A improbidade administrativa aplicada como sanção aos particulares fraudadores de concursos públicos

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Resumo: O presente texto tem por escopo demonstrar, de forma concisa, a pouca utilização que vem sendo dada à Lei de Improbidade Administrativa, no que se refere à prática de ilícitos cometidos por particulares em geral, concorrentes a concursos públicos, que, amparados pela inércia legislativa que ainda considera atípico, do ponto de vista criminal, o fato de fraudar às regras do edital dos certames, os deixa muitas vezes sem qualquer punição, aptos a concorrerem a novos concursos e, até mesmo, a adentrarem em cargos públicos.


Sumário: I. Introdução; II. Breve histórico e espírito da Lei 8.429/92; III. Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa; IV. Conclusão; V. Referências.


I – Introdução:


O presente texto tem por escopo demonstrar, de forma concisa, a pouca utilização que vem sendo dada à Lei de Improbidade Administrativa, no que se refere à prática de ilícitos cometidos por particulares em geral, concorrentes a concursos públicos, que, amparados pela inércia legislativa que ainda considera atípico, do ponto de vista criminal, o fato de fraudar às regras do edital dos certames, os deixa muitas vezes sem qualquer punição, aptos a concorrerem a novos concursos e, até mesmo, a adentrarem em cargos públicos.


II – Breve histórico e espírito da Lei 8.429/92:


A Lei Nacional nº 8.429/92, conhecida como a Lei de Improbidade Administrativa, inaugurou um novo pensamento e norte em nosso sistema jurídico brasileiro, trazendo conceitos e ideias inovadores que, inegavelmente, ajudaram o país a conquistar e consolidar o que hoje chamamos de Estado Democrático de Direito.


Este comando legislativo, que acaba de completar 18 anos de existência, adveio de um período histórico marcado por um forte movimento social e popular que, por conseguinte, acabou por desaguar no campo jurídico, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, da qual, por via complementar, brotaram as normas infraconstitucionais com o intuito claro de efetivar todas estas benéficas mudanças contempladas.


Dentre estas diversas legislações cuidadosas e protetoras do erário e, por via reflexa, do cidadão e da sociedade, empolgadas pela novidade de espírito da própria Carta Cidadã, surgiu a Lei nº 8.429/92, dando ao ordenamento brasileiro um conjunto de medidas tendentes a impedir o rompimento da barreira da moralidade, tão defendida por todos e pela própria Constituição Federal (art. 37, princípios da Adm. Pública), mas ainda tão distanciada da prática e da realidade, sobretudo, na atividade dos titulares de cargos eletivos e autoridades administrativas, ou seja, os gestores do poder, já que, até então, moralidade e probidade eram conceitos e substantivos muito vagos, com alto grau de abstração e, até mesmo, considerados por alguns, de índole meramente programáticos.


A referida lei, dentro deste intuito concretista, cuidou primeiramente de demonstrar, dentre outros pontos, o que seriam atos de improbidade administrativa (tipificando vários deles); quem seriam os seus potenciais lesados (Administração Pública sob vários ângulos, em rol bastante exaustivo); os seus lesadores (agentes públicos e particulares); os princípios defendidos; e, ainda por cima e especialmente, diversas penas ou sanções a serem aplicadas isolada ou cumulativamente, passando da perda de cargo público ou perdimento de bens, até a suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com a Administração Pública.


Nesta visão, foi apenas em 1992, com a publicação da referida lei, que nosso ordenamento passou a contemplar e a contar de forma efetiva com um verdadeiro instrumento à disposição da sociedade, com a interferência do Poder Judiciário e dos órgãos acusadores e defensores do interesse público, para extirpar estes atos atentatórios ao bem comum, determinando, para tanto, várias e fortes sanções a serem aplicadas aos que ainda se atreverem a contrariá-la.


III – Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa:


Defende-se, assim, que, não obstante já tenham ocorrido avanços, deve a Lei de Improbidade Administrativa ser mais fortemente utilizada e aplicada por nossas autoridades aos transgressores, pois só desta forma irá ser construída paulatinamente uma cultura de ética e probidade dentro da Administração Pública capaz de aproximar-se ao máximo do ideal de justiça e moralidade buscada pelo próprio constituinte, e, em último grau, pela própria sociedade, ávida e ansiosa pelo desejo de “vida limpa”.


Adentrando mais especificamente ao tema proposto neste breve relato textual, vê-se em uma rápida leitura da Lei de Improbidade, em seu artigo 11, inciso V, uma importante hipótese de tipificação da improbidade administrativa que não vem sendo, na prática e dia a dia dos tribunais, utilizada com a forma e amplitude que deveria. Senão, vejamos:


Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: […]


V – frustrar a licitude de concurso público; (grifos acrescentados)


Demonstra-se, assim, verificada efetivamente a improbidade administrativa, na modalidade de contrariedade a princípios da administração pública, quando o administrador (agente público, seja ele qual for) viola os deveres elencados no caput do artigo 11, e sobretudo, quando frustra a licitude de concursos públicos (este tipificado no inciso V).


Desta feita, e observando agora o preceito secundário (sanção) aplicado a este mesmo artigo 11, observa-se que os infratores estarão sujeitos, no artigo 12, inciso III, ao: ressarcimento integral do dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos; multa de até cem vezes o valor da remuneração do agente; bem como, e por fim, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, pelo prazo de três anos. Tudo isto, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal por ventura persistentes.


Nota-se que se tratam de sanções (penas) bastante consideráveis e de graves repercussões na vida social e política do cidadão infrator, que, assim, não podem ou não devem, passar inócuas pelas autoridades incumbidas constitucionalmente de aplicá-las e dar-lhes eficácia, sob grave pena de se distorcerem os princípios e fins previstos pela comentada lei.


Não se discute, portanto, que a frustração da licitude de concursos públicos é  considerada improbidade administrativa, quando for realizada por agentes públicos (prefeitos, governadores, secretários, dentre outros gestores em geral que tenham a competência de promover concursos públicos), dando margem, nesta hipótese, à aplicação de todas essas penas acima elencadas, sendo isto pacífico e já até utilizado ocasionalmente na prática forense, embora ainda de forma bastante tímida.


O que se busca chamar atenção neste texto, destaque-se, é que a prática de improbidade administrativa acima descrita (fraude a concursos) também deve ser aplicada aos particulares, isto é, aos cidadãos que realizam os concursos públicos (concursandos), os quais, diante dos inúmeros e constantes certames ocorridos, com a concorrência entre os participantes cada dia mais acirrada, aliada ao sonho de conquistar um cargo público efetivo, caem na tentação de procurar o caminho mais fácil, levando-os a cometerem fraudes e burlas sob variadas formas, como uso de pontos eletrônicos, aparelhos celulares, compra de gabaritos das bancas elaboradoras, ou até mesmo contratação de terceiros mais bem preparados para prestarem a prova em seu lugar.


Tais práticas são cada dia mais frequentes e, infelizmente, na mesma proporção, cada vez mais impunes, haja vista que não existe ainda um tipo penal prevendo esta conduta (salvo o único caso de substituição do candidato por outro contratado), sendo, do ponto de vista criminal, considerados fatos completamente atípicos (embora já existam projetos de lei no sentido de acrescentar este tipo ao Código Penal).


Neste sentido, transcrevo, a título ilustrativo, parte de ementa esclarecedora de um dos últimos julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, invocando fundamento já utilizado pacificamente pelo STF. Vejamos:


HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR. “COLA ELETRÔNICA”. ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA.   TRANCAMENTO DA AÇÃO. ATIPICIDADE  E PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.


1 – Paciente denunciado por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material.


2 – “Fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora” (INQ 1145/STF). […]” (STJ – HC 39592/PI – Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE – Data do julgado: 19/11/2009 – Dje 14/12/2009)


Não obstante inexistir tipo penal considerando crime a fraude às regras dos concursos públicos (isto não ousamos discutir), já temos no nosso ordenamento, mesmo que de certa forma esquecido, um importante instrumento para punir os que ainda insistem nesta prática nefasta, aplicando justamente os artigos 11, V, e 12 da Lei nº 8.429/92 – Improbidade administrativa – considerando ímprobos e, portanto, não aptos a exercer função pública, além de outras sanções, os que atentem contra este princípio constitucional consagrado, mesmo se tratando de um particular que esteja prestando os concursos, pois a lei é clara em ampliar o sujeito ativo das condutas nela  descritas, para abranger também os que não forem agentes públicos.


O próprio artigo 3º da Lei 8.429/92 evidencia que tanto podem ser sujeitos ativos do ilícito de improbidade administrativa os agentes públicos (que em grande maioria são os que realmente mais cometem estas falhas, por estarem diretamente ligados aos bens públicos), e também o particular que, não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta.


Vê-se, pois, que é perfeitamente enquadrável o artigo 11, inciso V, da Lei 8.429/92, aos cidadãos que fraudam as regras do concurso público, mais especificamente à moralidade, legalidade e isonomia, burlando o edital e utilizando-se de meios ilícitos para obter algum benefício, que, em último grau, vem a ser sua aprovação no certame.


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Neste contexto, o simples ato de fraudar as regras do edital do concurso, com uso de colas eletrônicas, por exemplo, uso de celulares, ou mesmo a compra antecipada do gabarito das provas, já configura plenamente o descrito na Lei de Improbidade Administrativa no artigo supracitado, dando ensejo a aplicação das penas do artigo 12, sobretudo, para esses casos de concursos públicos, a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três a cinco anos (o que deixaria o candidato impossibilitado durante esse período de assumir outro cargo público, mesmo que logre êxito em posterior ou anterior concurso público) e, principalmente, a aplicação da sanção de ressarcimento integral do dano, o que se mostraria ainda mais interessante na hipótese de a fraude ter ocasionado a anulação de todo o certame fraudado, gerando danos materiais grandiosos para a Administração Pública, arcando com todos os custos para confecção e execução de uma segunda prova para todos os inscritos.


Como exemplo prático, de notório conhecimento público, já que foi amplamente divulgado à época pela imprensa nacional, poderia ser citado, para ficarmos em apenas uma demonstração, o caso ocorrido em um dos Exames de ordem unificados para ingresso na OAB, ocorrido em 2009, no qual foi descoberto dias depois da realização das provas que um dos candidatos teria tido acesso, antecipadamente, ao gabarito com as respostas da prova. Tal ato, gerou a anulação de todo o certame, pois não foi possível ter a certeza do tamanho desse “vazamento” de informações, culminando em transtornos financeiros e morais incalculáveis para a Administração Pública e, até mesmo, para os próprios candidatos.


Uma vez identificado o fraudador e aplicada corretamente a Lei de Improbidade Administrativa ao mesmo, além das demais cominações legais, poderia lhe ser imputada as sanções de perda dos direitos políticos de 3 a 5 anos, e, sobretudo, a condenação de ressarcimento ao erário de todo o valor desembolsado pela OAB Nacional para realização de uma nova prova para todos os candidatos, a ser, logicamente, apurado em procedimento próprio e no limite das condições pessoais do infrator.


Constata-se, portanto, a premente necessidade de se passar a utilizar mais frequentemente este instrumento legal que já está à disposição da sociedade, não precisando sequer de reforma ou criação legislativa, para que, desta feita, o Judiciário passe a aplicar estas penas de forma mais severa àqueles que continuam fraudando os concursos públicos, muitas vezes motivados pela sensação ou aparência de impunidade, que realmente ainda se mostra parcialmente verdadeira.


Some-se a isto, a atual existência de uma verdadeira “indústria dos concursos públicos” que hoje predomina no nosso país, iludindo e incentivando milhares de jovens, muitos deles sem o mínimo de preparação, para lançarem a sorte nestas provas (como se fossem verdadeiras loterias), e, principalmente, fazendo-os mover uma máquina poderosa de dinheiro propulsionada pelos cursinhos preparatórios e as exorbitantes taxas de inscrição cobradas pelas bancas responsáveis.


A legitimidade ativa para procurar a condenação destes infratores administrativos caberia ao próprio Ministério Público, titular da ação penal, e fiscal da sociedade, que muitas vezes, diante desses casos, precisa opinar pelo arquivamento do processo criminal contra estes fraudadores de concursos públicos, justamente por entender que o fato é atípico, não podendo o agente sofrer qualquer coação nesta seara do Direito.


Assim, em outra banda, deve o mesmo Ministério Público, ao propor o arquivamento da ação penal ou do inquérito policial contra estes fatos, já propor imediatamente, com os mesmos elementos probatórios já constituídos, a devida ação contra este ilícito administrativo, propondo as sanções acima referidas, conforme permissivo dos artigos 14 e seguintes da Lei nº 8.429/92, e da própria Constituição Federal, art. 129, II e III.


IV – Conclusão:


Por fim, fica ainda evidenciado que tal mudança de atitude por parte dos nossos operadores do Direito, passando a tratar os que fraudarem concursos públicos como infratores da lei e, portanto, sujeitos a atos de improbidade administrativa, poderia gerar o mesmo efeito almejado pelo Direito Penal, qual seja, a prevenção, uma vez que tenderia, indubitavelmente, a fazer com que os que potenciais utilizadores destas práticas abomináveis (fraudadores de concursos) pensassem duas vezes antes de cometê-las, uma vez que, condenados pela improbidade, tornariam seu sonho ou objetivo de conseguir um cargo público ainda mais distante, em consequência das penas aplicadas, em especial, com a suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos (requisito este fundamental para tomar posse em qualquer  função da Administração Pública).


Ademais, cabe ressaltar, conforme já afirmado anteriormente, que tal imputação cresce de importância, embora nela não se exaura, na hipótese de fraude contra as regras do concurso do tipo “cola”, em qualquer de suas modalidades (eletrônica, visual, etc), ou compra de gabaritos, pois nos demais casos, sobretudo na prática comum de utilizar outra pessoa mais preparada para fazer a prova em lugar do real candidato, já existem tipos penais possivelmente aplicáveis, que são: falsificação de documento público, uso de documento falso ou até mesmo, em alguns casos, a formação de quadrilha.


Portanto, na conhecida “cola” aos concursos, que não existe tipicidade penal aplicável, deve crescer ainda mais a atenção do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário em buscar condenar estes ilícitos de forma adequada, suficiente e proporcional, utilizando-se as penas já descritas e existentes na Lei de Improbidade Administrativa, afirmando-a como elemento educador, preventivo e repressivo destas práticas deterioráveis, que contrariam princípios básicos e fundamentais da nossa República, tão duramente conquistados, mais especificamente, neste caso em análise, a isonomia e a impessoalidade, almejadas e alcançadas pela “meritocracia” que pulsa e irradia dos concursos públicos.


 


Referências:

Bertoncini, Mateus, Atos de Improbidade Administrativa, 15 anos da Lei nº 8.429/92, Ed. Revista dos Tribunais, 2007.

SCHIMIN, Guilherme Gomes Pedrosa. Lei de improbidade administrativa. Breve Histórico. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1594, 12 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10639>. Acesso em: 23 set. 2010.

ANGELIS, Juliano de. A Lei de Improbidade Administrativa vista pela doutrina e jurisprudência. Comentários à Lei nº 8.429/92. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 936, 25 jan. 2006. Disponível em: com 23 set. 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 23/09/2010.

______. Lei nº 8.429/92. Dispõe sobre os atos de improbidade administrativa. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm>. Acesso em: 23/09/2010.

Portal de Notícias Globo.com. “Anulado após fraude, novo exame da OAB será no dia 18 de abril. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1544835-5604,00.html>. Acesso em: 23/09/2010.


Informações Sobre o Autor

Thiago Chacon Delgado

Acadêmico do Curso de Direito do Unipê – Centro Universitário de João Pessoa e Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de João Pessoa-PB


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