Resumo: O
presente artigo tem por objetivo focalizar o acolhimento, por parte do
ordenamento jurídico brasileiro, do Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal
Internacional. Para tal, localiza o instituto dentro do ordenamento jurídico
internacional, bem como estuda a forma de acolhimento e internalização dos
Tratados Internacionais pelo Brasil.
Palavras-chave:
Direito Penal Internacional, Direito Constitucional, Tratados Internacionais.
I – Introdução:
Entre 15 de junho a 17 de julho de 1998, realizou-se em Roma, Itália,
a Conferência das Nações Unidas sobre o estabelecimento de um Tribunal Penal
Internacional que iria afigurar como um
órgão judicante internacional complementar aos sistemas judiciários nacionais.
Em 07 de fevereiro de 2000 Brasil tornou-se signatário do Tratado que ainda
está em processo de ratificação para ser incorporado ao nosso ordenamento
jurídico.
As características do Tribunal Penal Internacional, sua jurisdição,
recepção e eventuais conflitos com a soberania jurídica nacional são
preocupações constantes nos círculos político e judiciário brasileiros. Prova
disto são os dois documentos lançados pela Câmara dos Deputados relativos ao
tema[1],
mais publicações em periódicos de nosso Ministério das Relações Exteriores; o
que prova que o assunto não é adstrito ao interesse acadêmico mais se espraia
por nossos setores político-legislativo e diplomático.
O presente artigo tratará dos temas supramencionados sem deixar de
referir a macroestrutura jurídica internacional, já que os temas da
personalidade jurídica, Tratados Internacionais e da aplicabilidade da sanção
são fundamentais e necessários para uma abordagem propedêutica do caso. A partir da análise do ordenamento jurídico
internacional[2],
do conflito do Tratado de Roma com as soberanias nacionais, chegar-se-á ao
acolhimento deste pelo direito interno brasileiro, especificando os atuais
óbices jurídicos e políticos a sua ratificação.
II – A ordem jurídica
internacional
A chamada Ordem Jurídica Internacional pode ser analisada de diversas
formas, mas necessariamente dentro da proposta deste artigo em um contexto
doutrinário para o correto entendimento e ordem metodológica . Desta feita, a
ordem jurídica mundial contemporânea,
deve ser estudada utilizando-se os seguintes elementos constitutivos: (
i ) personalidade jurídica internacional; ( ii ) poder legislativo; ( iii )
dano e responsabilidade e; ( iv ) judiciário; ou seja: (i ) quem executa as
leis ou as pessoas legitimadas no Direito
Internacional; ( ii ) quem legisla e o que é positivado, compondo a fonte
formal da estrutura jurídica internacional; (iii) o ato ilícito internacional e a devida
imputabilidade e, por fim; (iv) os órgãos judicantes com jurisdição definida e
que tutelam os direitos tendo como critério objetivo a aplicabilidade do
ordenamento jurídico internacional (neste patamar incluindo-se a
jurisprudência), tema este que implica também em outro delicado desdobramento:
o da sanção. Cabe lembrar que sobre cada um destes pontos repousam as mais
díspares divergências, acarretando no compromisso do autor de doutrinariamente
apresentar os diversos direcionamentos das ciências jurídicas no âmbito
internacional.
Primeiramente,
em relação às pessoas no Direito Internacional, pode-se indicar o que a
doutrina mais tradicional aponta:
“As partes, em todo Tratado, são necessariamente pessoas
jurídicas de direito internacional público: tanto significa dizer os Estados Soberanos – aos quais se equipara,
como será visto mais tarde, a Santa Sé – e as organizações internacionais. Não
tem personalidade jurídica de direito das gentes, e carecem, assim, por
inteiro, de capacidade para celebrar tratados, as empresas privadas, pouco
importando sua dimensão econômica e sua eventual multinacionalidade.”[3]
É concorde e pacífico na doutrina que o Estado-Nação continuará
exercendo sua personalidade de forma majoritária, da mesma forma que as
Organizações Internacionais. Há contudo, muitas considerações a serem feitas quanto
ao papel protagônico do indivíduo na seara internacional, pois se para Georges
Scelle “a sociedade internacional é uma comunidade de indivíduos, a quem o
direito aplica-se diretamente”[4],
soma-se ao raciocínio que hoje um indivíduo pode dar início a procedimentos
diretamente junto à jurisdições internacionais ainda que de restrita
competência de matéria. Ademais, em relação a outros sujeitos não poucas vezes
citados na doutrina, como as Organizações não governamentais (ONGs) e as
discutidas empresas multinacionais ou transnacionais; a doutrina optou
claramente por rechaçar ou por aceitar que são sujeitos fragmentários, na
medida que reclamam para si fragmentos de capacidade internacional, como a
própria e inegável personalidade.
Acredita-se portanto, que a relutância em admitir-se o indivíduo ou as
organizações (ou empresas) transnacionais como portadoras de capacidade
jurídica internacinal deve-se muito mais à inevitável herança histórica do
direito internacional clássico e das teses realistas das Relações
Internacionais do que a consideração do papel protagônico destas.
Em relação às fontes de direito internacional, ou seja, a regra de
conduta positivada a ser seguida pelos Estados, existem considerações
interessantes a serem feitas. Existe uma abordagem pacífica em relação às
fontes, mas uma fragilização quando o
foco privilegia a relação entre o direito interno e o internacional,
principalmente sob os aspectos de (i) prevalência da norma interna ou externa,
principalmente no caso, (ii) do processo de acolhimento de um Tratado
internacional com normas divergentes à Constitucional ou mesmo ao ordenamento
jurídico infra-constitucional.
As fontes de Direito Internacional estão dispostas no Estatuto da
Corte de Haia redigido em 1920, que compreende o primeiro Tribunal para a
solução de litígios internacionais sem restrições territoriais ou de matéria. O
artigo 38 elenca os Tratados, os Costumes e os Princípios Gerais do Direito,
fazendo referência à jurisprudência e à
doutrina como meios auxiliares na determinação das regras jurídicas e facultou,
sob certas condições, o emprego da equidade. Quanto a questão do caráter
predominante da jurisprudência, ou da common law, bem como da falta de
parâmetros objetivos do sistema legal internacional assevera Dervort:
“Treaties are perhaps the most obvious method of
documenting State consent to an
Internacional obligation. However, customary practice regarded as legally
binding and the general principles of law recognized by civilized nations are
vague and dificult to define. These sources leave much to the imagination when
compared with the relatively clear lawmakink processes used in the most
domestic legal systems. However, British and U.S. common law have considerable
similarity”.[5] [ tradução livre do autor: Os Tratados são talvez o mais óbvio método de
documentação do consentimento do Estado
a uma obrigação internacional. De qualquer forma, a prática
consuetudinária relativa ao legalmente acordado – pacta sunt servanda – e os
princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas são vagos e
difíceis de definir. Estas fontes deixam muito para imaginação quando
comparadas com a relativamente claro processo legislativo usado na maior parte
dos sistemas legais. Contudo, à Common Law Britânica e à dos USA possuem
considerável semelhança.]
Se, com relação às fontes de Direito Internacional, não muitas
divergências são apresentadas, o mesmo não se aplica às relações entre o
Direito Internacional e o ordenamento jurídico interno. A questão cérnica
converge para o embargo da prevalência da norma, que resulta nas duas grandes
correntes doutrinárias: a moonista e a dualista.
Foi Alfred von Verdross que, em 1914 cunhou a expressão “dualismo”, a
qual foi aceita por Triepel, em 1923. Para os adeptos dessa corrente, o direito
interno de cada Estado e o internacional são dois sistemas independentes e
distintos, embora igualmente válidos. Por regularem tais sistemas matérias diferentes, entre eles não poderia haver
conflito, ou seja, um Tratado Internacional não poderia, em nenhuma hipótese,
regular uma questão interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento
por um procedimento receptivo que o transforme em lei nacional. Para os
dualistas, os Tratados Internacionais representam apenas compromissos exteriores do Estado, assumidos por governos
na sua representação, sem que isso possa influir no ordenamento interno desse
Estado. Em um caso, trata-se de relações entre Estados enquanto em outro as
regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos.[6]
Por outro lado, a corrente oposta ao dualismo, o monismo, apregoa que
se um Estado assina e ratifica um Tratado Internacional, é porque está se
comprometendo juridicamente a assumir um compromisso; se tal compromisso
envolve direitos e obrigações que podem ser exigidos no âmbito interno do
Estado, não se faz necessário, só por isto, a edição de um novo diploma,
materializando internamente aquele compromisso exterior. O monismo por sua vez
divide-se em duas correntes: (a) o monismo internacionalista que sustenta a
unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que se
ajustariam todas as ordens internas
constituindo ainda duas vertentes, (a.1) a que não admite a possibilidade de
conflito sob pena da nulidade à norma interna, que é a de Hans Kelsen , e;
(a.2) a que situa a norma contraposta no contexto somente da falta de validade.
O (b) monismo nacionalista, afirma o primado do direito nacional de cada Estado
soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do Direito Internacional,
aparece como uma faculdade discricionária, tendendo ao culto da Constituição e
à descentralização da sociedade internacional.[7]
O estudo do dano internacional, a imputabilidade e a responsabilidade
são outro tema com uma tênue relação com a doutrina de direito interno. Seus
desdobramentos sim, são motivo de flexibilização na doutrina como as imunidades
e a já discutida questão da personalidade. Oportuno faz-se o estudo como até
aqui se procedeu, generalizado, da doutrina internacional. Portanto, a saber,
os elementos essenciais da Responsabilidade Internacional são: o (a) ato ilícito; (b) a imputabilidade e (
c) o nexo causal.
O ato ilício diz respeito a algo praticado por um sujeito de direito
internacional, resultante de infração de norma de direito atinente a este
ordenamento, ou seja, não dizendo respeito ao direito interno.
“A análise estatística revela que, ao menos no plano dos
ilícitos internacionais de maior notoriedade, são nas normas costumeiras e os princípios gerais – por oposição aos Tratados – que constituem
nas mais das vezes a afronta. A razão de tal fenômeno é simples, e já terá
transparecido no estudo das fontes do direito internacional público: os
Tratados, beneficiários da exatidão da forma escrita, prestam-se menos à
controvérsia e à burla que aquelas outras normas para cujo entendimento se
depende em alto grau, dos préstimos da jurisprudência e da doutrina. “[8]
Com relação à imputabilidade, justamente, aplica-se a terminologia do
nexo causal, utilizado no direito interno. Pode-se portanto dividir em direta
quando uma pessoa de Direito Internacional (leia-se Estado ou Organização
Internacional) responde pelo ilícito e, indireta quando há uma situação de
dependência como um protetorado (por exemplo Porto Rico em relação aos EUA).
Como fonte de divergência, podemos citar o fato da ação ilícita de particulares
que será considerada ilícito só na hipótese de deveres elementares de prevenção
e repressão.[9]As
imunidades e a personalidade aparecem de fato como obstáculos, servindo de
paradigmas o caso Pinochet, que responde na esfera internacional enquanto
pessoa individual, apesar de atos de governo estarem envolvidos, podendo ser citado ainda, de outra
monta, que divergências normativas são
um obstáculo para o acolhimento do Estatuto do Tribunal Penal Internacional
pelo Brasil[10],
objeto deste trabalho.
O dano internacional sofrido por um Estado ou Organização, por si só
não configura na contraprestação de reparação; será necessária a averiguação
quanto à ilicitude do fato. Neste caso, por exemplo, o dano a investimentos
estrangeiros, pode ser tanto oriundo da discricionária arrecadação, confisco ou
expropriação de bens estrangeiros como o caso não menos arbitrário da proibição
das atividades, ou multas relevantes em relação ao funcionamento de indústrias
poluentes. O critério será que o primeiro é um ilícito contra os Direitos
Econômicos dos Estados[11]
e o segundo é um exercício de soberania.
Os órgãos judicantes internacionais, por sua vez, são um capítulo à
parte no ordenamento jurídico internacional, que possuem sua origem enquanto
instituições formais nas Comissões de Inquérito estabelecidas na Conferência de
Paz de Haia em 1899, com o objetivo de
solução pacífica de Controvérsias internacionais. Já em 1900, foi estabelecida
a Corte Permanente de Arbitragem que tornou-se a maior organização de Arbitragem
Internacional contudo nos posteriores 20
anos obteve consequente arrefecimento nas atuações arbitrais justamente porque
diversas organizações internacionais já estavam preenchendo esta lacuna em
relação à litígios versando sobre matéria especializada.
Após o momento de uma desestabilização dos mecanismos jurídicos
internacionais que se seguiram no período do entre-guerras, a Corte
Internacional Permanente de Justiça, ou World Court, passam a exercer o
papel da magistratura maior internacional, com um caráter de adjudicação
bastante discutido internacionalmente, mas com uma credibilidade formal
indiscutível e bastante razoável em suas assertivas.
“This is accepted because it
is today the official judicial organ of the United Nations and all members of
that organization must become a party to the Statute of the Court to become
members. Its advisory opinions and contentious cases have developed a
continuity of jurisprudence that is the worldwide in scope.”[12][
tradução livre do autor: Esta ( CIJ ) é aceita porque é hoje o orgão
judicante oficial da Organização das Nações Unidas e todos os membros daquela
organização devem ser partes no Estatuto da Corte para tornarem-se membros.
Suas opiniões consultivas e casos contenciosos têm desenvolvido uma
continuidade de jurisprudência que possui uma extensão mundial.”]
Embora seu caráter universal e amalgamento à ONU, a ratificação do Estatuto da Corte, não
constitui um consentimento à submissão às decisões da Corte, dependendo de
outras formas de submissão como: cláusulas em acordos bilaterais ou
multilaterais que assim o permitam ou adesão à opcional cláusula de submissão
compulsória, sujeita ainda à reservas ou consentimento em forma de compromisso envolvendo
um acordo entre as partes. A fragilidade na execução de uma decisão da Corte
Internacional de Justiça é uma das querelas do Direito Internacional enquanto
fim próprio do judiciário que é a busca e feitura da justiça, em uma jurisdição
que tutela a ação dos sujeitos de Direito Internacional. Mas considerando o
caráter opcional de submissão à Corte sob a tautologia kelseniana, se
todo um ordenamento é válido; é eficaz ao mesmo tempo, considerando a submissão
parcial ao órgão máximo da justiça internacional?
Não poderiam deixar de serem mencionadas as chamadas Cortes Regionais
ou Especializadas que compreendem muitas vezes diferentes aspectos
organizacionais em relação aos Estados. Assim é a Corte Européia de Justiça que
julga questões relativas aos Tratados de Integração, ou seja, de caráter
compulsório em relação à soberania dos Estados europeus membros da hoje União
Européia. Há também a Corte Européia de Direitos Humanos assim como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos e mesmo a Centro-americana de Direitos
Humanos que funciona com eficiência desde o início do século XX, todas com
matéria definida, podendo os indivíduos demandarem desde que o caso já não
tenha sido decidido anteriormente e sem caráter de submissão compulsória a
decisão. Apesar das restrições às decisões tem encontrado uma eficácia
internacional em suas atuações.
Como Cortes especializadas afigura o Tribunal Internacional de Direito
do Mar com plena jurisdição sobre controvérsias relativas à interpretação ou
aplicação da Convenção da ONU para o Direito do Mar de 1982[13],
ou o Tribunal Penal Internacional previsto no Estatuto de Roma de 1998[14].
Oportuno acentuar que correlatamente o sistema de arbitragem internacional
afigura-se como um sistema eficaz, principalmente se formos considerar que
todas as divergências no âmbito da Organização Mundial do Comércio resolvem-se
mediante este instituto, o que ocorre também analogamente com ilícitos relativos à responsabilidade
ambiental internacional.
Com as anteriores considerações, resta ainda nesta incursão breve e
necessária ao ordenamento jurídico internacional, algumas considerações sobre a
executividade das decisões internacionais ou a sanção que possui relação
imediata e direta com a eficácia de uma norma. A insatisfação quanto ao jus
cogens na aplicação das normas internacionais é evidente na doutrina:
“Malgrado o nome
que sustenta, não se deve imaginar que à Corte de Justiça corresponda o papel exercido, no
modelo clássico do Estado contemporâneo, pelo Poder Judiciário. A Corte é o
principal órgão judiciário das Nações Unidas, mas não detém a possibilidade de
impor sentenças ao coletivo internacional, face às peculiaridades do próprio
direito internacional
(…) o ritmo de atividade da Corte está dissociado da complexidade da vida
internacional contemporânea, uma vez que
tem julgado em média, menos de dois casos por ano em seus cinqüenta anos
de existência (…) com a intenção de satisfazer todas as partes envolvidas
(sic) age como se fosse um foro de arbitragem (…) e não raras vezes os juizes
representam posições políticas de seus governos numa completa distorção de suas
funções.”[15]
A fragilidade da sanção relativa às normas é uma lacuna no sistema
internacional, ainda mais em
considerando a realidade de nenhum Estado estar sujeito às decisões da Corte sem
consentimento prévio e concomitantemente reconhecendo-a, hoje, como jurisdição
obrigatória, somente cinqüenta e nove Estados e destes, sendo somente um – o
Reino Unido – integrante, dada a obrigação moral internacional dos membros
permanentes nos Conselho de Segurança. Há então uma desproporcionalidade clara,
politicamente falando na constituição de um Sistema Jurisdicional Internacional
válido e eficiente. Ficando também comprometido os princípios mundialmente
aceitos da transparência administrativa e do duplo grau já que segundo o artigo
36.6 do Estatuto “qualquer controvérsia sobre a jurisdição da Corte será
resolvida por decisão da própria Corte.”
III – O estatuto de Roma e o Tribunal
Penal Internacional
Em 15 de junho de 1998, delegados de 160 países reuniram-se em
Assembléia, em Roma, Itália, para a United Nations Conference of
Plenipotenciaries on the Establishment of an International Criminal Court [
Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas para o estabelecimento de um
Tribunal Penal Internacional]. Em 17 de julho, após cinco semanas de
intensas negociações, os delegados votaram a favor do Estatuto para estabelecer
a Corte Internacional Penal. Já em abril de 1999 o aclamado Estatuto de Roma possuía
81 países como signatários e duas ratificações: por Senegal e Trinidad e
Tobago. Hoje o referido Tratado conta com 43 Estados Ratificantes, dos quais o
último foi a Suíça em 12 de outubro de 2001
e 139 signatários dos quais o último foi Zimbabwe em 17 de julho de
1998.
A história do Tribunal Penal Internacional remonta à muitos esforços
na época moderna, com tentativas mal-sucedidas após a Primeira e Segunda
Guerras Mundiais. Neste sentido, trata-se não somente da criação de um Tribunal
Internacional mas da própria consolidação do Direito Penal Internacional após principalmente
outubro de 1946 quando do final do Julgamento de Nuremberg. Situa-se após esta
data uma aspiração internacional pela criação de um Código com larga aceitação
mundial, relativo à crimes contra
humanidade, dada as consequências desta lacuna durante as atrocidades
praticadas na Guerra em continente europeu.
Pouco tempo depois, em dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações
Unidas adota a “Convenção sobre a prevenção e punição dos crimes de genocídio”
que já atentava para um Tribunal com competência e Jurisdição para aplicá-lo.
Separadamente, a Comissão Legal Internacional começou estudos de implementação
do referido Tribunal que não puderam levá-lo a cabo, apesar da confecção de
minutas, pela oposição entre os eixos no
contexto da Guerra Fria. É o que o embaixador Araújo Castro chamou de
“congelamento de poder”, percebido na própria divergência tautológica em
relação ao conceito de agressão que só veio a ser acordado em 1974 na
Assembléia Geral da ONU. O código então foi abandonado pela impraticabilidade
política temporal, que veio a esbarrar em novas exigências prementes em 1992 na
guerra da Bosnia-Herzegovina que necessitou um Tribunal ad hoc para
julgar os Crimes de Genocídio então reacesos em território europeu.
O papel da diplomacia e plenipotenciários africanos foi sem dúvida um
divisor de águas nas tratativas internacionais. São exemplos que ilustram este
mérito os 10 princípios básicos propostos em setembro de 1997, por 14 nações da
Comunidade de Desenvolvimento Sul-africana, a serem incluídos no Estatuto do
Tribunal e a Declaração de Dakar onde representantes de 25 governos africanos
reunidos em Senegal, pedem pela instituição de um Tribunal efetivo e independente. No mesmo sentido, o
papel das Organizações Não-governamentais passou a ser mais relevante e
protagônico, principalmente desde a Conferência de 1992 no Rio de Janeiro sobre
o meio-ambiente ( ECO-92); a partir desta, membros de ONG’s participaram como observadores, lobbystas,
consultores e membros das delegações nacionais durante os encontros
preparatórios do Estatuto por parte dos
Comitês especializados.
A proposta veio a se efetivar então em julho de 1998 e em maio de 1999
é retomada a campanha pela ratificação mundial do Estatuto do Tribunal Penal
Internacional. As palavras de Kofi Annan, Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas, delineia a tutela do Tribunal:
“The ICC promisses, at last, to supply what has for long
been the missing link in the international legal system, a permanent court to
judge the crimes of gravest concern to the international community as a whole –
genocide, crimes against humanity and war crimes”. [ tradução livre do autor: “O
Tribunal promete finalmente, a suprir o que tem sido um elo desaparecido no
sistema legal internacional, um Tribunal permanente para julgar os crimes que
mais gravemente dizem respeito à comunidade internacional como um todo:
genocídio, crimes contra humanidade e crimes de guerra.”]
Desta forma, o Tribunal Penal Internacional, irá ser uma jurisdição
permanente que irá investigar e promover
a justiça para indivíduos que litigam pelos direitos estatuídos no Estatuto de
Roma. Assim, comparativamente, o Tribunal Internacional de Justiça possui jurisdição
restrita aos Estados e o Tribunal Penal Internacional possui capacidade de
indiciar indivíduos sem se restringir limitações geográficas ou cronológicas.
O Estatuto de Roma que foi votado e aprovado em 17 de julho de 1998
com um total de 120 votos a favor e 7 contrários e é composto de 13 partes e
128 artigos. As partes são divididas nos seguintes tópicos: 1) Estabelecimento
do Tribunal a ser estabelecido em Haia na Holanda e sua relação com a ONU; 2)
Jurisdição, Adissimibilidade e Aplicação da Lei que, primeiramente são crimes
de guerra, genocídio e contra a humanidade, mas abrangem a agressão e formas forçadas de escravagismo,
esterilização, etc; 3) Princípios Gerais da Lei Penal, de diferentes sistemas
legais como a não-retroatividade; 4) Composição e Administração do Tribunal; 5)
Investigação e Persecução; 6) Julgamento, seguindo o princípio que “até a
comprovada culpa em concordância com a lei, todo homem é inocente”, relatando
esta seção os direitos da vítima e das testemunhas, bem como os poderes da
Corte de ordenar ao culpado a reparação do dano ; 7) Penalidades, descartando a
pena de morte mas aplicando multa e detenção; 8) Recursos e Apelação; 9)
Cooperação Internacional e Assistência Jurídica entre os Estados e a Corte; 10)
Aplicação das Sentenças; 11) Assembléia de Estados-partes para exercer, de
certa forma, um controle externo; 12) Financiamento do Tribunal que opera-se
mediante contribuições dos Estados-partes, fundos da ONU e contribuições
voluntárias de governos, ONG’s, indivíduos e corporações, e ; 13) Cláusulas
Finais referentes a reservas, emendas, estabelecimentos de disputas e abertura
para assinaturas.
Inicialmente o Tribunal será composto de 18 juízes eleitos por dois
terços dos votos dos Estados-partes,
para um prazo de nove anos não renováveis. Somente cidadãos dos
Estados-partes poderão ser juízes no Tribunal e não poderá constar dois
magistrados oriundos de um único e mesmo Estado. No mínimo nove juizes deverão
ter sólidos conhecimentos de Direito e Processo Penal e da mesma forma cinco na
área do Direito Internacional, Humanitário ou Direitos Humanos que irão ocupar
como um todo três divisões: a pré-processual, a processual e a de apelação. A
estrutura administrativa do Tribunal, apregoa ainda que na escolha dos juízes,
os Estados deverão levar em conta a necessidade de representação dos diferentes
e principais sistemas legais do mundo, com representatividade geográfica justa
e equitativa de homens e mulheres.
O Tribunal Penal Internacional também contempla a figura do Promotor
Público, ou deputados-promotores, que serão eleito pela absoluta maioria dos
votos dos Estados-partes para um prazo de nove anos não renováveis. O Promotor
irá ser autorizado para iniciar os trâmites pré-processuais encaminhados pelo
Conselho de Segurança ou pelos Estados-partes do Estatuto, assegurada a
segurança em sua atuação (proprio motu). Para a atuação do Promotor, a
partir do encaminhamento pelo Conselho de Segurança, não será necessária a
anuência do Estado envolvido para proceder a investigação.[16]
Oportuno acentuar que o Tribunal Penal Internacional, afigura-se como
uma jurisdição complementar às jurisdições nacionais, provendo o devido
processo legal onde o judiciário nacional, por motivos diversos, não atue.
Neste sentido, princípio do esgotamento dos recursos internos não é necessário,
ou seja, não precisam ser exauridas as medidas jurídicas internas para obter a
tutela jurisdicional do Tribunal. Já, por outro lado, se uma determinada
investigação chegou a termo ou processo judicial transitou em julgado, este
será considerado e declarado inadmissível pelo Tribunal.
Em relação aos crimes elencados, a tipificação evita a má
interpretação, ao mesmo tempo as fontes formais não se restringem ao Tratado de
Roma, remetendo também à Convenção sobre o Genocídio de 1948 e à Convenção de
Genebra de 1949. As emendas, por sua vez, deverão ser consistentes com a Carta
das Nações Unidas e com o papel do Conselho de Segurança. Os crimes constantes
do Tratado de Roma e sob jurisdição do Tribunal são tipificados no artigo nr. 5
e seguintes, a saber: (a) Crime de Genocídio; (b) Crimes contra a humanidade; (
c) Crimes de Guerra e (d) Crimes de Agressão.
O Crime de agressão é o único ainda não exaustiva e minuciosamente
definido no Tratado, pois o Tribunal exercerá sua jurisdição sobre este crime
somente após a concordância dos Estados-partes e inclusão da definição deste no
Estatuto.
As sentenças irão ser aplicadas nos Estados designados pelo TPI, de
uma lista pré-ordenada de Estados que aceitam expressamente os prisioneiros. Ao
mesmo tempo o TPI irá supervisionar a aplicação da pena e as condições da
detenção. O Estatuto aplica-se à indivíduos, diferindo-se da Corte
Internacional de Justiça, independentemente de sua posição oficial, ou seja
Chefe de Estado, de Governo ou membro de Parlamento ou outro cargo
representativo mediante eleição. Esta característica na submissão do processo e
na aplicação da pena diverge mormente dos ordenamentos nacionais o que causa
hodiernamente óbices em acolhimentos jurídicos, inclusive o brasileiro, para a
ratificação do documento, já que invoca o problema das imunidades como um todo.
Nesta característica, contempla-se também a proposta do TPI de ser uma
jurisdição complementar ao ordenamento soberano nacional.
IV – A inserção brasileira no
Tribunal Penal Internacional
O primeiro ponto a ser abordado quando da relação do Tribunal Penal
Internacional com o Estado-Nação é a adequação do Tratado Internacional às
disposições Constitucionais e infraconstitucionais, observando também as
implicações políticas que referem-se à soberania. É no contexto da adequação
que valhe-se o instituto do princípio da complementariedade, previsto no
parágrafo 10o.. do Preâmbulo e artigo 1o. do Estatuto de Roma. Como ensina a
hermenêutica que quanto maior a indefinição de uma norma, maior será o poder do
intérprete, os parágrafos 2o. e 3o. do artigo 17 do Estatuto provêm-no das
premissas que deverão ser juridicamente operacionalizadas no caso de lacuna
legis ou incapacidade do Tribunal. Em publicação recente em periódico com
íntima ligação com nosso corpo diplomático apregoava-se:
“ (…) conforme os termos da Comissão de Direito
Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), a razão de ser do
Tribunal é impedir que , por razões políticas, interesses econômicos
subjacentes ou problemas estruturais das jurisdições internas, os acusados de
tais crimes fiquem sem julgamento. Por outro lado, o princípio da
complementariedade também reflete o interesse da comunidade internacional em
ver fortalecida a adesão dos Estados aos ‘standards’ internacionais, assim como
o desenvolvimento de seus aparatos jurisdicionais internos, ou seja o
aprimoramento dos tribunais nacionais, provocando, para usar a expressão de
Celso Lafer, um ‘adensamento de juridicidade’, em relação aos crimes previstos
no Estatuto de Roma.”[17]
O Brasil tornou-se portanto signatário do Estatuto de Roma em 7 de
fevereiro de 2000. Fontes recentes (outubro de 2001) , referiram que o Brasil
ainda precisará de tempo para o processo de internalização do tratado ser
levado a cabo. Muito embora haja o projeto de emenda à Constituição, o
Presidente Cardoso renovou a proposta ao Senado para que este procedesse a
ratificação. O processo de ratificação requer a maioria simples de sucessivas
votações da Câmara dos Deputados e do Senado e a Emenda Constitucional
requer 3/5 da maioria em consecutivas
sessões da Câmara dos Deputados.
Previamente, a Câmara dos
Deputados, aprovou a emenda à Constituição, o que facilita o processo de
ratificação, que foi submetido inicialmente por um grupo conjunto
multipartidário de parlamentares no começo de 2000, na mesma época do
procedimento de assinatura. Previamente, um encontro interministerial ocorreu
em outubro de 1999 para analisar as possibilidades de incompatibilização entre
o Estatuto de Roma e a Carta Constitucional de 1988 que resultou na análise de
3 pontos cruciais: a questão das imunidades, a extradição de nacionais e a pena
de prisão perpétua. É importante referir que a aceitação da jurisdição da Corte
Inter-americana de Direitos Humanos, como instituto judiciário internacional
corrobora conjuntamente para um mais amplo convencimento político na inserção
do Brasil na prática jurídica internacional.
O problema da concorrência entre Tratados Internacionais e leis
internas de estatura infraconstitucional, pode ser resolvido, no âmbito do
direito das gentes, em princípio de duas maneiras. Numa, dando prevalência aos
Tratados sobre o direito interno infraconstitucional, garantindo ao compromisso
internacional plena vigência sem embargo de leis posteriores que o contradigam.
Noutra, tais problemas são resolvidos, garantindo-se aos Tratados apenas
tratamento paritário, tomando como paradigma leis nacionais e outros diplomas
de grau equivalente.[18]O
Brasil, segundo o Supremo Tribunal Federal, enquadra-se nesse segundo sistema
(monismo nacionalista). Há mais de vinte anos vigora na jurisprudência
brasileira o sistema paritário onde o Tratado, uma vez formalizado, passa a ter
força de lei ordinária (v. RTJ 83/809 e ss.), podendo, por isso, revogar as
disposições em contrário, ou ser revogado (rectius: perder a eficácia)
diante de lei posterior.[19]
O exercício do treaty-making power pelo Estado brasileiro – não
obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) – está sujeito à
necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional.
No mesmo sentido, foi constatado em levantamento efetuado pela professora
Cláudia Lima Marques da UFRGS que em 28 decisões do STF e STJ, duas foram a
favor de acordos feitos no âmbito do Mercosul em relação à normas internas. A
primazia da lei interna contra os
Tratados internacionais (não referimos aqui os já internalizados que seguirão à
regra que a lei posterior derroga ou modifica a posterior). Frente à esta
realidade e considerando a crescente inserção e participação brasileira na
comunidade internacional, os Ministros do Supremo referiram que haveria dois
meios de modificar a situação: (a ) modificar a CF/88 em relação à primazia do
direito interno, como o fizeram a Argentina em 1994 e o Paraguai em 1991 e em fase de estudo no Uruguai, ou; (b) no
caso do Mercosul: a criação de um Tribunal supranacional. O próprio Ministro
Celso Mello defende que o Brasil “tem de se adequar à esta nova realidade”.[20]
Considerando que o Tratado de Roma veda com veemência sua ratificação
com reservas, conclui-se que o legislador brasileiro insere-se na difícil
tarefa de internalização do Tratado, principalmente frente aos óbices
Constitucionais. Mas os obstáculos à aplicação das normas do Tratado em território
brasileiro não se restringem aos puramente políticos. Assim, quanto às
limitações puramente jurídicas, estas se referem aos artigos 77 ao 89 do
Estatuto e em relação aos quais a delegação brasileira chegou a entregar uma
declaração em Roma manifestando sua preocupação. Já em relação aos óbices
latu sensu, conforme o apontado pela Comissão das Relações Exteriores e da
Segurança Nacional da Câmara dos Deputados em documento oficial: (i) em nosso
país não existe uma consciência da necessidade, nem da eficiência de
instituições internacionais; (ii) o corporativismo da magistratura nacional e a
corrente encabeçada pela mídia, de lhe impor restrições e controles; ( iii) que
a igualdade de todos perante a lei seja assegurada , ou seja, que o TPI só
atuará em caso de omissão ou impossibilidade do exercício da jurisdição
nacional; (iv) a necessidade da reforma constitucional, considerando a
disparidade das normas; (v) os plenipotenciários que assinaram o Tratado não
dispõe de representatividade legislativa para elaborar normas para nacionais,
colocando-se o Parlamento em posição subalterna, no que atine à separação de
poderes.[21]
Já em relação aos óbices puramente jurídicos e relativos ao conflito
de normas, podemos referir que o art. 77 do Tratado de Roma, prevê a pena de
prisão perpétua quando justificada pela
“extrema gravidade do crime e as circunstâncias pessoais do condenado”.
Conflitua-se portanto com o art. 5o. , XLVII, -b, da Constituição Federal que
estabelece que não haverá penas de caráter perpétuo. Já o artigo 89 refere-se à
extradição, prescrevendo que o acusado deve ser entregue ao TPI sem exceção aos
nacionais; neste sentido nossa Carta Magna reza em seu art. 5o. LII que “nenhum
brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, , em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. É importante ter
presente o advertido por Cachapuz de Medeiros: “Os direitos e garantias
fundamentais estão entre as chamadas
Cláusulas Pétreas da Constituição, isto é, não poderá ser objeto de deliberação
qualquer proposta de emenda que tente aboli-los (art. 60, parágrafo 4o., IV)”.[22]
A questão da extradição é quase tautológica, pois foi definido por
Resek, e sendo de entendimento similar na integridade da doutrina: “Extradição
é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivíduo que em seu
território deva responder a processo penal ou cumprir pena”[23]Já
no Estatuto de Roma, no art. 102, há a diferenciação:
“Para os efeitos do presente Estatuto: a) por entrega se
entenderá a entrega de uma pessoa a um Estado ao Tribunal, de conformidade com
o disposto no presente Estatuto; b) por extradição se entenderá a entrega de
uma pessoa por um Estado a outro Estado, de conformidade com o disposto em um
Tratado ou Convenção ou no direito interno.”
Tanto nas negociações em Roma como em New York, prevaleceu a idéia de
que seria necessária uma definição de um
novo instituto jurídico.
V – Conclusão:
A necessidade de um Tribunal Penal Internacional, pode ser localizada
ainda no final da Primeira Guerra Mundial com o julgamento do Kaiser Wilhelm
II, por ofensa à moralidade à inviolabilidade dos Tratados. Da mesma forma, não
se quer desabonar, mas a partir do London Agreement e do Control
Council nr. 10,[24]
o julgamento dos nazistas em 1945 pelo Tribunal de Nuremberg, tardiamente
considerado de exceção bem como o julgamento dos japoneses pelo segundo
Tribunal Militar Internacional[25]
que mais uma vez reiterou a exaração de sentença em uma situação histórica onde
só os vencidos são julgados, não possuindo a mesma sorte os responsáveis pelo
lançamento das desproporcionais bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki.
O Brasil que inegavelmente vislumbra uma maior expressão de sua tímida
voz no cenário internacional[26],
para uma efetiva participação nas decisões internacionais precisa não somente
operacionalizar sua atuação externa mas também e no entender deste autor
priorizar os instrumentos internos para a eficiência no diálogo
além-fronteiras; assim além de uma política externa mais pragmática e eficiente
, a própria preparação de nossa estrutura administrativo-estatal deve se
aprimorar no sentido de uma maior atenção à realidade internacional. A questão
é mormente perceptível quando dados os
desafios elencados neste artigo, não só na especialização da apreciação dos
tratados, mas a sensibilização de toda a comunidade jurídica internacional.
A matéria do presente artigo, além de referir aos óbices jurídicos ou
políticos, visa apontar para o objetivo teleológico do sistema jurídico
internacional como um todo: a feitura da justiça. Os guilhões que prenderiam o
Brasil enquanto Estado soberano às intempéries normativas devem inexoravelmente
ceder lugar à esperança de um instituto
internacional que tutele os mais altos ideais humanos. Foi o que o
Subsecretário-Geral de Assuntos Políticos do Itamaraty, Embaixador Ivan
Cannabrava resumiu: “no entendimento do governo brasileiro, o texto aprovado
contém os elementos necessários ao estabelecimento de uma corte penal eficiente
, imparcial e independente”.[27]
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Notas:
[1] Os
textos em referência são: “Tribunal Penal Internacional: Universalização da
Cidadania” e “O que é o Tribunal Penal Internacional”; ambos
referidos na bibliografia. Ressalte-se aqui o esforço do Prof. Antônio Paulo
Cachapuz de Medeiros que na qualidade de Consultor jurídico do Ministério das
Relações Exteriores exerceu a chefia das Delegações Brasileiras às reuniões da
Comissão Preparatória do Tribunal Penal Internacional e gentilmente cedeu
textos para este trabalho.
[2]
Aprouve ao autor escolher entre outras denominações, ordenamento, que aqui não
diz respeito somente à uma hierarquização de leis – em uma acepção kelseniana
– mas todo o conjunto de institutos jurídicos que formam um sistema, embora
descentralizado, divergente do ordenamento interno de um Estado-Nação e dizendo
respeito à comunidade internacional latu sensu.
[3]
Resek, 1991, 18.
[4]
Seintenfus e Ventura, 1999, 113
[5]
Dervort,1998, 71.
[6]
Accioly e Nasciemnto e Silva, 1996, pg. 59.
[7]
Resek, 1991, pg. 05.
[8]
idem, pg. 271.
[9]
idem, pg. 273.
[10]
Os problemas mais polêmicos quanto ao acolhimento são os artigos 77 e 89 do
Estatuto que dizem respeito respectivamente à admissibilidade de pena de prisão
perpétua justificada pela “extrema gravidade do crime e das circunstâncias
pessoais do condenado” e, a entrega dos cidadãos nacionais se assim determinar
o Tribunal. Conflituam-se as referidas normas com os arts. 5, XLVII, b da
Constituição Federal de 1988 que “não haverá penas de caráter perpétuo”
e, com o mesmo artigo, LII no qual a Magna Carta prevê que “nenhum
brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou comprovado envolvimento em Tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. ( Câmara dos Deputados,
“Tribunal Penal Internacional”, 2000, pg. 29)
[11]
Em 12/12/1974 foi aprovado pela ONU a Resolução nr. 3.281 que adotou e
proclamou a carta de Direitos e deveres Econômicos dos Estados que se baseia em
15 princípios fundamentais, entre eles: reparação de injustiças existentes por
império da força que privem uma nação dos meios naturais necessários para seu
desenvolvimento normal e Cumprimento de boa-fé das obrigações internacionais. (
cf. João Bosco da Fonseca, 1995, pg. 112-113).
[12]
Dervort, 1998, pg. 439
[13]
Mattos, 1996, pg. 87.
[14] O
preâmbulo do Estatuto proclama a determinação dos Estados em criar um Tribunal Penal
Internacional, com caráter permanente e independente, complementar das
jurisdições penais nacionais, que exerça competência sobre indivíduos, no que
diz respeito aos crimes mais graves que afetam o conjunto da comunidade
internacional como genocídio, crimes de guerra, de agressão e contra a
humanidade. “Significa pois não apenas o estabelecimento de uma nova
instituição internacional dotada de competências específicas mas insere-se na
evolução do Direito Internacional como sistema de coexistência e cooperaçào
entre os Estados.” (Política Externa, 2000, pg. 3)
[15]
Seintenfus e Ventura, 1999, pg. 147 ss.
[16] O
papel protagônico e o caráter de dependência institucional do Conselho de
Segurança é evidente e carrega em seu bojo toda a crítica internacional de
congelamento de poder herdada do contexto da Guerra Fria. A sociedade
internacional, há muito avalia como prementes as reformas no sistema de
representação e votação do Conselho de Segurança. Para se ter uma idéia
mais clara, o CS pode requerer ao TPI a
não abertura dos procedimentos ou mesmo através do veto por um só dos membros
permanentes, incapacitá-lo para levar adiante o processo ou procedimentos.
Inegavelmente, em uma tolerante analogia, após quase 50 anos do término da II
Guerra a comunidade internacional avalia uma acentuação e instabilidade dos
problemas relativos à paz e segurança internacional que é o objetivo
prioritário do CS; de outro lado o poder de barganha promovido pelos 5 membros
permanentes estende-se à Corte Internacional de Justiça também, comprometendo
em muito a independência do Judiciário, da promoção da justiça.
[17]
Perrone-Moisés, 2000, pg. 4.
[18]
Resek, 1991, pg. 104.
[19]
Gomes, RT 710/26
[20]
http://groups.yahoo.com/group/mercosul/message/2752 e 2756
[21] “Tribunal
Penal Internacional: Universalização da Cidadania”, 2000, pg. 19ss
[22]
idem, pg. 29.
[23]
Resek,1991, pg. 2000
[24]
Instrumento de cúpula dos Aliados, promulgado em 20 de dezembro de 1045.
[25]
teve por base uma carta promulgada pelo general Douglas MacArthur, comandante
das Forças Aliadas, em 19 de janeiro de 1946, inspirada no “London Agreement”.
[26] “
A opção pela abertura internacional, ensaiada timidamente no governo Sarney,
tomou um certo impulso, embora errático, no governo Collor e, depois de
apresentar tendências ciclotímicas na administração Itamar Franco, veio a ser
efetivamente confirmada no governo Fernando Henrique Cardoso” (Almeida, 1998,
pg. 252).
[27]
“Tribunal Penal Internacional: Universalização da Cidadania”, 2000, pg. 29.
Informações Sobre o Autor
Felipe Kern Moreira
Advogado em Brasília/DF