Introdução
A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), foi instituída em nosso ordenamento jurídico-positivo, para vigorar pelo prazo máximo de dois anos, pela EC (Emenda Constitucional) nº 12/96, que incluiu o art. 74 ao ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Tributárias).
Após essa emenda, foi editada a Lei nº 9.311/96, instituindo a cobrança deste tributo pelo período de treze meses.
A seguir, a Lei nº 9.359/97 prorrogou esta cobrança por mais onze meses, esgotando, pois, o prazo final de vinte e quatro meses autorizado pela EC nº 12/96, em 22/01/99.
Sobreveio, então, a EC nº 21, de 18/3/99, modificando o art. 75 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), para assim determinar:
“é prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo”.
Neste contexto, saliente-se que, quando a EC nº 21, em 18/3/99, houve por bem prorrogar a vigência do tributo, por certo, as referidas leis já estavam com seu prazo expirado desde 22/01/99.
E, seguindo nesta esteira, foi instituída a Emenda Constitucional nº 37/02, prorrogando, por trinta e seis meses, a cobrança da CPMF que, a nosso ver, já não mais encontrava-se em vigor.
Discute-se, pois, em sede doutrinária e jurisprudencial, a validade da cobrança deste tributo.
É, pois, finalidade deste singelo trabalho, discorrer sobre o tema e, ainda, com a devida vênia, avançar em outras polêmicas que têm sido suscitadas sobre a constitucionalidade do tributo em referência.
É que, sem adentrarmos no mérito acerca da inconstitucionalidade afeta à inclusão de uma nova disposição constitucional transitória a uma Constituição que, à época da Emenda nº 12/96, já tinha quase dez anos e afora a questão central afeta à prorrogação de lei extinta, inúmeras outras, de natureza ainda mais grave, podem ser suscitadas. Vejamos.
A prorrogação da CPMF
É inegável que, a rigor, somente há que se aludir a prorrogação de algo que ainda existe.
Nas lições do Professor Diógenes Gasparini, temos que:
“A palavra ‘prorrogação’ é de origem latina (prorrogatio, de prorrogare) e significa alongar, dilatar, ampliar determinado prazo. Indica uma ampliação de prazo e só tem sentido quando este está próximo da extinção, não muito antes e nunca depois. De sorte que há impropriedade quando se fala em prorrogação no início do prazo e há irregularidade quando este já se extinguiu. Não se prorroga o que está expirado, acabado, em suma, que não está em vigor. Com a prorrogação, o prazo anterior e o posterior somam-se e passam a constituir um espaço de tempo sem qualquer solução de continuidade. Com a prorrogação não ocorre à interrupção do lapso”[1].
Nesse prisma, há quem entenda, ao analisar a CPMF, nos moldes ora instituídos, que cabe ao exegeta abrandar o rigorismo dos conceitos, a fim de considerar que, quando a Emenda Constitucional utilizou-se, equivocadamente, da expressão “prorrogada”, quis, na verdade, reinstituir o tributo e deve, pois, ser assim entendido seu preceito.
Nesse sentido, pondera Gabriel Lacerda Troianelli, em parecer publicado sob o título: A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99:
“Desse modo, não nos parece razoável que se interprete o ‘É prorrogada’ contida no artigo 75, que deve ser lida, na verdade, como ‘É reinstituída’, com um rigor tal que resulte na impossibilidade da incidência, por trinta e seis meses após tal reinstituição, da CPMF” [2].
Nessa linha de entendimento se posicionou, frise-se, o próprio Supremo Tribunal Federal, o que, por certo, motivou uma seqüência de julgados proferidos no mesmo sentido.
Vejamos, por pertinente, algumas decisões de nossas Cortes, acompanhando o entendimento da Corte Suprema a respeito.
A 3ª Turma do TRF da 1ª Região, assim manifestou-se a respeito:
“1. Cessada (em 23/01/99) a vigência da Lei nº 9.539, de 12/12/97, que disciplinava a cobrança da CPMF, a sua restauração, pela EC nº 21/99, tem a seu favor a presunção de constitucionalidade das leis.
2. Argüição de inconstitucionalidade que se afasta. Precedente do STF (ADIn 2.031/DF). Provimento da apelação. Remessa prejudicada” (Apelação em MS, Processo 2000.010.00.44706-2 – 3ª Turma – Relator Juiz Plindo Menezes – DJ 31/1/2001).
Por sua vez, o Tribunal 3ª Região, 3ª Turma entendeu que:
“I. A vedação de repristinação de lei revogada (art. 2º, § 3º, do Código Civil) é norma que cede ante a disposição de lei em contrário. Se é assim, com mais razão, cede ante a introdução de norma constitucional que seja oposta. Além disso, tal disposição, introduzida ao nível de norma de caráter ordinário, não ascende ao patamar do exercício do Poder Constituinte derivado, limitando-lhe o campo de atuação.
2. Não ofende a Constituição Federal a utilização de Emenda Constitucional para o fim de prorrogar a vigência de leis.
– Apel. MS – Processo 1999.61.00.031574-3, 3ª Turma – DJU 24/1/2001. Juiz Nery Junior
Em abono deste matiz, disse o Tribunal da 4ª Região:
1. É constitucional a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, instituída pela Emenda Constitucional nº 12/96, regulamentada pela Lei nº 9.311/96, e modificada pela Lei 9.539/97. O STF, no julgamento da ADIN nº 2.031/DF, entendeu que não há plausibilidade jurídica na alegação de ser inconstitucional a Emenda Constitucional nº 21/99.
2. Quanto a vigência das Leis nº 9.311/96 e 9.539/97, ficou decidido no mesmo julgamento, ser possível a repristinação de lei ordinária pela Emenda Constitucional nº 21/99. Apel. MS – Processo 2000.04.01.034928-5 – 1ª Turma – Juíza Ellen Gracie Northfleer – DJU 3/1/2001
E ainda, o Tribunal da 3ª Região, por intermédio de sua 6ª Turma, proferiu a seguinte decisão:
1. O Supremo Tribunal, no julgamento da ADIN 2031-5, sinalizou a constitucionalidade da CPMF, prorrogada pela EC 21/99.
2. A E. 6ª turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região vem decidindo reiteradamente, pela validade da prorrogação da CPMF, com base na EC 21/99.
3. Não há que se discutir acerca da constitucionalidade da contribuição debatida, uma vez que a validade da CPMF foi sinalizada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão ao qual compete, precipuamente, a guarda da constituição.
4. Agravo de instrumento não provido, com ressalva do entendimento do relator.
– Agravo – Proc. 1999.03.00.036814-8 – 6ª Turma – Juiz Nino Toldo – DJU 2/8/2000.
Infelizmente, em diversas oportunidades, já vimos nossos tribunais e até a Corte Suprema, proferir entendimentos de cunho político, afastando-se da guarda dos valores jurídicos emanados de nosso texto constitucional.
De todo modo, em situações como esta, o máximo que podemos fazer é manifestar nosso desagrado, postulando para que, quiçá, no futuro, a ordem jurídica possa vir a ser restabelecida, como quer a Constituição Federal.
Assim, no intuito de manifestar nossa discordância face aos entendimentos jurisprudenciais acima consignados, lembramos que, como é sabido, para pertencer a um sistema, uma norma jurídica deve atender aos critérios da validade formal e material.
Pois bem, neste diapasão, grife-se que, em se tratando de legislação temporária, não ocorre apenas a cessação do prazo de vigência da norma, findo o lapso temporal de duração da lei. A própria validade da norma se esgota. É a própria validade da norma que é temporária e, portanto, toda a sua existência é transitória e limitada ao período determinado para sua duração.
Nesse contexto, entendemos que se pode aludir à repristinação, no que tange a leis de vigência não temporária, que podem ter seus efeitos revigorados, face à revogação de sua lei revogadora.
É que, como regra, as leis não possuem um período certo de duração, tendo sua vigência preservada até que outra revogue seus termos. Portanto, se esta última for revogada, admite-se, desde que por expressa determinação, o retorno dos comandos do ordenamento jurídico anterior.
De modo algum, contudo, admitir-se-ia a repristinação, em se tratando de uma lei que já perdeu sua validade, por se tratar, na sua essência, de uma norma marcada pelo traço da temporariedade.
Nesta, o legislador houve por bem fixar uma data limite para sua duração e, portanto, após terem cessados seus comandos, não há como se aludir à repristinação, por ser esta incompatível com o limite de tempo previsto na norma.
Assim entendeu Heleno Taveira Tôrres:
“É que, excepcionalmente, no caso de legislação temporária ou provisória, não há apenas cessação da ‘vigência’, como se poderia supor, mas verifica-se, também, a cessação da própria ‘validade’ da norma, pressuposto de sua existência. É a validade da norma que é temporária, e, desse modo, toda a sua existência é transitória, limitadamente ao período de tempo previsto” [3].
Lembrando os ensinamentos do Mestre Paulo de Barros Carvalho:
“Seja como for, ingressando no ordenamento pela satisfação dos requisitos que se fizerem necessários, identificamos a validade da norma jurídica que assim se manterá até que deixe de pertencer ao sistema“ [4].
E, em se tratando de normas de cunho provisório, deixam de fazer parte do sistema com o advento de seu termo final.
A própria Lei de Introdução ao Código Civil, a teor de seu art. 2º, que se aplica a todo o universo de normas jurídicas, estabelece que:
“Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.
Isto porque, sendo temporária a lei, sua vigência estará restrita ao período designado em seus termos para sua validade.
Em outras palavras:
“Com o advento da data 23/01/1999, houve por superada não somente a vigência, como também a própria validade dos diplomas legais supracitados, pela carência de competência material, porquanto esta, também, naquele momento, encontrou o seu termo final. Se não havia competência, não há que se falar em validade; e se não havia validade, inexistia norma dotada de juridicidade, por falta de elemento básico para satisfazer os critérios formais de pertinencialidade ao sistema do direito positivo: órgão institucionalizado, competência constituída e processo devidamente definido” [5].
Ainda vale mencionar os sempre pertinentes entendimentos do Mestre Roque Antônio Carraza, que assim menciona:
“Como vemos, quando a lei tem prazo prefixado de vigência, ela, por assim dizer, contém implícito o preceito revogatório. No dies ad quem se exaure seu ciclo vital e ela deixa de existir, ou seja, de ter força obrigatória. É expulsa do sistema jurídico, como nos casos de revogação clássica, em que a lei posterior vem a dispor, em sentido diverso, sobre a matéria contemplada na anterior.
Em suma, a revogação também pode dar-se pela fruição do lapso de tempo expressamente nela apontado, previsto para sua vigência.
Observamos, por oportuno, que, uma vez revogada (inclusive por haver sido alcançado o termo ad quem de sua vigência), a lei desaparece do cenário jurídico, a ele não podendo mais retornar.
Transplantando estas idéias, apenas esboçadas, para o caso concreto, facilmente se percebe que as Leis ns. 9.311/96 e 9.539/97, tendo já sido revogadas (pela fruição de seus prazos de vigência), não poderiam ter sido ‘ ressuscitadas’, nem mesmo por uma emenda constitucional. É que inexiste, em nosso direito positivo, aquilo que poderíamos chamar de ‘efeito lásaro’.
Ademais, a própria EC n. 12/96 (fundamento de validade das Leis ns. 9.311/96 e 9.539/97), que limitou a cobrança da CPMF em dois anos. Com isto, expirado este prazo, automaticamente caducariam leis que, eventualmente, pretendessem prorrogar a exigência da exação.
Mas nem foi isto que aconteceu, já que as próprias leis em referência deixaram de produzir efeito ao cabo do biênio a que aludia a EC n. 12/96. Foi a EC n. 21/99 que pretendeu prorrogar o que já não tinha vigência.
Embora esta certamente tenha sido a intenção do legislador (intentio legislatoris), o fato é que a Emenda Constitucional n. 21/99 não prorrogou – e nem poderia ter prorrogado – a vigência dos preditos diplomas legais. Realmente, como é de compreensão intuitiva, só se pode prorrogar o que ainda não desapareceu. Normas jurídicas só podem ser prorrogadas quando ainda se encontram irradiando efeitos; nunca quando já revogadas, como no caso em julgamento” [6].
E, pondo fim ao argumento de que não se pode ser tão formalista a ponto de apegar-se ao termo prorrogação a fim de negar a validade do tributo, conclui Carraza:
“Nem se diga, numa visão mais crítica, que estamos esgrimindo um argumento meramente formal. Na verdade, quando se trata, como no caso em tela, de questão ligada ao Estatuto do Contribuinte, o aspecto formal é tão essencial quanto o material, já que ambos viabilizam o princípio constitucional da segurança jurídica.
De fato, este princípio impede que o contribuinte seja surpreendido com a ‘prorrogação’ de exigência fiscal já exaurida no tempo, e, portanto, já desaparecida.
Também não se diga que a EC n. 21/99 usou a expressão ‘é prorrogada’ no sentido de ‘é criada’, e a palavra ‘vigência’ no sentido de ‘incidência’. É que, por força do princípio da razoabilidade, mesmo uma emenda constitucional, ao aludir a institutos jurídicos, está atrelada ao sentido que eles têm, de acordo com a doutrina e a jurisprudência. Acaso pudesse alterar o sentido comum dos institutos jurídicos, ainda mais quando assentado há milênios, a Constituição, em rigor, não daria nenhuma garantia aos contribuintes: uma emenda constitucional sempre poderia costeá-la, alterando o sentido corriqueiro das palavras e expressões jurídicas. Com isto, absurdamente, uma emenda constitucional poderia, à sorrelfa, fazer cair até cláusulas pétreas, instalando o império do arbítrio” [7].
E, não bastasse a questão referente à impossibilidade de extensão de leis já extintas no tempo, houve também, in casu, desrespeito à norma geral do processo legislativo (Lei Complementar nº 95 de 26/2/98) que estabelece:
“Art. 12. A alteração da lei será feita:
I – mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável;
II – na hipótese de revogação;
III – nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras…”.
Se assim o é, por ora, na “alteração da lei”, para manter os comandos das Leis 9.311/96 e 9.539/97, com as alterações colimadas pela EC nº 21/99 e, por ora, pela Emenda 37/02, , a União teria que providenciar a reprodução integral em novo texto, na medida em que se tratou de uma alteração considerável.
Na medida em que inexistiu a reprodução em novo texto, não há que se aludir a lei nova que legitime a cobrança do tributo.
Por sorte, algumas de nossas cortes também houveram por bem, inobstante a orientação do STF, proferir entendimento que, a nosso ver, se harmoniza com nosso sistema jurídico. Cite-se, no ensejo, as seguintes decisões a respeito.
Tribunal da 3ª Região:
Direito Tributário e Processual Civil. Decisão interlocutória exarada em sede de mandado de segurança. Agravo de instrumento. Seu cabimento. Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF. Prorrogação de sua exigibilidade disciplinada pela Emenda Constitucional nº 21, de 18.03.99. Impossibilidade de as Leis nº 9.311, de 24.10.96, e 9.539, de 12.12.97, terem sua eficácia prorrogada. Presença dos requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”. Concessão da liminar a que se impõe.
1 – As decisões interlocutórias exaradas em sede de mandado de segurança são impugnáveis por meio de agravo de instrumento, em decorrência de o art. 522 do Código de Processo Civil se inserir dentre aquelas matérias elencadas pelo art. 20 da Lei nº 1533, de 31.12.51.
II – Havendo sido promulgadas as Leis nº 9.311, de 24.10.96, e 9.539, de 12.12.97, com eficácia temporária, não poderia ela ser ressuscitada por meio de Emenda Constitucional que venha a estender a exigibilidade da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF por período superior àquele previsto originariamente.
III – Presentes os requisitos legais para a concessão da liminar requerida, há que ser ela deferida.
IV- Preliminar argüida pelo Ministério Público Federal a que se rejeita, improvendo-se, quanto ao mérito, o agravo de instrumento( Agravo de Instrumento – Processo n. 1999.03.00.034122-2 – 4ª Turma – DJU 9/2/2001. Juíza Leila Paiva)
Tribunal da 5ª Região:
Constitucional e Tributário. Agravo de instrumento. Interpretação conforme a Constituição. Limites. Expressão literal do texto normativo. EC nº 21/99. Prorrogação da vigência da Lei nº 9.539/97. Eficácia. Cobrança da CPMF. Plausibilidade da inconstitucionalidade. Infringência art. 150, I, da CF/88. Depósito judicial integral em dinheiro. Art. 151, II, do CTN. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Desnecessidade de outros fundamentos.
– A utilização do instrumento da interpretação conforme a constituição adequar o conteúdo normativo de determinado texto legal às diretrizes impostas pela lei maior só é admissível se não configurar violação a expressão literal do enunciado lingüístico respectivo.
– A EC nº 21/99 é juridicamente ineficaz na parte em que determina a prorrogação da vigência da Lei nº 9.539/97 já não mais vigorava ao momento de sua entrada em vigor, sendo plausível a alegação de inconstitucionalidade da base nos referidos diplomas normativos, por infringência ao art. 150, I, da CF/88, de forma que se encontram presentes os requisitos da fumaça do bom direito e do perigo da demora no pleito da agravada concedido liminarmente em 1º grau.
– O depósito judicial integral e em dinheiro do montante devido a título de CPMF é causa de suspensão pela exigibilidade do crédito referente a esse tributo (art. 151, II, do CTN) independentemente de outro fundamento.(Agravo – 3ª Turma – Processo 99.05.55625-7 – 3ª Turma – Juiz Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJ 28/8/2000).
Constitucional e Tributário. CPMF. EC nº 21/99. Arguição de inconstitucionalidade.
– É inconstitucional formal e materialmente a prorrogação da CPMF levada a efeito pela EC nº 21/99.
– Suspensão do julgamento na turma para submissão da questão ao Egrégio Tribunal Pleno (MAS – Proc. 99.05.63611-0 – 3ª Turma – Juiz Alexandre Costa de Luna Freire – DJ 7/7/2000).
Precipuamente no que tange à Emenda Constitucional nº 37, trata-se de novo tributo por três motivos, destacados em parecer aqui reproduzido:
“O primeiro é o fato de a hipótese de incidência neste caso (EC nº 37) não incluir as operações em bolsa de valores, previstas na contribuição anterior (EC nº 21). Assim, trata-se de nova hipótese de incidência.
O segundo motivo que leva a considerar tratar-se de novo tributo, é a destinação dada ao produto de sua arrecadação. Isto porque a nova Contribuição (EC nº 37) prevê que o destino de sua arrecadação é para um Fundo de Arrecadação da Pobreza, enquanto que a contribuição anterior (EC nº 21) previa a destinação do produto de sua arrecadação para um Fundo Nacional da Saúde. A respeito da destinação dada à receita advinda de contribuições, MARCO AURÉLIO GRECO assim se manifestou:
‘Para as contribuições, o destino da arrecadação é um elemento essencial à definição da figura. Se a razão de ser da contribuição é existir uma finalidade e um determinado grupo, e a exigência do pagamento é feita em solidariedade ao grupo à luz da finalidade, o destino da arredacação deve ser a favor desse mesmo grupo, na busca da finalidade (…) O destino da arrecadação é relevante não apenas conceitualmente, mas também é invocável pelo contribuinte’.
O terceiro motivo para se caracterizar a CPMF instituída pela EC nº 37 como novo tributo, é o simples fato de haver modificação no prazo de vigência da atual Contribuição”[8].
Mas este não é o único vício que entendemos macular a instituição deste tributo em nosso ordenamento jurídico. Vejamos, pois, algumas outras questões que devem ser apreciadas em relação à CPMF.
A legalidade:
Questão que se coloca é saber se pode ou não uma Emenda Constitucional instituir tributos.
Seguindo nesta esteira, temos que o art. 150, inc. I da CF/88 consagra, no capítulo das limitações ao poder de tributar, o princípio da estrita legalidade, ao asseverar que é vedado aos Entes Federados, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Assim também determina o art 97. do CTN.
Pois bem, entendemos que a Norma Constitucional não é o comando para a instituição de tributos. Cabe, de fato, ao constituinte derivado, dispor sobre a delimitação de competências tributárias, autorizando o legislativo a criar, por meio de lei, os tributos que lhe forem próprios. Contudo, não lhe comete exercer, diretamente, o poder de tributar, obstaculizando o processo legislativo.
“Admitir que o Legislador Constituinte possa dispor, sobre alíquotas ou sobre a incidência de certo tributo parece somente possível no caso em que, por força de promulgação de uma nova Constituição, a necessidade de uma transição harmônica entre o velho e o novo sistema tributário justifique que o próprio Legislador Constituinte originário, que tudo pode, disponha, transitoriamente e em termos concretos, sobre determinado tributo, como ocorreu no artigo 56 do ADCT, a respeito do Finsocial.
Não se tendo dado tal hipótese, não pode o Legislador Constituinte derivado pretender, sem que se viole o princípio da reserva absoluta da lei formal inscrita no inciso I do art. 150, cláusula pétrea da Constituição, ‘prorrogar’ tributo e aumentar sua alíquota, independente de posterior ato normativo infraconstitucional – no caso, a lei ordinária – próprio para instituir ou majorar tributo”[9].
Em precedente jurisprudencial, o STF havia decidido pela inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que fixava multa tributária, exatamente sob a alegação de que esta matéria deve ser reservada à lei formal. Assim decidiu a Egrégia Corte:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Parágrafos 2º e 3º do art. 57 do ADCT do Estado do Rio de Janeiro, que dispõem sobre multa punitiva nas hipóteses de mora e sonegação fiscal. Plausividade da irrogada inconstitucionalidade, face não apenas à impropriedade formal da via utilizada, mas também ao evidente caráter confiscatório das penalidades instituídas. Concorrente o risco de dano, de difícil reparação, para o contribuinte. Cautelar deferida”.
Assim como não poderia instituir-se multa em preceito constitucional de ordem tributária, tampouco a regra constitucional poderia prorrogar ou, como preferem alguns, reinstituir tributo, bem como alterar alíquota anteriormente estabelecida em lei formal, como de fato ocorreu.
Sequer poderia prosperar, a nosso ver, argumento no sentido de que o art. 97 do CTN não estabelece, no rol dos itens submetidos à reserva da lei formal, a prorrogação de um tributo, mas tão somente a sua instituição.
Ora, o comando da norma, por certo, não previu a hipótese tendo em vista que não é da natureza dos tributos a provisoriedade ensejadora da prorrogação em tela.
Ademais, prorrogar um tributo nada mais é do que uma nova instituição deste, ainda mais no presente caso, em que houve solução de continuidade.
Destarte, a nosso sentir, tanto a prorrogação como a majoração da CPMF deveria ter ocorrido através de lei.
Há ainda que se considerar que o processo legislativo atinente à aprovação de leis e de emendas é absolutamente diverso.
Não se alegue que estaria legitimada a criação deste tributo via emenda, na medida em que a aprovação do tributo por meio de lei seria concentrada no mesmo poder, qual seja o legislativo federal.
Veja, a competência do legislativo é absolutamente diversa ao aprovar uma lei e uma emenda constitucional.
À luz de melhor doutrina, temos que:
“Por determinação constitucional, no Brasil, o Constituinte derivado, é o mesmo legislador ordinário da União, mas esses dois são órgãos distintos, que não podem ser confundidos. São órgãos autônomos, mesmo se concentrados na mesma pessoa, cada um exercendo função própria:aquele, com poderes para alterar a fisionomia constitucional, criando ou modificando competências; o legislador ordinário, a partir das atribuições materiais de competências emanadas daquele, estabelecendo as tipificações das condutas, por leis específicas. O fato de estarem, ambos, concentrados na mesma pessoa, não pode servir como justificativa para qualquer espécie de ‘economia processual’ (do processo legislativo), por estarem exercendo funções distintas (mesmo se as emendas estejam qualificadas como produto do processo legislativo), com competências materiais autônomas, e segundo processos também autônomos”.
E, mas adiante, assim complementa o autor:
“… os atos do Congresso Nacional, enquanto legislador federal, devem ser compatíveis materialmente, com os atos expedidos pelo Congresso Nacional enquanto Constituinte Derivado, não como simples ‘execução’, mas como realização da competência atribuída, na continuação do processo de positivação do direito, agora, mediante a ponência das leis que lhe cabe criar, tipificando as hipóteses de incidência e as conseqüências para os comportamentos normados”[10].
Assim, temos para nós que a Emenda não é o veículo apto a introduzir tributos novos no sistema jurídico e, para nós, o procedimento é, pois, inerente à criação de normas válidas, não podendo ser afastado do órgão competente.
“Significa que a emenda à Constituição se mostra idônea, sim, para outorgar a uma ou a outra entidade político-administrativa (União, Estados ou Municípios) competência para criar determinado tributo; não, porém, presta-se a instituir o tributo ou aprovar a elevação de alíquota, em obséquio ao princípio da reserva legal (Carta da República, art. 150, I)”[11].
Veja que esta limitação imposta no art. 150, I da CF/88 ao poder tributante é uma garantia dos contribuintes e, como tal, não pode deixar de ser observada. Na verdade, como garantia e direito individual, sequer pode ser objeto de emenda, por se tratar de cláusula pétrea, inserta no bojo do art. 60, §4º da Lei Maior.
Saliente-se, também, que as Emendas Constitucionais não se submetem ao veto do Presidente da República e o art. 48, caput e inc. I da CF/88 prevê, expressamente, a necessidade de sanção presidencial, em se tratando de matérias atinentes à tributação.
Assevera, com a costumeira pertinência, Luciano da Silva Amaro:
“Ademais, criação ou aumento de tributo estão sujeitos ao princípio da reserva legal (art. 150, I, da CF). O art. 48, item I, por sua vez, reza caber ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre matéria tributária; trata-se, portanto, de matéria que só pode ser veiculada por lei, observando-se o processo legislativo prescrito pela Constituição. Ora, o veículo utilizado para o aumento da contribuição das instituições financeiras não atende ao processo constitucionalmente fixado para a criação e aumento de tributos; na emenda só o Congresso se manifesta, sem a possibilidade de veto do Executivo”[12].
Veja que a sanção presidencial prevista no citado art. 48 não se trata de mera prerrogativa do Presidente da República, mas de um mecanismo que vai ao encontro do princípio da separação dos poderes, que constitui uma das cláusulas pétreas elencadas no art. 60, §4º da Lei Maior.
A separação de poderes, consagrada por Montesquieu, é princípio arrimado no sistema de freios entre os poderes, direcionado a evitar a tirania e consagrar a liberdade.
“Ora, se a necessidade do veto presidencial é instrumento a serviço da separação de poderes, que por sua vez, consolida-se em um sistema, um mecanismo de freios mútuos de um poder em relação a outro, com o objetivo de preservar a liberdade do povo, evitando, ou, pelo menos, dificultando as tiranias, é evidente que aos poderes não é permitido, segundo sua vontade, contornar este sistema, deixando de aplicar um de seus componentes – no caso, a necessidade de veto presidencial -, quando lhe convier. Caso assim ocorresse, um Poder Executivo que contasse com a maioria do Poder Legislativo, poderia, sem alterar um vírgula da Constituição, fazer desmoronar todo o sistema garantidor da separação de poderes, hipótese esta absurda, já que, não podendo a separação de poderes ser tocada sequer por emenda constitucional, com muito mais razão não pode ser mitigada pela vontade do intérprete.
Assim, considerando-se que a necessidade do veto presidencial não é uma prerrogativa do Presidente da República, mas uma garantia da liberdade decorrente da separação de poderes é inconstitucional a regulação por emenda constitucional, desacompanhada de lei, de matéria tributária, sujeita ao veto do Presidente da República”[13] .
Não bastasse isso, frise-se ainda que, uma vez que o projeto da Emenda 21 votado e aprovado pelo Senado, seguiu para a Câmara dos Deputados, onde teve sua redação alterada nos §§1º e 3º, não retornou ao Senado, para que este apreciasse a mudança.
“Ora, a simples confrontação da Emenda Constitucional n. 21/99 com o texto aprovado pelo Senado Federal facilmente revela que há um descompasso entre ambos.
Deveras, a Câmara dos Deputados excluiu as expressões ‘ou restabelecê-la’ e ‘hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal’, dos §§1º e 3º, respectivamente. Houve, pois, duas substanciais alterações no texto oriundo no Senado. E, a despeito disso, o projeto aprovado pela Câmara não retornou àquela Casa Legislativa, para a imprescindível reapreciação.
Logo, a Emenda Constitucional n. 21/99 não resultou do consenso das duas Casas Legislativas.
Esta flagrante inconstitucionalidade formal também impede que a CPMF tenha validade exigida”[14].
Esta atitude feriu um dos preceitos basilares do processo bicameral, elencado no art. 65 da Magna Carta.
Quanto à Emenda Constitucional nº 37, há que se ressaltar que o processo legislativo também restou viciado, pois a retirada, pelo Senado do período de noventa de vacatio legis, não foi apreciada pela Câmara, em flagrante desrespeito ao procedimento legislativo e a princípio do Bicameralismo.
Como destacado em matéria aqui transcrita, (…) “após ter sido aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos, a Emenda foi encaminhada ao Senado Federal onde ‘sofreu alteração substancial de conteúdo’, nos termos da ação do Partido Socialista Brasileiro – PSB, com a retirada do dispositivo que previa o período de ‘noventena’ para a cobrança. Depois da alteração, a Emenda não retornou à Câmara dos Deputados para apreciação e votação em dois turnos da mudança realizada e, por isso, desrespeitou o procedimento legislativo correto”[15].
Analisemos, neste contexto, se o vício formal que decorreu da produção da emenda pode ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, com vistas a preservar o princípio da independência e separação dos poderes.
Por certo, o Congresso Nacional deve obediência à Constituição, às leis e a seu regimento interno.
Destarte, a validade de seus atos está condicionada à conformidade com o ordenamento jurídico acima mencionado.
Não obstante, convém destacar que, há alguns atos, denominados de interna corporis, que se relacionam à sua organização interna, que não são passíveis de apreciação judicial.
Nas lições, sempre atuais, de Hely Lopes Meirelles, denominam-se atos interna corporis aqueles que se relacionam:
“… direta e indiretamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deliberação do Plenário da Câmara. Tais são os ato de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação dos Poderes e incompatibilidades de seus membros (cassação de mandatos, concessão de licenças, etc.) e os de utilização de preorrogativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, elaboração de regimento, constituição de comissões, organização de serviços auxiliares, etc.) e a valoração das votações” [16].
Ocorre que, a nosso ver, as normas atinentes à observância do processo legislativo, bem como do sistema bicameral, sobre a qual já discorremos, não se tratam de ato interna corporis.
“(…) a análise atenta do dispositivo constitucional revela-nos que na ocorrência de emenda pela Casa revisora ao Projeto Originário, a norma constitucional estabelece uma única alternativa possível: a de retornar à Casa Iniciadora.
In casu, a atuação do Congresso nacional é absolutamente vinculada ao comando do art. 65 e parágrafo único, porquanto tal dispositivo não deixou opções outras, senão aquela contida em seu preceito.
Não se trata, pois, de ato interna corporis, pois a norma constitucional referida utiliza comando preciso, vocábulos unissignificativos, não conferindo ao Legislativo qualquer margem de apreciação subjetiva.”
E adiante se conclui:
“Não integrando o comando do art. 65, e parágrafo único, da CF os denominados atos interna corporis do Congresso Nacional, concluímos que ao Poder Judiciário não haverá qualquer restrição em seu exame, podendo, inclusive, decretar nulidade quando ausente a conformidade do ato à Lei” [17].
De tal sorte que, para nós, tais vícios poderiam ser objeto, como já ocorreu, de apreciação judicial.
Por fim, quer ainda nos parecer que sequer estaria no campo da lei ordinária a instituição do tributo em estudo.
A nosso ver, a CPMF deveria ser instituída mediante lei complementar.
Com efeito, entendemos que a CPMF é uma contribuição para a Seguridade Social que se enquadra no art. 195, §4º da CF/88 e deve observância, pois, aos preceitos do art. 154, inc. I da CF/88.
Corroborando dita assertiva, diz Roque Antônio Carraza:
“Muito bem, a CPMF é, sem dúvida, uma contribuição social para a Seguridade Social, que, não estando prevista nos incisos I a III do art. 195 da Constituição Federal, só podia encontrar fundamento de validade no §4º deste mesmo artigo.
Assim, devia ter sido criada por meio de lei complementar, que: a) a submetesse ao princípio da não-cumulatividade; b) não lhe desse hipótese de incidência e base de cálculo idênticas às dos impostos arrolados nos arts. 153, 155 e 156 da Constituição Federal; e c) destinasse 20% do produto de sua arrecadação aos Estados e ao Distrito Federal.
Ora, nada disso aconteceu, porquanto a CPMF, em função da Emenda Constitucional n. 12/96, foi criada por meio de lei ordinária ( a Lei n. 9.311/96, ao depois ‘prorrogada’ pela Lei n. 9.539/97), que a tornou cumulativa, imprimiu-lhe base de cálculo coincidente com a do IOF ( um dos discriminados na Constituição, mas precisamente em seu art. 153, V) e não destinou 20% do produto de sua arrecadação aos Estados e ao Distrito Federal. Esta situação inconstitucional foi mantida pela Emenda Constitucional n. 21/99” [18].
A anterioridade da CPMF:
Faz-se mister, outrossim, verificar se a exigência desta contribuição, a partir de junho de 1999, é compatível com os ditames de nossa Magna Carta.
O legislador constituinte derivado houve por bem aplicar, à CPMF, o princípio da anterioridade mitigada previsto no art. 195 da CF/88, que prevê, neste caso, a possibilidade de se exigir o tributo após noventa dias de sua publicação.
Tal regra se aplica às contribuições previstas, expressamente, nos incisos I, II e III do aludido art. 195, bem como `a contribuição criada em conformidade com o §4º, como, por exemplo, a instituída pela Lei Complementar 84/96.
Pois bem, a nosso sentir, consoante já afirmamos, a contribuição em tela enquadrar-se-ia nas previsões contidas no §4º do citado art. 195, o que, se por um lado permitiria a invocação da anterioridade mitiga ali prevista, de outro, exigiria a instituição do tributo, por intermédio de lei complementar, o que não foi o caso.
Nas lições do Prof. Roque Antônio Carraza:
“Com efeito, a CPMF é, sem dúvida, uma contribuição para a seguridade social, que, não estando prevista nos incs. I a III do art. 195 da CF, só podia encontrar fundamento de validade no §4º deste mesmo artigo: ‘§4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I’ (grifamos).
Recordamos que o contribuinte tem o direito subjetivo de só pagar uma nova contribuição para a seguridade social se ela observar o disposto no art. 154, I, da CF” [19].
Não obstante, parece-nos oportuno mencionar que esta nossa exegese não é pacífica, havendo quem entenda que a CPMF deveria ter respeitado a anterioridade geral dos tributos, qual seja, o correspondente exercício financeiro.
“Ora, tendo a CPMF sede constitucional diversa, qual seja, os artigos 74 e 75 do ADCT, não lhe pode ser aplicada a anterioridade mitigada prevista no artigo 195, que, ao prever exceção ao princípio da anterioridade geral constante no artigo 150, III, b, deve ser interpretada, como convém às normas excepcionais, de forma restrita e não de forma ampla, de modo a que nenhuma exação prevista em outro dispositivo constitucional que não o artigo 195 submeta-se à anterioridade especial aplicável a este artigo”[20].
Entendeu o parecerista que a CPMF teria por sede o art. 212 da Magna Carta e, portanto, deveria seguir a anterioridade geral de que trata o art. 150, III, b.
Todavia, a nosso ver, poder-se-ia aplicar a anterioridade mitigada, uma vez que parece-nos que a CPMF enquadrar-se-ia nas prescrições do §4º do art. 195, da CF/88.
Mas veja, na Emenda ora em vigor, no processo legislativo, consoante já afirmamos, foi retirada a observância da anterioridade mitigada, maculando ainda mais a cobrança dessa contribuição.
O artigo 246 da CF/88
Nos posicionamos, consoante as considerações em epígrafe, pela inviabilidade de instituição da CPMF por intermédio da emenda constitucional.
Resta saber, outrossim, se o Presidente da República poderia valer-se da Medida Provisória para regular a matéria.
A nosso ver, salvo melhor juízo, a resposta é negativa.
E assim entendemos em face dos comandos do art. 246 da CF/88, que veda, taxativamente, a adoção de medidas provisórias para regulamentar matéria que tenha sido objeto de emenda constitucional.
Pondera, a respeito, Hugo de Brito Machado:
“… é razoável dizer-se que a finalidade da norma albergada pelo art. 246, acima transcrita, é evitar que ao inconveniente da flexibilização dada pelo Congresso Nacional, como Poder Constituinte derivado, ao texto da Constituição, some-se o inconveniente da edição abusiva de medidas provisórias. O Congresso admite emendar a Constituição, acolhendo no mais das vezes proposta do Poder Executivo, que sustenta a necessidade de alteração da Lei Maior como condição de governabilidade, mas retira deste a atribuição de legislar nas matérias objeto de emendas” [21].
Também assim se posiciona Marco Aurélio Greco, asseverando que:
“… é importante buscar o sentido do artigo 246, introduzido pela EC-6/95 e reiterado pela EC-7/95. Esse dispositivo tem a nítida finalidade de restringir o exercício da competência constitucional do Presidente da República de adotar medidas provisórias. Ou seja, busca circunscrever a aptidão presidencial à amplitude que possuía em 1995. Trata-se, portanto, de uma norma contemplando uma exceção ( limitadora) à competência do artigo 62 da CF-88”[22]
Ainda que se alegue que as Emendas nº 12/96 e 21/99 e 37/02 não tenham ocasionado alteração no texto constitucional, não se pode negar a inclusão de artigos no ADCT produziram alteração no sistema tributário nacional.
Assim, já prevenidos pela quantidade de medidas provisórias que descumprem preceitos constitucionais, parece-nos pertinente destacar, à título preventivo, que se porventura for editada medida provisória nesta seara, esta será inconstitucional, assim como a lei decorrente de sua conversão.
Nesse sentido já se manifestou em outra oportunidade o STF, nos seguintes termos:
“… se a lei inconstitucional é um nada jurídico, é evidente que a lei que resultar da conversão dessa medida será também inconstitucional, uma vez que do nada, nada pode ser originar”[23]
O sigilo dos dados:
Discute-se, ainda, a questão afeta ao sigilo dos dados em relação aos lançamentos bancários dos contribuintes, tendo em vista o princípio constitucional da intimidade das pessoas.
A questão deve ser vista com cautela.
Isto porque, se de um lado deve-se garantir a observância do preceito em tela, de outra banda, não há que se aludir ao sigilo na totalidade dos casos, notadamente quando a questão envereda para atos reveladores de fraudes, sonegação, lavagem de dinheiro e corrupção.
Nessa seara, entende Wagner Balera:
“Cumprem papel, no particular, as normas gerais de tributação, que, sobre disporem a respeito do procedimento de lançamento, devem igualmente cuidar das rígidas regras segundo as quais certos dados, de ordinário clausulados como sigilosos, podem ser desvelados pelo Fisco”[24]
Cite-se, ainda, o magistério de Sacha Calmon Navarro Coelho:
“Não pode a ordem jurídica de um país razoavelmente civilizado fazer do sigilo bancário um baluarte em prol da impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos, contrabandistas e sonegadores de tributos”[25]
O sigilo fiscal cederia passo em face da necessidade de proteção da justiça social, a ser atingida via tributação.
Consoante preleciona Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
“Como faculdade, a manutenção do sigilo não está a serviço apenas da liberdade ‘de negação’ da comunicação. Serve também à sociedade e ao Estado”[26]
Ainda que assim seja, já prevenidos pelo ímpeto de arrecadação que vêm sendo revelado em nosso País, impende destacar que, diante de registros que impossibilitem o exercício dos poderes fiscais, a autoridade tributária não pode agir a seu talante, devendo, em qualquer caso, observar o devido processo legal.
A capacidade contributiva:
“O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito, pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais impostos do que quem tem menor riqueza. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus indícios de riqueza”.[27]
O princípio da capacidade contributiva está intimamente ligado ao preceito da isonomia e constitui-se um dos meios para se atingir a Justiça Fiscal.
Aliás, deriva do princípio da capacidade contributiva outro princípio que informa o Direito Tributário, qual seja, o do não confisco, previsto no art. 150, inc. IV da CF/88.
Em relação à CPMF, nos centrando nos termos das Emendas nº 21/99 e 37/02, entendemos que elas ferem o preceito em tela, na medida em que não há qualquer critério que leve em conta a manifestação de riqueza do contribuinte, para fins de graduação do tributo.
Como bem afirma o Prof. Carraza:
“Infelizmente, a nova CPMF ‘criada’ pela Emenda Constitucional n. 21/99 continua afrontando o princípio da capacidade contributiva, pois prevê que ‘a alíquota da contribuição será de trinta centésimos nos meses subseqüentes’ (art. 75, §1º, do ADCT). A ausência de graduação de alíquotas e a incidência sobre a mera movimentação financeira mantém o total descompromisso da exação com a capacidade contributiva. Deveras, a existência de quantias, na conta corrente do contribuinte, em si mesma considerada, não exterioriza nenhuma manifestação objetiva de riqueza, já que elas podem ser fruto de empréstimos, pertencer a outras pessoas, etc. O que se está tentando significar é que a CPMF deveria ser graduada de acordo com critérios certos e específicos de exteriorização de riqueza, e não, como vem acontecendo, com base em indícios, por vezes irreais, de existência de recursos financeiros. Em suma, a falta de graduação de alíquotas e a incidência sobre a mera movimentação financeira ( que pode até mesmo decorrer de receitas alheias) tornam inconstitucional o tributo em tela…” [28].
E, diga-se, infelizmente, não foi corrigida a situação com o advento da Emenda 37/02.
Jurisprudências:
Acerca dos demais temas que ultrapassam a questão afeta à prorrogação de norma inexistente, para abarcar, também, outros aspectos que colocam em xeque a cobrança da CPMF, também há entendimentos jurisprudenciais diversos, que não podemos por ora omitir. Dentre eles, destacamos:
TRF da 1ª Região:
Tributário. Emenda Constitucional n. 21/99. Repristinação. Lei n. 9.539/97. CPMF. Constitucionalidade.
1. A inconstitucionalidade formal da Emenda 21/99 foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADInMC n.
2.031 – DF, relator Min. Octávio Galloti.
2. Afastada a alegação de repristinação, já que a lei ressurgiu por vontade do poder constituinte derivado.
3. Inexiste ofensa ao princípio da capacidade contributiva, pois a proporcionalidade permite tomar em conta as manifestações de riqueza objetivas da pessoa, recolhendo mais daqueles que movimentam maiores importâncias, bem como porque a alíquota é fixada em pequeno percentual.
4. Por identidade de razão, não há ofensa ao princípio que veda a instituição de tributos, com efeito, de confisco e ao princípio da igualdade.
5. Apelação provida. Remessa prejudicada (Processo 2000.010.00.26163-0, Apelação em Mandado de Segurança)
TRF da 1ª Região:
Tributário. CPMF. EC nº 21/99. Leis nºs 9.311/96 e 9.539/97. Constitucionalidade. Inexistência de ofensa aos princípios da proibição de bitributação, da capacidade contributiva e da isonomia.
Inocorrência de vício de tramitação.
Inexiste ofensa aos princípios acima elencados, vez que as garantias contidas nos artigos 154, I e 195, § 4º, da CF, embora consignem limitações, estabelecem garantias que não constituem em cláusulas pétreas, limitando-se, tão-somente, à obediência do princípio da anterioridade, em se tratando de matéria eminentemente tributária. A EC nº 21 tão-somente prorrogou a vigência da Lei nº 9.539/97, revogadora da Lei nº 9.311/96. Essa prorrogação é perfeitamente admissível, via Emenda Constitucional, considerando que uma lei pode revigorar outra anteriormente revogada. Dessa forma, maior razão assiste em revigorar os efeitos, quais sejam a vigência da exação ora discutida, via Emenda Constitucional. Se as expressões não aprovadas pela Câmara dos Deputados não fazem parte do texto Constitucional, não se pode argüir vício formal no processamento legislativo da EC nº 21/99. O referido retorno do processo ao Senado é obrigatório quando da apreciação de projeto de lei, conforme dispõe o art. 65, e não em se tratando de Emenda Constitucional, previsto no art. 60 da Constituição Federal. A cobrança da CPMF, na forma determinada pela EC nº 21/99, é constitucional.
Improvimento ao apelo (Apelação em MS – Processo 1999.320.00.03782-6 – Relator Juiz Hilton Queiroz)
Tribunal da 3ª Região:
Processual Civil – Agravo de Instrumento – CPMF – E.C. n.º 21/99.
I – Não estão presentes nos respectivos autos o ”fumus boni iuris” e o “periculum in mora” que justifiquem a reforma da decisão agravada.
II – No campo da eficácia da norma jurídica estão incluídos a vigência, a incidência e a aplicação da norma jurídica, mas não a sua existência, que faz parte do aspecto ontológico da norma jurídica. Vale dizer, a eficácia da norma jurídica refere-se à produção de seus efeitos e não ao seu nascimento ou à sua validade.
III – Ora nada impede no sistema jurídico pátrio que se restabeleça a eficácia de uma norma jurídica. Parece-me, portanto, ser constitucional o disposto no artigo 75, § 1 do ADCT, que estabelece a alíquota da CPMF, incluído pela Emenda Constitucional nº 21/99, já que sendo a lei existente pode ter sua eficácia restabelecida por norma constitucional.
IV -O referido texto promulgado da forma como o foi aprovado com destaque pela segunda casa sem ser apreciado pelo Senado Federal. Não está eivado de inconstitucionalidade, uma vez que não foi alterado o sentido estabelecido pela casa iniciadora da proposta.
V – O E. STF em ações diretas de inconstitucionalidade, a saber: n.º 1501-UF e n.º 1497-UF, ambas da relatoria do min. Marco Aurélio, com liminares julgadas em 09/10/96, analisou a CPMF prevista pela E.C. 12/96, entendendo estar tal contribuição em consonância com os princípios constitucionais, particularmente o da capacidade contributiva, o da não confiscatoriedade e, da mesma forma, encontra-se em harmonia com o comando constante do art. 154, I da Lei Maior.
VI – Agravo de Instrumento improvido (Agravo – Proc. 2000.03.00.006909-5 – 3ª Turma – Juíza Cecília Marcondes, DJU 20/9/2000).
Tribunal da 3ª Região:
Constitucional. Tributário. Agravo de instrumento. Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF. Instituída pela Lei n. ° 9.311/99. Modificada pela Lei n. ° 9.539/97. Emenda Constitucional n.° 21, de 18 de março de 1999. Atribuição de efeito suspensivo.
1 – Tendo sido, mais uma vez prorrogada a cobrança da CPMF – já agora constitucionalmente prorrogada – permanece o gravame configurado com os mesmos traços que lhe haviam sido dados pela lei ordinária originariamente instituidora (Lei n.º 9.311/96) e, bem assim, atrelado à vigência da Lei n.º 9.539/97, norma legal que, por expressa autorização da constituição (CF/ADCT, art. 74, E.C. nº 12/96), já havia, anteriormente, determinado análoga prorrogação.
2 – Assim, a Emenda Constitucional n.º 21, de 18/3/99, prorrogou expressamente a vigência das Leis n.º. 9.311/96 e 9.539/97, para permitir a cobrança da CPMF, por mais trinta e seis meses: 3 – CPMF, tributação regressiva e cumulativa – a hipótese de tributação regressiva é agravada pela sucessividade de múltiplas fases. Tributação que se diz plurifásica. Tributação que se diz cumulativa. A CPMF é publica e notória uma tributação cumulativa.
4 – CPMF, regressividade, cumulatividade e anestesia fiscal – anestesia fiscal é expressão cunhada na ciência das finanças e nos estudos econômicos voltados à tributação para o fim de, em feliz metáfora, indicar a alienação do cidadão-contribuinte consumidor em face do embutimento de custos tributários nos preços dos bens e serviços que consome. A rigor, mesmo quando o cidadão desconfia ou até se apercebe da existência de um peso tributário embutido nos preços – principalmente na hipótese das utilidades que compra nas feiras, lojas e supermercados – ainda aí ele não consegue aquilatar a variedade e o montante global dos impostos que, desse modo, está reembolsando a todos e a cada um dos respectivos fornecedores.
5 – A Constituição original passa a ser Constituição farisaica – o Congresso Nacional, como não detém poder revisional nas matérias previstas no art. 60, § 4°, da Constituição, evidentemente não poderá “suspender” a eficácia de quaisquer disposições que, no texto maior, delas tratem ou lhes digam respeito. E, sem possibilidade de duvida, constata-se a existência de vetor protetivo de direitos fundamentais dos cidadãos-contribuintes-consumidores, tanto na proibição do art. 154, inc. I, como na do art. 195, § 4°, da Constituição. Assim, quando a Constituição proíbe tributação nova ”cumulativa” não está, a toda evidência, fazendo jogo de palavras, ou lançando conceitos vazios. O que se extrai de todo o contexto é que não pode o intérprete da Constituição permanecer inerte diante duma retrógrada orquestração no sentido de que a “cidadã” precisa ficar sob controle para que se restrinja o ”exagerado” rol de direitos fundamentais que ostenta.
6 – Agora, após mais uma vez abeberar-me no preâmbulo da constituição, lapidar escritura lavrada pelos constituintes originários, restei irrefragavelmente convencido de que a Emenda Constitucional n. ° 12/96 – e não a E.C. n. ° 21/99 – é a verdadeira raiz da inconstitucionalidade da CPMF que hoje é cobrada no país, na esteira de esdrúxula prorrogação.
7 – À luz dos princípios explicitados no preâmbulo, o intérprete do art. 154, inc. I, da Constituição chegará facilmente à visão do grau de incompatibilidade que existe entre o art. 74 do ADCT, introduzido pela E.C. n.º 12/96, e a Constituição da República como um todo. O povo, majoritariamente constituído de cidadãos-contribuintes-consumidores, foi a toda evidência ignorado;
8 – Valores como segurança jurídica, igualdade e justiça nem por aproximação inspiram essa investida que o erário faz, com aval do constituinte derivado, no bolso dos mesmos cidadãos-contribuintes-consumidores.
9 – Aspirações como bem-estar e desenvolvimento – mesmo o desenvolvimento econômico – não podem ser concretizadas com providências como essa em que o Congresso, assumindo postura de revisor da Constituição, autoriza – e agora institui diretamente, com a E.C. n.º 21 – tributação cumulativa tão perniciosa que é capaz de (a) inviabilizar exportações por falta de competitividade externa, (b) inviabilizar a competitividade dos produtos nacionais, a preços inflados de CPMF cumulativa, em face de produtos importados, que uma só vez embutem CPMF, c) prejudicar o mercado de capitais: e (d) com tudo isso agravar mais ainda o desemprego que vem acompanhando o plano real desde a implantação.
10 – Com o art. 74 do ADCT, tanto a disposição transitória, como a disposição transitoriamente substituída, pertencem a uma mesma ordem constitucional. A presença do art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de suspender a vedação contida no art. 154, inc. I, da Constituição (e, portanto, também a do art. 195, § 4), configura flagrante desvirtuamento da vontade desta.
11 – Assim sendo, o ”imposto do cheque”, em qualquer de suas versões – IPMF da lei ordinária, CPMF na esteira da E.C. 12/96 e CPMF criada pela E.C. 21/99 – infringe olimpicamente o princípio da não-cumulatividade estampado no art. 154, inc. I, da Constituição.
12 – É de bom alvitre, pôr-se a nu a perversidade dos efeitos econômicos que a CPMF gera no meio social, para demonstrar que os arts. 74 e 75 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, desenganadamente, são incompatíveis com o arts. 154, inc. 1, e 195, § 4°, da Constituição, e com todo o conjunto de princípios e normas do estatuto político promulgado em 5 de outubro de 1988. É preciso ter consciência de que tal orquestração teve seu coroamento no exato instante em que a Constituição foi transformada numa Constituição de fariseus, na medida em que passou a dispor de um ADCT prêt à porter, capaz de possibilitar a “suspensão” de qualquer disposição constitucional que momentaneamente se torne incômoda. E, pensando, pois, no cidadão contribuinte-consumidor à luz dos vetores proclamados no preâmbulo do estatuto maior, que não posso deixar de ver como afronta maior ao art. 154, inc. I, da Constituição, a suspensão de eficácia que foi prevista no art. 74 introduzido no ADCT pela Emenda Constitucional nº 12/96.
13 – Vejo, portanto, como igualmente plausíveis todas as argüições que se levantam contra a emenda constitucional n.º 21/99. Contaminada pela inconstitucionalidade do referido art. 74 do ADCT.
14 – Por último – mas não com menor relevância – a E.C. n. º 21 parece padecer do vício formal que mais freqüentemente lhe é imputado, tal seja o de haver desrespeitado o art.60, § 2°, da Carta, no qual se regula a discussão, votação e aprovação de propostas de emenda.
15 – Agravo de Instrumento provido (agravo – Proc. 1999.03.00.036913-0 – 4ª turma – juiz Andrade Martins – DJU 15/9/2000).
Tribunal da 3ª Região:
Tributário – E.C. 12/96. Lei 9.311/96 – CPMF – Constitucionalidade – Artigo 154, inciso I da Carta Magna.
1. A questão trazida a debate apresenta a mesma discussão travada por ocasião da instituição do IPMF. O E. STF em sessão plenária de 15 de dezembro de 1993, julgou definitivamente a Adin n. º 939-7-DF., reconhecendo a constitucionalidade desse tributo para o exercício de 1994, salva para as entidades imunes (cf. Art. 150, VI) (RTJ 151/755).
2. O Supremo Tribunal Federal, examinando a questão das cláusulas pétreas, admitiu a possibilidade de, por emenda constitucional, excepcionar-se, na instituição de imposto novo, a regra prevista no artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, no tocante ao princípio da não-cumulatividade e da impossibilidade de instituição de novo imposto com idênticos fato gerador e base de cálculo de impostos já discriminados na constituição.
3. A única questão não analisada pelo STF diz respeito à
instituição da CPMF por lei ordinária. O IPMF fora instituído por lei complementar, ao passo que a EC nº 12 excepcionou por inteiro a instituição da CPMF da observância da inciso I do artigo 154 da Carta, inclusive no tocante à lei complementar. A utilização de lei complementar somente se justifica naquele dispositivo em razão do quorum maior necessário para sua aprovação. Como acentuou a corte, essa regra diz respeito apenas ao legislador ordinário. Podendo o legislador constituinte derivado possibilitar a instituição de tributo novo por lei ordinária.
4. Apelação da União Federal e remessa oficial PROVIDAS(MAS – Proc. 1999,03.99.004188-2 – 6ª Turma – Juiz Nino Toldo – DJU 2/8/2000).
Tribunal da 2ª Região:
Constitucional e Tributário. Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras – CPMF. Suspensão da exigibilidade. Vício formal e bitributação.
– Restando provado que o texto final da Emenda Constitucional nº 21/99 não foi votado por ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, evidente é a hipótese de vício formal de constitucionalidade da exação tributária.
– Trata-se, ainda, de lei temporária (Lei nº 9.539/97), cuja vigência foi prorrogada pela Emenda Constitucional nº 21/99, quando já exauridos seus efeitos.
– O legislador ordinário pode emendar o texto constitucional, porém torna-se inviável a perpetuação de norma transitória no mundo jurídico.
– Agravo a que se nega provimento (Agravo -1ª Turma – Processo 99.02.29737-4 – Juiz Ricardo Regueira – DJU 1/8/2000).
Tribunal da 5ª Região:
Tributário. Agravo de instrumento. Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. Instituição pela Lei nº 9.311/96.
Modificação pela lei nº 9.539/97. Prorrogação da cobrança. Princípio da legalidade. Lei nº 9.311/96. Natureza do tributo. Contribuição social. Ausência de enquadramento quanto aos requisitos. Imposto. Necessidade de lei complementar. Violação ao princípio da não cumulatividade. Risco de prejuízo ao contribuinte. Suspensão.
– Prorrogação da cobrança da CPMF através da EC nº 21/99, outrora instituída pela Lei nº 9.311/96, posteriormente modificada pela Lei nº 9.539/97.
– Necessária observância ao princípio da legalidade uma vez que tal prorrogação recaiu sobre a Lei nº 9.311/96 que, à época, já não mais se encontrava em vigor.
– Contribuição cuja natureza não se enquadra nos requisitos exigidos para as contribuições sociais previstos no art. 149, da Constituição Federal, uma vez que não foi instituída como meio de intervenção no domínio econômico, sequer em razão de interesse de categorias profissionais ou econômicas.
– Como imposto residual, imprescindível a instituição através de lei complementar, de acordo com o art. 154, da Constituição Federal, e a devida observância aos princípios atinentes aos impostos, em particular o da não cumulatividade.
– Cobrança que oferece ao contribuinte inúmeros riscos de prejuízo de tal modo que recomenda, prima facie, sua suspensão.
– Agravo improvido (Agravo – Proc. 99.05.47375-0 – 2ª Turma – Juiz Petrucio Ferreia – DJ 26/6/2000).
Estrutura do tributo:
Não obstante nossas acirradas críticas em face do tributo, vejamos o modo com que está estruturado:
Objeto:
A materialidade da hipótese de incidência tributária da Contribuição em tela está no fato de alguém realizar uma movimentação financeira ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
O art. 1º, parágrafo único da extinta Lei nº 9.311/96, definia movimentação financeira e transmissão de valores como:
“… qualquer operação liquidada ou lançamento realizado pelas entidades referidas no art. 2º que representem circulação escritural ou física de moeda, e de que resulte ou não transferência da titularidade dos mesmos valores, créditos e direitos”.
“O fato imponível da contribuição consiste no lançamento a débito, nessas contas ou nesses sistemas, da movimentação ou transmissão dos valores e dos créditos” [29].
a)Sujeito Ativo:
Determinava o art. 11 da Lei 9311/96, que:
“Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação”
Logo, ainda que o produto da arrecadação deva ser destinado ao Fundo Nacional de Saúde, à Seguridade Social e ao Fundo de Comabte e Erradicação da Pobreza, a rigor, parece-nos que o sujeito ativo é a entidade responsável pela arrecadação do tributo, in casu, a Secretaria da Receita Federal.
b)Sujeito Passivo:
Toda pessoa, natural ou jurídica, que venha realizar movimentação financeira estará sujeita ao recolhimento do tributo.
c)Base de cálculo:
É o valor da movimentação ou da transmissão financeira.
d)Alíquota:
Estabelecia o art. 7º da Lei n. 9.311/96, que seria de vinte centésimos por cento, podendo o Executivo alterar a fração, até o limite máximo ali previsto.
Nesse ponto é bom lembrar que existia, no art. 17 desta lei, um sistema de compensação em relação à contribuição para a Seguridade Social, o que mitigava, um pouco, a questão afeta à burla à capacidade contributiva.
O que ocorria, consoante a lei em pauta, é que:
“aquele que aufere certos tipos de rendimentos, até certa quantia, são compensados, ainda que por intermédio de instrumental não tributário – com o aumento das prestações que percebem do sistema de seguridade social.
Por seu turno, com respeito àqueles que, já vertendo tributo para a Seguridade Social, não podem ser onerados com maiores encargos sociais – por expressa vedação do princípio da equidade no custeio – é reduzida a alíquota incidente sobre o salário-de-contribuição, em pontos percentuais proporcionais ao valor da contribuição devida, até o limite de sua compensação”[30]
A CPMF criada pela Emenda nº 21/99 prevê a alíquota de contribuição no percentual de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e trinta centésimos nos meses subseqüentes. Por sua vez, a Emenda 37/2002 fixou alíquotas de trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003 e de oito centésimos por cento no exercício financeiro de 2004.
Em face da ausência de graduação de alíquotas e a incidência sobre a mera movimentação financeira, entendemos que estaria sendo ferido o princípio da capacidade contributiva, sendo o tributo confiscatório, questão sobre a qual já discorremos.
Por derradeiro, ainda questionamos a possibilidade de alteração de alíquotas pelo Executivo Federal.
Com efeito, parece-nos, como bem afirma Roque Antônio Carraza que:
“ (…) a possibilidade de a alíquota da CPMF ser alterada, dentro dos limites da lei, pelo Presidente da República (art. 74, §1º, do ADCT) fere os princípios da estrita legalidade e da independência e harmonia dos poderes”[31].
Conclusão:
A fome fiscal de nossos governantes, mais uma vez, houve por bem atropelar preceitos constitucionais, no intuito de instituir a CPMF.
Assim, entendemos que inexiste qualquer viabilidade de se proceder à cobrança da CPMF, face às inconstitucionalidades acima aduzidas.
De todo modo, não se pode olvidar que, infelizmente para o Direito, o Supremo manifestou-se pela viabilidade de cobrança do tributo e, enquanto mantida esta orientação, servirá de supedâneo para a quebra dos valores constitucionais mais relevantes e teremos que assistir a tudo, de mãos atadas (ou quase, já que a nós será permitido, por certo, utilizá-las no esforço de recolher o tributo junto aos cofres públicos).
Informações Sobre o Autor
Gisele Clozer Pinheiro Garcia
Advogada militante no campo do Direito Administrativo, tendo iniciado a carreira em renomada empresa de consultoria jurídica nesta área, posteriormente trabalhado em escritório, advogando para empresas participantes de licitações e, atualmente, assessora da diretoria jurídica da Cohab/Campinas.