de a lei ser aplicada sua essência também o seja, isso se deve ao fato da moralidade administrativa estar intimamente ligado ao princípio da legalidade, pois a moralidade administrativa decorre intrinsicamente de todas as lei que regem a administração pública.

Preceituando assim lição de Silva (2005, pg. 668.):

“Pode se pensar na dificuldade que será desfazer um ato, produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.”

Logo o princípio da moralidade administrativa nada, mas é em outras palavras do que a Administração agir eticamente com observância as normas e princípios que lhe regem, visando não só sua aplicação formal, mas ao efetivo cumprimento do espírito das leis que esta se submete, de forma imparcial. Por tanto esta não se deve ser confundida com o conceito de moral pessoal e subjetivo que cada indivíduo possui, pois apesar da moralidade administrativa aparentemente possuir um conceito subjetivo, não é, pois tem sua essência nas leis.

Todavia este conceito se dirige a administração pública e aos seus agentes, quando em exercício desta função. Não devendo incidir tal sobre quem não faz parte da administração pública, pois estes não estão representando ou exercendo funções ou atos públicos, este princípio dirige-se tão somente a administração e aos atos praticados sobre o seu prisma, nunca devendo ser confundido com o conceito de moral não jurídico, este subjetivo e em constante mudança.

7. CONCLUSÃO

Observa-se que por diversas vezes nos editais de concursos públicos, no que diz respeito à fase de investigação social, a Administração Pública tem estabelecido critérios de cunho eliminatórios, que são extremamente subjetivos. Isso não garante nenhuma segurança ao administrado que se submente a tal fase do certame, tais previsões muitas das vezes são contrárias aos princípios e normas jurídicas que regem nosso ordenamento, e ademais é uma fase que se realiza de forma “inquisitiva”, pois relativiza princípios como o da presunção de inocência, entre outros. Sendo presumida a culpabilidade, ou melhor, a imoralidade.

Um dos critérios adotados na investigação da vida pregressa é que será eliminado o candidato que tiver cometido algum fato ilícito, sendo irrelevante para a Administração, se o candidato cumpriu sua pena e já está reabilitado para o convívio social, bem como o estabelecimento de critérios que são fundamentados sobre o princípio da moralidade administrativa, todavia esse argumento é falacioso, pois os critérios adotados são confrontados com o próprio princípio suscitado, uma vez que fere os princípios da legalidade, isonomia, humanos, os quais aquele está intimamente ligado.

Ainda assim se a Carta Magna afirma que é vedada a pena de caráter perpétuo, seja esta em qualquer das esferas, não pode ser vedado ao candidato a uma determinada vaga de um cargo público, exercer está função, sob fundamento de que o mesmo já cumpriu pena e que por isto não tem moral ou reputação ilibada, as quais são exigidas para o cargo. Então mesmo que tenha o condenado cumprido toda a pena estabelecida em sua sentença e ainda ter sido efetivamente reintegrado, estaria este obrigado, por quem deveria resguardar estes direitos, a carregar em si a marca de sua pena eternamente, perdendo seu caráter de pessoa e imputando-lhe o de “inimigo”.

Todavia não estou querendo aqui defender que o Estado coloque pessoas inescrupulosas para exercer cargos públicos, o que sugiro é que se a Administração Pública deseja filtrar ou tentar moralizar, que o faça com critérios objetivos e legais, não criando restrições casuísticas e relativizando direitos e garantias fundamentais. Utilizar estes critérios inquisitivos, não macula apenas os que estão submetidos a tal fase do certame, mas sim a sociedade como um todo, pois viola princípios democráticos de direito que são resguardados pela nossa constituição, permitir subjetivismos como estes seria voltar a um Estado Totalitário.

Logo cabe ao Estado pautar seus atos e ações sob critérios objetivos, legais e éticos, para que assim resguarde todos os princípios basilares de um estado democrático de direito.

 

Referências
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ALVES, Roque de Brito. Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. Recife: do Autor, 2010.
ALVES, Francisco de Assis. Supremacia dos Princípios Constitucionais Fundamentais: Princípios Fundamentais Constitucionais. São Paulo: Lex, 2005. p. 511.
BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 168 p.
BASTOS, Ronaldo. O papel das escolas judiciais na formação da Magistratura: em busca do perfil desejado para o juiz contemporâneo. Revista Digital de Direito Público: FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo, v. 1, n. 1, p.209-241, 12 mar. 2013.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 1764. 16 p. Torrieri Guimarães.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal da República Federativa Brasileira.
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BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Pacto de São José da Costa Rica. Brasília.
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BRASIL. Lei Complementar nº 135, de 2010. Lei da Ficha Limpa. Brasília, 2010.
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Informações Sobre o Autor

 

Elias Charamba de Souza Junior

 

Advogado formado em direito pela Faculdade Maurício de Nassau

 


 

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