Resumo: Este trabalho tem como objetivo geral analisar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do valor do salário mínimo no Brasil sob a perspectiva da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 assegura aos trabalhadores a garantia de um salário mínimo suficiente para suprir as suas necessidades vitais básicas e de sua família, visando aos padrões de uma vida digna, com a concretização da garantia do mínimo existencial. A concepção de salário mínimo está intimamente relacionada com o padrão mínimo necessário de sobrevivência. Com os resultados das pesquisas, conclui-se que há constitucionalidade no aspecto formal, atendidos os preceitos exigidos para aprovação da lei regente, mas inconstitucionalidade no aspecto material do valor do salário-mínimo vigente no Brasil, por sua incompatibilidade com o texto constitucional, tornando-se necessária a exigência de novas regras para a sua estipulação, a fim de proporcionar uma vida mais digna para os trabalhadores e de sua família. Utilizou-se pesquisa de natureza bibliográfica, cujo procedimento metodológico de abordagem é caracterizado como indutivo.
Palavras-Chave: Constitucionalidade. Valor do salário mínimo. Constituição Federal de 1988. Dignidade da pessoa humana.
Abstract: This work has as general objective to analyze the constitutionality or unconstitutionality of the minimum wage in Brazil from the perspective of the dignity of the human person. The Federal Constitution of 1988 assures the workers the guarantee of a minimum wage sufficient to meet their basic vital needs and their family, aiming at the standards of a decent life, with the concretization of the guarantee of the existential minimum. The minimum wage design is closely related to the minimum standard of survival required. With the results of the research, it is concluded that there is constitutionality in the formal aspect, in compliance with the precepts required for approval of the regent law, but unconstitutionality in the material aspect of the minimum wage value in force in Brazil, due to its incompatibility with the constitutional text, making The need for new rules for their stipulation is necessary in order to provide a more dignified life for the workers and their families. We used bibliographic research, whose methodological approach is characterized as inductive.
Keywords: Constitutionality. Value of the minimum wage. Federal Constitution of 1988. Dignity of the human person.
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica do salário mínimo. 2. Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.1. As dimensões dos direitos fundamentais. 3 Direitos sociais na Constituição Federal de 1988. 3.1. Estado do bem-estar. 4 Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais. 5 A dignidade da pessoa humana. 6. O valor social do trabalho. 7. A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Implicações no valor do salário mínimo. 8 Controle de constitucionalidade. 9. (In)constitucionalidade do valor do salário mínimo. 9.1.(In)constitucionalidade no aspecto formal. 9.2.(In)constitucionalidade no aspecto material. 10. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O princípio da dignidade da pessoa humana é o principal fundamento previsto constitucionalmente, uma vez que ele dá sustentação e confere unidade e coesão a todo sistema normativo. Atualmente, tem relevância social e principalmente jurídica, haja vista constar entre os fundamentos da República Federativa do Brasil.
Não há dúvidas de que a dignidade da pessoa humana está intimamente relacionada com o valor do salário mínimo, entendido este como integrante do patamar mínimo existencial, na medida em que não sendo capaz de assegurar ao trabalhador e à sua família as necessidades vitais básicas, estar-se-á privando-o de gozar uma vida digna.
Partindo desta explanação, este trabalho aponta como problema a seguinte indagação: O valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?
Quanto ao objetivo, tem-se como foco analisar se o valor do salário mínimo fixado no Brasil é constitucional ou não, e se atende às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, assegurando-se, desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Com o intuito de atender ao objetivo proposto, foi feita uma análise do controle de constitucionalidade do ordenamento jurídico pátrio, do princípio da dignidade da pessoa humana, dos direitos sociais e fundamentais e das necessidades básicas previstas na Constituição Federal de 1988.
Na elaboração, realizou-se pesquisa bibliográfica para o estudo do tema a partir da leitura, análise e interpretação de material já publicado, sendo constituídos por livros, artigos de periódicos, materiais disponibilizados na internet, doutrinas e jurisprudências, adotando-se metodologia caracterizada como indutiva.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SALÁRIO-MÍNIMO
Com o advento da revolução industrial na Europa nos séculos XVIII e XIX, tem-se o início da oferta do trabalho livre, etapa inaugural de grande reviravolta nos fatores determinantes da remuneração do trabalho, uma vez que a principal característica de tal revolução foi a substituição do trabalho artesanal pelo trabalho assalariado. [1]
Nessa nova fase no mercado de trabalho, que resultou da revolução industrial, os empresários apenas se preocupavam em obter maior lucro, e com isso os trabalhadores eram obrigados a suportar uma jornada de trabalho excessiva que ultrapassava a capacidade normal do ser humano. Além do mais, os salários eram muito baixos, em decorrência da alta concorrência que existia na época. Por conseguinte, não havia preocupação, por parte das empresas, com a dignidade do trabalhador. O operário era visto apenas como uma peça no fator de produção e, consequentemente, era equiparado a uma mercadoria como outra qualquer. Como se não bastasse, o trabalhador não tinha o amparo do Estado na defesa de seus direitos, sendo dessa forma, lançado à própria sorte.[2]
O salário mínimo, no Brasil, foi instituído pela Lei nº 185/36, juntamente com o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938, no governo de Getúlio Vargas. Desde a sua criação, o objetivo principal do salário mínimo foi o de garantir aos trabalhadores, satisfatoriamente, as necessidades básicas para uma vida digna juntamente com a sua família. O Decreto-Lei nº 2162, de 1º de maio de 1940, fixou os valores do salário-mínimo, que entraram em vigor no mesmo ano. [3]
O primeiro reajuste para o salário-mínimo só veio a ser fixado no ano de 1943, sendo de se registrar que no referido ano houve dois reajustes. Como afirmado anteriormente, existiam valores diferentes para cada região do país, pelo que os primeiros reajustes tinham como objetivos tentar reduzir a diferença existente entre o maior e o menor salário-mínimo que vigorava na época e recompor o seu poder de compra. Após 1943, o salário-mínimo ficou 8 (oito) anos sem sofrer nenhum reajuste, acarretando, com isso, observando-se a inflação medida do IPC da FIPE, uma queda real da ordem de 65%.[4]
Na década de 1950, houve os mais altos índices de reajuste do salário-mínimo, mantendo-se assim superficialmente seu poder de compra. Contudo, na década de 1960, no governo de João Goulart, o elevado índice de inflação da época resultou novamente na perda do poder de compra do salário-mínimo.[5]
Destarte, somente no ano de 1984 é que ocorreu a unificação do salário-mínimo em nosso país, passando a vigorar o valor único para todo país. A partir de então ele é reajustado anualmente. [6]
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como o conjunto de direitos e garantias intimamente relacionados com as condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade do indivíduo.
Em decorrência da importância que os direitos fundamentais possuem no ordenamento jurídico, o constituinte de 1988 os elencou no § 4º do art. 60, que trata das cláusulas pétreas: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) os direitos e garantias individuais ” (Art. 60, § 4º, CF/88) [7]
Os direitos fundamentais previstos no sistema no qual se inserem as normas jurídicas dispõem de várias características, entre elas encontra-se a: imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade e efetividade, o posicionamento de tais direitos sobressai na interpretação das normas jurídicas associados aos outros direitos previstos na disposição hierárquica das normas jurídicas (MORAES, 2013).
2.1 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
São classificados constantemente pela doutrina, os direitos fundamentais, dentre diversos preceitos, em dimensões de direitos.
Nesse sentido, ensina Lenza: “Os Direitos Humanos da 1ª dimensão marcaram a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito. Mencionados direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos” (LENZA, 2013, P.1028)
Os direitos humanos da 2ª dimensão correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como aos direitos coletivos ou de coletividade, estando relacionados com os direitos de igualdade (LENZA, 2013)
“Os Direitos Humanos da 3ª dimensão são direitos transindividuais que transcendem os interesses do indivíduo e passam a se preocupar com a proteção do gênero humano com o altíssimo teor de humanismo e universalidade” (LENZA, 2013, p.1030).
Destaca-se como direitos da 3ª dimensão: direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação. (LENZA, 2013).
3 DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 90/2015, elenca como direitos sociais direito à educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.[8]
3.1 ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL
Segundo leciona Marcelo Novelino sobre o tema: “A expressão Estado do bem-estar social (Welfare State) é utilizada para designar o modelo de Estado voltado à satisfação das necessidades individuais e coletivas dos cidadãos.” (NOVELINO, 2016, p.245-246).
Nesta concepção, há uma maior preocupação, por parte do Estado, com o bem-estar da coletividade. (NOVELINO, 2016).
4 A EFICÁCIA VERTICAL E HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Pode-se afirmar que a eficácia vertical dos direitos fundamentais apresenta-se nas relações entre o Estado e o particular. Sendo assim, quando o Poder Estatal vier extrapolar suas funções legais, hipótese de arbítrio de poder, os direitos fundamentais serão oponíveis contra o Estado, como forma de defesa individual.[9]
Por outro lado, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é aplicada nas relações contratuais, particulares em geral, uma vez que tais também devem ser limitadas pelos direitos fundamentais.[10]
O entendimento mais moderno e humanístico do direito é no sentido de que o Estado tem o dever de observar a proteção e eficácia dos direitos fundamentais em face das investiduras do Poder Público (eficácia vertical), e, além do mais, garanti-los contra inobservâncias que possam ser praticadas por terceiros (eficácia horizontal). [11]
5 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Explicitamente no art.1°, inciso III, a Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.[12]
Nas palavras de Alexandre de Moraes, “são vários os valores constitucionais que decorrem diretamente da ideia de dignidade humana, tais como, dentre outros, o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem” (MORAES, 2013, P.48)
Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, para Marcelo Novelino:
“Existe uma relação de mútua dependência entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pois, ao mesmo tempo em que estes surgiram como uma exigência da dignidade de proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa humana, somente por meio da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida”. (NOVELINO, 2016, p.254).
Luís Roberto Barroso afirma que a dignidade humana serve, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. No entendimento do ilustre jurista, a dignidade humana é um valor fundamental que foi convertido em princípio de estatura constitucional, uma vez que se encontra positivado de forma expressa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.[13]
De acordo com Sidney Guerra:
“A constitucionalização da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro denota a importância que o princípio assume no âmbito constitucional. Dentre suas diversas funções, destacam-se as seguintes: a) reconhecer a pessoa como fundamento e fim do Estado; b) contribuir para a garantia da unidade da Constituição; c) impor limites à atuação do poder público e à atuação dos cidadãos; d) promover os direitos fundamentais; e) condicionar a atividade do intérprete; f) contribuir para a caracterização do mínimo existencial” (GUERRA, 2015, p.190)
Diante disso, o princípio da dignidade humana tem como objetivo precípuo o ser humano como sendo o centro e fim do direito. Neste sentido, deve-se assegurar que todo ser humano seja respeitado como pessoa, impedindo sua degradação ou redução à condição inferior à sua própria essência.[14]
No mesmo sentido, atualmente, os ordenamentos internacionais também têm colocado em evidência o reconhecimento do ser humano como centro e o fim do direto. Essa tendência dá-se em decorrência do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como sendo valor básico de um Estado democrático de direito.[15]
Destarte, a dignidade da pessoa humana está intimamente relacionada com os direitos sociais materialmente consagrados em nossa Constituição Federal. Portanto, para que todo indivíduo possa ser capaz viver com dignidade, é preciso assegurá-lo, no mínimo, a satisfação das necessidades indispensáveis à sua existência física e psíquica. Conclui-se que sem o respeito ao princípio do mínimo existencial, não há que se falar dignidade.[16]
6 O VALOR SOCIAL DO TRABALHO
Os direitos sociais, direitos fundamentais de segunda geração, encontram-se catalogados nos arts. 6.º a 11 da Constituição Federal, e estão disciplinados ao longo do texto constitucional.
Dentre os direitos sociais expressamente indicados no art. 6º da Constituição Federal, encontra-se o direito ao trabalho.
O trabalho, como um direito social assegurado a pessoa humana, é um importante instrumento para implementar e assegurar a todos uma vida digna. Neste sentido, prescreve o art. 170 da CF/88 que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
A Constituição Federal de 1988 elencou os valores sociais do trabalho como sendo um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, devendo ser vistos como direitos fundamentais, uma vez que o direito a vida não faria sentido caso inexistisse o direito ao trabalho. Diante disso é possível afirmar que o direito do trabalho é o mais fundamental de todos, pois está intimamente relacionado à vida e à dignidade humana de tal maneira que sem o trabalho não faz sentido falar em vida digna da pessoa humana.
7 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O VALOR SOCIAL DO TRABALHO COMO FUNDAMENTOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. IMPLICAÇÕES NO VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO.
A Constituição Federal de 1988 elenca no artigo 1°, III e IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado democrático de direito.
Sobre o tema, para José Afonso da Silva:
“[…] Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.”[17]
Nessa perspectiva os objetivos dispostos no art.3°, e seus incisos da CF/88 da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantia de desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e de promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, têm grande utilidade na aplicabilidade do princípio da dignidade humana e na garantia da democracia econômica, social, e cultural.
Analisando o contexto histórico das relações de trabalho nem sempre existiu um contrato de trabalho livremente firmado entre as partes, apenas após a abolição da escravatura surgiu o direito ao trabalho livre e assalariado.
Nesse contexto surgi para “o estabelecimento e a adoção das normas internacionais de trabalho”, a Organização Interna de Trabalho (OIT).
Em relação à fixação de salário mínimo no Brasil, ratificou-se a Convenção 131, de 1970, que trata da fixação de salário mínimo especialmente nos países em desenvolvimento. Estabelece esta Convenção que todos os países que se tornaram membros da OIT ao ratificarem esta Convenção ficarão conforme o instrumento normativo, obrigados a “estabelecer um sistema de salários mínimos que proteja todos os grupos de assalariados cujas condições de trabalho forem tais que seria aconselhável assegurar-lhes a proteção” (art. I). Os salários-mínimos, “terão força de lei e não poderão ser diminuídos” (art. II), utilizando por base na determinação do valor mínimo salarial os elementos considerados “nas necessidades dos trabalhadores e de suas famílias, tendo em vista o nível geral de salários no país”, “o custo de vida, as prestações de previdência social e os níveis de vida comparados de outros grupos sociais” e “fatores de ordem econômica, inclusive as exigências de desenvolvimento econômico, a produtividade e o interesse que existir em atingir e manter um alto nível de emprego” (art. III).
Nos documentos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no que diz respeito à determinação do valor do salário mínimo, busca-se como referência a garantia das necessidades vitais básicas dos trabalhadores e de suas famílias. No mesmo sentido, a Carta Social Europeia, com revisão dada em 1996, consolida o princípio da remuneração como garantidora de um nível de vida razoável.[18]
Todos os trabalhadores têm direito a uma remuneração justa que lhes assegure, assim como às suas famílias, um nível de vida satisfatório (CARTA SOCIAL EUROPEIA, revista).[19]
O Brasil está entre vários países que se tornou signatário dos tratados ou convenções internacionais e outros diversos documentos internacionais que protegem os direitos humanos, dentre eles podemos destacar: a Declaração Universal dos Direitos Humanos como garantia em relação ao trabalho através de seus artigos XXIII, XXIV e XXVI, onde estão previstos o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, à proteção contra o desemprego, à igual remuneração por igual trabalho, à remuneração justa e satisfatória, direito de organizar sindicatos, à limitação das horas de trabalho, férias remuneradas periodicamente, direito a repouso e lazer.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais assegura no artigo 7º o direito de toda pessoa gozar das condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção, uma existência decente para o trabalhador e sua família, segurança e higiene no ambiente de trabalho, igualdade de oportunidade para todos, descanso, lazer, limitação de horas de trabalho, férias e feriados remunerados.
Está previsto de forma expressa no Pacto de São José da Costa Rica em seus artigos 5º, 6º, 11º e 26 o direito à integridade pessoal, proibição de escravidão e servidão, proteção da honra e da dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento progressivo.
Os tratados internacionais têm o status de norma constitucional sendo considerados como fontes constitucionais possuem a mesma equivalência dos direitos expressos e implícitos na Constituição Federal.
Sem a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, a ideia de um Estado democrático de direito torna-se quase uma utopia.
Nesse sentido, ensina Cármen Lúcia Antunes Rocha:
“Sem dignidade não há democracia e sem essa todos os fundamentos constitucionais da organização política da sociedade brasileira são postos por terra e a Constituição, de Carta a Libertação torna-se Lei de Libertos, válida somente para quem estágio já atingiu, mas que os tornam cúmplices de todas as formas de indignidades contra todos os outros” (ROCHA, 2016, p.57) [20]
De forma clara e objetiva Max Emiliano da Silva Sena, a respeito do tema leciona:
“Ao erigir a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 diz de forma firme, segura e eloquente que no Estado brasileiro a pessoa humana desfruta de especial destaque, sendo o centro de todo o sistema, de molde que todo o ordenamento jurídico, todos os órgãos de governo, todas as ações políticas e todas as condutas particulares devem respeito à pessoa humana” (SENA, 2017, p. 66)
Em decorrência de a Constituição da República de 1988 ter assegurado o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos do Estado democrático, as condições mínimas de existência da pessoa humana devem ser proporcionadas pelo próprio poder público, o que deve ser observado pela ordem econômica, na medida em que esta é fundada na valorização do trabalho e tem por fim assegurar a todos uma vida digna. Neste sentido, busca-se com isso afastar as extremas desigualdades sociais, na medida em que a Constituição da República de 1988 repudia a não observância da dignidade humana.[21]
Erigir a dignidade da pessoa humana ao patamar de fundamento do Estado mostra o reconhecimento, por parte do próprio Estado, que suas pilastras estão alicerçadas no princípio em comento. No entanto, o princípio da dignidade da pessoa humana abrange, não somente, os direitos individuais, mas também outros direitos, como de natureza econômica, social e cultural.[22]
Desta maneira, faz-se oportuno repisar que o Estado não apenas deve respeitar a dignidade da pessoa humana, que serve de limite à sua atuação – eficácia vertical dos direitos individuais – mas também tem como obrigação promover esta dignidade por meio de atuações positivas, cita-se como exemplo o dever de gerar inclusão social. [23]
8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A discussão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do valor do salário mínimo vigente no Brasil perpassa, antes, pela análise dos conceitos básicos acerca do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Assentado isso, tem-se que a existência de uma Constituição rígida encontra-se inserida como um dos requisitos fundamentais e essenciais para o controle de constitucionalidade. Com efeito, a Constituição rígida é aquela que possui um processo de alteração mais dificultoso do que o processo legislativo de alteração das normas de natureza infraconstitucional. Em suma, a Constituição Federal de 1988 é rígida, diante das regras previstas em seu artigo 60.
A ideia de controle de constitucionalidade pressupõe a previsão de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos. Nesse sentido, controle de constitucionalidade está relacionado com o princípio da supremacia da Constituição.
Quanto às espécies de inconstitucionalidade, têm-se a inconstitucionalidade por ação, na qual há uma incompatibilidade vertical dos atos infraconstitucionais com a Constituição, e a inconstitucionalidade por omissão, que, segundo Pedro Lenza, “pressupõe a violação da lei constitucional pelo silêncio legislativo” (CANOTILHO apud LENZA, 2013, p. 268).
A inconstitucionalidade por ação pode ocorrer do ponto de vista formal ou do ponto de vista material.
A inconstitucionalidade formal verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contém algum vício em sua forma, ou seja, ocorrido durante o processamento de formação. Analisa-se, por exemplo, se foi observada a competência legislativa para elaboração do ato ou a observância do devido processo legislativo (o quórum de aprovação).
Levando em consideração o acima exposto, se uma lei estadual estabelecer normas gerais sobre direito do trabalho, tal norma padecerá de inconstitucionalidade formal, uma vez que legislar sobre este tema é competência privativa da União conforme art. 22 da CF/88.
Nas palavras de Paulo Bonavides:
“O controle formal se refere “ao ponto de vista subjetivo, ao órgão de onde emana a lei”. É controle que se exerce nomeadamente no interesse dos órgãos do Estado para averiguar a observância da regularidade na repartição das competências ou para estabelecer nos sistemas federativos o equilíbrio constitucional dos poderes” (BONAVIDES, 2007, p.298)
Com relação ao controle material, é feita uma análise material do conteúdo do ato normativo, sendo que aqui não é observado o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo.
Assim, todo ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Constituição da República de 1988 deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material, ou seja, em sua substância.
Nos ensinamentos de Pedro Lenza, “o controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas” (LENZA, 2013, p. 272)
Segundo Paulo Bonavides:
“O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo em relação do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois, incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decide sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais” (BONAVIDES, 2007, p.299)
Em síntese, uma lei pode ser inconstitucional apenas no sentido formal, somente no sentido material, ou ser duplamente inconstitucional por apresentar tanto o vício formal quanto o material.
9 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO
Conforme observado no tópico inicial deste trabalho a (in)constitucionalidade de um ato normativo é aferido tanto no aspecto formal quanto no aspecto material.
Assim, a propósito do tema proposto, mister se faz analisar o valor do salário mínimo sob ambos os aspectos.
9.1 (IN)CONSTITUCIONALIDADE NO ASPECTO FORMAL
Diante do que já foi exposto, a inconstitucionalidade formal verifica-se quando o ato normativo infraconstitucional contém algum vício em seu processo de formação.
Analisando-se a lei que atualmente dispõe sobre a valorização do salário mínimo vigente no Brasil (Lei n° 13.152/15)[24], pode-se concluir que ela é constitucional em seu aspecto formal, uma vez que foi observada a iniciativa, que para tratar da matéria em apreço, é da União, e o quórum de aprovação. Sendo assim, a referida lei entrou no ordenamento jurídico sem conter nenhum vício quanto à sua formação, sendo, com isso, constitucional no sentido formal.
Isso porque foi editada a Medida Provisória número 672 pela presidente Dilma Rousseff, em 24 de março de 2015, posteriormente convertida na Lei número 13.152 de 29 de julho de 2015, e regulamentada pelo Decreto n° 8. 948, de 29 de dezembro de 2016[25]. Por se tratar de lei ordinária, ocorreu a aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em um turno em cada casa, por maioria simples.
De igual forma, o Decreto nº 9.255, de 29 de dezembro de 2017, que fixou o valor do salário mínimo em R$954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais), a partir de 1º de janeiro de 2018, foi editado pela autoridade competente, ou seja, o Presidente da República, possui assento constitucional e legal, revestindo-se, assim, dos aspectos formais aplicáveis à espécie (BRASIL, 2017).
Portanto, formalmente, o valor do salário mínimo não se encontra viciado de inconstitucionalidade.
9.2 (IN)CONSTITUCIONALIDADE NO ASPECTO MATERIAL
Observa-se que, no aspecto material, o que é analisado não é o procedimento de formação, mas sim o conteúdo do ato normativo, sua substância, ou seja, se ele está de acordo com os preceitos e princípios previstos na Constituição Federal.
No art. 7º, inciso IV, a Constituição assegura que o salário-mínimo, visando a uma melhor condição social, deve cobrir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, devendo ser unificado nacionalmente e reajustado periodicamente de modo que garanta seu poder aquisitivo, vedando-se a sua vinculação para qualquer fim.
Tratando do assunto em tela, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicou uma tabela com a estimativa do salário-mínimo necessário para atender às referidas necessidades básicas previstas na Constituição Federal de 1988 para que o trabalhador juntamente com sua família possa gozar de uma vida digna.
De acordo com os dados apresentados na pesquisa, o DIEESE começou a determinar também o salário mínimo necessário, ou quanto deveria ser o valor do salário mínimo – com base na definição legal – para fazer frente aos gastos de uma família trabalhadora de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças). [27]
Tomando como referência a cesta mais cara, que, em março, foi a de Porto Alegre, e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e de sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, o DIEESE estima mensalmente o valor do salário mínimo necessário. Em março de 2017, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 3.673,09, ou 3,92 vezes o mínimo de R$ 937,00. Em fevereiro de 2017, o piso mínimo necessário correspondeu a R$ 3.658,72, ou 3,90 vezes o mínimo.[28] Em janeiro de 2017, o salário mínimo necessário foi de R$ 3.811,29. De acordo com o Decreto nº 9.255, de 29 de dezembro de 2017, publicado no Diário Oficial da União de 29.12.2017, em edição extra, o valor do salário, a partir de 1º de janeiro de 2018, foi fixado em R$954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) (BRASIL, 2017).
Partindo do pressuposto que a exigência constitucional de satisfação do mínimo existencial aos trabalhadores não é atendida, tem-se um caso de inconstitucionalidade, pois o Poder Público adota medidas (fixa um salário mínimo), mas que são insuficientes. Em outras palavras, a norma infraconstitucional que determina o valor do salário mínimo não confere efetividade à norma constitucional.[29]
Uma vez que o salário mínimo não tem sido capaz de atender à soma das necessidades básicas do trabalhador e de sua família, é possível concluir que o seu valor, de fato, não atende à previsão expressa no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, e com isso pode ser considerado materialmente inconstitucional diante da inobservância do preceito constitucional acima citado. [30]
Por conseguinte, o valor atual do salário mínimo não é capaz de assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República e de todos os direitos fundamentais previstos na Constituição da República de 1988.
10 CONCLUSÃO
Partindo do estudo do tema proposto, este trabalho levantou como problema a seguinte indagação: o valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?
Tendo como análise o aspecto formal, constata-se que o valor do salário-mínimo no Brasil reveste-se de constitucionalidade, uma vez que a aprovação normativa cumpriu todas as formalidades de validade exigidas.
Não obstante, a análise da constitucionalidade ou não pelo viés material permite concluir pela inconstitucionalidade do valor do salário mínimo, por não possuir compatibilidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que não é capaz de suprir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador, na forma prevista na Constituição Federal.
Com efeito, o salário mínimo a ser garantido deve permitir aos trabalhadores uma vida digna, de modo a assegurar-lhes o exercício de sua autonomia e, assim, serem inseridos na sociedade em que vivem.
Privar a pessoa humana de sua dignidade, por ação ou omissão, constitui afronta ao próprio Estado democrático de direito em que se constitui a República Federativa brasileira, pois o conceito de Estado, República e democracia estão subordinados a um objetivo, que é a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.
No que tange ao disposto no artigo 7°, IV da Constituição Federal de 1988, verifica-se a inconstitucionalidade por omissão no aspecto material, dado que o Estado deixa de cumprir tal imposição.
Ao Poder Legislativo cabe dar eficácia social e efetividade ao artigo 7°, IV, da CF/88, mas quando o Poder Executivo passa a fixar o valor do salário-mínimo e o Legislativo apenas acata, há omissão, pois este descumpre o papel que lhe foi destinado pelo Constituinte de 1988, sendo de se consignar, nesse sentido, que as normas garantidoras de direitos fundamentais sociais têm aplicabilidade imediata, podendo ser exigidas do Poder Público.
Pela observação dos aspectos levantados, acredita-se que as melhorias necessárias e reivindicadas pela sociedade brasileira não dependem unicamente do aumento do valor do salário mínimo, mas também da mudança de postura do governo, necessitando que o Poder Executivo juntamente com o Legislativo definam a efetivação de uma política pública consistente, já que a função primordial do Estado é garantir políticas públicas e implementar ações governamentais tendentes a efetivar tais direitos.
Informações Sobre os Autores
Max Emiliano da Silva Sena
Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT). Mestrando em Direito pela Universidade FUMEC/BH. Especialista em Direitos Humanos e Trabalho pela ESMPU. Especialista em Direito Público pela FADIVALE. Ex-Analista Processual do MPU/MPT. Ex-Oficial do MP em Minas Gerais. Professor universitário
Gilkarla de Souza Damasceno Ribeiro
Bacharela em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE