A hodierna classificação do meio ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio ambiente do trabalho e do meio ambiente misto

Resumo: A doutrina classifica o meio ambiente em natural, artificial, cultural e do trabalho. Muito embora esta classificação doutrinária seja pacífica, é perceptível a sua imprecisão, pois entende o meio ambiente do trabalho como classe, quando apenas é uma espécie mista, derivada da junção de aspectos das outras três classes ambientais. Com base nesse dilema, este artigo busca demonstrar, a necessidade da efetivação de um remodelamento na hodierna classificação do meio ambiente, com base no argumento de que a simples citação constitucional do meio ambiente do trabalho, não seria suficiente para que fosse considerado uma classe ambiental. Tal remodelamento dar-se-ia pelo reconhecimento do meio ambiente misto, como classe ambiental, e do meio ambiente do trabalho, como, tão-somente, uma espécie de meio ambiente misto.

Palavras-chave: Classificação; Meio Ambiente; Meio Ambiente Natural; Meio Ambiente Artificial; Meio Ambiente Cultural; Meio Ambiente Misto; Meio Ambiente do Trabalho.

Sumário: 1. Introdução; 2. Preceitos Gerais; 3. Meio Ambiente Natural; 4. Meio Ambiente Artificial; 5. Meio Ambiente Cultural; 6. Meio Ambiente Misto; 7.Conclusão; 8. bibliografia

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

1. INTRODUÇÃO

O Direito é um fenômeno social. Não há, certamente, uma frase que melhor ilustre a essência do Direito. Por este raciocínio, o Direito passa a ser concebido como um produto da fenomenologia social, de maneira que as alterações surgidas no bojo da sociedade, que o elabora, acabam afetando o seu próprio arcabouço.

Quando o ponto em questão da Ciência Jurídica passa a ser a classificação do meio ambiente, é necessário compreender-se que a sua suscetibilidade a sofrer os efeitos desatualizadores do tempo é bem maior. Afirma-se isso, haja vista o fato de que a temática ambiental até pouco tempo era desconhecida ou tão-somente explorada pelos juristas a um nível superficial.

Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então eram marginalizadas. Assim sendo, a cada novo dia, a cada novo instante, revelam-se novos fatores, que forçam, com um impulso natural, a um remodelamento, à uma releitura, dos conceitos jus-ambientalistas, entre eles, aqueles presentes na hodierna classificação do meio ambiente.

Este trabalho visa valorizar a amplitude maior do conceito de meio ambiente, que insere em sua órbita o homem, a sua sociedade, os seus valores e produtos intelectuais, bem como re-configurar as informações inadequadamente alocadas no patamar de classe, ao invés de espécie (diferenciação que será aqui efetivada), fazendo emergir um rejuvenescido padrão classificatório, que leve em consideração o meio ambiente misto, até então desconhecido como tal.

Repensar o modelo classificatório vigente (ainda que pacífico doutrinariamente), re-investigar as entranhas daquilo que é conhecido como meio ambiente do trabalho, internalizar novos valores e objetos ao estudo da classificação do meio ambiente (visando demonstrar a existência de uma classe mista, na atualidade ignorada), não são devaneios ou caprichos acadêmicos, mas, de certo, uma necessidade, advinda da própria natureza difusa e ubíqua do meio ambiente. São estes os objetivos deste trabalho. Negá-los, todavia, é negar a própria essência auto-rejuvenescedora do Direito e condenar o Direito Ambiental, por conseguinte, a um indesejável, paralisante e eterno engessamento.

2. PRECEITOS GERAIS

Segundo Rebello Filho e Bernardo (1998, p.18), “podemos classificar o meio ambiente sobre quatro aspectos: o meio ambiente natural, o meio ambiente cultural, o meio ambiente artificial e o meio ambiente de trabalho”. Este mesmo raciocínio é defendido por Fiorillo e Rodrigues (1995, p.111), ao destacarem que “podemos dizer que o meio ambiente apresenta quatro significativos aspectos”, sendo eles “1. natural; 2. Cultural; 3. Artificial e do 4. Trabalho”.

Todavia, aqui, não há a disposição de concordar-se, em todo, com o posicionamento apontado acima. Esta discordância dá-se pela certeza de que o meio ambiente do trabalho é, apenas, uma espécie mista de meio ambiente, derivada da junção de aspectos das outras três classes (natural, artificial e cultural). Por esta idéia, portanto, não poderia ser utilizado o meio ambiente do trabalho como critério de classificação pelo simples fato de a Constituição citá-lo existente (art. 200, inciso VIII), até porque a sua essência é específica demais para ser considerada como classe[1] (BRITO, 2002, p.61). Se o pensamento de classe fosse incorporado à idéia de meio ambiente do trabalho, teria que se considerar também, para critérios de classificação, o meio ambiente do lar (pois a C.F. no seu inciso XI, artigo 5º, defende a sua inviolabilidade), o meio ambiente da propriedade (pois a C.F. no inciso XXIII, do artigo 5º, regula a necessidade de sua função social), o meio ambiente das entidades de ensino (pois o MEC, dentro da lei, disciplina a melhor estruturação dos ambientes de ensino, punindo aqueles que não se enquadraram adequadamente), entre inúmeros outros meios ambientes que são derivados das três classes principais (natural, cultural e artificial) e que, muito embora sejam citados pela Constituição Federal, também são específicos demais para serem considerados classes ambientais.

É importante, ainda, ressaltar que não era a intenção do constituinte criar uma classe de meio ambiente quando citou, no inciso VIII, do art. 200, da C.F., a existência do meio ambiente do trabalho. Isto posto, não há porque se insistir nesse entendimento. Acrescenta-se, complementarmente, que, nesse caso, esse papel cabe à doutrina, sendo dela a responsabilidade de estabelecer uma classificação COERENTE e lógica, baseada na substancialidade e no espírito do objeto ambiental e não, apenas, em mera citação legal.

Além de tudo já mencionado, a classificação ofertada pela doutrina, que adota meramente o meio ambiente do trabalho ao invés do meio ambiente misto, é insuficiente, já que exclui de sua órbita a possibilidade de enquadramento de outros meios ambientes que, certamente, não se incorporam nas outras três classes consagradas e, muito menos, na “classe” do meio ambiente do trabalho. Se se fosse considerar como adequado o conjunto das quatro classes que a doutrina propõe (a natural, a artificial, a cultural e a do trabalho), como se poderia alocar, por exemplo, o meio ambiente das entidades de ensino (quando, pelo que será estudado, constatar-se-á que essa espécie de meio ambiente não corresponde, especificamente, a nenhuma das quatro classes doutrinárias)? Da mesma forma, como se poderia abarcar o meio ambiente urbano (já que sua substancialidade é mista e, por isso, impassível de ser, também, abarcada pela hodierna classificação estipulada pelos doutrinadores)? Igualmente, como poderia a atual classificação proposta compreender as outras inúmeras espécies de meio ambiente na mesma situação?

Nesse diapasão, faz-se de fácil compreensão o fato de que não é interessante defender-se a atual construção classificatória do meio ambiente. Primeiro, pela certeza de que o meio ambiente do trabalho é específico demais para ser considerado e ser entendido como classe. Segundo, por ser nítido que o meio ambiente do trabalho, assim como outras espécies de meio ambiente (incluindo-se, nestas, o meio ambiente do lar, dos hospitais etc.), só podem ser concebidos enquanto classe mista (o que é lógico, pois possuem, simultaneamente e com a mesma intensidade, características do meio ambiente natural, artificial e cultural).Terceiro, porque a classificação doutrinária é falha, insuficiente e incompleta, a partir do momento em que não abriga em sua órbita inúmeras espécies de meio ambiente de natureza mista, por não considerar a existência de uma mista classe que as inclua.

Enfim, por essa conjuntura e pela concatenação dos argumentos acima delineados é que se buscou reconstruir a classificação do meio ambiente, mantendo-se as três classes primeiras (natural, artificial e cultural), excluindo-se a “classe” do meio ambiente do trabalho (já que a sua essência e amplitude limitam-se, meramente, à extensão de espécie) e adotando-se como classe o meio ambiente misto (que é, notadamente, existente e que, entre outras inúmeras espécies, inclui o meio ambiente do trabalho). Destarte, a classificação ideal do meio ambiente inclui: a) o meio ambiente natural ou físico; b) o meio ambiente artificial; c) o meio ambiente cultural; e d) o meio ambiente misto.

Por este raciocínio, chega-se à conclusão de que “meio ambiente” é realmente classificado em quatro aspectos. Contudo, o quarto aspecto não é, como defendem os autores citados, o meio ambiente do trabalho, mas, sim, o meio ambiente “misto”, estando nele o do trabalho, o do ensino, o urbano ou das cidades, entre inúmeros outros que não se encaixam, especificamente, com os outros três.

Abaixo está a classificação de meio ambiente, baseada no raciocínio trabalhado acima.

3. MEIO AMBIENTE NATURAL

Obviamente que quando se estabelece uma classificação, busca-se agrupar distintos elementos, de distintas espécies, através da identificação, nos mesmos, de uma característica marcante e comum. Por esse fato, tem-se como certo que classificar não significa, como podem entender os mais descuidados, unir em um grupo elementos iguais, mas, de modo diverso, unir em um grupo ou classe elementos substancialmente distintos que, sobre um determinado aspecto, ostentam uma característica marcante e comum, entre eles.

Nessa ótica, pode-se dizer que o meio ambiente natural ou físico é aquele que, criado originariamente pela natureza, não sofre qualquer interferência da ação humana que tenha como resultado a modificação de sua substância. É importante ressaltar que a interferência do homem em um componente do meio natural não é suficiente para que o mesmo não mais pertença a esta classe. Para que isto ocorra, necessário faz-se que a substância do meio ambiente natural, com a interferência da ação humana, seja alterada. Sem essa alteração na substancialidade, não há que se afirmar que o meio ambiente natural descaracterizou-se.

Dessa maneira, muito embora tenha sido realizada com interferência humana (através da aplicação de técnicas e tecnologias, para a obtenção de um bom cultivo), uma plantação de trigo ou de soja é um meio ambiente natural, já que, neste caso, não se constata uma modificação na substância da mesma. Todavia, se essa mesma plantação for realizada com sementes transgênicas (originadas de manipulação genética, que tem como fito alterar a substancialidade do trigo e da soja, para que se comportem de uma maneira diversa daquela com a qual naturalmente se comportariam) não há que se falar em meio ambiente natural, mas, sim, em artificial (classe de meio ambiente que será tratada mais à frente), já que, deve-se lembrar, o meio ambiente natural é aquela classe que envolve a natureza em sua forma primitiva e original, sem a intervenção substancial do homem, embora o homem (enquanto animal; ser vivo) faça parte desse meio natural. Se a alteração genética propiciada pelo homem, faz com que a soja ou o trigo produza mais do que deveria produzir e tenha mais resistência a pragas do que naturalmente teria, diz-se que a naturalidade do vegetal, contida em sua genética, foi sufocada, ao menos onde interessava, pela artificialidade da ação humana, só restando classificá-la como meio ambiente artificial.

Nesse entendimento, busca-se enfatizar que não é qualquer ação humana que provoca a artificialização do meio ambiente natural. Se se pensasse de outra forma ter-se-ia que defender, por exemplo, que uma planta em um vaso (no qual foi inserida pela ação do homem) seria um meio ambiente artificial, o que não é coerente. Poder-se-ia até dizer que o vaso, no qual a planta se encontra, é um meio ambiente artificial, todavia o mesmo não se poderia dizer da planta, em si mesma, que não teve, substancialmente, a sua naturalidade afetada. A planta, mesmo estando em um vaso e não na mata, comporta-se, cresce e desenvolve-se do modo como as suas características genéticas permitem. O seu comportamento e o seu desenvolvimento limitam-se às características naturais de sua substância. A artificialidade, nessas circunstâncias, limita-se, por sua vez, à transferência do vegetal (que não estando na mata, encontra-se no vaso).

Situação semelhante vislumbra-se na derrubada de uma mata para a plantação de pasto, que será utilizado na criação de gado. A artificialidade resume-se à ação humana de derrubar a mata e de plantar o pasto. O pasto, depois de nascido, por manter as suas propriedades naturais, será um meio ambiente natural e não artificial. Igualmente, um ser humano, nascido como um “bebê de proveta”, será meio ambiente natural e não artificial, pois a artificialidade da ação humana no seu nascimento resume-se à inseminação do óvulo, não alterando, dessa maneira, as suas qualidades e características originárias, definidas pelos seus genes.

Esta classe de meio ambiente é, como dizem Fiorillo e Rodrigues (1995, p.112), constituída “pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela flora, pela fauna, ou em outras palavras pelo fenômeno de homeostase, qual seja, todos elementos responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem”. Da mesma maneira, definem Rebello Filho e Bernardo (1998, p. 19), no Guia prático de Direito Ambiental, ao dizerem que “é constituído por todos elementos responsáveis pelo equilíbrio entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, flora e fauna”. Perceber-se-á que apesar da água ser distinta do solo e este, por sua vez, distinto do ar atmosférico, do espaço sideral, da fauna e da flora, nada impede que eles componham e integrem a mesma classe natural. Isso porque todos eles possuem uma característica marcante e comum que viabiliza o agrupamento dos mesmos enquanto classe natural: o fato de serem originariamente criados pela natureza.

Por fim, com relação à fundamentação legal, para os autores acima citados, esta classe de meio ambiente é tutelada pela Constituição Federal, no art. 225, caput e no § 1º, incisos I e VII, do mesmo. Neste trabalho, entende-se, ainda, tutelado o meio ambiente natural, diretamente, na C.F. de 88, nos incisos II (ao visar a preservação da diversidade e do patrimônio genético), IV (ao exigir o estudo prévio de impacto ambiental, com o fito de evitar desequilíbrios, entre outros aspectos, no meio ambiente natural), V (no controle de técnicas e substância que prejudiquem a vida humana e todas as demais) do § 1º do art. 225, além do § 2º, do mesmo artigo, (que, ante a abusiva e descuidada exploração mineral, obriga o degradante a recuperar o meio ambiente degradado, entre eles, o natural).

4. MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

Se a característica que permite a classificação de um determinado meio ambiente como natural é o fato de ter ele origem pelos procedimentos normais da natureza (sem a interferência substancial do homem), o meio ambiente artificial, em contrapartida, é reconhecido por ser fruto da citada interferência. Desse modo, aquele meio ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem é um meio ambiente artificial.

É certo que o homem trabalha em cima da “matéria” originariamente natural, para criar o seu mundo. Entretanto, a partir do momento em que a mesma sofre a ação substancial do ser humano, torna-se mais relevante classificá-la pela sua artificialidade (enquanto produto do manuseio) do que pela sua naturalidade originária (já, de certa forma, descaracterizada). Diz-se isso pela certeza de que após ser manuseado, em sua substância, pela ação humana, o meio ambiente, certamente, comportar-se-á de modo diverso. Suas características, suas propriedades, suas peculiaridades e particularidades apresentar-se-ão de modo distinto daquele que ele apresentaria se não tivesse sido passível do “toque” do homem.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Por esse entendimento é que se afirma ser uma plantação transgênica um meio ambiente artificial e não natural. Do mesmo modo que uma criação de gado, geneticamente alterado. Em ambos os exemplos, a naturalidade originária é ofuscada pela artificialidade da interferência substancial do homem, que altera as características naturais das sementes (no caso da plantação) e do gado, para alcançar um objetivo laboratorial e artificialmente projetado.

Da mesma forma, são elementos da classe artificial: os edifícios, as casas, os aparatos tecnológicos, os asfaltos, as barragens, as substâncias somente exeqüíveis em laboratório, assim como tudo aquilo que só tenha sido possível existir (do modo como é) pela interferência substancial do homem e não pela geração normal, independente e espontânea da natureza.

De acordo com Rebello Filho e Bernardo (1998, p.19), entende-se que “a Constituição Federal de 1988, ao cuidar da política urbana, acabou por tutelar o meio ambiente artificial”. Nesta ótica, os juristas Fiorillo e Rodrigues (1995, p.118) afirmam que

“no tocante ao meio ambiente artificial, podemos dizer que, tratando-se de normas constitucionais de sua proteção, recebeu tratamento destacado não só no seu art. 182 e seguintes, que não pode ter a interpretação desvinculada do seu art. 225[2] desse mesmo diploma, mas também no art. 21, XX, no art. 5º, XXIII, dentre outros”.

Fiorillo e Rodrigues, em mesmas obra e página, ainda afirmam: “por meio ambiente artificial, entende-se aquele constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (espaço urbano aberto)”. Entretanto, há de aqui se afirmar que o vocábulo “urbano” , como dizem os autores acima citados, não separa as expressões “urbano” e “rural”. Pelo contrário: no sentido abordado, engloba os dois vocábulos, “já que qualifica algo que se refere a todos os espaços habitáveis”, não excluindo, por esta idéia, o conceito de “rural”. Destarte, uma casa no campo, assim como um condomínio na cidade, pela sua construção física, é meio ambiente artificial, não importando a sua localização.

Com relação ao meio ambiente das cidades, ou seja, o meio ambiente urbano, é importante ainda destacar que o mesmo só pode ser enxergado, como um meio ambiente artificial, quando se leva em consideração apenas a sua construção física (os prédios, o asfalto, os postes etc.). Afirma-se isso por entender-se que o meio ambiente urbano, além de sua constituição física, abriga outros aspectos. Os homens, os animais domésticos, as colônias de bactérias (que vivem nos esgotos), os vírus, os protozoários, os ácaros (levados pelo ar e residentes nos colchões), os pássaros das praças, os vegetais que arborizam as cidades, entre inúmeros outros seres vivos e componentes naturais (como a terra, o ar e a água), são elementos do meio ambiente natural, que encharcam o meio ambiente urbano e que não podem ser desprezados.

Outrossim, não podem ser desprezados a cultura que circula e que propulsiona as relações no meio urbano. A língua, os costumes, as identidades regionais, as técnicas de venda, as relações afetivas, institucionais, profissionais (entre outras), além das valorações turísticas, paisagísticas, históricas, artísticas e arquitetônicas que revestem a constituição física de cada cidade, são componentes do meio ambiente cultural e que também encontram aconchego no universo urbano. Nessa conjectura, o meio ambiente urbano, por abarcar elementos naturais, artificiais e culturais, seria mais bem classificado como um meio ambiente misto (que será estudado mais à frente) e não como um meio ambiente artificial, já que a sua artificialidade limita-se, apenas, a uma parte dos seus elementos.

5. MEIO AMBIENTE CULTURAL

Com relação ao meio ambiente cultural é importante salientar que o mesmo poder-se-á apresentar em duas formas distintas: em sua forma concreta ou em sua forma abstrata. A relevância dessas duas formas faz com que seja indispensável comentá-las (motivo pelo qual assim será feito neste trabalho).

Diz-se que o meio ambiente cultural é concreto quando ele apresenta-se transfigurado em um objeto classificado como meio ambiente artificial. Desse modo, os prédios, as construções, os monumentos, as estações, entre outros objetos (que abrigam em sua órbita a qualidade de turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico) são meios ambientes culturais concretos.

Nesse caso, assim como no meio ambiente artificial torna-se muito mais importante levar em consideração a artificialidade em detrimento da naturalidade originária do meio ambiental, no meio ambiente cultural concreto torna-se muito mais relevante considerar a sua valoração cultural em detrimento da artificialidade que o mesmo detém. Diz-se isso pela certeza de que, nessa classe de bem ambiental, a valoração cultural supera a valoração estrutural do bem referido. Dessa maneira, um casarão antigo vale muito mais pelo seu conteúdo histórico do que pela soma de todo o material gasto na sua construção e do próprio terreno no qual se localiza. Igualmente, valem muito mais pelas suas características artísticas e arquitetônicas, respectivamente, um quadro de Picasso e uma Igreja barroca. Assim sendo, o meio ambiente cultural concreto dá-se como uma qualificação extra, como um plus, como algo a mais que reveste o meio ambiente artificial, de modo a fazer com que seja mais considerado pelo seu valor imaterial (histórico, turístico, paisagístico, artístico ou arquitetônico) do que pelo seu valor material (correspondente à estrutura física que o compõe).

Na Constituição Federal, em seu art. 216, encontra-se como patrimônio cultural brasileiro alguns elementos que, na avaliação desse trabalho, compõem o meio ambiente cultural concreto. São eles: a) as criações científicas, artísticas e tecnológicas (inciso III) – quando transfiguradas em determinados objetos conhecidos como meio ambiente artificial, por exemplo, uma tela de Monet (que, embora materialmente seja meio ambiente artificial, pela sua valoração cultural classifica-se como meio ambiente cultural concreto); b) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais (inciso IV); c) os conjuntos urbanos[3] e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (inciso V).

Diz-se, por sua vez, que o meio ambiente cultural é abstrato quando ele não se apresenta transfigurado no meio ambiente artificial. Desse modo, é meio ambiente cultural abstrato a própria cultura, em si mesma. Outrossim, a língua, os costumes, os modos como as pessoas relacionam-se (social, afetiva e profissionalmente), as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações derivadas de cada identidade nacional e/ou regional, todos esses aspectos, sem distinção, compõem abstratamente o meio ambiente cultural. A própria Constituição Federal, em seu art. 216, admite como patrimônio cultural brasileiro alguns elementos que, na avaliação desse trabalho, compõem o meio ambiente cultural abstrato. São eles: a) as formas de expressão (inciso I); b) os modos de criar, fazer e viver (inciso II); e c) as criações científicas, artísticas e tecnológicas (inciso III) − esses últimos elementos, logicamente, compondo o meio ambiente cultural abstrato quando não forem transfigurados no meio ambiente artificial, ou seja, quando se tratarem, exclusivamente, de criações e produções teóricas, pois, caso contrário, classificar-se-ia como meio ambiente cultural concreto.

Nesse ínterim, muito embora os elementos supracitados não sejam concretamente palpáveis (e por isso são abstratos), não há como se negar que ajam de maneira relevante para a evolução e para a construção da identidade social e individual do homem. Prova disto é o modo como é fácil identificar que um determinado indivíduo é brasileiro ou estrangeiro, baiano ou carioca, do interior ou da capital (pelo modo como fala, age e apresenta-se). Isto porque cada região, por apresentar seus próprios costumes, hábitos e valores, ostenta um meio ambiente cultural peculiar a sua realidade. Os indivíduos, por esse panorama, associado às suas particulares características, acabam refletindo, na sua pessoa, esse processo. Daí porque se deve dar importância à preservação das culturas nacionais e regionais (a exemplo das populações ribeirinhas), pois a degradação da mesma propicia uma degradação ambiental (na esfera abstrata do meio ambiente cultural) tão prejudicial quanto, por exemplo, a devastação de uma mata, afinal, com a destruição de uma cultural local, esfacela-se um modo de viver próprio que, possivelmente, não encontra equivalentes culturais em quaisquer outras partes do globo. Extingue-se, por resultado, uma vertente cultural única, o que é um prejuízo incalculável, isto é, incomensurável, não só para o país, mas, também, para toda a humanidade.

Faz parte, entretanto, de uma cultura materialista ocidental dar mais valor ao que é CONCRETO, visível e palpável. Essa cultura materialista também se reflete na proteção do meio ambiente cultural. Os cidadãos, assim como o próprio Poder Público, concentram-se (de regra) em, literalmente, buscar a proteção do patrimônio cultural (como se ele restringisse-se unicamente à idéia de bem material)[4]. Os casarões antigos, os monumentos artísticos, arquitetônicos e turísticos geralmente são os alvos das investidas ambientalistas.

Esse fato, outrossim, além de ser incoerente, por si só, contraria a vontade do constituinte, já que no caput do art. 216 da “Carta Magna” estabeleceu que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial (…)”. Dessa forma, notar-se-á a previsão legal que enfatiza a existência do meio ambiente cultural concreto (ao falar-se do patrimônio cultural de natureza material) e do meio ambiente cultural abstrato (ao falar-se do patrimônio cultural de natureza imaterial), devendo ambos, indistintamente, ser protegidos. Essa proteção, ressalta-se ainda, deve-se dar pela ação conjunta do Poder Público e da Comunidade, como estabelece o § 1º, do art. 216, da C.F., ao afirmar que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro (…)”.

Os indivíduos, apesar da previsão constitucional, distintamente, não dão tanta atenção à preservação da CULTURA, em si mesma. Esse fato acaba gerando uma dantesca distorção, na qual visa-se preservar o produto cultural (enquanto patrimônio concreto, isto é, os prédios antigos, os monumentos artísticos etc.), desprezando-se, porém, a preservação da cultura (nacional e regional) que possibilitou a geração desse produto. Seria como se tentar proteger a vida do homem, sem se preservar, todavia, o meio ambiente que o gerou, que o abriga e que o possibilita viver e existir. Essa era uma visão que preponderava no passado, mas que hoje não mais pode ser aceita.

De certo, toda vez que uma cultura morre, morre junto com ela toda uma potencialidade de evolução e de desenvolvimento do homem. Assim ocorre, por exemplo, com o perecimento das culturas das populações ribeirinhas (que têm, como nenhuma outra, o conhecimento tradicional de como se conviver com os rios), com o perecimento das culturas indígenas (que têm um importante conhecimento de como se viabilizar a utilização medicinal de determinadas substâncias naturais) e com o perecimento de toda e qualquer cultura nacional e regional. Desse modo, faz-se tão relevante proteger a CULTURA, em si mesma, enquanto manifestação do meio ambiente cultural abstrato, quanto proteger as produções artísticas, os casarões antigos, as construções arquitetônicas (manifestações claras do meio ambiente cultural concreto). Por esse motivo é que a “Lei Maior” preocupa-se com a proteção e a viabilização da manifestação das diversas vertentes culturais brasileiras, quando no § 1º, do art. 215, diz abertamente que “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

No mais, seguindo o pensamento de Rebello Filho e Bernardo (1998, p.19), associado à idéia de Fiorillo e Rodrigues (1995, p.113), o meio ambiente cultural deve ser definido de acordo com o descrito por Silva que afirma ser “integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial”. Lembra-se, entretanto, que a concepção de meio ambiente cultural abordada pelos autores citados limita-se a uma órbita concreta, devendo-se, complementarmente, englobar na mesma a idéia de meio ambiente cultural abstrato (como já foi defendido).

Apesar de, em ambas as obras, os autores citados concordarem com o fato de o meio ambiente cultural está retratado no art. 216 da C.F. (em seus §§ e incisos), Fiorillo e Rodrigues (1995, p.113) destacam que “mediatamente tutelado no art. 225, caput, da CF/ 88, o meio ambiente cultural recebeu proteção específica, direta e ‘imediata’ do Texto Maior, por via do art. 215 da CF/ 88”. Portanto, é, esta classe de meio ambiente, regulada e fundamentada no art. 216, caput (além de seus §§ e incisos), no art. 225 (caput) e no art. 215 da CF.

6. MEIO AMBIENTE MISTO[5]

Esta classe de meio ambiente, diferente das demais, não é abordada enfaticamente na doutrina ou explicitamente no texto constitucional. Apesar desse fato, aqui, há de afirmá-la como classe existente e fundamental. Isto pela certeza de que, além dos meios natural, artificial e cultural, existem meios ambientes peculiares que não se englobam, especificamente, nas classes já citadas, por conterem, em seu bojo, características mistas, derivadas de todas as três.

Se o meio ambiente natural destaca-se pela sua originária naturalidade, o meio ambiente artificial pela sua artificialidade e o meio ambiente cultural pela sua valoração cultural, o meio ambiente misto, por sua vez, evidencia-se pela manifestação simultânea dessas três características. Faz-se importante salientar, todavia, que, para que um determinado meio ambiente seja entendido como componente da classe mista, não basta que do mesmo emane simultaneamente a naturalidade, a artificialidade e a valoração cultural. Nesse contexto, além da simultaneidade, as referidas adjetivações dever-se-ão manifestar com a mesma intensidade, de modo que nenhuma das três, individualmente, ofusque as demais.

Ressaltar-se-á, de certo, a necessidade de manifestarem-se com a mesma intensidade, pelo raciocínio de que, assim não ocorrendo, o bem ambiental classificar-se-á em consonância com a característica mais marcante. Assim acontece, por exemplo, com os casarões antigos que, embora sejam materialmente artificiais (em sua estrutura física), são classificados como meio ambiente cultural, pois, ante a artificialidade que detêm, prepondera a sua valoração cultural, em seu aspecto histórico. Da mesma forma acontece com as sementes transgênicas, pois, apesar conterem a naturalidade (derivada de sua genética originária) e a valoração cultural (fruto das técnicas científicas que, após empregadas, possibilitaram a sua reformulação genética), são classificadas como meio ambiente artificial, já que a artificialidade que as mesmas detêm sobrepõe-se a quaisquer outras características (isso porque a alteração substancial proporcionada pelo homem, faz com que as sementes desenvolvam-se e comportem-se “dentro dos padrões”, laboratorial e artificialmente, determinados).

Se, em contrapartida, ao contrário dos exemplos supracitados, a naturalidade, a artificialidade e a valoração cultural manifestarem-se simultaneamente e com a mesma intensidade no bem ambiental, não haverá outra opção, senão a de classificar esse bem como meio ambiente misto. Assim ocorre, por exemplo, com o meio ambiente urbano que ostenta, simultaneamente, características das classes natural, artificial e cultural.

Não há como se negar, certamente, que todas as construções, todas as estradas, todos os meios de locomoção (à combustão), todos os postes, fios elétricos e telefônicos caracterizam-se como elementos do meio ambiente artificial. Da mesma forma, que as árvores, os animais domésticos, o ar, a terra e a água, presentes nas cidades, e o próprio homem (em si) caracterizam-se como elementos do meio ambiente natural. Outrossim, não há como se negar que a língua, as gírias, os costumes, os comportamentos, as identidades regionais, o modo como as pessoas relacionam-se (afetiva, profissional e economicamente), entre outros fatores similares, caracterizam-se como elemento do meio ambiente cultural. Obviamente que o que caracteriza o meio ambiente urbano como um meio ambiente misto não é a mera manifestação dos elementos (artificiais, naturais e culturais), apontados acima. Primeiramente, deve-se destacar que esses elementos apresentam-se simultaneamente. Em Segundo lugar, deve-se salientar que os mesmos revelam-se com a mesma intensidade, tanto que não há como se imaginar a existência do meio ambiente urbano sem o homem (meio ambiente natural), sem as construções (meio ambiente artificial) e sem as manifestações culturais, comuns a cada centro urbano (meio ambiente cultural). A ausência de um desses elementos compromete, de certo, a compreensão do que é urbano, em toda a sua complexidade. Daí porque se dizer que esses elementos apresentam-se com a mesma intensidade, afinal, são igualmente essenciais para a compreensão do bem ambiental estudado.

Além do meio ambiente urbano, são exemplos de meio ambiente misto: o meio ambiente do trabalho – art. 200, VIII, da C.F. – (que para manter a segurança, a saúde e a vida do trabalhador, deve equilibrar o meio ambiente natural– com temperatura ideal, local com padrões saudáveis de radiação, boa qualidade  do ar etc.-, o artificial – com instalações seguras e adequadas, equipamentos e ferramentas seguras,  materiais de segurança presentes, como o extintor de incêndio etc. – e o cultural – aplicação de técnicas e conceitos de produção, preparo individual para técnicas de relações humanas etc. –); o meio ambiente das instituições de ensino que é fiscalizado, hoje, principalmente, pelo MEC – (que deve manter o equilíbrio entre o meio ambiente natural – com temperaturas e sons adequados para aprendizagem, tendo áreas verdes para estreitar a relação dos estudantes com a natureza etc. –, com o artificial – através de instalações adequadas, materiais elétricos e de construção seguros, para não pôr em risco a vida dos estudantes e funcionários etc. – e com o cultural – pelo material didático e aplicação dos métodos pedagógicos adequados, para cuidar do melhor enraizamento cultural, em geral, na mente humana etc. –); e entre outros inúmeros meios ambientes, nos quais, de certo, a expressão da naturalidade, da artificialidade e da valoração cultural manifestem-se simultaneamente e com a mesma intensidade (fato que inviabilizaria as suas classificações especificamente em quaisquer das três outras classes ambientais: natural, artificial e cultural).

É relevante destacar que, apesar de não ser explicitamente tratado pela doutrina e de não ser diretamente citado pela Constituição Federal, não se faz incoerente dizer que o meio ambiente misto é tutelado pelo Direito Ambiental brasileiro. Diz-se isso pela certeza de que no momento em que a Constituição Federal de 88 estabelece linhas para as “proteções individuais” do meio ambiente natural, do meio ambiente artificial e do meio ambiente cultural está ela, indiretamente, tutelando o meio ambiente misto, já que esta classe de meio ambiente nada mais é do que a expressão simultânea e de mesma intensidade da naturalidade originária (do meio ambiente natural), da artificialidade (do meio ambiente artificial) e da valoração cultural (do meio ambiente cultural). Destarte, o meio ambiente misto tutelado está pela redação constitucional de 88, no momento em que as outras três classes de meio ambiente recebem atenção e tutela da mesma. Além dessa observação, pode-se dizer que nos momentos em que a “Constituição Cidadã”, por exemplo, tutela o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII) e meio ambiente urbano − ao tratar da Política Urbana − (art. 182), o que está sendo tutelado, enfim, conforme o que já foi descrito neste trabalho, é classe do meio ambiente misto, o que não deixa dúvidas sobre a sua existência.

7. CONCLUSÃO

Ante o todo já exposto, observou-se, de pronto, que a hodierna classificação do meio ambiente, ainda que seja pacífica doutrinariamente, não mais atende ao objetivo a que uma classificação se pretende, devendo, portanto, ser repensada, remodelada, com o fito de adequar-se aos valores ambientais, na atualidade, conhecidos e definidos.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Afirma-se isso com base em duas importantes constatações a respeito da hodierna classificação de meio ambiente: a) o fato de a mesma adotar o meio ambiente do trabalho, na qualidade (no patamar) de classe ambiental; e b) o fato de omitir-se quanto a existência do meio ambiente misto (o que é, por tudo já dito, uma grave e inaceitável deficiência).

Com relação à primeira constatação, defendeu-se que a adoção do meio ambiente do trabalho, como classe ambiental, não estava coerente com a sua essência e a sua órbita individual, vez que, em relação às demais classes ambientais (natural, artificial e cultural), seria muito limitada, reduzida, o que a colocaria numa posição de espécie e não de classe, isto porque, nos padrões estabelecidos neste trabalho, a idéia de classe seria equivalente ao status de gênero (que possui uma amplitude muito maior).

Com relação à segunda constatação, defendeu-se que à falta de referência da hodierna classificação de meio ambiente ao meio ambiente misto constituía uma grave falta, haja vista que, ao omitir-se quanto a existência de uma mista classe ambiental, acabou excluindo de sua órbita inúmeras espécies de meio ambiente, que, por conterem características, simultaneamente e com mesma intensidade, das classes natural, artificial e cultural, não se enquadram especificamente em nenhuma delas.

Diante das constatações acima evidenciadas, chegou-se a um único entendimento: a necessidade de efetivar-se um remodelamento na hodierna classificação de meio ambiente.

Afirma-se, entretanto, que para a confecção desse entendimento e para a efetivação das constatações supracitadas (que levaram à sua confecção), foi necessário previamente – como observado –, realizar-se, no trabalho, um importante estudo sobre a essência de cada uma das classes ambientais. Para obter-se êxito, contudo, nesta empreitada, desenvolveu-se e adotou-se o entendimento de que uma classificação teria por finalidade unir em um grupo ou classe elementos substancialmente distintos que, sobre um determinado aspecto, ostentam uma característica marcante e comum, entre eles.

Com a utilização desse entendimento foi identificado no trabalho que as características nucleares dos meios ambientes natural, artificial e cultural seriam, respectivamente, a naturalidade originária, a artificialidade e a valoração cultural. Outrossim, foi graças a ele que, ao analisar-se a essência do meio ambiente do trabalho, observou-se que o mesmo ostentava, simultaneamente e com a mesma intensidade, características das três primeiras classes, o que o caracterizaria como uma espécie da classe mista e não como uma classe autônoma.

Essa importante constatação a respeito da essência mista do meio ambiente do trabalho (que é uma das principais colaborações trazidas por este artigo) levou, em seguida, à análise de outras espécies de meio ambiente (como as entidades de ensino, as instituições hospitalares, as cidades, entre outras), que resultou na identificação de diversos outros meios ambientes com natureza mista (que não estavam, estranhamente, recepcionados na hodierna classificação de meio ambiente).

Diante das observações acima evidenciadas, ficou claro que a contemporânea classificação de meio ambiente está obsoleta, desatualizada, não só nos seus valores, mas, principalmente, em sua estrutura, carecendo, por conseguinte, de um ágil remodelamento. Tal remodelamento, de certo, passaria pela necessidade de inserção da classe de meio ambiente misto no modelo classificatório vigente e, ainda, pela conversão da classe do meio ambiente do trabalho em, tão-somente, uma espécie da mista classe ambiental.

Por fim, não há como, racionalmente, ignorar-se tais reformas, sob pena de emperra-se (engessa-se) a tendência evolutiva e rejuvenescedora do Direito Ambiental, tão comum à essência das Ciências Jurídicas.

 

BIBLIOGRAFIA
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. Meio ambiente e cidadania: a importância da participação popular para a materialização das normas ambientais brasileiras e para o desenvolvimento sustentável. III Prêmio de Monografia da UNIT/ Pró-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitários e Extensão, Núcleo de Apoio Psicossocial. Aracaju: UNIT, 2002.
______. Ação Popular Ambiental: uma abordagem crítica. em prelo.
DEEBEIS, Toufic Daher. Elementos de direito ambiental brasileiro.São Paulo: Leud,1999.
FIORILLO, Celso A. P., RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental e patrimônio genético. Belo Horizonte: Del Rey,1995.
FIORILLO, Celso A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva,2002.
REBELLO FILHO, Wanderley, BERNARDO, Christianne. Guia prático de direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen,1998.
Notas:
[1] Faz-se relevante destacar que, gramaticalmente, como se pode observar em consulta a alguns dicionários, as palavras classe e espécie são tratadas como sinônimos. Neste trabalho, todavia, optou-se por considerar o significado de classe equivalente a gênero, diferenciando-se, portanto, de espécie. Optou-se em agir dessa maneira, por entender-se que os meios ambientes natural, artificial e cultural ostentavam uma dimensão muito mais ampla e muito mais abrangente do que, por exemplo, o meio ambiente do trabalho. Como se poderia considerar, desse modo, que este fosse, na mesma proporção que aqueles, equivalente valorativamente à significação da expressão classe? Obviamente que isso não seria coerente, podendo, inclusive, prejudicar o entendimento correto do assunto. Diferente, entretanto, do meio ambiente do trabalho, o meio ambiente misto possui uma ampla dimensão valorativa (como será posteriormente observado) proporcional às dimensões valorativas das outra três classes já citadas, o que viabiliza, igualmente, o seu entendimento como gênero (que engloba, inclusive, o meio ambiente do trabalho), ou seja, como classe (nos moldes valorativos aqui empregados).  Para aqueles, contudo, mais resistentes a essa metodologia e que prefiram a nomenclatura classe para o meio ambiente do trabalho (ao invés de espécie), sugere-se (o que seria, ao menos, mais pertinente) que adotem, então, a nomenclatura subclasse, por estar o mesmo inserido na classe meio ambiente misto. A adoção dessa nomenclatura, porém, não afeta a posição do meio ambiente do trabalho ante os meios ambientes natural, artificial e cultural, que só podem ser equiparados valorativamente, enquanto classes, ao meio ambiente misto.
[2] Faz-se salutar destacar que, apesar de importantes doutrinadores − como Fiorillo e Rodrigues (1995) e Rebello Filho e Bernardes (1998) − entenderem estar o meio ambiente artificial tutelado pela Constituição Federal, em seu art. 182 (que trata da Política Urbana), o meio ambiente urbano não é, absolutamente, artificial, já que traz em seu interior, além de manifestações da artificialidade (comum à classe do meio ambiente artificial), manifestações relativas à naturalidade e à valoração cultural (comuns, respectivamente, às classes de meio ambiente natural e cultural), que o melhor configuram como meio ambiente misto. Desse modo, não é errado defender-se que está o meio ambiente artificial tutelado no art. 182 da C.F. de 88, todavia, de certo, essa tutela resumir-se-á à construção física do meio ambiente urbano (os prédios, as estradas, as calçadas, os canos de esgoto etc.) que, por si só, em um contexto geral, não é tão considerada. Diz-se isso pela certeza de que, ao regular as construções físicas urbanas, visa-se melhorar a qualidade da vida humana (envolvendo critérios e ações naturais e culturais) e não, meramente, preocupar-se com as referidas construções, em si mesmas. Destarte, ao impedir-se, por exemplo, a construção de prédios muito altos nas orlas de cidades costeiras, não se visa regular as construções dos prédios, em si mesmas, visa-se sim, primeiramente, garantir a ventilação das cidades que seria prejudicada pela imensidão dos prédios e, secundariamente, preservar a estética natural das orlas, destas cidades. Perceba-se que o impedimento da construção dos prédios, no caso em tela, não é o objeto central. O objeto central, o fim procurado, com o ato de impedir a construção dos altos prédios, é a melhoria da qualidade de vida do ser humano (preservando a sua saúde psico-corporal), através da manutenção da ventilação nas cidades (meio ambiente natural) e, conjuntamente, através da preservação da beleza estética das orlas (meio ambiente cultural). Essa mesma observação pode ser confeccionada e bem assentada em quaisquer outros casos de ordem urbanística, que, por sua própria complexidade (oriunda de sua natureza mista de meio ambiente), extrapolam (e muito) as óticas do meio artificial.
[3] Lembra-se que, nesse caso, os conjuntos urbanos devem ser considerados pelas suas construções físicas (valoradas culturalmente), pois se forem considerados em todas as suas complexidades (que comportam manifestações de aspectos naturais, artificiais e culturais) deverão ser classificados como meio ambiente misto e não como meio ambiente cultural concreto.
[4] Uma exceção a este pensamento deu-se no Rio de Janeiro, em janeiro de 2004, quando o Poder Público, rompendo com a regra nacional, tombou a “Banda de Ipanema” (que não se caracteriza como um meio ambiente cultural concreto). Esse fato foi excepcional, pois entendeu-se que uma manifestação cultural da população (de valor imaterial) deveria ser protegida pelo Poder Público tão quanto um bem cultural concreto. O simbolismo gerado por esse tombamento foi tão grande que, no mesmo dia, em entrevista dada ao Jornal da Globo, o escritor Ziraldo destacou que o tombamento da Banda significava dizer que se um dia os seus dirigentes não mais quisessem colocá-la em atividade nas ruas (fechando-a), o Poder Público, por sua própria iniciativa, teria que colocá-la, com o fito de preservar não só a sua existência, mas, também, a sua história e tradição.
[5] Sobre essa classe de meio ambiente misto, é importante salientar que, em geral, ainda não é tratada pela doutrina. Este autor (BRITO, 2002) foi quem primeiro abordou sobre a existência dessa classe, por entender que a classificação de meio ambiente não se limitava às idéias de natural, artificial e cultural. Juntamente com a criação da classe mista de meio ambiente, já havia tecido uma importante crítica à possibilidade de entender-se existente a classe de meio ambiente do trabalho, já que o meio ambiente do trabalho seria específico demais para ser entendido como uma classe isolada de meio ambiente, de modo que seria ele, meramente, uma espécie da classe mista, já que, em seu bojo, ostenta simultaneamente e com a mesma intensidade características das classes natural, artificial e cultural (como já foi esclarecido).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fernando de Azevedo Alves Brito

 

Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.

 


 

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico