A insegurança jurídica e desproporcionalidade do sistema de cobrança do direito autoral pela disponibilização de televisores nas empresas hoteleiras e moteleiras

Resumo: O presente trabalho tem como objeto a identificação as hipóteses de incidência da cobrança do direito autoral, com foco nas empresas hoteleiras/moteleiras/bares os quais utilizam sinais televisivos em receptores de TV.


Palavras-chave: Direito autoral. ECAD. Cobrança. Hotel. Motel. Restaurantes, Bares. Televisão. Média da utilização. Precificação. Insegurança jurídica. Função social do direito autora. Ordem econômica.


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Sumário: 1. Insegurança jurídica. 2. A forma de cobrança do direito autoral utilizada pelo ECAD violam os arts. 170/173 da Constituição Federal. Precificação e base de cálculo. Ordem Econômica. 3. Conclusão


1. A INSEGURANÇA JURÍDICA


Não há dúvidas que a prestação de serviços desenvolvida pelo segmento moteleiro, hoteleiro, bares e restaurantes, vinculado ao Turismo é importantíssima para o Brasil, haja vista gera milhares de empregos e impostos.


Entretanto, o empresariado do setor passa por uma enorme insegurança jurídica devido às mudanças constantes de interpretação da legislação do direito autoral por nossos Tribunais e, até mesmo desconhecimento, o que gera reflexos financeiros e pode até mesmo comprometer a própria sobrevivência das empresas.


Até meados de 2004, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sempre foi pacífico no sentido do não cabimento da cobrança de direito autoral de TV instalado em quarto de hotel e motel, verbis:


 “RECURSO ESPECIAL N° 244.356 – PARANÁ – (2000⁄78-7) – (10.449) RELATOR:MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO RECTE:ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECAD, ADVO:LUDOVICO ALBINO SAVARIS, RECDO:HOTEL DORAL TORRES LTDA. ADVOS:JOSÉ CARLOS BUSATTO E OUTROS


EMENTA Direito autoral. Aparelho de televisão nos quartos de hotel. Precedentes. 1. Não há êxito possível da pretensão inicial diante da consolidação jurisprudencial sobre a impossibilidade de cobrar-se direito autoral em decorrência da existência de equipamento de televisão nas instalações de hotel. 2. Recurso especial não conhecido.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Nancy Andrighi e Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Waldemar Zveiter e Ari Pargendler. (Brasília, 31 de agosto de 2000. (data do julgamento) Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Presidente e Relator)”


O fundamento da retrocitada decisão é de que a exibição de TV em quarto de hotel e motel há não se trata de “exibição pública”.


Vale citar o voto do Eminente Min. Relator NILSON NAVES  no julgamento do Recurso Especial nº 68.514/RJ, (j. em 12/06/96):


Quando alguém, em sua casa ou residência, liga o rádio, a televisão ou outro meio análogo, para ver e ouvir, em suma, para se deleitar com a imagem e voz humanas, não se torna devedor de direito autoral. É que a execução não é pública. O mesmo acontece em relação a quartos e apartamentos de hotel. Aqui, a execução também é privada, vez que realizada “na esfera de atuação particular do interessado. (…)


Doutra parte, é de se perguntar como cobrar direito autoral em tal caso, parecendo-me que a cobrança subordina-se a que o hóspede tenha ouvido música em seu quarto. Como se ter certeza desse fato, faltando-nos onisciência, onipresença…Imaginemos a hipótese da não audiência, de parte de todos os hóspedes. E quanto à taxa de ocupação, podendo o hotel, em determinado momento, ter boa parte de seus quartos desocupada.


Efetivamente, hotel é estabelecimento comercial, sob o aspecto jurídico. Deve ele pagar direitos autorais, mas em caso de retransmissão radiofônica em seus restaurantes, salões de festas, etc. Quanto a esse aspecto, cuidar-se-ia de execução pública.


O meu entendimento é o de que o acórdão recorrido não entrou em atrito com a nossa Súmula 63, isto porque, conforme disse linhas atrás, o quarto de hotel não se enquadra na expressão “estabelecimento comercial”. Por isso, não tenho por configurado o dissídio com dita Súmula. De igual modo, também não tenho por ocorrido o dissídio com os acórdãos colacionados. Nem há ofensa à lei federal.


Portanto, não conheço do recurso.”


No entanto, a partir do ano de 2004 o art. 68, § 3º, da Lei n. 9.610⁄98 (Lei de Direito Autoral) passou a ser interpretado pelo STJ de forma a ser devida a cobrança de direitos autorais, apenas pela disponilização de TV nos quatros de motel e hotel :


RECURSO ESPECIAL Nº 740.358 – MG (2005⁄0056730-6) RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR – RECORRENTE : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD  – ADVOGADA : KARINA HELENA CALLAI E OUTROS – RECORRIDO  : TOPAS MOTEL LTDA  – ADVOGADO : URQUIZA ANTÔNIO DE FARIA ALVIM E OUTRO


EMENTA: CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. DIREITO AUTORAL. MOTEL. APARELHO RÁDIO-RECEPTOR E TELEVISORES INDEPENDENTES INSTALADOS NOS APARTAMENTOS. DIREITO DO ECAD RECONHECIDO. LEI N. 9.610⁄98, ART. 68, § 3º.


I. Legítima a cobrança de direitos autorais relativamente a aparelhos rádio-receptores e televisores independentes instalados nas acomodações individuais de motel, na dicção do art. 68, § 3º, da Lei n. 9.610⁄98.


II. Precedente da Segunda Seção do STJ (REsp n. 556.340⁄MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 11.10.2004).


III. Recurso especial conhecido e provido.


ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, vencido o Sr. Ministro Massami Uyeda, que lhe negava provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa e Cesar Asfor Rocha. ( Brasília (DF), 7 de dezembro de 2006(Data do Julgamento) MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR – Relator)”


A atual interpretação do Superior Tribunal de Justiça está consubstanciada no art. 68, § 3º, da Lei n. 9.610⁄98 que assim delibera: “Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.(…) § 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.”


Por outro lado, com a mudança de entedimento jurisprudencial já mencionada, o critério de arrecadação passou a ser a média da utilização do equipamento de TV, in verbis :“Na medida em que integra o conjunto de serviços oferecidos pelo estabelecimento comercial hoteleiro aos seus hóspedes”, sendo o cálculo feito “pela média de utilização do equipamento”, como apurado em liquidação.” (STJ, REsp 137011/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T.)


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Outrossim, os critérios práticos de arrecadação dos direitos autorais não são dispostos na norma infraconstitucional, lacuna esta que gera dificuldades na aplicação da própria legislação.


Portanto, considerando que existem milhares de empresários que utilizam de recepção de sinais televisivos em suas atividades (ramo hoteleiro/moteleiro, entretenimento…) e, como já explicitado, há uma recente e constante mudança de posicionamento dos nossos Tribunais, é evidente a insegurança jurídica tanto no que se refere a cobrança dos usuários do direito autoral. quanto da remuneração das pessoas jurídicas criadoras da obra intelectual.


Infelizmente boa pacela dos empresários do setor ao menos tem conhecimento do dever de pagamento de direito autoral decorrente de TV, gerando assim um ‘passivo autoral ‘, pois os estabelecimentos comerciais poderão ser autuados a qualquer momento, pela cobrança de valores altíssimos pelo uso dos ‘ direitos autorais’ ,  retroagidos os últimos  5 (cinco) anos da utilização da TV.   


Ainda, a Lei 11.711/2008 publicada em 23/06/2008, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Turismo, coloca mais um ingrediente à discussão na espécie, ao asseverar que os quartos de hotéis e similares são considerados “ unidades de freqüência individual” e de “uso exclusivo do hóspede”.


Desta feita, a interpretação do texto legal retrocitado deverá sofrer novo debate acerca da própria validade da cobrança de direito autoral de TV no presente caso, haja vista conceitual o quarto de hotel/motel como de ‘frequencia individual’ e não ‘ frequencia coletiva ‘,  como corrobora o entendimento jurisprudencial atual.


O ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma sociedade civil de natureza privada instituída pela Lei Federal nº 5.988/73, criada pelas associações de titulares de direitos autorais e conexos e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira – n. 9.610/98. Como disposto em seu próprio nome, o ECAD é um escritório organizado pelas associações de autores e demais titulares a elas filiados e/ou representados para centralizar a arrecadação e a distribuição de direitos autorais e conexos decorrentes da execução pública de obras musicais e/ou lítero-musicais e de fonogramas, nacionais e estrangeiros, em todo o território nacional, inclusive através da radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade e da exibição cinematográfica.


A Constituição Federal apregoa sobre a proteção do Direito Autoral, in verbis“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII – são assegurados nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagens e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes, e às respectivas representações sindicais e associativas;(…)”


Assim, inquestionável que o criador das obras artísticas veiculadas pela TV (músicas, filmes, documentários, shows…) possui o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra criativa, da maneira que quiser, bem como, permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente.


É flagrante a insegurança jurídica do empresário no que diz respeito à cobrança do direito autoral, para aqueles que disponibilizam televisores em seus estabelecimentos comerciais.


 Já não bastasse a luta do empresário do setor hoteleiro/moteleiro para combater o passivo trabalhista, fiscal e dos riscos comerciais inerentes à sua atividade, o ‘passivo autoral’ merece ser analisado aos empresários que disponibilizam televisores em seus estabelecimentos comerciais, a fim de que não haja futura cobrança pelo ECAD, cujo valor, muitas vezes, poderá acarretar enorme prejuízos financeiros e inviabilizar a própria atividade da empresa.


2. A FORMA DE COBRANÇA DO DIREITO AUTORAL UTILIZADA PELO ECAD VIOLA O ART. 170/173 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –  PRECIFICAÇÃO E BASE DE CÁLCULO – ORDEM ECONÔMICA


O sistema de cobrança do direito autoral utilizado pelo ECAD às empresas hoteleiras, bares e restaurantes, implica na violação aos arts. 170/173 da Constituição Federal.


Explica-se. Como visto anteriormente, o valor da cobrança para a disponibilização de TV nos estabelecimentos comerciais é fixado pelo ECAD de maneira unilateral. 


Ocorre, que a ‘precificação’ do direito autoral é estipulada em valores de monta, cuja cobrança resta contabilizada pelo número de quartos do hotel/motel e a média da utilização do equipamento retransmissor de sinais televisos, quase sempre com base de cálculo por volta da média de 50% para todas as regiões do país. Ora, tal percentual fixo é ilegal por ser desproporcional à utilização do equipamento individual de cada estabelecimento comercial, haja vista não observa se o hotel/motel é de grande/pequeno porte, sua taxa de ocupação e o local em que está situado. Apenas para exemplificar, um hotel 5 (cinco) estrelas que cobra uma diária de R$ 400,00 em Curitiba-PR paga o mesmo valor de um simples hotel situado na praia de Caiobá-PR, o qual recebe veranistas apenas nas férias.      


Destarte, a cobrança de direito autoral nos parâmetros hoje utilizados pelo ECAD, impede o exercício da livre iniciativa do empresário, viola a função social da propriedade (direito autoral), não assegura a redução das desigualdades regionais e a busca do pleno emprego, como assevera a Constituição Federal, verbis : Art. 170.  A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:(…)II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; (…) VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 06/95) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 


O jurista Eros Roberto Grau, in A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 12ª Edição, Malheiros, pág. 209, ensina que “ (…) não há oposição entre o princípio da livre concorrência e aquela que se oculta sob a norma do parágrafo 4º do art. 173 do texto constitucional, princípio latente, que se expressa como princípio da repressão aos abusos do poder econômico e, em verdade, – porque dele é fragmento – compõe-se no primeiro. É que o poder econômico é a regra e não a exceção.(…)”


Claudia de Lima Marques apregoa que o princípio da autonomia de vontade  “está estritamente ligada a idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.” (Cláudia Lima Marques, 2ª ed., RT, p. 36).


Como assevera Francesco Galgano (A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Coimbra, Almedina, 1982, p 198-199), em lição perfeitamente aplicável entre in casu, “A liberdade de iniciativa econômica é liberdade dos privados de dispor dos recursos materiais e humanos; é, em segundo lugar, liberdade dos privados de organizar a atividade produtiva e, consequentemente, é liberdade dos privados de decidir o que produzir, quando produzir, como produzir, onde produzir (…) pressupõe, de forma mais geral, a liberdade contratual, sendo o contrato, fundamentalmente, o instrumento mediante o qual o empresário, por um lado, obtém a disponibilidade dos recursos a utilizar no processo produtivo e, por outro, coloca o produto no mercado (…)”.


3. CONCLUSÃO


Conclui-se que, além da demonstrada insegurança jurídica originada pelas diversas intepretações de nossos Tribunais, os preços abusivos cobrados pelo ECAD relativos à cobrança de direito autoral, em desacordo com a média da utilização do equipamento de recepção como determina a jurisprudência do STJ, inviabiliza financeiramente o exercício do objeto social das empresas e viola o princípio da autonomia de vontade, em razão de não existir outra associação de cobrança de direito autoral que o empresário possa contratar por um preço menor.


Informações Sobre o Autor

Eric Rodrigues Moret

Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Tributário pela UNICURITIBA, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.


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