A inconstitucionalidade da exação do ISSQN sobre os serviços notariais e de registros

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Sumário: 1. Introdução; 2. Natureza jurídica do ISSQN; 3. Fato gerador; 4. Base de cálculo; 5. Natureza jurídica dos serviços notariais e de registros; 6. Conclusão; 7. Referências bibliográficas.

Resumo: O presente artigo trata do ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – e os serviços notariais e de registros. Inicialmente, analisamos a natureza jurídica do tributo, seu fato gerador e sua base de cálculo. Em seguida, examinamos a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro para concluir que estes são serviços públicos, exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. Por serem serviços públicos, estão sujeitos ao pagamento de emolumentos. Os emolumentos têm natureza de taxa. A taxa não pode ter base de cálculo própria de imposto. O imposto, da mesma forma, não pode ter base de cálculo de taxa. A imunidade recíproca veda à União, aos Estados e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. A cobrança do ISSQN configura bis in idem tributário, dado que os serviços notariais e de registro já são tributados mediante taxa. Assim, a exação tributária, nos serviços notariais e de registros, é flagrantemente inconstitucional, por violação direta aos artigos145, II e § 2º; 150, VI, “a” e 236, caput, da Constituição Federal.

Palavras chaves: Lei Complementar n.º 116/2003. ISSQN. Natureza jurídica. Fato gerador. Base de cálculo. Serviços notariais e de registros. Serviço público. Emolumentos. Taxa. Impostos. Imunidade recíproca. Bis in idem. Dispositivos constitucionais. Inconstitucionalidade.

1. Introdução

      A Lei Complementar n.º 116, de 31/07/2003, regulamentou o art. 156, inc. III, da Constituição Federal, e definiu mais de 230 espécies de serviços que podem ser objeto de exação do Imposto Sobre Serviço Qualquer Natureza – ISSQN.

Nos itens 21 e 21.1, estão arrolados os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Neste pormenor, é inconstitucional a Lei Complementar n.º 116/03, pois o ISS, por sua própria natureza jurídica, só incide na prestação de serviços de direito privado.

Os serviços notariais e de registros, por definição constitucional, são serviços que, embora exercidos de forma privada, têm natureza jurídica de serviço público, razão pela qual não podem figurar na hipótese de incidência do referido imposto.

No presente estudo analisaremos a natureza jurídica, o fato gerador e a base de cálculo do tributo, bem como a natureza jurídica dos serviços notariais e de registros, enfatizando a inconstitucionalidade da LC n.º 116/03, no que tange à incidência do imposto sobre os serviços notariais e de registros.

2. Natureza jurídica do ISSQN

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN – é espécie do gênero tributo. Este, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional – Lei Federal n.º 5.172/66, é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

O ISSQN está previsto no art. 156, inc. IV, da Constituição Federal de 1988.[1]

O referido dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei Complementar n.º 116, de de 31/07/2003, que em lista anexa estabelece quais os serviços sujeitos à incidência do tributo, definindo mais de 230 espécies que podem ser objeto de exação do ISS.

A inclusão dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais nos itens 21 e 21.1 da Lei Complementar n.º 116/03 é inconstitucional, pois o ISSQN só incide nos serviços prestados pelo regime de direito privado.

Com efeito, o ISSQN somente pode incidir sobre os serviços prestados em regime estritamente privado. Se público, haverá imunidade. A prestação de serviço público, típica à atuação estatal, não pode configurar fato gerador de imposto. Se o fato gerador for uma atuação estatal, o tributo correspondente será taxa ou contribuição, jamais imposto, posto que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. (art. 150, inc. VI, “a”, da Constituição Federal)

Assim, o ISSQN não pode incidir sobre os serviços notariais e de registros, pois estes são serviços públicos. Estes só podem ser remunerados por meio de taxa (art. 145, II, 2ª parte, da CF). Nos termos da Constituição Federal, a hipótese de incidência do ISSQN só pode ser a prestação de serviço com conteúdo econômico, sob regime de direito privado.

3. Fato gerador

      O fato gerador do ISSQN é prestação dos serviços relacionados na lista anexa à LC n.º 116/03, desde que tais serviços não configurem, por si só, fato gerador de imposto da União ou dos Estados. Nesse sentido, assinala Aliomar Baleeiro:

“Constitui fato gerador do Imposto de Serviços de Qualquer Natureza a prestação desses serviços, previstos em lei complementar, por pessoa física ou jurídica de Direito Privado, com estabelecimento fixo, ou sem ele, desde que tal atividade não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados. Assim, o tributo abrange também quem prestar os serviços como itinerante ou a domicílio de outrem. Lei complementar especificará os serviços tributáveis pelo imposto municipal.” [2]

Para que ocorra a incidência do ISSQN, a prestação de serviços, por pessoa física ou jurídica, previstos expressamente na lista anexa à LC n.º 116/03. Além disso, não poderá ser fato gerador de impostos dos Estados ou da União:

“O fato gerador do ISS é a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço de qualquer natureza, enumerados em lei complementar de caráter nacional, desde que tais serviços não estejam compreendidos na competência dos Estados. Ou seja, somente pode ser cobrado ISS daqueles serviços (físicos ou intelectuais) previstos na lista que acompanha a legislação pertinente e que não estejam compreendidos na área do ICMS.”[3]

4. Base de cálculo

Nos termos do art. 7º LC n.º 116/03, a base de cálculo do tributo é o preço do serviço prestado. [4]

A instituição do imposto compete aos municípios. As alíquotas mínimas e máximas serão fixadas mediante lei complementar, a qual disporá sobre isenções, incentivos e benefícios fiscais, além da não incidência dos serviços para o exterior. Nesse sentido, assinala Ricardo Cunha Chimenti:

“As alíquotas são fixadas pelo Município competente para a instituição do imposto, mas os incisos I, II e III do § 3º do art. 156 da Lei Maior, com a redação da Emenda Constitucional n. 37/2002, autorizam que lei complementar federal fixe as alíquotas máximas e mínimas do ISS, exclua de sua incidência exportações de serviços para o exterior e regule a forma como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Enquanto não for editada a lei complementar, em relação a alíquota mínima será de 2%, nos termos do art. 88 do ADCT, devendo ser respeitado o princípio da anterioridade.”[5]

A alíquota máxima foi estabelecida em 5% (cinco por cento) do valor do serviço pelo art. 8º, inc. II, da LC n.º 116.

5. Natureza jurídica dos serviços notariais e de registros

Os serviços notariais e de registros, embora exercidos de forma privada, mediante delegação do poder público (art. 236 da Constituição Federal), são eminentemente públicos, pois destinam-se à “garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (art. 1º da Lei dos Notários e Registradores – Lei Federal n.º 8.935/94).

Notário e oficial do registro “são profissionais do direito, dotados de fé pública” (art. 3º da Lei Federal n.º 8.935/94).

O exercício em caráter privado não retira da atividade a sua função eminentemente pública. Sendo serviços públicos, só podem ser remunerados por meio de taxa. Nesse sentido, salienta Sacha Calmon Navarro Coelho que “as ‘custas’ e os ‘emolumentos’ são taxas, pela prestação dos serviços públicos ligados à certificação dos atos e negócios ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve de suporte à prestação jurisdicional.” [6]

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Os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo Estado, por meio de seus órgãos e agentes, ou indiretamente, por outras pessoas, públicas ou privadas, por delegação, concessão ou permissão.

A transferência a particulares do desempenho de atividade pública não desnatura a noção de serviço público, quando se trata de atividade eminentemente pública, mediante a delegação de ofício, como a prevista no art. 236 da Constituição Federal. Nesse sentido o magistério de Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco:

“Vale refletir que não infirma essa conclusão a existência de cartórios não oficializados, pois esses desempenham função pública, sendo públicos os serviços por eles prestados. De resto, a circunstância de estes serviços serem prestados por pessoas outras que não o Estado não desnatura como públicos, sendo a relação jurídica que se estabelece entre aqueles e os usuários de direito público, como bem o demonstrou Renato Alessi.Verifica-se, destarte, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal prestigia a doutrina nacional e estrangeira citada, concluindo que a remuneração percebida em razão do desempenho de serviço eminentemente público é taxa e não preço público.Impõe-se enfatizar que as serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas a ‘garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos’ (Lei n° 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos.” [7]

A delegação dos serviços notariais e de registros decorre da própria Constituição Federal (art. 236, caput), e do regime específico criado pela Lei n° 8.935/94. A delegação não retira o caráter público da atividade. Tanto é que os serviços permanentemente fiscalizados pelo poder público, no caso, o Judiciário (art. 236, § 1º, da Constituição Federal).

Os serviços notariais e registrais, serviços públicos delegados pelo Estado-Membro, não podem configurar fato gerador de imposto, posto que, devido à imunidade recíproca, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (art. 150, inc. VI, “a”, da Constituição Federal). Sobre o instituto, assinala Paulo de Barros Carvalho:

“A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. Entendemos, na linha do pensamento de Francisco Campos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba, que, se não houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a admitir o princípio da imunidade recíproca, como corolário indispensável da conjugação do esquema federativo de Estado, com a diretriz da autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou.” [8]

Por derradeiro, a melhor doutrina é no sentido de que os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais são taxas remuneratórias de serviços públicos. [9] O Supremo Tribunal Federal consagrou este entendimento. [10]

6. Conclusão

Os serviços notariais e de registros são serviços públicos exercidos em caráter privado por delegação do poder público, conforme norma constitucional insculpida no art. 236, caput, da Constituição da República.

Tais serviços estão sujeitos ao pagamento de emolumentos cobrados de acordo com a lei, e não a imposto sobre serviço, que se vincula a atividade privada, de natureza negocial, relacionada à circulação econômica.

Os emolumentos, consoante o disposto no art. 145, II, Constituição Federal, têm natureza de taxa. Esta, por força do art. 145, § 2º, não pode ter base de cálculo própria de imposto. Este, da mesma forma, não pode ter base de cálculo de taxa. A cobrança configura bis in idem tributário, posto que os serviços notariais e de registros já são tributados mediante taxa.

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, veda à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal instituir e cobrar impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

Assim, os itens 21 e 21.1 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.° 116, de 31 de julho de 2003, são inconstitucionais, por violação direta aos artigos 145, II e § 2º, 150, VI, “a” e 236, caput, da Constituição Federal.

7. Referências bibliográficas

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10.ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 out. 1988.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei Federal n.º 5.172, de 25 out. 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
BRASIL. Lei Federal n.º 8.935, de 18 nov. 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito tributário. 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário nacional na Constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
SOUZA, Hamilton Dias de; GRECO, Marco Aurélio. A Natureza Jurídica das Custas Judiciais. São Paulo: Resenha Tributária, 1982.

 

Notas:

[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre: (…) IV – serviços de qualquer natureza, não compeendidos no art. 155, I, b, definidos em lei complementar.
[2] Aliomar Baleeiro, in Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 291.
[3] Ricardo Cunha Chimenti. Direito tributário. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 172.
[4] Art. 7º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. (…) Art. 8 o As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes: I – (VETADO) II – demais serviços, 5% (cinco por cento).
[5] Ob. cit. p. 176.
[6] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
[7] A Natureza Jurídica das Custas Judiciais. São Paulo: Resenha Tributária, 1982, p. 102.
[8] Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 124.
[9] Sacha Calmon Navarro Coelho, Roque Antônio Carraza, Aliomar Baleeiro, etc.
[10] ADIN 948/GO, Relator Ministro FRANCISCO REZEK, RTJ 172/778; ADIN 2.059/PR, Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 21.09.2001; ADIN 1709/MT, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 31.03.2000; ADIN 1.778-MC/MG, Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 31.03.2000.

 


 

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Luiz Carlos Alvarenga

 

 


 

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