A guerra fiscal e a recusa ilegal pelos estados dos créditos de ICMS


O princípio da não-cumulatividade, previsto na Constituição Federal de 1988, assegura aos contribuintes do ICMS o direito de abatimento do imposto estadual incidente nas entradas de mercadorias, exercido no momento em que o imposto é cobrado das suas saídas tributadas. Assim, o valor cobrado a título de ICMS nas entradas de produtos dá origem a um crédito, que poderá ser aproveitado pelo contribuinte e compensado com o valor do imposto a ser recolhido nas saídas. Esse principio constitucional tem por finalidade reduzir o custo do processo produtivo e comercial, minimizando o impacto dos impostos sobre o preço dos bens e serviços de transporte e de comunicação, de forma que seja tributado somente o valor acrescentado a cada fase do ciclo econômico. Desta forma, por seu relevante papel econômico e social, o principio da não-cumulatividade não pode sofrer restrições, exceto aquelas já previstas na própria Constituição Federal. Apesar de se constituir em um princípio constitucional, tal regra não vem sendo respeitadas pelos Estados da Federação. Em face da denominada guerra fiscal alguns Estados glosam os créditos dos contribuintes que receberam mercadorias de fornecedores que supostamente beneficiaram-se de algum tipo de beneficio fiscal unilateral. Embora essa questão já seja antiga, permanece atual e merece ser discutida com maior amplitude e boa-fé. Em nossa modesta opinião, não há fundamentos jurídicos plausíveis que suportem o intento desses Estados glosadores de créditos. Como se sabe, em toda guerra (mesmo sendo ela fiscal), quem sofre as conseqüências de sua nefasta destruição são sempre os inocentes. Ora, o ICMS está adstrito ao princípio constitucional da não-cumulatividade, como dito, nos exatos termos da Constituição Federal, não podendo o legislador infraconstitucional ou o Administrador Público pretender-lhe novos contornos, aumentando ou diminuindo a sua eficácia. O único ensinamento que se pode tirar desta afirmativa constitucional é a de que toda vez que o contribuinte, ao adquirir uma mercadoria ou um serviço, havendo a incidência do ICMS, passa a ter em seu favor um crédito fiscal, constituindo  um direito-dever de compensar este crédito com o débito do imposto nas operações mercantis posteriores. Há uma razão lógica à manutenção do crédito. A lógica está que o valor do ICMS encontra-se embutido no preço de venda da mercadoria e o destaque do imposto no campo ICMS da nota fiscal é meramente um indicativo de seu valor. Logo, quando o adquirente compra a mercadoria ele, implicitamente, compra o ICMS, isto é, ele paga pelo ICMS. Esta metodologia jamais pode ser afetada pelo fato de o Estado de origem da mercadoria conceder ao fornecedor da mercadoria um crédito presumido, pois, esse crédito presumido não afeta em nada a apuração e cálculo do ICMS lançado na nota fiscal de venda da mercadoria. Portanto, qualquer norma que venha de encontro a esse principio constitucional deve ser declarada inconstitucional, não produzindo qualquer efeito no mundo jurídico. Enfim, negar ao contribuinte o crédito do ICMS destacado nas notas fiscais de entrada, seja qual for a sua procedência ou destinação, é antes um retrocesso, uma involução, contrariando toda a ciência tributária, consubstanciando em uma afronta a Constituição da Republica, ordem máxima do nosso direito pátrio. Não permite a Carta Magna que simples lei estadual impeça a utilização dos créditos de ICMS, regularmente destacados nas notas fiscais de entrada. Inadmissível, igualmente, a criação de restrição ao creditamento do ICMS, em desacordo com o art. 155, §2º, II, da CF.


Não se admite assim, que qualquer Estado da Federação, declare a inconstitucionalidade de leis concessivas de benefícios fiscais, de outros Estados Federados ou pelo Distrito Federal, por suposta violação a artigo da Constituição Federal ou até mesmo da LC 24/75. Se houver a tão propalada violação, deve o Estado que se sentir ofendido, socorrer-se do Poder Judiciário, ajuizando ação declaratória de inconstitucionalidade, conforme previsto na própria Constituição Federal. É inadmissível a alegação para se autuar de que o Estado em que situado o fornecedor da mercadoria supostamente teria concedido incentivo fiscal ao mesmo. O que o contribuinte que recebe a mercadoria tem a ver com isso? Nada! O contribuinte que recebe a mercadoria em nada se beneficia da alegada benesse supostamente concedida ao seu fornecedor! O mesmo pagou o preço que lhe foi cobrado, estando destacado em nota fiscal o valor do ICMS. Mesmo que tal fato ocorresse, não se admite restrição ao princípio da não-cumulatividade, obstaculando o creditamento do ICMS. É absurda e imoral a pretensão de alguns Estados, de que o contribuinte adquirente da mercadoria fiscalize os seus fornecedores, para saber se algum deles está sendo beneficiado de algum beneficio fiscal não previsto em Convênio de ICMS.  Vale a pena observar que os contribuintes, em verdade, são apenas vitimas de uma guerra que não é deles e, por isso têm bons argumentos de defesa em caso de autuações pelas autoridades fiscais estaduais ou ainda para questionar as vedações trazidas por esses Convênios perante o Poder Judiciário, pois a concessão de benefícios fiscais não pode representar empecilho ao pleno exercício do direito de abatimento assegurado pelo principio constitucional da não-cumulatividade.



Informações Sobre o Autor

Dalmar Pimenta

Advogado, Pós-graduado ( MBA) em Direito de Empresas pelo IBMEC Business School, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RS. Mestrando em Direito Empresarial pelas Faculdades Milton Campos. Sócio-Diretor do Dalmar Pimenta Advogados Associados. Sócio Fundador e Conselheiro da Associação Brasileira de Consultores Tributários ABCT Seccional de Minas Gerais. Sócio Fundador e Conselheiro da Associação Brasileira de Direito Tributário ABRADT. Membro do Conselho de Assuntos Jurídicos da Associação Comercial de Minas Gerais, Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional em Minas Gerais, Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Membro do Comitê de Legislação da AMCHAM MG, Membro do Comitê de Relações Societárias e Relações com Associados do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Professor de Direito Tributário da UNILESTE/Coronel Fabriciano, Instrutor do SEBRAE MG, palestrante em Congressos e Seminários de Direito Tributário, comentarista tributário em periódicos, jornais locais e de circulação nacional. Diretor Departamental de Direito Tributário e Financeiro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Livros publicados pela Editora Del Rey e Editora Síntese.


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