Resumo: O artigo versa sobre a questão da intervenção do Estado durante a crise econômica de 2008, analisando as medidas adotadas pelo governo brasileiro e suas consequências. O tema será abordado através de um estudo teórico sobre crise econômica, seu conceito e teorias; em seguida sobre a extrafiscalidade do Estado, quando pode ser utilizada e os impostos envolvidos; analisa-se as medidas adotadas pelo governo brasileiro e como isso afetou a economia; faz-se uma breve relação da extrafiscalidade e sua previsão constitucional; e, por fim, enfoca-se nas medidas adotadas através do IPI e seu impacto no orçamento.A partir do tema exposto, pretende-se estabelecer uma análise crítica acerca dos efeitos e implicações da extrafiscalidade com enfoque no IPI, durante o cenário de crise econômica surgido em 2008, utilizando-se, para isso, de levantamentos bibliográficos sobre temas relacionados ao presente problema, como noções de direito tributário, constitucional, orçamentário , econômico, e suas implicações em âmbito prático.[1]
Palavras-chave: Crise econômica; IPI; Extrafiscalidade; Direito Tributário.
Abstract: This article discusses about the matter of the State intervention during the economic crisis of 2008, analyzing the measures taken by the Brazilian government and its consequences. The subject will be taken through a theoretical study on economic crisis, its concept and theories; next,about the extraphysicality of the State, when can it be used and taxes involved; it analyzes the measure taken by the Brazilian government and how it acted on economy; it makes a brief relation between extraphysicality and its constitutional predicition; finally , focuses on the measures taken through IPI and its impacts on budget. From this subject, we tend to stablish a critical analysis on the effects and implications of the extraphysicality focused on IPI, during the economic crisis frame in 2008, making use of bibliography about subjects related to the present matter, such as notions of tributary laws , constitutional laws, budget laws , economic, and its implications in the ambit of practice.
Keywords: Economic crisis; IPI; Extraphysicalit; Tributary Right.
Sumário: Introdução. 1.Crise financeira:efeito de um movimento cíclico. 2. Extrafiscalidade: intervenção estatal no sistema econômico. 3. Os Efeitos da Crise de 2008 Sobre a Economia Brasileira. 4. A Resposta do Governo Brasileiro à Crise Econômica. 5. A Função Extrafiscal do IPI e sua Previsão Constitucional. 6. Enfoque na Redução do IPI durante a Crise Econômica de 2008. 7. Impacto da medida sobre o Orçamento. Conclusão. Referências.
Introdução:
Após o advento da crise econômica de 2008, surgiu uma incógnita quanto aos limites de atuação do Estado frente a situações de emergência nas quais são necessárias ações rápidas e de grande efetividade na economia. No Brasil, a obediência à lei escrita é de suma importância, mas em casos de necessidade, pode o Estado agir sobrepondo as regras para diminuir impactos negativos no país? O ordenamento jurídico brasileiro possui legitimidade Constitucional e Tributária para agir em situações desse tipo? Qual é esse limite de atuação? O Estado pode usar dessa prerrogativa para agir de forma arbitrária? Quais as consequências do uso desse poder na economia? E em que contexto poderá ocorrer essa intervenção? Diante do exposto e das dúvidas presentes, faz-se necessário o estudo deste tema como forma de esclarecer a função extrafiscal do Estado em momentos de crise econômica. O estudo sobre o tema foi realizado através de quatro grandes pilares: pilar econômico no conceito, cenário, medidas governamentais e consequências econômicas; pilar da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) , sob a perspectiva de legitimidade social e jurídica; tributário sob um enfoque jurídico específico e a jurídica financeira, observando os impactos sobre o orçamento estatal. Através deste estudo pretende-se esclarecer as dúvidas que surgem com o tema, por meio de uma análise crítica das políticas governamentais, para o combate aos reflexos da crise econômica mundial de 2008 no Brasil.
1. Crise financeira: efeito de um movimento cíclico da economia
Antes de procurar esclarecer a legitimidade e a previsão legal da atuação estatal em momentos de crise, é de suma importância apresentar o conceito de crise, as causas e os momentos de ocorrência deste fenômeno. Tendo em vista o significado de crise econômica, ela é considerada inevitável e faz parte de um processo natural da economia. A economia de um estado, atualmente, pode ser interpretada de forma mais abrangente, principalmente no contexto da globalização. Passa-se por estágios em que se classifica como “boom”, em que aumenta as atividades econômicas; a depressão, onde caem os indicadores; a recessão; e a estagnação ou recuperação. Essas fases da crise econômica são explicadas por Paulo Sandroni:
“O desenvolvimento econômico é entendido como um processo cíclico, dividido em várias fases, com pontos de mudanças nas partes inferior e superior do ciclo. A partir de um ponto abaixo de sua linha de equilíbrio, o processo de desenvolvimento econômico sairia de uma fase de recuperação para uma fase de expansão, com aumento da taxa de investimento, aumento relativo da soma de salários, acréscimo do consumo. Segue-se a fase de prosperidade (boom), na qual os fatores de produção estariam plenamente ocupados e, em consequência, não poderiam mais fazer crescer a renda nacional e o lucro. A partir desse ponto, haveria um aumento crescente dos preços, uma desorganização no mercado financeiro e de capitais, entrando a economia em processo de contração, pois os preços que se mantiveram relativamente estáveis durante a fase de prosperidade, apesar da excessiva taxa de juros para os investimentos, já não se revelam rentáveis. Essa contração é também chamada de recessão, pois a taxa de crescimento da renda nacional decresce em termos absolutos O agravamento da fase recessiva caracteriza a depressão, com aumento da taxa de desemprego, queda da capacidade produtiva, restrição dos investimentos e alta liquidez bancária.” (SANDRONI, 1999)
O conceito de crise econômica está relacionado com a periodicidade de o mercado mudar constantemente através de etapas, sejam elas o crescimento ou a recessão.
A economia é influenciada por fatores externos e internos, de modo mais abrangente – macroeconomia – ou em setores específicos – microeconomia – capazes de provocar uma alteração no quadro econômico e, algumas delas, agitam o mercado de forma tão brusca que levam a uma crise econômica, muitas vezes imprevisível de ser detectada. A crise econômica pode ser causada por esses fatores, como exposto acima, que originam em um período onde os índices caem por um tempo prolongado, conduzindo a recessão.
Analisando a crise econômica de 2008, de acordo com Bresser-Pereira,em entrevista à PUC, ela está vinculada com a bolha financeira formada com o aumento de crédito e investimentos especulativos que motivaram diversas consequências para a economia, como foi abordado:
“(…) existe uma dinâmica cíclica que vem sendo estudada desde o século XIX mostrando que as economias passam por um processo de expansão que faz com que entrem no que Kindleberguer chama de mania. O elemento fundamental dessa euforia é um processo de profecias autorrealizadas, em que o preço dos ativos, seja o preço das ações, seja dos imóveis, vai crescendo… E como se prevê que ele cresce, os preços se reatualizam e, então, se compra mais e assim por diante. Isso são profecias autorrealizáveis. Ou então, o que George Soros chama de reflexividade. Essa crise atual é também uma crise causada dessa forma. Ela implica um aumento muito grande do crédito e, portanto, o grande aumento do débito, ou seja, o endividamento das famílias, das empresas e dos bancos. Para se aumentar o débito, tem que aumentar o crédito, para se aumentar o crédito, tem que aumentar o débito. A quantidade de moeda em circulação aumenta fortemente, o que mostra o seu caráter endógeno. Até que, num certo momento inevitável e que ninguém sabe exatamente quando, alguma coisa não muito importante faz com que, de repente, os investidores que estão especulando com dinheiro emprestado sejam obrigados a parar de endividar. E quando o fazem, os credores que estavam emprestando a belos juros também percebem que estava ficando muito perigoso. De repente, inverte-se todo o processo e vem a crise.” (BRESSER-PEREIRA, 2009)
A “bolha” financeira criada com o aumento de crédito e investimentos de alto risco fez com que o preço de ações, imóveis e outros bens aumentassem gradativamente. Com o crédito de fácil acesso, as famílias começaram a consumir de forma exacerbada, os investidores a especular a compra de mais ações, as empresas no aumento da produção e os bancos a aumentar os juros. Assim começou a se forma um “boom”, onde a atividade econômica atinge seu auge, mas que, através de um fator imprevisível, o processo se inverteu, levando a uma crise econômica.
O que se percebe é que a ciência econômica de forma bastante racional e lógica pode prever as causas e o momentos mais propícios que ocorrerão estas crises financeiras, e proporcionar à política as informações necessárias para atuar de forma precisa e minimizar os reflexos negativos desses momentos.
O Estado, utilizando destas informações age utilizando-se de meios normativos para efetivar a intervenção estatal. Os meios abrangem as resoluções, decretos, medidas provisórias, leis ordinárias dentre outras que só admitem legitimidade se estiverem de acordo com o sistema normativo vigente, principalmente a CRFB/1988.
2. Extrafiscalidade: intervenção estatal no sistema econômico
Os impostos que não tem por função primordial a arrecadação de fundos para os cofres públicos são conhecidos como extrafiscais ou não-fiscais. Eles são utilizados com o objetivo de disciplinar, favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público ou mesmo por achar conveniente.
“A extrafiscalidade, como define o doutor ROQUE ANTONIO CARRAZZA, consiste no uso de instrumentos do Direito Tributário – cuja finalidade principal é a arrecadação para os cofres públicos (a que se chama de finalidade fiscal) – com fins diversos, ou seja, com fins não-fiscais ou extrafiscais. No caso, o uso extrafiscal dos tributos tem por objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a realizar determinadas ações, por considerá-las convenientes ou nocivas ao interesse público”. (SOUZA; RÉA apud CARRAZZA, 2008)
Quando a União aumenta ou diminui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ela utiliza a função primária do tributo que é manter o equilíbrio da economia, apesar que hoje já possua um certo caráter fiscal este imposto . A redução do IPI que ocorreu recentemente, durante a crise financeira de 2008, para a aquisição de carros, é um exemplo da intervenção estatal no sistema econômico através da extrafiscalidade. Por conta da crise, a produção caiu devido à retração do consumo. Para que as montadoras não decretassem falência ou demitissem funcionários em massa, o Governo resolveu estimular a venda de carros, intervindo em uma área específica da economia no setor privado e o fez reduzindo o Imposto de Produtos Industrializados(IPI) . Tagie Asseenheimer Souza e Ricardo Roginski Réa ainda citam outros exemplos da função extrafiscal do estado.
“Esta intenção, de disciplinar condutas, se faz evidente no ITR, no IPI e no ICMS. A progressividade das alíquotas do ITR nas propriedades com baixo grau de utilização deixa clara a intenção do legislador de efetivar o princípio constitucional da função social da propriedade. De forma análoga, ao fixar alíquotas mais elevadas (ao menos em tese) do ICMS e do IPI para produtos nocivos a sociedade como bebidas alcoólicas e cigarros, se objetiva desestimular a produção e consumo destes produtos.”(SOUZA;RÉA,2008)
O Estado atua com o objetivo de manter a sociedade em equilíbrio, respeitando os princípios positivados na Constituição Federal de 1988. A extrafiscalidade é um instrumento Tributário que auxilia o Estado a alcançar esse objetivo, intervindo na economia pelo bem do interesse público.
3. Os Efeitos da Crise de 2008 Sobre a Economia Brasileira
Os efeitos da crise de 2008 sobre a economia brasileira podem ser divididos em três setores que foram fortemente responsáveis pela difusão da crise internacional para o Brasil. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) possui os dados que comprovam que esses setores tiveram forte influência no Brasil e explica de forma sucinta os efeitos que eles causaram no país.
“O primeiro deles atuou sobre as contas externas. A desaceleração econômica mundial aliada à queda dos preços internacionais das commodities agrominerais incidiriam sobre a balança comercial, reduzindo preço e quantum exportados. A contração da liquidez internacional, por sua vez, levaria empresas e especuladores a repatriar seus lucros para as matrizes, deteriorando ainda mais o já combalido déficit da conta de serviços e rendas, por um lado, e provocando, por outro, fuga de capitais pela conta financeira. O resultado seria a desvalorização cambial, a qual traria previsíveis efeitos inflacionários.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010)
A emergente desaceleração econômica mundial ligada com a queda de preços internacionais das commodities agrominerais influenciou empresas e especuladores que entenderam ser mais seguro guardar os lucros em seus países e evitar ter prejuízos com a desvalorização cambial mundial do que continuar investindo em empreendimentos de alto risco.
“O segundo canal de transmissão seria pelo sistema financeiro que, no caso brasileiro, atuaria de uma forma um tanto quanto distinta, se comparada aos países do centro capitalista. Enquanto nestes a crise adquire caráter sistêmico a partir das perdas dos bancos com as hipotecas subprime, contagiando as principais praças financeiras do mundo, transmitindo-se, enfim, ao setor real da economia (IPEA, 2009c, p. 47), no setor bancário brasileiro a crise manifesta-se de forma distinta. Se por um lado os grandes bancos não se envolveram com ativos de alto risco como os subprime, dada a existência de alternativa mais segura e rentável oferecida pelos títulos públicos (IPEA, 2009b, p. 89), por outro os bancos de menor porte, com menor estrutura de captação de recursos no mercado de varejo, adotavam estratégias mais arriscadas, captando recursos via emissão de Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e vinculando-os a contratos de derivativos cambiais, o que incorreu em perdas expressivas após a desvalorização cambial (IEDI, 2009; FREITAS, 2009).” (ARAÚJO; GENTIL, 2010)
Sub-prime pode ser entendido como títulos com baixa garantia de recebimento. Os bancos brasileiros normalmente não se envolvem em empreendimentos de alto risco, como é o caso do subprime, pois preferem alternativas mais seguras e rentáveis oferecidas por títulos públicos. Mas, os bancos de pequeno porte, que não possuíam uma forte estrutura de captação de recursos no mercado de varejo, para tentar aumentar os seus lucros, adotaram estratégias mais arriscadas, captando recursos via emissão de Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e vinculando-os a contratos de derivativos cambiais, o que, mais tarde, com a desvalorização cambial, levou a prejuízos expressivos.
“O terceiro canal por meio do qual a crise financeira internacional manifestar-se-ia sobre a economia brasileira é o das expectativas, cuja deterioração tenderia a reforçar, por parte dos bancos, a aversão ao risco e a contração do crédito, e levaria empresas e famílias a adiar decisões de investimento e consumo, com previsíveis efeitos de desaceleração da atividade econômica.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010)
Os bancos receosos de perder mais dinheiro diminuíram os empréstimos e evitaram investimentos de alto risco, dessa forma as empresas e famílias que contavam com empréstimos bancários para investir ou mesmo consumir, tiveram que esperar a situação da crise econômica mudar para continuar com seus projetos, causando uma desaceleração da atividade econômica.
4. A Resposta do Governo Brasileiro à Crise Econômica
Diante da crise, o Brasil teve que agir intervindo em determinados setores da economia. Ele utilizou de políticas monetárias e fiscais para diminuir os efeitos negativos dessa crise no país. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) traz as principais medidas que o governo brasileiro utilizou para amenizar a crise:
“A resposta do governo brasileiro seguiu, em linhas gerais, a tendência exibida por outras economias atingidas pela crise, qual seja, a implementação de políticas anticíclicas de corte keynesiano. Basicamente, as medidas podem ser agrupadas em: i) medidas para recuperação (ou “desempoçamento”) do nível de liquidez da economia; ii) medidas para garantir a solidez do setor bancário, reduzindo o “risco sistêmico”; iii) medidas para conter a crise cambial; e iv) medidas de estímulo fiscal.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010)
As medidas fiscais foram as que tiveram melhor resultado contra os efeitos da crise, utilizando de meios extrafiscais, o Estado interviu em alguns setores da economia como os setores automotivo, eletrodoméstico de linha branca, material de construção e moveleiro para conter a crise.
“Finalmente, a resposta mais contundente do governo brasileiro à crise financeira está, seguramente, nas medidas fiscais. Entre as medidas de desonerações fiscais, a primeira foi anunciada ainda no ano de 2008, beneficiando o setor automotivo, seguido dos setores produtores de eletrodomésticos de linha branca, de material de construção e, no final de 2009, do setor moveleiro. Para viabilizar o pacote de desonerações fiscais sem que o governo devesse incorrer em um programa de corte de gastos públicos – o que seria um contrassenso – o governo brasileiro também anunciou a redução da meta de superávit primário de 4,3% para 2,5% do PIB para 2009.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010)
5. A Função Extrafiscal do IPI e sua Previsão Constitucional
Inicialmente, a principal função do tributo é recolher receita suficiente para fazer frente às despesas necessárias ao cumprimento do orçamento estatal. Essa função é chamada de função fiscal do tributo. No entanto, não raro o Estado utiliza-se do seu poder imperativo tributário, de forma sutil, para influenciar o sistema econômico. Como pontua Robinson Sakiyama Barreirinhas:
“A função primária do tributo, portanto, é suprir o Estado com os recursos necessários a seu funcionamento. É a chamada função fiscal do tributo. Essa função se cumpre com a transferência de dinheiro dos súditos para os cofres do Estado, que é finalidade última da tributação. No entanto, não raro o tributo é utilizado como instrumento de intervenção estatal no mercado, e não como função arrecadatória. É o caso dos tributos aduaneiros, cuja função primordial é regular a disponibilidade e os preços dos bens no mercado interno, facilitando ou onerando suas exportações ou importações. Trata-se da função extrafiscal do tributo.” (BARREIRINHAS, 2006, pág.22)
Através da Emenda Constitucional 42/2003 houve a positivação desta função estatal, acrescentando ao texto constitucional o art. 146-A, dando competência à União, por lei complementar, para estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência. Trata-se de competência normativa, ainda que geral, da função extrafiscal dos tributos para atingir o objetivo de intervir no ambiente concorrencial.
O texto de lei segue com a seguinte redação:
“Art. 146 – A Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”
De acordo com Luiz Augusto da Cunha, em sua dissertação de mestrado orientado pelo Doutor Sacha Calmon, apud Hamilton Dias de Souza:
“O objetivo da norma é o de deixar clara, ao legislador (quanto à União Federal, basta lei ordinária, enquanto se exige quórum complementar para aos demais entes públicos), a possibilidade de fixação de critérios especiais de tributação a determinados setores, como forma de manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica.” (CUNHA,2011, pág. 72)
O referido autor ainda traz as limitações do mencionado dispositivo, o qual, no caso concreto deve além atentar a sua finalidade, deve respeitar os objetivos fundamentais do estado brasileiro, os princípios do modelo econômico adotado pela Constituição, os limites previstos ao poder tributário:
“O artigo 146-A é ponto de confluência entre dois subsistemas: o econômico e o jurídico tributário. Nesta ordem de ideias, o exercício da atividade legiferante e, posteriormente, a aplicação no caso concreto, além de atenderem ao conteúdo finalístico/teleológico do dispositivo de assento constitucional, devem, em função concomitante, respeitar os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, os princípios do modelo econômico adotados pelo Constituinte de 1988, as limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como os princípios sacramentados na Carta Política e que norteiam toda a base do arcabouço normativo: há que se fazer justiça (social), mas não a qualquer custo (isto é, evitando-se o sacrifício de outros relevantes valores de estirpe constitucional).” (CUNHA, 2011, pág. 76)
Faz necessário, na aplicação do artigo dos princípios basilares do direito, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para permitir a intervenção estatal na exata medida do desequilíbrio e atuar pelo tempo necessário, não mais que isso, até a sua recuperação.
Outro princípio importantíssimo é o princípio da neutralidade, o qual vem acompanhado de dois outros princípios, o princípio da não-cumulatividade, da uniformidade geográfica e da liberdade de tráfego.
Os princípios acima referidos serão aplicados na intervenção econômica pelo Estado, como afirma Paulo Antônio Caliendo Velloso Silveira citado por Cunha, da seguinte maneira:
“O princípio da não-cumulatividade será erigido como uma forma de preservar o ciclo econômico de distorções fiscais, especialmente do funesto efeito “cascata”, ou seja, do efeito tributação sobre fatos não econômicos (tributos). No caso da seletividade tenta a neutralidade fiscal servir como parâmetro de preservação da neutralidade econômica sobre a renda das classes mais baixas, ou seja, daquelas que possuem menor flexibilidade para os eventos da flutuação e crises do mercado de trabalho. O princípio da uniformidade geográfica tenta preservar a neutralidade fiscal de um mercado integrado, impedindo distorções geográficas sobre a locação de recursos com bases meramente fiscais. Igualmente, no princípio da liberdade de tráfego tenta-se preservar a integridade geográfica de um mercado nacional.” (CUNHA apud SILVEIRA, 2011 pág. 84-85,).
De acordo com o dispositivo em destaque o comando normativo deve realizar-se por meio de lei complementar. Apesar da CRFB/88 prever a competência tributária de cada ente federativo, não deixa claro a qual ente cabe a competência para este dispositivo em específico. De acordo com o art. 24 da CRFB/1988, inciso I, haveria competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. Cunha traça a aplicabilidade da concorrência de competência:
“Por competência concorrente, resta claro, a partir da leitura dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, todos do art. 24 da CR/1988, que a União editará uma norma geral sobre a matéria, sendo reservada aos Estados a competência legislativa suplementar ou plena, neste último caso, na inexistência de norma geral editada pela União. Uma vez exercida a competência plena por parte dos Estados membros, na superveniência de lei federal, de caráter geral sobre a matéria, os dispositivos da lei estadual que lhe forem contrários terão a eficácia suspensa.Os incisos I e II do art. 30 da CR/1988, por sua vez, outorgam competência aos Municípios para legislarem sobre assuntos de interesse local e para suplementarem a legislação federal e estadual no que for pertinente.” (CUNHA,2011, pág. 98).
Por fim, Cunha traz a interpretação mais adequada do art. 146 – A, seguindo os ensinamentos do mestre José Luiz Ribeiro Brazuna. De acordo com Cunha, o Congresso Nacional poderá, mediante lei complementar, estabelecer parâmetros gerais para os demais entes federativos fixarem leis próprias e critérios especiais de tributação a fim de evitar o desequilíbrio econômico. Já a União poderá realizar tal intervenção através de lei ordinária, independentemente de lei complementar.
“No nosso entender, pois, a melhor exegese do artigo 146-A pode ser encontrada na terceira leitura proposta por BRAZUNA, no sentido de que o Congresso Nacional poderá, mediante lei complementar, estabelecer parâmetros gerais para os Estados, Distrito Federal e Municípios fixarem por leis próprias os critérios especiais de tributação para prevenirem desequilíbrios da concorrência, respeitada a competência regulatória e tributária de cada ente, o que poderá ser feito pela União, para os tributos de sua competência, por meio de lei ordinária e independentemente da edição da lei complementar.” (CUNHA, 2011, pág. 107).
6. Enfoque na Redução do IPI durante a Crise Econômica de 2008
O Imposto sobre Produtos Industrializados é um imposto extrafiscal, ou seja, além de arrecadar tributos, é utilizado com o objetivo de disciplinar, favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público. No Código Tributário vigente, lei 5.172, está previsto em seu artigo 46 ao art. 51.
O artigo 46 vem informar qual o fato gerador do IPI, os quais são: o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; a sua saída dos estabelecimentos importadores, industriais, comerciante ou arrematador; e a arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
O artigo 47 informa a base de cálculo do imposto, e é nesse valor que a União possui poderes para manipular.
De acordo com o artigo 153, IV, da CRFB/1988 a competência para instituir o Imposto sobre Produtos Industrializados é da União, que durante a crise econômica de 2008 reduziu as alíquotas desse imposto com o objetivo de esquentar a economia e reduzir os efeitos da crise em nosso país, como afirma Bruno Cardoso Bandeira de Mello:
“Mas o fato é que, durante a vigência da redução do IPI as vendas dos produtos da linha branca e da indústria automobilística, foram alavancadas a níveis consideráveis, conforme dados apresentados pelos mais diversos institutos de pesquisa, dentre eles o R7, que considerou que a medida salvou a indústria de eletrodomésticos, fadada, anteriormente a resultados negativos, e por reportagem publicada no Jornal A Tarde do dia 02/04/2010, registrando recorde de vendas de veículos automotores no primeiro semestre do ano, destacando-se, ainda, a importância dos financiamentos neste resultado favorável. Desta forma, a despeito da crise, alguns ramos do segundo e terceiro setores obtiveram lucros maximizados, beneficiando-se, a despeito do panorama econômico de recessão global.” (MELLO, 2011)
A partir disso foi possível observar os resultados positivos da redução do IPI nos produtos de linha branca e na indústria automobilística onde ocorreram vendas consideráveis nesses setores e suas consequências são apresentadas a seguir.
“Ademais, conferindo alguns dos efeitos reflexos desta medida, constatamos que o estímulo ao consumo dos produtos industrializados foi responsável pela preservação de milhares de empregos na indústria automotiva. Segundo dados divulgados na Agência Brasil, 50 a 60 mil empregos direitos e indiretos foram preservados no 1º semestre de 2009. Aos moldes do governo brasileiro, diante da crise, aproveitando lições pretéritas, prevaleceu nos outros países a postura intervencionista para o combate à crise.” (MELLO, 2011)
7. Impacto da medida sobre o Orçamento
Os parâmetros da formulação do Projeto da Lei Orçamentária Anual- PL 38 de 2008 previa um cenário otimista, o qual mostrou-se equivocado ao passo que os reflexos econômicos da crise atingiam o país. Necessitando assim de medidas que fizessem o orçamento condizer com a nova realidade do cenário econômico. A proposta foi submetida a modificações pelo Congresso Nacional e posteriormente sancionada pelo presidente da República tornando-se a Lei 11.897/2008.
Ainda, como salienta Paula Ramalho Nobrega Santana, o executivo utilizando de instrumento previsto no artigo 71, § 4º da LDO/2008, fundamentado no artigo 52 da Lei de Responsabilidade Fiscal, enviou relatórios bimestrais apreciados pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) que gerou o decreto 6.867/2009, alterando o orçamento e as finanças públicas daquele período.
Em entrevista à Paula Nobrega Santana, Maria Liz Roarelli, – consultora do CONORF, afirma:
“Do ponto de vista do orçamento público federal brasileiro, teve a consequência imediata da queda das receitas, a queda da arrecadação. Isso não afetou o orçamento de 2008 porque já vinha com uma bolha de arrecadação muito alta, que acabou o ano cumprindo com sua meta de superávit e ainda sobrando dinheiro. Em 2009 é que foi mais afetado pela crise porque começou o ano com a receita já em queda. (…) Então teve um impacto imediato sobre arrecadação por causa da queda do PIB, além disso, o governo com as medidas de desoneração, as medidas provisórias. (…) Na verdade é uma estimativa de desoneração, não uma estimativa de queda de arrecadação, porque se você não estivesse desonerando, é possível que sua arrecadação caísse mais.” (SANTANA apud ROARELLI,2009, pág. 68.)
É importante salientar a previsão da Lei de Responsabilidade Fiscal-Lei Complementar 101 de 04 de Maio de 2000, caput– em situações semelhantes, em que a previsão orçamentária deve ser revista, pontua em seu artigo 9°.
“Art.9ª. Se verificada, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas em anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”
Em mesmo estudo, Santana informa o impacto da redução ou exoneração do IPI no orçamento federal: “A popular redução de alíquotas do IPI sobre veículos, que já havia sido prevista para 2009, significou diminuição de 83,7% na arrecadação em relação a 2008.”(SANTANA, 2009, pág. 70,)
De acordo com dados do IPEA, a União deixou de arrecadar R$1.817 milhões com a redução e exoneração do IPI, no entanto, com a sua redução ou exoneração foi possível o governo federal arrecadar R$1.258 milhões, ou seja, o custo de desoneração do imposto gerou uma perda de 559 milhões aos cofres públicos.
Com a medida foi possível manter somente no ramo automotivo entre 50.000 e 60.000 empregos diretos e indiretos na economia brasileira.
Conclusão
Através de um diálogo interdisciplinar entre as matérias relacionadas ao tema, ora com enfoque jurídico, ora com enfoque econômico, foi possível estabelecer um elo entre as matérias e chegar as seguintes conclusões.
Crise é um fenômeno cíclico e inevitável no cenário econômico de qualquer nação, no entanto, o estado através de um profundo estudo econômico deve prever sua incidência e minimizar os seus efeitos. Tais medidas em um Estado Democrático de Direito deve observar e respeitar o emaranhado jurídico, principalmente a CRFB/1988. A extrafiscalidade é um instrumento legal previsto em seu artigo 146-A , que como observado, deve atender a finalidade da causa, o regime econômico adotado pela própria , e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade,neutralidade juntamente com a não-cumulatividade, a uniformidade geográfica e a liberdade de tráfego. A principal função de um tributo extrafiscal não é a sua arrecadação à receita orçamentária, mas sim a interferência estatal na economia. Tal dispositivo ainda afirma que cabe ao Congresso Nacional dispor através de leis complementares aspectos gerais para os demais entes federativos, enquanto a União poderá utilizar de tal instrumento através de lei ordinária independente de lei complementar.
O tributo utilizado pelo governo para conter os efeitos da crise foi a redução da alíquota do IPI, Imposto sobre Produtos Industrializados, sobre produtos eletrodomésticos da linha branca e de automóveis. De acordo com estudo do IPEA, foi a medida mais significativa. Tal imposto é previsto no Código Tributário Nacional, e prevê à União a competência de arrecadação e cálculo da alíquota de incidência tributária.
Com a redução da incidência tributaria nestes produtos, a receita da União cai de maneira considerável, no entanto quando se observa o impacto de tal medida no consumo, fabricação, índice de desemprego e de empresas salvas, percebe-se a necessidade de tal medida.
Informações Sobre os Autores
André Luccas Feitosa de Holanda Spínola
Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES
Paccelli Wandrey Chagas Santos
Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES