A inconstitucionalidade do bônus de eficiência aplicada aos auditores e julgadores fiscais

Resumo: Esse artigo pretende abordar e discutir a questão do bônus de eficiência estipulado em prol dos auditores e julgadores fiscais pela manutenção de infrações em benefício da Fazenda com o confronto do princípio da imparcialidade, gerando automaticamente benefícios financeiros para os respectivos agentes.[1]

Palvras-chave: Direito-Tributário. Princípio da Imparcialidade. Bônus de eficiência. Multas Tributárias. Inconstitucionalidade.

Abstract: This article intends to discuss the efficiency bonus stipulated in favor of tax auditors and judges for the maintenance of infractions for the benefit of the Treasury with the confrontation of the principle of impartiality, automatically generating financial benefits for the respective agents.

Key-words: Tax law. Principle of Impartiality. Efficiency bonuses. Tax fines. Unconstitutionality.

Sumário: Introdução. 1. A Lei Complementar 362/2017 e as alterações na LC 107/2008. 2. O Princípio da Impessoalidade e seu flagrante descumprimento. 3. Da ofensa ao Princípio da Imparcialidade eivando de vícios o julgamento administrativo. 4. Da Repercussão Geral já conhecida pelo STF e os respectivos fundamentos. 5. Considerações finais. Referências .

INTRODUÇÃO

Vive-se em tempos de profunda recessão econômica devida a vários fatores endógenos e exógenos, podendo se destacar a própria crise política que afeta consideravelmente o sensível mercado, causando-lhe instabilidade e inconstâncias na moeda, surgindo assim com mais força o fenômeno inflacionário e seus malefícios.

Nesse momento de crise, só existem duas saídas: i) adquirir mais receitas do que as despesas; ou ii) cortas os gastos desnecessários.

Tendo em vista a “sede arrecadatória do Estado”, o governo adotou a opção nº I, majorando a carga tributária, suspendendo várias isenções anteriormente concedidas com prazos indeterminados, sempre visando o aumento da sua arrecadação, inclusive, estudando propostas de instituição de novos tributos, que na conjectura atual do País, impactarão ainda mais a “pesada” carga tributária suportada pelos brasileiros.

Adotando a opção nº II, várias empresas vêm objetivando a redução dos gastos mensais, fazendo com que o índice de desemprego no País suba ferozmente: de 9% em setembro/novembro de 2015 para 11% em 2016, de acordo com dados publicados pelo IBGE.

Com o desemprego em massa e a impactante carga tributária imposta, os pedidos de falência registraram alta de 36% no acumulado do 1º bimestre em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), com abrangência nacional.

Em fevereiro de 2016, o número de pedidos de falências aumentou de 30,5% na comparação mensal e 76,3% em comparação a fevereiro de 2015.

Conforme dados do IBGE e do Cadastro Central de Empresas – CEMPRE, 50% das empresas se tornam inativas após os 2 primeiros anos de criação, tendo em vista o custo, a burocracia e outros entraves para o crescimento. Do percentual restante, segundo a média de sobrevivência empresarial no Brasil, existe a porcentagem das que estarão fadadas ao prazo de validade de aproximadamente 30 anos, sendo pouquíssimas as que conseguem ir além, sendo essa a realidade empresarial no Brasil.

Tendo por base tais informações e sabendo o ente público detentor da competência tributária possui a faculdade de sua utilização, podendo até mesmo realizar a remissão total, a concessão de parcelamentos tributários ganha importância ímpar pela esperança de arrecadação e dos contribuintes que almejarem quitar suas dívidas com certos “benefícios” como a redução de juros e multa.

Dentre tais parcelamentos, destaca-se o estipulado pela Lei Complementar nº 362/2017, denominado de Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, instituído pelo Governo de Pernambuco.

O art. 10 da LC nº 362/2017, objeto do referido estudo, incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008, instituindo o bônus de eficiência dos Auditores e Julgadores do SEFAZ/PE.

O tema ganha importância quando se contextualiza com os acontecimentos políticos e sociais vigentes no País, com a crise política e a consequente perda da credibilidade das instituições, envolvidas muitas vezes com a corrupção, desvio de dinheiro público e consequentemente fator de injustiça, gerando a ineficácia normativa social e o sentimento de revolta.

Analisar-se-á a questão da legalidade e constitucionalidade das respectivas leis em face dos dispositivos e princípios fundamentais versados no ordenamento jurídico em busca da extensão e consequência dos efeitos do bônus de eficiência quanto a imparcialidade dos julgados e dos respectivos agentes envolvidos.

A pesquisa será feita no modelo teórico, com base na doutrina, em reportagens, contando com a jurisprudência dos tribunais superiores a respeito do tema.

I – A LEI COMPLEMENTAR 362/2017 E AS ALTERAÇÕES NA LC 107/2008

A LC nº 362/2017 apresenta dois objetivos, primeiramente, estipular as condições para o ingresso no Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, que dispõe sobre a redução dos valores de multas e juros relativos a débitos do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, mediante o pagamento integral à vista ou parcelado.

 Segundamente, estipular alterações contidas na Lei Complementar nº 107/2008, com o disposto no art. 10, in verbis:

“Art. 10. A Lei Complementar nº 107, de 14 de abril de 2008, passa avigorar com as seguintes modificações:

“Art. 44 …

§2º …

III …

c) do bimestre de março e abril de 2016 ao bimestre de maio e junho de 2017, a primeira a 16% (dezesseis por cento) e a segunda a 30% (trinta por cento) de vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 36% (trinta e seis por cento) do vencimento-base; (NR)

d) do bimestre de julho e agosto de 2017 ao bimestre de setembro e outubro de 2017, a primeira a 28% (vinte e oito por cento) e a segunda a 42% (quarenta e dois por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 48% (quarenta e oito por cento) do vencimento-base; e (AC).

e) a partir do bimestre de novembro e dezembro de 2017, a primeira a 36% (trinta e seis por cento) e a segunda a 50% (cinquenta por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 56% (cinquenta e seis por cento) do vencimento-base; e (AC)

Art. 50-B. Fica concedida, ao AFTE e ao JATTE, Indenização por Eficiência na Limitação de Campo – IELC, correspondendo ao valor da participação do ingresso de receitas provenientes de multas, de que trata o inciso III do art. 41, que, do somatório das parcelas de remuneração previstas nos arts. 41 a 47, exceder o limite do §6º do art. 97, não podendo extrapolar o valor do art. 56, parte final, ambos da Constituição do Estado de Pernambuco, observando-se as seguintes condições: (AC)

I – os valores referidos neste artigo serão distribuídos entre os seguintes beneficiários, independentemente da respectiva referência:

a)   Titulares de cargos do GOATE, desde que em efetivo exercício na Secretaria da Fazenda, ou nas hipóteses previstas no inciso II do art. 43;

b)   Aposentados e pensionistas de cargos do GOATE

II – a IELC será paga, a partir de 1º de janeiro de 2017, em parcelas mensais consecutivas, relativas aos valores identificados no mês imediatamente anterior à sua percepção;

III – fica autorizado o pagamento adicional de 1/3 (um terço) do valor da IELC, quando da concessão do abono de férias; e

IV – a IELC será percebida, adicionalmente, quando do pagamento da gratificação natalina, no mesmo valor e sem prejuízo da parcela ordinária do mês de referência.

Parágrafo Único. Para efeito do cálculo da IELC, o somatório de seus respectivos valores com a parcela de que trata o inciso III do art. 41 não pode ultrapassar o percentual estabelecido no art. 46. …”

Para melhor elucidação do tema é mister tecer alguns comentários sobre a Lei Complementar nº 107/2008 que estipulou um capítulo específico sobre os vencimentos, vantagens e indenizações que deverão compor as remunerações dos Auditores Fiscais do Tesouro Estadual – AFTE e Julgadores Administrativos Tributários do Tesouro Estadual – JATTE, cargos esses que compõe o Grupo Ocupacional da Administração Tributária do Estado de Pernambuco – GOATE, nos seguintes termos:

“CAPÍTULO V

VENCIMENTOS, VANTAGENS E INDENIZAÇÕES

Seção I

Vencimentos

Art. 41. Compõem os vencimentos dos titulares dos cargos do GOATE as seguintes parcelas

I – vencimento-base, cujos valores são os constantes do Anexo II, aos quais se incorporará o valor da parcela mencionada no art. 7º, inciso I, da Lei nº 11.333, de 3 de abril de 1996, e alterações;

II – Gratificação por Resultados do GOATE – GRG;

III – participação no ingresso de receita proveniente de multas relativas a impostos estaduais.

(Vide o art. 9° da Lei Complementar n° 333, de 14 de setembro de 2016 – relativamente às multas tributárias estaduais reduzidas em razão dos benefícios constantes no Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, a parcela estabelecida no inciso III do art. 41 acima redigido fica substituída pela Indenização por Limitação de Campo – ILC, calculada na forma do art. 46 da Lei Complementar n° 107, de 2008.)

§ 1º O vencimento-base constitui a parte fixa da estrutura remuneratória dos cargos do GOATE.

§ 2º A Gratificação por Resultados do GOATE – GRG e a participação no ingresso de receita proveniente de multas constituem a parte variável da estrutura remuneratória dos cargos do GOATE.”

A forma de cálculo do bônus de eficiência pelo ingresso de receitas provenientes das multas tributárias é definida no art. 46 da LC nº 107/2008 nos seguintes parâmetros:

“Subseção II

Participação no ingresso de receita proveniente de multas

Art. 46. A participação no ingresso de receita proveniente de multas relativas a impostos estaduais corresponderá a 30% (trinta por cento) do total dessa receita, recolhido mensalmente ao Estado, até 31 de dezembro de 2015, e a 40% (quarenta por cento), a partir de 1º de janeiro de 2016. (Redação alterada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 325, de 23 de maio de 2016.)

(Vide o art. 2° Lei Complementar n° 325, de 23 de maio de 2016 – efeitos retroativos a 1° de março de 2016.)

§ 1º O percentual referido neste artigo será distribuído igualmente entre os seguintes beneficiários, independentemente da respectiva referência, respeitado, de forma individual, o limite de remuneração aplicável aos cargos do GOATE:

I – titulares de cargos do GOATE, desde que em efetivo exercício na Secretaria da Fazenda, ou nas hipóteses previstas no art. 43, inciso II; 

II – aposentados e pensionistas de cargos do GOATE. 

§ 2º Os valores de que trata o § 1º integrarão a base para o cálculo da gratificação natalina e do abono de férias.”

Pela simples leitura dos artigos colacionados, pode-se inferir que os Auditores e os Julgadores Fiscais receberão um adicional pela manutenção das multas tributárias lavradas contra os contribuintes, ganhando um bônus de eficiência pelo resultado positivo da arrecadação em prol do Estado, percentual esse que, inclusive, terá reflexos na base de cálculo da gratificação natalina (13º salário) e abono de férias dos referidos agentes públicos.

Em outras palavras, os membros do GOATE receberão uma participação denominada de “Indenização por Eficiência na Limitação de Campo – IELC”, que corresponde ao valor da participação do ingresso de receitas provenientes das multas tributárias.

Assim, tal adicional no patamar de até 40% (quarenta por cento) será pago, independentemente da remuneração-base e da gratificação natalina, calculado em parcelas mensais consecutivas pelos autos de infrações autuados e mantidos no âmbito administrativo fiscal de Pernambuco.

Segundo o disposto no art. 10 da Lei Complementar nº 362/2017 que estipulou o art. 50-B da Lei Complementar nº 107/2008, o bônus de eficiência ou IELC está limitado pelos art. 56 e art. 97, §6º, ambos da Constituição Estadual de Pernambuco.

Tais artigos se encarregaram de fixar os limites da remuneração, subsídios, proventos, pensões ou qualquer outra espécie remuneratória, abrangendo os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado, o subsídio mensal dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal, não podendo assim, a qualquer título, a remuneração dos Auditores e Julgadores Fiscais somados com as respectivas gratificações e indenizações, ultrapassar o teto legal imposto pela Constituição Estadual.

Para uma análise da legalidade e constitucionalidade do tema, far-se-á um estudo do princípio da impessoalidade e seu alcance para os agentes públicos.

II – O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E SEU FLAGRANTE DESCUMPRIMENTO

A Constituição Federal em seu art. 37 estipulou as disposições gerais que devem reger a Administração Pública, devendo obediência, dentre outros, ao princípio da impessoalidade:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

A Constituição do Estado do Pernambuco, seguindo orientação do texto constitucional também disciplinou as disposições gerais que devem ser seguidas pela Administração Pública, dispondo expressamente sobre o princípio da impessoalidade em seu art. 97:

“Art. 97. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além dos relacionados nos arts. 37 e 38 da Constituição da República Federativa do Brasil e dos seguintes: (Redação alterada pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 16, de 4 de junho de 1999.)”

A Lei Complementar nº 107/2008, que institui a Lei Orgânica da Administração Tributária no Estado de Pernambuco e disciplinou as respectivas carreiras, também achou válida prever literalmente o princípio da impessoalidade:

“Art. 3° A Administração Tributária reger-se-á pelos princípios consubstanciados na Constituição da República e na Constituição do Estado, especialmente os da legalidade, supremacia do interesse público, impessoalidade, eficácia, eficiência, preservação de sigilo, moralidade, probidade, motivação, razoabilidade, publicidade, unidade e justiça fiscal.”

Exigir impessoalidade da Administração Pública tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração.

No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. Nesse sentido é o que leciona Daiane Garcias Barreto:

Objetiva coibir a prática de atos que visem a atingir fins pessoais, impondo, assim, a observância das finalidades públicas. O princípio da impessoalidade veda portanto, atos e decisões administrativas motivadas por represálias, favorecimentos, vínculos de amizade, nepotismo, dentre outro sentimentos pessoais desvinculados dos fins coletivos.

Quando a Fazenda Pública estiver em juízo, não gozará de seus privilégios e condições especiais como a de superior hierárquico, estando ambas as partes em igualdade de condição (contribuinte/Fisco), não havendo o que se falar de tratamento mais benéfico, com o consequente prejuízo do contribuinte com a permanência dos autos de infrações lavrados pelas autoridades fiscais e mantidos pelos julgadores administrativos visando favorecimentos pessoais como o bônus de eficiência (IELC), sendo flagrantemente ilegal e inconstitucional tal previsão.

No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva que:

“Os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta vontade estatal. (…)

As realizações governamentais não são do funcionamento ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produziria. A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa regra, quando, no §1º do ar.t 37, proíbe que conste nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidades de atos, programa, obras, serviços e campanhas de órgãos públicos.”

Como se pode perceber, o sentido empregado nesse trabalho a respeito do princípio da impessoalidade seria o de que os atos administrativos devem ser praticados com a finalidade essencialmente pública, não podendo os agentes prejudicarem ou beneficiarem pessoas determinadas, mas oportunizarem as mesmas condições e tratamentos respaldados no princípio da igualdade das partes.

A esfera administrativa objeto de impugnações de lançamentos fiscais pelos contribuintes visa uma reanálise de mérito, um verdadeiro controle de legalidade dos atos da Administração que objetivam a excelência do lançamento fiscal realizado, não tendo a Fazenda suas prerrogativas especiais, pelo contrário, o próprio CTN em seu art. 112 estipulou que a lei tributária que define infrações ou lhe comina penalidades, interpreta-se de maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida, ou seja, “in dúbio, pro contribuinte”, ou seja, se alguém merece ser beneficiado em caso de dúvida, esse alguém é sem dúvidas o contribuinte.

Nesse controle de legalidade, os agentes envolvidos na função de julgadores, não podem agir como “patrocinadores ou procuradores da Fazenda” em busca de favorecimentos pessoais como os presentes adicionais (IELC).

O incremento das remunerações além dos vencimentos-base, acaba por macular a busca do interesse público que deve ser sempre perseguida. A estipulação de uma bonificação em prol da manutenção dos julgados em prejuízo dos contribuintes, acaba por estimular um favorecimento pessoal do agente público quando a Fazenda Pública for beneficiada.

Como se pode perceber, quando se tratar de julgamentos administrativos de lançamentos fiscais anteriormente realizados, o interesse público não se satisfaz com o mero ganho de causa da Fazenda Pública, mas sim quando se oportuniza as partes a igualdade de tratamento, o direito de ampla defesa, o devido processo legal, assim como a garantia de um julgamento imparcial com base no ordenamento jurídico e no conjunto probatório anexado aos autos.

A não observância desses requisitos implica na nítida ofensa do princípio da impessoalidade, previsto no texto da Carta Magna, na Constituição Estadual de Pernambuco e na própria Lei Complementar 107/2008.

Como se sabe, a Lei não é feita de palavras “mortas, frias ou sem sentido”, tendo todas elas função essencial na construção da interpretação pelo intérprete. Percebe-se que o legislador não teria o árduo trabalho de estipular “gramaticalmente” o princípio da impessoalidade que deve reger as disposições gerais da Administração Pública na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na LC nº 107/2008, se o mesmo não fosse essencial e basilar para própria segurança e harmonia do sistema.

Tendo importância ímpar, o princípio da impessoalidade visa assegurar assim a segurança jurídica, colocando em primeiro lugar o interesse público da população, garantindo a igualdade e impedindo qualquer tipo de parcialidade ou atuação arbitrária praticada pelos agentes públicos, principalmente, dos julgadores.

Ademais, o art. 21 da LC nº 107/2008 assim dispõe sobre as vedações aos membros do GOATE, Auditores e Julgadores Fiscais:

“Art. 21. Além de outras vedações previstas em lei, aos titulares de cargos do GOATE é vedado: (…) 

XI – receber vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições, bem como presentes em valor superior àquele estabelecido em ato normativo específico;”

O IELC é uma nítida vantagem pessoal, recebida pelos agentes públicos em razão de sua atribuição, porém, em vez de beneficiar o particular, contribuinte, beneficia a Fazenda. Como já se afirmou, o interesse público não se faz presente com o mero ganho de causa do Estado, mas sim quando se efetiva os princípios fundamentais para um julgamento respaldado nos princípios norteadores da Administração Pública (legalidade, moralidade, pessoalidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros), garantindo-se assim o controle de legalidade dos lançamentos de forma íntegra, moral, ética e legal.

III – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE EIVANDO DE VÍCIOS O JULGAMENTO ADMINISTRATIVO

O bônus de eficiência não é uma previsão restrita da esfera administrativa fiscal estadual, tendo também previsões na esfera federal pela Medida Provisória nº 765/2016, que assim dispõe:

“Art. 5º. Ficam instituídos o Programa de Produtividade da Receita Federal do Brasil e o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Tributária e Aduaneira, com o objetivo de incrementar a produtividade nas áreas de atuação dos ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil”

A revista Consultor Jurídico – CONJUR elaborou reportagem em 12/03/2017 sobre o tema que merece ser compartilhada para enriquecimento da pesquisa e posterior feitura de comentários:

“O servidor público que tiver interesse, direto ou indireto, na matéria tratada no processo administrativo fica impedido de atuar nele. Com base nessa regra, determinada pela Lei 9.784/1999, um auditor fiscal que atua na alfândega do Aeroporto de Viracopos (Campinas-SP) disse não ter imparcialidade para elaborar parecer analisando auto de infração de perdimento de mercadorias devido ao seu interesse em receber “bônus de eficiência”.

O benefício foi criado em dezembro de 2016 pela Medida Provisória 765. Foi a saída encontrada pelo governo para aumentar a remuneração de auditores fiscais sem conceder-lhes aumento salarial, que precisa de aprovação de lei. De acordo com a MP, o dinheiro para pagar o bônus virá de um fundo composto das multas que forem aplicadas a contribuintes em autuações fiscais.  

Mas o benefício é polêmico. Para advogados e especialistas em tributação, o bônus cria um incentivo para que os auditores apliquem mais multas e as qualifiquem durante as autuações. E acreditam ser pior o fato de o incentivo ser pago também aos auditores que atuam como membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) e nas delegacias de julgamento da Receita (DRJs). Entendem que o mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.

A Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB avaliou que o “bônus de eficiência” pago a auditores fiscais é inconstitucional. De acordo com parecer do tributarista Igor Mauler Santiago, a verba viola o princípio constitucional da moralidade, além de afrontar a vedação constitucional da destinação de tributos a fins privados. O documento foi enviado ao conselho, que discutirá o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o benefício.

Por essa interferência nos votos dos conselheiros, a Justiça Federal vem tirando processos do Carf de pauta. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. A corte reconheceu a repercussão geral num recurso que discute se a administração fazendária pode pagar bônus a auditores fiscais conforme as multas aplicadas. Portanto, o tribunal vai julgar o recurso, que questiona uma versão estadual do “bônus de eficiência” pago a auditores da Receita Federal conforme as multas que apliquem a contribuintes autuados. (…)”

Como muito bem salientado, o “mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.”

O princípio da Imparcialidade é um pressuposto de validade do processo, estando o juiz acima e equidistante das partes, podendo assim o magistrado exercer sua função jurisdicional. A garantia da imparcialidade possui, inclusive, respaldo na Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça. Imparcial é o magistrado que não tenha interesse no objeto do processo, nem queira favorecer uma das partes, incumbindo-lhe o dever de conduzir o processo de tal modo que seja efetivo instrumento de justiça, que vença quem realmente tenha razão.

A própria Constituição Federal em seu art. 95 já estipulou os requisitos mínimos assecuratórios para se atingir a necessária imparcialidade pelos magistrados: i) vitaliciedade; ii) inamovibilidade e iii) irredutibilidade de subsídios.

O art. 139 do novo Código de Processo Civil assim estipula:

“Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento; (…)”

Como se sabe, o Novo CPC 2015 é plenamente aplicável aos processos administrativos, como bem estipula o seu art. 15:

“Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

Ou seja, a garantia da imparcialidade é mais que um direito, é dever do Estado para integridade e validade do julgamento, assim como uma garantia assegurada por cláusula pétrea por ser um direito individual (art. 60, §4º, IV, da CF).

A própria Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, preocupada em evitar conflitos de interesses e ofender o princípio da imparcialidade, impediu o exercício da advocacia para os membros do CARF indicados pelos contribuintes, devendo o Fisco fazer o mesmo em prol da segurança jurídica e máxima efetivação dos preceitos fundamentais.

Assim, não há como se efetivar o princípio da imparcialidade quando os julgadores possuem nítido interesse no resultado do julgamento, recebendo “bônus de eficiência” pelas multas tributárias mantidas em desfavor dos contribuintes.

IV – DA REPERCUSSÃO GERAL JÁ CONHECIDA PELO STF E OS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS

O Pretório Excelso já conheceu a Repercussão Geral do RE 835.291 e irá julgar a questão da constitucionalidade da receita arrecada com multas tributárias para o pagamento de adicional de produtividade (bônus de eficiência) a servidores públicos da carreira fiscal que trata de uma lei de Rondônia sobre o assunto.

O respectivo Recurso Extraordinário foi interposto pelo Ministério Público de Rondônia contra decisão do TJRO que julgou improcedente a ADIn contra dispositivos da Lei estadual 1.052/2002 e do Decreto 9.953/2002 que trata sobre o adicional de produtividade fiscal.

O TJRO considerou que a utilização da multa para fins de pagamento de adicional de produtividade fiscal não fere o princípio constitucional de vedação de vinculação de receitas, uma vez que tal dispositivo se restringe aos impostos. Apontou que, tendo em vista não possuir a mesma natureza jurídica dos impostos, a multa não pode a ele ser equiparada, dentre os fundamentos, destacasse:

“Segundo, pelo descabimento da afetação da receita de impostos – as multas são acessórios que seguem a mesma sorte do principal – a gastos específicos (CF, art. 167, IV). Terceiro, pela vedação constitucional da vinculação de receitas à remuneração dos servidores (CF, artigo 37, XIII), que levou o STF a invalidar gratificação estadual de produtividade atrelada à arrecadação de tributos e multas (Pleno, ADI 650-MC/MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 22.05.92). Quarto, e principalmente, por ofensa à moralidade e à impessoalidade da Administração (CF, art. 37), corolários diretos do princípio republicano.”

Como se pode perceber no presente caso em Pernambuco, o art. 167, IV, da CF, expressamente prevê a proibição da vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, salvo nas hipóteses de repartição constitucional de receitas, tendo em vista que a multa é um acessório, e todo acessório segue a sorte do principal, também estaria acobertada pela vedação legal de vinculação de receitas de impostos.

O percentual de 40% para fins de IELC viola flagrantemente os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

No RE 835.291, já existe parecer da Procuradoria Geral da República pelo provimento do recurso (PARECER Nº 19711 – OBF-PGR – Ministério Público Federal), considerando manifestamente inconstitucional o pagamento do bônus de eficiência com participação no ingresso de receita proveniente de multas relativas a impostos.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou fazer uma análise da legalidade e constitucionalidade do art. 10º da Lei Complementar nº 362/2017, que fez alterações e incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008 instituindo o bônus de eficiência para os Auditores e Julgadores do âmbito administrativo fiscal do SEFAZ/PE.

Através do estudo detalhado das respectivas Leis, concluiu-se que os Auditores e Julgadores Fiscais recebem um adicional pela manutenção das multas tributárias lavradas contra os contribuintes, tendo reflexos, inclusive, na base de cálculo da gratificação natalina (13º salário) e abono salarial.

Procurou-se confrontar o bônus de eficiência com o princípio da impessoalidade, princípio essencial que rege toda a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, inferindo-se que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear os comportamentos dos agentes públicos, vedando qualquer decisão administrativa fundada em represálias, favorecimentos, vínculos de amizade, dentre outros sentimentos pessoais desvinculados dos fins coletivos.

Não possuindo a Fazenda Pública condição especial que a torne superior à parte oposta em juízo, pelo contrário, estando em equiparidade de condições, não haveria o que se falar de tratamento benéfico com a manutenção dos autos de infrações lavrados em desfavor dos contribuintes, sendo o IELC benefício concedido em prol dos julgadores quando a decisão beneficiar o Fisco, o que macula todo o julgamento de vício insanável, devendo-se anular pela ilegalidade e inconstitucionalidade das previsões que ofendem a própria garantia de imparcialidade do julgador.

Como já se afirmou, o interesse público não se faz presente com o mero ganho de causa do Estado, mas sim quando se efetiva os princípios fundamentais para um julgamento respaldado nos princípios norteadores da Administração Pública (legalidade, moralidade, pessoalidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros), garantindo-se assim o controle de legalidade dos lançamentos de forma íntegra, moral, ética e legal.

Ou seja, a garantia da imparcialidade é mais que um direito, é dever do Estado para integridade e validade do julgamento, assim como uma garantia assegurada por cláusula pétrea por ser um direito individual (art. 60, §4º, IV, da CF).

Assim, não há como se efetivar o princípio da imparcialidade quando os julgadores possuem nítido interesse no resultado do julgamento, recebendo “bônus de eficiência” pelas multas tributárias mantidas em desfavor dos contribuintes.

Conclui-se, portanto pela ilegalidade do art. 10 da Lei Complementar 362/2017 que institui o art. 50-B na Lei Complementar nº 107/2008 cujo objeto é flagrantemente inconstitucional.

 

Referências
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_Impessoalidade> Acessado em 16/07/2017

Nota
[1] Artigo científico apresentado à Comissão de Assuntos Tributários – CAT da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Seccional de Pernambuco para fins de análise da legalidade/constitucionalidade do art. 10 da Lei Complementar nº 362/2017, que incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008 que instituiu o bônus de eficiência dos Auditores e Julgadores do SEFAZ/PE


Informações Sobre o Autor

Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Pós-Graduado em Direito Público pela FACESF. Pós-Graduando em Direito Tributário pelo IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.


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