A fundamentalidade dos Direitos Sociais no Estado Democrático de Direito

Palavras-chave: Direitos Fundamentais –
Direitos Sociais – Estado Democrático de Direito – Hermenêutica
Jurídico-Constitucional.

Resumo: O artigo discute o papel dos
Direitos Fundamentais frente à moderna Teoria da Constituição. Em razão disto,
adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais,
incitando a discussão justificada e fundamentada acerca dos valores albergados
e escolhidos pela Constituição Federal ao erigir no Brasil o Estado Democrático
de Direito. O artigo visa demonstrar a necessidade de uma hermenêutica
constitucional condizente com a realidade brasileira e fomentadora da
verdadeira democracia.

Key Words: Fundamental
rights; Social Law; Legal democratic state, Legal Hermeneutics

Abstract: This essay discusses the role of the Fundamental Rights opposed to the
modern Constitutional Theory. Therefore, it is conceived that the social rights
are fundamental rights, instigating a justified and grounded discussion upon
the sheltered and chosen values of the Federal Constitution when founding the
Legal Democratic State in Brazil. The article seeks to demonstrate the
necessity of one constitutional hermeneutics well suited with the Brazilian
reality as well as stimulator of the true democracy.

“O que
me impressiona à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é
este pressentimento de que ele venha ser nosso futuro”. Mário Quintana (1973, p. 22).

1.
Considerações Introdutórias

O presente artigo tem como fito discutir o papel
dos direitos fundamentais frente à moderna teoria da constituição. Para tanto,
adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais.
Utilizando-se desta premissa, mister se faz uma justificação e fundamentação
acerca de quais benefícios traz tal entendimento ao destinatário final da
Constituição, o cidadão brasileiro.

A temática é de extrema relevância, mormente quando
se observa uma tendência de supressão destes direitos e minimização de sua
aplicabilidade.

Os direitos sociais, por sua própria natureza,
invocam do poder político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade
plena, o que gera fortes pressões ideológicas e envolve escolhas políticas
determinantes para conseguir alcançar o ideal de uma sociedade livre, justa e
solidária[1],
objetivo consagrado em nossa Carta Magna.

Elencados do art. 6º ao 11º da Constituição
Federal, os direitos sociais são: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e
assistência aos desamparados. Entretanto, o conteúdo de que o art. 7 ao 11
trata é exclusivamente de conteúdo normativo referente ao trabalho, onde muitas
garantias, ainda que mínimas, são garantidas ao trabalhador brasileiro, seja
ele urbano ou rural. A visão de que os direitos sociais são também direitos fundamentais
exsurge como um escudo de proteção a estes direitos, inclusive por meio de Ação
de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, impingindo um dever de
observância e realização material dos mesmos.

2. A
Fundamentalidade dos Direitos Sociais e o Princípio da    Proibição de Retrocesso Social

Em que pese a topologia constitucional não
privilegiar a vertente de pensamento que acolhe os direitos sociais como
fundamentais, sua essencialidade reside em sua ligação aos direitos humanos e à
dignidade da pessoa humana, valores albergados na principiologia
constitucional, consagrados doutrinária e jurisprudencialmente.

Muito se discute sobre a inclusão ou não dos
direitos sociais no rol das cláusulas pétreas, uma vez que a Constituição
adotou uma terminologia que não abriga, à primeira vista, esta posição. E, a
partir da leitura do art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal[2] a
controvérsia ganha corpo. A interpretação literal abre um horizonte para a
imprecisão dos vocábulos usados, uma vez que estes não se repetem em nenhum
outro lugar da Constituição.

Há referências no texto constitucional de direitos
individuais e coletivos no art. 5º da CF, de modo que a interpretação literal
deixaria de fora o rol do art. 5º, resultado absurdo num Estado submetido às
leis sob um regime democrático. A interpretação literal não se presta a
elucidar a questão, pelo próprio caráter sistemático adotado na redação da
Constituição.

Para resolver o problema, a adoção do entendimento
de que tanto os direitos individuais quanto os coletivos são cláusulas pétreas
exsurge viável, até mesmo pela orientação hermenêutica emanada do próprio art.
5º, § 2º da CF que diz expressamente: “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou os tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
. O que
orienta de maneira incontroversa que se trata de um rol exemplificativo.

A leitura restritiva dos direitos fundamentais
resulta em notável prejuízo ao cidadão, porque este terá seu patrimônio
jurídico reduzido. Isto ocorre de forma numérica, quando reduz o rol de
direitos fundamentais, quanto de forma sofisticada, através do enquadramento
dos direitos sociais como normas programáticas.

O encarceramento dos direitos fundamentais sociais
no conceito frágil e patético de normas programáticas não faz sentido, uma vez
que os valores sociais são os pilares do Estado Democrático de Direito[3].
E o que são as cláusulas pétreas se não o reconhecimento de que aqueles valores
são de suma importância e por isto precisam ser cuidadosamente protegidos dos
reveses políticos, marcados pela instabilidade e pelo jogo ou troca de
interesses? Sendo assim, a manutenção da nossa ordem constitucional emerge como
única forma de não contradizer a finalidade dela mesma.

No plano do direito internacional, o Brasil foi
signatário de alguns tratados que reconhecem os direitos sociais como direitos
humanos fundamentais, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948),
Protocolo de São Salvador (1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (1969) e o Pacto de São José da Costa Rica. Neste último, o Brasil
acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social, também chamado de
aplicação progressiva dos direitos sociais[4].

Joaquim José Gomes Canotilho (1998,
p. 221) ao demarcar o ser humano como
fundamento da República e limite maior ao exercício dos poderes políticos
inerentes à representação política ressalta a importância da dignidade da pessoa
humana albergada no ordenamento:

“perante
as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição,
escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade
da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou
metafísicas, o reconhecimento do homo
noumenon
, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio
político da República”.

A fundamentalidade dos direitos, ou seja, seu
reconhecimento enquanto direitos fundamentais, é tema que sempre gera polêmica
e até a contemporaneidade, uma vez que não houve consenso a respeito. Até mesmo
a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, ação
constitucional que visa proteger os preceitos fundamentais, carece de uma
definição mais incisiva, uma vez que estes ainda não estão explicitados de
forma direta, salientando que não significa prejuízo, uma vez que um rol
taxativo recomenda uma interpretação restritiva, decerto não benéfica ao
cidadão.

Toda a controvérsia acerca do que são direitos
fundamentais ocorre em virtude da conseqüência jurídica que advém deste
reconhecimento pelo Estado, significando conferir a estes direitos a blindagem
constitucional de cláusula pétrea, garantindo sua imutabilidade. Como bem
elucidou Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 354):

“A
garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias
(nominadas de cláusulas pétreas),
além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos
princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido
princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta
Constitucional dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias
parlamentares”.

E isto força o Estado a cumprir sua finalidade que
é promover o bem comum, como apregoa José Luiz Quadros de Magalhães (2002, p. 220), e ex vi
o art. 5º, § 1º da Constituição brasileira que preceitua: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”.

A análise crítica dos postulados dos direitos
fundamentais e sua relação visceral com os direitos sociais, este espécie
daquele, assume contornos essenciais. Os direitos sociais são ordinariamente
classificados como normas constitucionais programáticas, residindo na reserva
do possível. Norberto Bobbio (1992, p 77-78) tem uma posição interessante pela
relevância de sua crítica:

“Tanto é
assim que na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais
foram chamadas pudicamente de ‘programáticas’. Será que já nos perguntamos
alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e
permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente
delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos
são esses que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja
efetiva proteção são adiados sine die,
além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’
é apenas uma obrigação moral ou, no máximo política, pode ainda ser chamado de
direito? A diferença entre esses
auto-intitulados direitos e os direitos propriamente ditos não será tão grande
que torna impróprio ou, pelo menos, pouco útil o uso da mesma palavra para
designar uns e outros?
”  (grifo nosso)

E a crítica de Bobbio é oportuna, especialmente
quando se considera o conteúdo de promessas em matéria de direitos. Nestas
promessas é que reside a descrença do brasileiro na política e também na
justiça, porque se nem o que está escrito vale, de que poderá se socorrer? Para
clarear ainda mais a obscenidade do tratamento dos direitos sociais como normas
programáticas, a depender do possível de ser realizado, estando, portanto,
vinculadas e pendentes de escolha legislativa presa à moral de cada
representante, a lição de Luís Roberto Barroso (2001, p. 120)
é elucidativa:

“O fato
de uma regra constitucional contemplar determinado direito cujo exercício
dependa de legislação integradora não a torna, só por isto, programática. Não
há identidade possível entre a norma que confere ao trabalhador direito ao
‘seguro desemprego’ em caso de desemprego involuntário (CF, art. 7º, II) e a
que estatui que a família tem especial proteção do Estado (CF, art. 226). No
primeiro caso, existe um verdadeiro direito. Há uma prestação positiva a
exigir-se, eventualmente, frustrada pelo legislador ordinário. No segundo caso,
faltando o Poder Público a um comportamento comissivo, nada lhe será exigível,
senão que se abstenha de atos que impliquem na ‘desproteção’ da família”.

O citado doutrinador defende a teoria da máxima
aplicabilidade das normas constitucionais, única forma de dotar a Constituição
de caráter normativo real e de fornecer ao cidadão, seu destinatário final, uma
proteção efetiva. E não parece legítimo que se defenda que os direitos
fundamentais são apenas enunciados sem força normativa, presos ao acaso da boa
vontade do legislador.

Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 162) ainda aponta
outro perigo do entendimento de direitos sociais como normas programáticas,
afirmando:

“negar
reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última
análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder  público de
modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos
fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar
livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do
Constituinte”.

Embora seja sabido que o legislador dispõe de uma
margem de liberdade numa democracia, não se pode admitir que se possa ignorar o
conteúdo da Constituição e legislar no sentido de desconstruir ou dissolver a
vontade do legislador originário. Aqui reside o cerne deste artigo, abordando o
princípio da vedação de retrocesso nos direitos sociais. Embora a abordagem
deste princípio intrínseco seja ou traga alguma polêmica, como adverte Lênio
Luís Streck (1999,
p. 31) eis que:

“Embora
(o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja
suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no
âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de
Direito consagrado pela nossa ordem constitucional.” Grifos nossos

Embora, como Lênio Luís Streck afirmou, não seja
difundido de maneira ampla, está a cada dia ganhando mais corpo e arrebanhando
defensores, tendo como nascedouro a doutrina lusitana de Joaquim José Gomes
Canotilho (1998, p. 321 e 2001, p. 81) que define o princípio da proibição de
retrocesso social como:

“o
núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de
medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo
inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa
‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial.
A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado”.

Joaquim José Gomes Canotilho tem como adeptos no
Brasil doutrinadores como Ingo Wolfgang Sarlet e Luís Roberto Barroso, et coetera. Verifica-se com Luís Roberto
Barroso (2001,
p. 158) que apesar do princípio do não
retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o
princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida),
tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente
“do sistema jurídico – constitucional, entende-se que se uma lei, ao
regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele
se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente
suprimido”. Na mesma linha Flávia Piovesan (2000):

“O
movimento de esfacelamento de direitos sociais simboliza uma flagrante violação
à ordem constitucional, que inclui dentre suas cláusulas pétreas os direitos e
garantias individuais. Na qualidade de direitos constitucionais fundamentais,
os direitos sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo providos da
garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que
tenda a restringi-los ou aboli-los”.

Diante da transição paradigmática que a sociedade
contemporânea passa buscando a afirmação e a fundamentação dos direitos, o
princípio da vedação de retrocesso dos direitos sociais é um corolário para o que o ser humano deve dar valor: a sua dignidade.
É indissociável a idéia de que a Constituição
foi criada para propiciar cidadãos dignos, garantindo-lhes a mínima proteção
para que lhes seja assegurada uma vida boa,
uma vida feliz. Corroborando com isto, Flávia Piovesan (2000, p. 54-55) explicitou a essencialidade do princípio da
dignidade da pessoa humana, aduzindo:

“A
dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da
Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação
das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais,
como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos
valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico
brasileiro”.

Note-se que os próprios limites materiais no
tocante ao poder de reforma da Constituição significam um entrave à sanha
reformista do legislador, sempre preocupado, como se observa no Brasil, em
criar novas leis ou reformular as antigas, dando pouca atenção à efetividade e
à Constituição.

“A
unidade da Constituição precisa ser preservada, evitando-se a descaracterização
dos preceitos nela contidos. Tanto isto é verdadeiro, que o legislador
constituinte estabeleceu vedações para o poder reformador, protegendo sua obra
e evitando a desvirtuação e o esvaziamento do conteúdo constitucional pelo
legislador ordinário”.

O direito à proibição de retrocesso social consiste
numa importante conquista civilizatória. O conteúdo impeditivo deste princípio
torna possível brecar planos políticos que enfraqueçam os direitos
fundamentais. Funciona até mesmo como forma de mensuração para o controle de
constitucionalidade em abstrato, favorecendo e fortalecendo o arcabouço de
assistência social do Estado e as organizações envolvidas neste processo.

Além do mais, o princípio da reserva de justiça da
Constituição imprime a vontade do titular do Poder Constituinte, este legítimo
quando seja depositário dos valores inspiradores do conteúdo normativo da Carta
Magna. O poder constitucional é limitado aos valores base em que fora
sedimentado. Por oportuno cumpre citar Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 224) por abordar mais uma premissa deste artigo,
aduzindo “não mais é possível pensar a
Constituição – e mais ainda as suas cláusulas constitucionais intangíveis – sem
levar em conta suas qualidades intrínsecas, seu valor ético”.
O valor
intrínseco de uma Constituição não pode ser desprezado ou subjugado, sob pena
de ruir o conteúdo normativo da mesma.

Em um país tão marcado pela desigualdade social
como o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as matizes
neoliberais políticas fazem por brotar no constitucionalismo contemporâneo a
necessidade de elaborar formas de proteger os direitos sociais, em especial os
trabalhistas, garantindo o mínimo necessário à dignidade de vida.

A globalização econômica faz com que os Estados, em
geral, percam o controle de sua economia, atingindo seu poder de gestão,
imprimindo ações diretivas a favorecer ou desfavorecer, a depender da ocasião,
os direitos sociais. O que tem acontecido é uma tendência de retrocesso na
proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a
diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial e o desmantelo dos
direitos trabalhistas através da flexibilização.

O Direito, enquanto ciência social aplicada deve
transpassar da mera dogmática e alcançar a realidade, indo além da análise do
problema, propondo soluções palpáveis e de aplicabilidade imediata. Esta função
social urge ser incessantemente perseguida, sob pena de retrocessão na própria
civilização, entendida como abandono dos instintos animalescos, e seguir ao
encontro do estado democrático de direito prometido na Constituição.

Como salienta Antônio Henrique Pérez Luño (1993, p.
215) os direitos sociais, denominados por Norberto Bobbio (1992) como de
segunda geração, exsurgem do reconhecimento de que “liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e pluralista,
mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não-liberdade de
muitos”
, o que condiz com a idéia de mínimo existencial garantido através
da intervenção positiva do Estado. Disto extrai-se a essencialidade dos
direitos sociais e a relevância jurídica enquanto bens tutelados pela Carta
Magna, a saber direito a educação, saúde, ao lazer, ao trabalho e à moradia.
Todos estes direitos estão contidos no mínimo existencial englobado no conteúdo
jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana.

A crise por que vive o direito tem reflexos nos
direitos fundamentais. O panorama de crise será mais ou menos agudo a depender
das posições políticas adotadas. Isto se dá pelo impacto da globalização e da
afirmação do paradigma alcunhado neoliberal, que impõe aos países periféricos
uma lógica perversa de Estado mínimo, subordinação a órgãos como o Fundo
Monetário Internacional e a situações de competição desigual e, como adverte
Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) a crise, entretanto não é fruto apenas disto:

“É,
contudo, comum a todos os direitos fundamentais, de todas as espécies e
‘gerações’, além de não poder ser atribuída, no que diz com suas causas
imediatas, exclusivamente ao fenômeno da globalização econômica e ao avanço do
ideário e da ‘praxis’ neoliberal”.

A exclusão social e formação de bolsões de pobreza
são graves dilemas enfrentados pelo Brasil, que atuam reduzindo a capacidade de
ação social no sentido de efetivação dos direitos fundamentais. A outra face da
moeda é fragilidade que transformar-se em dominação, o que gera uma
possibilidade de desmantelo da democracia. O poder paralelo ou crime organizado
abrigado em favelas e aglomerados, que representam “pseudo-estados”, onde o
poder instituído está ausente. E aí surge o perigo de isolar em dois mundos o povo brasileiro, de um lado
os moradores da cidade submetida ao poder político instituído e de outro os
habitantes das favelas sob o crivo do crime organizado, podendo vir a força
estatal ou violência legitimada ser utilizada com o objetivo falacioso de
manter a ordem e proteger os cidadãos de bem, o que foi chamado de “fascismo do
Estado paralelo” por Boaventura Souza Santos (1998, p. 23 e ss), caracterizado pela subversão da ordem jurídica. Ingo Wolfgang Sarlet
(2001, p. 8) contextualiza de forma brilhante os nefastos reflexos da crise dos
direitos sociais:

“Para
além disso, convém que fique registrado que – além da crise dos direitos
fundamentais não se restringir aos direitos sociais – a crise dos direitos
sociais, por sua vez, atua como elemento
de impulso e agravamento da crise dos demais direitos
. […] Basta, neste
contexto, observar que o aumento dos índices de exclusão social, somado à
crescente marginalização, tem gerado um aumento assustador da criminalidade e
violência nas relações sociais em geral, acarretando, por sua vez, um número
cada vez maior de agressões ao patrimônio, vida, integridade corporal,
intimidade, dentre outros bens jurídicos fundamentais”.(grifo nosso)

Diante
deste contexto de crise, o direito do trabalho é afetado de forma incisiva e
seu desmantelo contribui para o aumento da violência, principalmente em razão
do desemprego. O único caminho que
pode despontar para a satisfação de uma sociedade justa e igualitária é
garantir, por força e proteção da Constituição Federal, a dignidade do
trabalho. E não só isto, propiciar formas de que estas normas sejam
efetivamente cumpridas.

3.
Considerações Finais

Em nosso país, em que pese os prestimosos esforços
doutrinários em garantir a fundamentalidade dos Direitos Sociais, a prática
ainda é tímida. É possível afirmar que o constitucionalismo moderno e suas
perspectivas filosóficas encontram-se além de nosso tempo, porém são
iniciativas fundamentais para o amadurecimento da nossa democracia e o sucesso
futuro de nosso povo.

A ameaça sobre os direitos sociais sempre presente
em países em desenvolvimento como o Brasil, em que a globalização econômica tem
como efeito a exclusão social e a mitigação de recursos orçamentários. Porém,
sem dúvida, é um avanço brilhante da nossa sociedade o reconhecimento dos
direitos sociais, em especial os trabalhistas, haja vista a quantidade e
pluralidade dos mesmos, ocupando todos os artigos no tópico de direitos sociais
elencados na Constituição Federal.

Entretanto, a conquista pura e simples não é motivo
para comemoração, é apenas o primeiro passo rumo a uma luta maior: sua
efetivação. Dentro da perspectiva de cidadania é dever de todos participar
sócio-politicamente do processo de fortalecimento da democracia. A participação
ativa é fundamental para que o texto constitucional saia do discurso
demagógico.

Os direitos fundamentais sociais em seu cerne
possuem um projeto emancipatório fascinante, assim como possuem todos os
direitos fundamentais, uma vez que lutando por estes direitos e sua efetivação
constrói-se a emancipação real do ser humano. Significam a saída da cidadania
do plano jurídico-formal (projeto político) para o campo sócio-econômico. E
nisto, reside a beleza e prestabilidade dos direitos fundamentais.

Concluindo o que foi iniciado por poesia, apresento
a do Mário Quintana (1948, p. 15) por encaixar-se
no espírito deste artigo “Se as coisas
são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las… Que triste os
caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”
.

 

Bibliografia:

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Notas:

[1] Ideais
insertos no art. 3º, I da Constituição Federal de 1988.

[2]
Art. 60, § 4º, inc, IV da CF/88, in
verbis
: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: os direitos e garantias individuais.

[3]
A simples leitura do art. 1º, incisos II e III da Constituição Federal embasa a
assertiva no tocante os direitos sociais e seus valores inspiradores são
fundamentos do Estado Democrático de Direito e também sua conceituação, haja
vista, que a soberania popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a
representatividade do povo, real detentor do poder consubstanciam o Estado
Democrático de Direito.

[4]
O princípio do não-retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos
sociais caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais
amparados na Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio
jurídico.

 


Informações Sobre o Autor

Dayse Coelho De Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados – ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.


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