A insolvência de pessoa singular: Estudos sobre a conduta do devedor como condição de exoneração do passivo restante

Resumo: O estudo apresentado tem como escopo evidenciar os pressupostos do direito de insolvência, notadamente no que concerne a concretização da insolvência de pessoa singular. E neste particular, analisa-se as condicionantes jurídicas da conduta do devedor capazes de conceder a exoneração de seus débitos [após um período predeterminado] quando venha a ter um comportamento baseado na boa fé,  honestidade,  transparência, entre outros valores que norteiam a estrutura ético jurídica da pessoa humana. Ainda, será levantado as questões atinentes a vida condigna do devedor, e de sua reabilitação económica – o princípio do fresh start de matiz norte-americana e cujo valor está consagrado no ordenamento jurídico  português, o qual aqui reportamos à analise.


Palavras-chave:  Insolvência de pessoa singular; exoneração do passivo restante; princípo do fresh start.


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Abstract: The present study has the objective to highlight the assumptions of the insolvency law especially with regard to implementation of the insolvency of natural person. And in particular, analyzes the legal constraints of the conduct of the debtor can grant relief from their debts [after a predetermined period] when will behave based on good faith, honesty, transparency and other values ​​that guide the ethical framework law of the human person. Still, will be raised issues on the good life of the debtor, and its economic rehabilitation – the principle of fresh start hue American and whose value is enshrined in the Portuguese legal system, which we report here the analysis.


Keywords: Insolvency of natural person; deliverance of the remaining debt; principle of the fresh start.


Sumário: 1. Introdução; 2. O princípio do “fresh start” consagrado no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas; 3. Pressupostos de admissibilidade ao instituto da exoneração do passivo restante; 3.1.A dimensão do fresh start na ótica dos tribunais sob o enfoque da tempestividade decorrente da apresentação à insolvência; 3.1.1.Critérios de aferição do benefício; 3.1.2. A questão do prejuízo aos credores por inobservância de prazo do pedido (art. 238.º, n.º 1, d); 3.1.2.1. A conduta do devedor como meio da concessão benefício; 4. Reflexos processuais advindos da admissibilidade do pedido; 4.1. O período de cessão; 4.2. A situação jurídica do devedor durante o período de cessão; 4.3.A situação jurídica dos credores; 5. A decisão final da exoneração e os seus efeitos ; 6. Abordagem sintética da revogação da exoneração; 7. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A atual legislação da insolvência possibilitou a reabilitação da pessoa singular. O ordenamento jurídico português com a inovação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, compôs a previsão legal da recuperação de pessoas singulares, e neste campo prevê o que se denomina exoneração do passivo restante, instituto jurídico que possibilita o “livramento” dos débitos[1] do devedor após a declaração de insolvência seguido do cumprimento de requisitos objetivos a ser cumpridos perante os credores durante um determinado período de tempo pré-fixado legalmente, o que denota sua real eficácia no que tange a proporcionar “uma segunda oportunidade” aos devedores de “recomeçar de novo” suas vidas.


Mostra-se, portanto, oportuno a análise do estudo presente, visto que seu reflexo nos tempos atuais de graves crises socioeconómicas é quase que uma constância nas vidas das pessoas endividadas. Ainda acresce, o facto de ser salutar estudar a compreensão deste instituto por se tratar de um tipo legal que irradia-se na atual ordem jurídica, económica e social.


Utilizou-se, na confecção desta investigação, os métodos interpretativos comparativo e dedutivo, aliando-se os conceitos por vezes de cariz Político, bem como concepções da realidade económica, e em última análise, a interpretação dos tribunais adequadas à inspiração do próprio instituto, isto é, ao princípio norteador da exoneração do passivo restante do devedor conciliado ao fresh start.


2.O Princípio do “Fresh Start” consagrado no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas


O Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – CIRE – que trata tanto de pessoas coletivas como de pessoas singulares, consagrou no artigo 235º a figura do princípio do fresh start, quando preceitua expressamente: “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo”.


Desse modo, pelo princípio do fresh start, figura típica do direito norte-americano, é concedido ao devedor a possibilidade de se libertar de parte de sua dívida, podendo com isso reabilitar-se economicamente. Assim, consoante a mensagem legal, é permitido ao devedor pessoa singular exonerar-se de alguma das suas dívidas[2], quando este ou qualquer pessoa legítima o requerer num processo de insolvência, ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Vê-se com isso, que o devedor não fica obrigado eternamente[3] a uma dívida, como acontecia antes da entrada em vigor do CIRE (Setembro de 2004) a situações que inseriam o devedor numa perene agressão do seu património, e que dificilmente proporcionava sua reabilitação económica.


O Estado, portanto, viu-se condicionado a intervir em favor do equilíbrio socioeconómico, de certa forma, protegendo a pacificação da família, pois introduz no ordenamento português a regulação do endividamento da pessoa singular, que na grande maioria das vezes é composto no seio familiar. Assim as normas da “exoneração do passivo restante” tem o fulcro na reabilitação, impulsionando como modo de redefinir a economia de maneira saudável e inteligente, sem esquecer, logicamente, sua tipologia pautada na concretização de um Estado Social de Direito, mesmo quando a legislação atual da insolvência tem forte tendência liberal.


3.Pressupostos de admissibilidade ao instituto da exoneração do passivo restante


Compreendendo-se a aplicação da exoneração do passivo restante como medida específica da insolvência das pessoas singulares, é válido recordar que pelo presente instituto estamos a falar de pessoas que são ou não titulares de empresas. Trata-se de um regime particular da insolvência que permite beneficiar os devedores pessoas singulares, pois um dos propósitos do enunciado n.º 45, do Decreto-Lei n.º 53/2004, foi o de dar a possibilidade aos devedores pessoas singulares de se libertarem das dívidas reclamadas no processo de insolvência. Aliou-se assim, a conjugação do princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição desse benefício às pessoas singulares. O princípio geral que contempla este benefício é o de poder ser concedida ao devedor a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.


Com efeito, alguns requisitos devem ser cumpridos por parte dos insolventes para que o benefício da exoneração do passivo restante seja concretizado. Um dos requisitos primordiais é de que o devedor seja submetido a um processo de insolvência, isso quer dizer que o devedor entrega todo o seu património nas mãos dos credores – diferentemente do plano de pagamentos[4]. Supõe-se, ainda, que o devedor permaneça por um período de cinco anos – denominado período de cessão – adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não tenham sido integralmente satisfeitos.


Como medida para afirmação da admissibilidade da exoneração do passivo restante, o tribunal tem como método de aplicação a apreciação da conduta[5] anterior e atual do devedor – são critérios absolutos para o (in)deferimento liminar da concessão do pedido. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar, justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica[6]. Este fresh start previsto apenas para as pessoas singulares dotadas de “boa fé” que se encontrem em situação de insolvência existe e tem tido sucesso em países como os Estados Unidos e a Alemanha, nos quais o legislador português terá ido buscar inspiração[7].


Uma vez consagrado o primeiro requisito casuístico (o processo de insolvência) e apurada a condição subjetiva do devedor, cuja essência se dá a priori pela conduta reta, transparente e honesta, o devedor depara-se com o formalismo exigido pela lei como instrumento de impulsão processual do instituto. Consiste este último requisito na apresentação do pedido à insolvência que pode ser por iniciativa do devedor ou de outrem (artigo 236º CIRE).


3.1. A dimensão do fresh start na ótica dos tribunais sob o enfoque da tempestividade decorrente da apresentação à insolvência


3.1.1.Critérios de aferição do benefício


De seguida, após a formulação do pedido, será apreciado pelo tribunal os critérios de aferição para a concessão ou não do mesmo. Nesse sentido, o CIRE enumera requisitos taxativos se não verificados configuram o indeferimento liminar do pedido (consoante o art. 238º). De entre os pressupostos neste previsto, iremos abordar mais concretamente a problemática jurisprudencial que se mostra hodiernamente atinada à questão do prejuízo aos credores decorrente da inobservância da apresentação do devedor à insolvência no prazo previsto na lei.


3.1.2. A questão do prejuízo aos credores por inobservância de prazo do pedido (art. 238.º, n.º 1, d)


Com relação a apresentação extemporânea do devedor após o prazo legal de seis meses, pergunta-se se será que basta apenas a intempestividade na apresentação à insolvência para ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração?


Sobre essa questão depara-se duas correntes jurisprudenciais divergentes. A primeira[8] corrente sustenta que a omissão do dever de apresentação tempestiva à insolvência torna claro o prejuízo aos credores pelo aumento dos seus créditos, em decorrência do vencimento dos juros e o subsequente aumento do passivo global do insolvente.


A segunda corrente defende que a caracterização do prejuízo prescrito na norma em causa consiste num prejuízo diferente do mero vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento que se opera na insolvência, mas trata-se, assim de um prejuízo de outra esfera, projetada na ordem jurídica do credor em consequência da inércia do devedor (esta consiste, v.g., no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que teria para se apresentar à insolvência). Portanto, entende esta jurisprudência, que o simples acumular de juros não caracteriza o conceito de “prejuízo” referido na alínea d) do nº1, do art. 238.º.


Corroborando com a segunda corrente, já entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que o prejuízo para os credores, a que alude a al. d), do n.º 1, do artigo 238.º, resultante da apresentação do devedor em juízo após terem passado mais de seis meses sobre o conhecimento da sua própria insolvência, não decorre automaticamente da passagem do tempo e vencimento de juros, tratando-se antes de um prejuízo concreto, a demonstrar a partir de factos já apurados no processo[9].


De outro lado, a corrente que defende o prejuízo dos credores em decorrência do lapso do tempo, considera que no incidente de exoneração do passivo restante, uma vez verificado que o devedor incumpriu o dever de apresentação à insolvência ou, não tendo tal dever, não se apresentou no prazo de seis meses previsto na al. d) do nº 1 do art. 238.º do CIRE, tem como lícito presumir judicialmente o prejuízo para os credores. Para tal justifica-se porque na grande maioria dos casos, uma vez verificada a situação da insolvência, quanto maior for o lapso de tempo decorrente da demora do devedor à apresentação, maior será o prejuízo dos credores, dando origem ao atraso na cobrança, provocada pelo seu aumento, decorrente do acumular de juros, do passivo, seja em dissonância pela mais que provável diminuição do património do devedor. Com efeito, este argumento está enfraquecido, e acertadamente, pois tal alegação se distancia do sentido da norma institucionalizada, o que de facto é corrigido por interpretação do Supremo Tribunal de Justiça.


Assim, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem vindo recentemente a julgar com o fundamento de que não basta o decurso do prazo legal para incorrer no indeferimento do pedido, mas que será necessário que tal atraso não advenha prejuízo para os credores. Em contrapartida, afirma que o não respeito pelo prazo de seis meses não causa prejuízo aos credores, porque o único facto que se pode invocar como constituição de prejuízo, consiste no atraso [da apresentação à insolvência] relativo ao vencido juros sobre as quantias em dívida e assim, o avolumar desta, não se pode considerar prejuízo, uma vez que os juros constituíam apenas uma forma de o credor ser ressarcido[10].


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Ademais, o pretorium supremo seguiu ríspido entendimento no sentido de invocar o regime da falência anterior ao atual regime da insolvência para demonstrar que o prejuízo com relação aos juros, perante a nova legislação, não tem cabimento de ser alegado, visto que no presente diploma a contagem de juros se demonstra muito mais favorável aos credores. Neste particular, argumenta que o espaço de tempo não incorre prejuízo aos credores, uma vez que no CIRE está presente a consagração da contagem dos juros desde o início do processo de insolvência, e pelo qual não se cessa após a decretação da mesma, na fase de liquidação; ao revés, a norma antecedente – Código dos Processos Especiais de Insolvência (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004) – previa a cessação da contagem dos juros após a decretação da falência/insolvência. Portanto, alegar prejuízo com fulcro tão-só na intempestividade da apresentação à insolvência, denota-se argumento fracassado.


Acresce ainda, e neste campo entendemos estar configurado a maior esfera de irradiação da norma que consagrou o instituto da exoneração do passivo restante do devedor, é visualizar que o STJ caminha na senda de perceber o justo sentido deste instituto. Pois como foi exposto retro, é o princípio do fresh start que alicerça as bases de ser concedido o benefício da exoneração dos débitos “impagáveis” pelo devedor, dando a este a oportunidade de recomeçar sua vida do zero, e por conseguinte, manter a paz familiar, a proteção do agregado, a dignidade da pessoa humana e a unidade da família.


Sem embargo, é nítido notar que tal concepção reestruturadora do “seio familiar”, adotada em outros países de forte movimento liberal (como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Inglaterra), tem sua matriz influenciada em concepções políticas da social-democracia (cuja origem teve ponto de partida no movimento do Welfare State iniciado na década de 1930), pelo qual o fim precípuo é sacar determinados exageros duma aplicação liberal (onde há livre concorrência) e passar a adotar uma posição centrada na igualdade de oportunidades[11]. Centra-se neste ponto a génese da interpretação do STJ, dar a oportunidade de a família ter a possibilidade de ser menos desigual num plano económico, e passar a ter a oportunidade concreta de possuir uma vida condigna. Desse modo,  a possibilidade de um recomeço digno, baseia-se antes na demonstração do devedor de possuir todos os requisitos exigidos pela lei, e cujo cerne ontológico pauta-se na conduta honesta, de boa-fé, cristalina e lícita.


Isto posto, é de fácil percepção entender dita institucionalização, quando o STJ refere-se numa abordagem a contrario sensu para a concessão do benefício da exoneração, que «Os requisitos impostos destinam-se a decidir liminarmente sobre se o devedor não merece aquela segunda oportunidade, praticando actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé». Vê-se que o critério definidor do benefício, não é o prazo, nem tão pouco o formalismo exacerbado, mas sobretudo, é a consagração do fresh start, tendo por decorrência, o fundamento no comportamento do devedor. Ora, não se pode perder de vista que são estes princípios os quais sustentam o benefício da exoneração das dívidas do devedor. E porque de um benefício se trata, “é necessário que o devedor, preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e atual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta”[12].


3.1.2.1. A conduta do devedor como meio da concessão benefício


Temos, portanto, como pressuposto base para a concessão do “livramento” das dívidas restantes que não foram satisfeitas no processo de insolvência, o critério baseado na conduta do devedor. Neste ponto, sobre o devedor honesto, por exemplo, irradia-se a interpretação do benefício da exoneração do passivo restante. Portanto, se pensarmos assim, o critério que configura o prejuízo para os credores também se pautaria no mesmo critério que define o benefício da exoneração, ou seja, o perfil do devedor que se adequa a uma conduta honesta, reta, circunscrita à boa fé, logo, se este agir nestes pressupostos não há que se alegar prejuízo, mas ao contrário, através de uma conduta dissipatória, por exemplo, é evidente que o prejuízo se torna palpável. Neste plano, é o que a jurisprudência tem demonstrado no sentido de equacionar os pontos que geram prejuízo, não ficando tão-somente com os critérios temporais, como entendeu o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a dizer que “o prejuízo para os credores de que trata o art. 238.º, n.º 1, al. d) do CIRE é o que resulta do capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada e/ou que resulta de dissipação de património pelo devedor nesse mesmo período, reduzindo a garantia patrimonial de todos os credores, ou a garantia patrimonial de alguns credores que não está autorizado a preterir nessa dissipação”[13].


Nota-se, assim, que a conduta do devedor é analisada tanto em conformidade com ações positivas (boa fé, transparência, honestidade, etc.), como com relação às condutas negativas (dissipação do património), e, é desse modo que vai ser entendido a qualificação da concessão do benefício, consoante a própria conduta delineada pelo devedor.


Além disso, seguimos a opinião de que o melhor entendimento vai no sentido de considerar que é crucial compreender que a exoneração do passivo restante não tem como escopo principal a satisfação dos credores da insolvência, tal como o previsto no artigo 1.º do CIRE, embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, na medida em que são impostos apertados limites para a sua admissão[14]. Logo é de se entender que o princípio da par conditio creditorum não é o escopo primário, no sentido de buscar primeiro a solvência do passivo do devedor, mas, sobretudo, está a ser considerado o princípio consagrado no fresh start pelo que o devedor terá a oportunidade de recomeçar sua vida económica. Insta observar que não estamos tratando de uma “tutela do incumprimento” das obrigações, posto que para ser (in)deferido o pedido de exoneração do passivo restante do devedor tem que haver como pressuposto um estereótipo do “bom pai de família” consagrado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, como medida de se dar ênfase particular à conduta do devedor, devendo ser apurados se este se pautou pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica, daí que só se justifica o indeferimento liminar caso se conclua pela negativa.


4.Reflexos processuais advindos da admissibilidade do pedido


4.1.O período de cessão


Se o pedido de exoneração for admitido, surge o primeiro incidente de exoneração, nomeadamente, o designado despacho inicial que «se destina a aferir da existência das condições mínimas[15] para aceitar o requerimento contendo o pedido de exoneração, sem a existência dessas condições há indeferimento liminar do pedido de exoneração[16][17]», mas, se pelo contrário estiverem preenchidas e não tiver sido aprovado e homologado um plano de insolvência[18], então o juiz profere o despacho inicial.


O despacho inicial[19] é proferido pelo juiz na assembleia de apreciação do relatório ou nos dez dias subsequentes à sua realização, cujo conteúdo visa determinar «que o devedor fica obrigado à cessão do seu rendimento disponível ao fiduciário durante, o período de cessão, ou seja, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo[20]». Segundo Luís Martins[21] apesar de o despacho inicial não representar qualquer decisão relativamente à concessão da exoneração do passivo restante[22], é na passagem à fase processual da cessão, que se encontra prevista na tramitação deste incidente, em concreto no artigo 239º do CIRE, que fixa as condições que o insolvente deve observar, bem como os rendimentos excluídos da cessão e necessários para uma vida condigna do devedor e do seu agregado familiar. Estabelece no fundo, um ónus a cargo do devedor, onde «se diz que, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, tem de observar uma série de imposições previstas na lei e se o fizer, no final dos cinco anos, o juiz emite despacho de exoneração, se não o fizer, continuará vinculado nos termos gerais[23]».


Neste despacho determina-se que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha auferir considera-se cedido ao fiduciário supra nomeado, que distribui os rendimentos do devedor nos termos do artigo 241.º n.º 1, ressalvando-se do rendimento a ceder, o valor que o juiz venha a entender como sendo justificado para uma vida condigna. A cessão do rendimento disponível, segundo  Menezes Leitão[24] «abrange todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, não se estando, portanto, apenas perante rendimentos em sentido técnico, sendo antes abrangidos quaisquer acréscimos patrimoniais».


4.2.Situação jurídica do devedor durante o período de cessão


Durante o período de cessão do rendimento disponível o devedor é sujeito a determinadas obrigações, entre elas, a de “não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título e informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado[25]”. Entende Luís Martins[26] que tais rendimentos e patrimónios abrangem todo o tipo de situação que represente um acréscimo patrimonial cuja ocultação tanto pode ser desencadeada por ação ou por omissão[27]. Por outro lado, a obrigação mais importante reconduz-se a uma “obrigação de aquisição de rendimentos através do exercício de uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo ou a procura ativa dessa profissão[28]”. Justifica-se esta obrigação pelo facto, de a exoneração ter como pressuposto a vontade manifesta do devedor de agir de boa fé, nesse sentido, pretende-se que durante os cincos anos seguintes, aufira ou procure auferir rendimentos para pagar aos seus credores dentro dos limites e circunstâncias estabelecidas por lei.


Uma vez gerados os rendimentos, a parte dos mesmos que seja objeto de cessão, deve ser imediatamente entregue pelo devedor ao fiduciário[29], estando impedido de fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência, a não ser através do fiduciário[30].


4.3.A situação jurídica dos credores


Conforme se salientou, o fiduciário tem o dever de ir distribuindo aos credores da insolvência o remanescente dos rendimentos do devedor que vai recebendo[31]. De acordo com Menezes Leitão[32] esta é a única forma pela qual os credores da insolvência podem obter a satisfação dos seus créditos, uma vez que a lei proíbe qualquer execução sobre os bens do devedor enquanto durar a cessão; considerando ainda nula a concessão de vantagens especiais a qualquer credor da insolvência, quer pelo devedor, quer por terceiro[33]. Tal facto justifica-se, segundo Luís Martins[34], com base no respeito pelo princípio da igualdade e proporcionalidade entre os credores e na própria finalidade do processo de insolvência enquanto execução universal, que se visa concretizar no pagamento a um maior número possível de credores. Assim sendo, na ausência de factos que determinem a aplicação de regras especiais, os credores estão em pé de igualdade perante o devedor[35]; logo a concessão de vantagens a um credor da insolvência, quer pelo próprio devedor, como terceiro, é nula.


5.A decisão final da exoneração e os seus efeitos


No caso de não ter havido lugar a cessação antecipada[36], compete ao juiz decidir, no prazo de dez dias após o termo do período da cessão do rendimento disponível se a exoneração do passivo restante é ou não concedida, após a audição do devedor, do fiduciário e dos credores da insolvência (art. 244 n.º 1). Daí se deduz que no fim do período da cessão, é chegada a altura do juiz decidir sobre a concessão ou não da exoneração. Se o juiz decidir no sentido da exoneração, então profere o «chamado “despacho de exoneração”, dando origem à extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida[37]».


Assim sendo, segundo Luís Martins[38] no final do período de exoneração, extinguem-se os créditos sobre a insolvência e os que não tenham sido reclamados e verificados no processo[39] (art. 245.º n.º 1), pois os credores que não reclamaram os seus créditos no processo de insolvência, não só ficaram impossibilitados de intentar as execuções sobre o património do devedor no decurso do período da cessão, como vêm o seu crédito a ser extinto por força da concessão da exoneração, dando a possibilidade ao devedor de retomar em pleno a sua atividade económica, libertando-se do passivo remanescente. Na mesma linha de orientação segue Menezes Leitão[40] salientando que com esta extinção dos créditos sobre a insolvência permite-se ao devedor começar de novo (fresh start), recuperando assim a sua situação de insolvência.


Todavia, há porém alguns créditos que não são abrangidos pela exoneração do passivo restante, pelo que se mantêm após a mesma ser concedida desde logo.


 Segundo Catarina Serra[41] estão implicitamente excluídos os “créditos sobre a massa insolvente” (artigo 245º n.º 1 a silentio), salientando que existe uma manifesta disparidade no tratamento dos credores da insolvência em comparação aos credores da massa insolvente, porque aqueles já só recebem durante o período de cessão o remanescente do pagamento a estes. Seguidamente, são excluídos de forma expressa, (art. 245 nº2), os “créditos por alimentos”, quanto a estes, a sua «exclusão entende-se pois comportam princípios de invocação do respeito pela dignidade humana[42]». Também se alcança o motivo de afastar da exoneração final os “créditos devidos por indemnizações provenientes de indemnizações devidas por factos ilícitos praticados dolosamente e que sejam reclamados no processo nessa qualidade”. Salienta a insigne Catarina Serra,  no que respeita a estes créditos, «o raciocínio do legislador não é evidente[43]».


Quanto aos demais créditos excluídos (multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e créditos tributários), anota a autora Catarina Serra[44] que a «exclusão que causa maior estranheza é a dos créditos fiscais. Justifica-se tal facto, de forma aparente, na medida que o legislador terá efectuado uma ponderação de interesses e confronto, considerando nessa análise que o interesse (patrimonial) de que é titular o ente público merece ser equiparado a um interesse público e por isso, prevalece sobre o interesse do insolvente em retomar a sua vida livre de anteriores vínculos». Por tudo isto, entende-se que os «créditos que tem origem legal são excluídos da exoneração porque os credores não tiveram oportunidade de “avaliar” o devedor são credores involuntários e não devem ficar sujeitos aos efeitos da exoneração, pelo contrários, os créditos de origem contratual, ficam sujeitos a ela, porque mediante a convicção de realizar um negócio jurídico, os credores assumem uma parte do risco da insolvência do devedor e, quando este risco se concretiza devem participar nos sacrifícios que a situação impõe[45]»


Se o juiz decidir no sentido da recusa da exoneração após o período da cessão, profere o despacho de recusa -, que tem por base os mesmos fundamentos e com a subordinação aos mesmos requisitos da recusa antecipada (artigo 244º nº2). A não concessão da exoneração do passivo restante pode resultar não só do indeferimento liminar (artigo 238º), e da recusa da exoneração (artigo 244º nº2), como também da cessação antecipada da exoneração (artigo 243º) e da revogação da exoneração (artigo 246º).


6.A revogação da exoneração


A exoneração dos créditos não é, no entanto, irrevogável. Refere Assunção Cristas[46], que mediante alguma cautela em relação à actuação do devedor a lei prevê a possibilidade de revogação da exoneração, designadamente a pedido de qualquer credor, até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração (artigo 246 nº2), tal facto, importa por isso, a reconstituição de todos os créditos extintos (artigo246 nº4). Sendo assim, uma vez concedida a exoneração (com o despacho inicial e uma vez encerrado o processo), esta poderá ser revogada verificando-se alguma das situações de indeferimento liminar previstas na alínea b) e seguintes do artigo 238º e desde que o devedor viole durante o período de cessão de forma dolosa[47] as suas obrigações, prejudicando de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência (artigo 246º nº1). O despacho de revogação exoneração deve ser objeto de publicação e registo, nos termos previstos para a decisão do encerramento do processo (artigo 247º)[48].


7. Conclusão


Ante o exposto, chegamos à conclusão de que o instituto da exoneração do passivo restante demonstra-se muito mais evoluído, em termos de interpretação jurisprudencial, do que fora anteriormente interpretado pelos tribunais. Neste sentido, vimos que a simples subsunção da lei aos factos fenomenológicos, hodiernamente, não é considerada maioritariamente pela jurisprudência como de adequada aplicação à concretização do instituto da exoneração do passivo restante do devedor. Leva-se em consideração, portanto, a aferição dos critérios da conduta do devedor baseada na lisura de comportamentos, na honestidade, na boa fé, bem como os elementos subjetivos atinados a não depravação do seu património em detrimento de um prejuízo aos credores.


Além disso, suscitamos o entendimento jurisprudencial que consagra o princípio do fresh start como sendo aquele que, com base na conduta do devedor, confere o “direito” ou não do devedor de ser alcançado pelo benefício da exoneração das dívidas não pagas dentro ou fora do processo de insolvência, e neste peculiar, compreende a Suprema Corte, como sendo o princípio fulcral para o deferimento e consequente concessão do benefíco, deixando em segundo plano as questões relativas à intempestividade da apresentação à insolvência, pois é justo sobre o comportamento do devedor que irá ser julgado a concessão do benefício.


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Finalmente e em ultima ratio, perfilhamos o mesmo entendimento que consagra a proteção do seio familiar relacionado a uma vida condigna, de ser a interpretação fiel a proporcionar o equilíbrio entre as partes do processo de insolvência numa fase em que o devedor já se insere em situação de ruína. Pois é o estabelecimento da concessão de uma oportunidade de reabilitação económica que colocará as pessoas num melhor grau de sustentabilidade económica, e que, por conseguinte, proporcionará uma efetiva concretização dos íntimos direitos da dignidade da pessoa humana.


 


Referências bibliográficas:


Cristas, Maria de Assunção Oliveira. “A exoneração do devedor pelo passivo restante”, in Thémis, Revista de Direito, Novo Direito da Insolvência, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2005, p. 165 a 180. Depósito Legal 149844/00

Epifânio, Maria do Rosário. Manual de Direito da Insolvência, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 274 a 282. ISBN: 978-972-40-4351-7

Fernandes, Luís A. Carvalho & Labarela, João. Colectânea de Estudos sobre a Insolvência. Reimpressão, Editora Quid Iuris. P. 275-309 ISBN: 978-972-724-447-8

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Martins, Luís Manuel Processo de Insolvência, anotado e comentado. Almedina. Coimbra, 2010, p. 422-441. ISBN:

Serra, Catarina. O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, 4ª Edição, Almedina, Coimbra 2010 p. 132 a 147. ISBN: 978-972-40-4332-6

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nº 3721/10.0 TBMAI-G.P1 de 07.04.2011 (Relator: Filipe Caroço).

Acórdão da Relação de Coimbra nº 1793/09.5 TBFIG-E de 22. 10. 2010.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3850/09.9 TBVLG-DP1.S1, de 21.10.2010 (Relator: Oliveira Vasconcelos)

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 72/10.0 TBSEI-D.C1, de 07.09.2010 (Relator: Gouveia Barros)

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, n.º 4501/08 TBORD-GP1, de 25.03.2010

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n..º 135/09.4 TBSJM.PA, de 14.01.2010 (Relator: Pedro Lima Costa)

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.11.2009, P. 591/09.0TBVCD-A.P1 (Relatora Amélia Ameixoeira)

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.07.2009 (Relator: Sousa Lameira).

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.10.2006 (Relator: Vaz Gomes).

 

Notas:

[1]  Diante das constantes mutações sociais no que condiz respeito à economia global, acentuada sobretudo pela lógica do mercado consumista, as pessoas são incentivadas constantemente por meios publicitários que pregam a incessante “necessidade” de compra e consumo, aliado à facilidade de crédito cedido pelas grandes corporações de créditos – bancos e financeiras -, o caso é que as pessoas em Portugal, juridicamente denominadas pessoas singulares, estão a gastar mais do que recebem. Neste binómio consumista compra-crédito estão a pôr em risco a própria segurança do mercado económico, posto que se está a comprometer a garantia de retorno do crédito cedido, devido evidentemente a estes entes jurídicos – pessoas singulares – não possuírem, por razões retrocitadas, possibilidade concreta de solver o débito contratado. Contudo, há de se ressaltar que de um lado põe-se a obrigatoriedade ética e jurídica do cumprimento das obrigações contraídas, mas também é evidente observar que quando da contratação do crédito coloca-se uma margem de “responsabilidade” pelo risco da atividade económica assumida pelas instituições financeiras – credoras – e ao qual estas também devem pautar sua atividade não somente pela lógica contratual, mas sobretudo, pela sensatez da capacidade económica do contraente, sendo, por isso, também co-partícipes da realidade do insolvente logo que facilitaram o crédito sem estabelecer garantias que suprissem uma eventual quebra na vida financeira do devedor. Em última análise, realizar meios que supram a lacuna económica deixada pelos exageros do crédito cedido, é coerentemente o mínimo que o sistema de crédito deve suportar aos devedores para o equilíbrio das partes.

[2] A exoneração não abrange, porém: a) os créditos por alimentos; b) as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade; c) os créditos por multas coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações; d) os créditos tributários. Conforme artigo 245º nº1 CIRE

[3]  Os devedores, geralmente, ficavam “presos” aos prazos prescricionais do Código Civil, que podem atingir até vinte anos.

[4]  O plano de pagamentos pode apresentar-se como alternativa à contestação do pedido de declaração de insolvência, sendo que neste caso o plano abre possibilidade para que as pessoas possam dele se beneficiar sendo poupadas de toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc.) e evitem, assim, quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se livrem das consequências associadas à qualificação da insolvência culposa.

[5]  O critério do anterior bom comportamento do devedor é decisivo para o deferimento do pedido. Pautando-se pela licitude, honestidade, transparência, boa-fé no que respeita a sua situação económica. Vide Ac. TRP de 12.11.2009, P. 591/09.0TBVCD-A.P1, Relatora Amélia Ameixoeira. No campo da conduta do devedor, os requisitos específicos para apurar tais comportamentos se encontram no art. 238º do CIRE – análise do Indeferimento liminar. Dentre estes está o dever de apresentação à insolvência no prazo máximo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência. Não observados tais subsunções absolutas, indefere-se a concessão do benefício.

[6]  Vide Ac. 1793/09.5TBFIG-E.C1 de 22.02.2010, do Tribunal da Relação de Coimbra.

[7]  Cfr. Ac. STJ nº  3850/09.9TBVLG-DP1.S1, de 21.10.2010, relator Oliveira Vasconcelos.

[8]  Vide Ac. Do TRL de 26.10.2006, relator Vaz Gomes. Vide Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 15.07.2009, relator Sousa Lameira. Vide Processo nº 72/10.0TBSEI-D.C1, de 07/09/2010 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (relator: Dr. Gouveia Barros), disponível em www.dgsi.pt. Considera que o decurso do tempo operacionaliza um prejuízo aos credores, constatando com isso uma presunção de prejuízo, portanto, digna de outorgar o indeferimento liminar da exoneração, pois compreende que a escassez de bens permite antever a iminente dissipação do património e o subsequente desrespeito pela regra da igualdade entre os credores, posto que se torna presumível que o devedor não possui bens suficientes para a satisfação dos créditos. Vide SERRA, Catarina. Ob. Cit., p. 138.

[9]    Vide  Ac. 1793/09.5TBFIG-E.C1 de 22.02.2010 do Tribunal da Relação de Coimbra. Vide também Ac. Da Relação do Porto, n.º 4501/08.4TBORD-GP1 de 25.03.2010.

[10]  Cfr. Ac. STJ nº  3850/09.9TBVLG-DP1.S1, de 21.10.2010, relator Oliveira Vasconcelos..

[11] Contudo, não devemos ignorar que o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) tem uma ideologia completamente voltada para os interesses dos credores, em última instância (v.g. são os credores que aprovam ou não um plano de insolvência; o magistrado conduz). Mostra-se, com isso , ter forte influência das concepções liberais, onde o interesse dos grandes credores são levados como preponderantes. Porém, a consagração da exoneração do passivo restante concedido às pessoas singulares, tem demonstrado uma leve inclinação aos aspectos atinados à valorização dos indivíduos enquanto seres sociais, legítimos possuidores de buscar melhorar suas condições económicas, e portanto, proteger sua dignidade.

[12]  Neste sentido, Ac. Tribunal da Relação do Porto, sob o n.º 3271/10.0TBMAI-G.P1, Relator Filipe Caroço, 07.04.2011.

[13]  Vide Ac.  135/09.4TBSJM.P1 do TRP de 14.01.2010, relator Pedro Lima Costas.

[14]  Cfr. Ac. STJ nº  3850/09.9TBVLG-DP1.S1, de 21.10.2010, relator OLIVEIRA VASCONCELOS.

[15]  As previstas no artigo 238º do CIRE à contrário

[16]  Cristas, Maria de Assunção Oliveira. “A exoneração do devedor pelo passivo restante”, in Thémis, Revista de Direito, Novo Direito da Insolvência, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2005, p. 168

[17] Este despacho inicial apenas pode ser desfavorável se houver motivo para o indeferimento liminar do pedido por uma das razões constantes do artigo 238º assumindo estas; natureza taxativa. Pois, nesta fase processual, o juiz somente verifica se estão ou não reunidos os pressupostos legais que permitem iniciar a possibilidade futura de concessão do benefício. Se entender que estão profere desacho liminar de deferimento desse pedido (despacho inicial), Se entender que não, indefere liminarmente o referido pedido ou convida a aperfeiçoar.

[18]  Artigo 237 c) do CIRE

[19]  Artigo 239 nº1 e nº2 do CIRE

[20]  Serra, Catarina. O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, 4ª Edição, Almedina, Coimbra 2010 p. 140

[21]  Martins, Luís Manuel. Recuperação de Pessoas Singulares. Almedina, Coimbra, 2011, p. 54

[22] No mesmo sentido, entende Menezes Leitão “Manual da Insolvência”, Almedina, Coimbra, 2011, p. 126 «…despacho inicial não representa qualquer decisão relativamente à concessão do passivo restante, representando apenas a passagem a uma nova fase processual denominada período de cessão…»

[23]  Cristas, Maria de Assunção Oliveira, Ob. Cit. p. 169

[24]  Leitão. Luís Manuel Teles de Menezes. Direito da Insolvência. Almedina, Coimbra, 3ª Edição, 2011, p. 327

[25]  Artigo 239º nº4 a) CIRE

[26]  Idem, Ibidem, Luís Martins. p. 67

[27] Como sejam heranças, doações, entre outras, cuja ocultação poderá surgir por ação (por exemplo, não declarar determinados rendimentos obtidos por força do trabalho, quer sejam declarados para efeitos fiscais ou não, ou repudiar uma herança), ou por omissão (abster-se de praticar um ato que de alguma forma conduza a um acréscimo de rendimentos ou património).

[28] Artigo 239 nº4 b) CIRE salienta Luís Martins. Ob.Cit. p. 67-68: «…por diligências realizadas para obtenção de emprego, entendem-se as diligências específicas no intuito de encontrar um trabalho por conta de outrem, ou por contra própria, sendo de considerar diligências elegíveis: o contato com centros públicos de emprego…».

[29] Artigo 239º nº4 c) CIRE. O fiduciário é desta forma, definido por Luís Martins (Idem, Ibidem, Ob. Cit. p. 71) como a pessoa que terá como função notificar a cessão dos rendimentos do devedor às pessoas ou entidades que tenham direito de os receber, afetando os rendimentos recebidos de acordo com a ordem que lhe caiba (administrará os valores a si entregues e distribuirá os rendimentos cedidos). Assim sendo, atenta as afectações previstas no artigo 241º nº1 a) a d), segundo as lições de Catarina Serra Ob. Cit. p. 141 -142  «durante o período de cessão o fiduciário afecta os montantes recebidos no final de cada ano ao pagamento das custas do processo insolvência em dívida, ao reembolso do Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e das do próprio fiduciárioque tenham sido suportadas pelo administrador, ao pagamento da remuneração já vencida do próprio fiduciário e das despesas que ele tenha efectuado e à distribuição do remanescente pelos credores da insolvência», podendo ainda, e se a assembleia de credores lhe conferir essa obrigação, fiscalizar e zelar pelo cumprimento, por parte do devedor, das obrigações que sobre ele impendem decorrentes dessa cessão de rendimentos (art. 243 nº3 CIRE)

[30] Artigo 239º nº4 e) CIRE remete art. 36º c) CIRE – Durante o período de cessão, entre outras obrigações, o devedor tem de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, sendo este designado pelo tribunal (de entre as pessoas inscritas na lista oficial de administradores das insolvência). O fiduciário é uma figura importante na recuperação de devedor, «ele será o elo de ligação entre o devedor e os credores, e «baluarte de cumprimento das obrigações do candidato a exonerado», cfr. Luís Martins. Ob. Cit. p. 71,

[31]  Artigo 241 nº1 d) CIRE

[32]  Leitão. Luís Manuel Teles de Menezes. Ob. Cit. p. 332

[33]  Artigo 242 nº1e nº2 CIRE

[34]  Martins, Luís Manuel. Ob. Cit. p. 83

[35]  Artigo 604º nº1 CCiv- princípio par conditio creditorum

[36] Tomando as lições de Catarina Serra (ob. Cit., p. 142-43), a cessação antecipada do procedimento é aquela que pode ter lugar a qualquer momento durante os cinco anos que correspondem ao período de exoneração, nomeadamente, é declarada pelo juiz mediante requerimento fundamentado de algum credor, do administrador da insolvência, se estiver em funções, e do fiduciário que fiscalize o cumprimento das obrigações do devedor, sempre que se verifique a existência de alguma circunstância que torne o credor indigno da tutela que a exoneração representa.

[37]  Serra. Catarina. Ob. Cit. p. 142

[38]  Martins, Luís Manuel. Ob. Cit. p. 91

[39]  Serra, Catarina, Ob. Cit. p. 142 salienta que: «…tal facto incute a ideia de que o processo é um processo com eficácia externa ou erga omnes». Sendo que «esta eficácia fica, contudo, limitada aos aspectos negativos: o credor necessita em regra de reclamar, o seu crédito para obter pagamento, mas perde-o por via da exoneração mesmo quando não o reclamou»

[40]  Leitão. Luís Manuel Teles de Menezes. Ob.Cit. p. 335

[41]  Serra, Catarina. Ob. Cit. p. 145

[42]  Martins, Luís Manuel. Ob. Cit. p. 91

[43]  Serra, Catarina. Ob. Cit. p. 146 completa que: « …o legislador fundou exclusivamente a disparidade de tratamento na modalidade da culpa do lesante: uma conduta dolosa é, em princípio, mais censurável do que uma conduta meramente negligente, por isso, em caso de dolo o agente é “castigado” com a subsistência da obrigação e em caso de culpa grave “agraciado” com a possibilidade de recurso à exoneração. A medida terá um claro efeito punitivo, o que não é de estranhar dada a estreita ligação entre a exoneração e a conduta (a censurabilidade da conduta) do devedor. O regime parece ter-se concentrado nesta distinção (acto doloso/não doloso) e ter sido completamente indiferente às modalidades de responsabilidade civil. Efectivamente, a formulação ampla da lei permite considerar abrangidos pela norma os ilícitos contratuais e extracontratuais (…) tem sido defendido que a norma seja interpretada restritivamente de forma a aplicar-se apenas aos ilícitos extracontratuais, pois a responsabilidade extracontratual pressupõe, além do mais, uma lesão mais grave, respeitando, a maioria das vezes, a bens jurídicos como a pessoa ou o património e isso justifica seguramente uma tutela diferenciada …»

[44]  Idem, Ibidem. p. 147

[45]  Idem, Ibidem. p. 147

[46]  Cristas, Maria de Assunção Oliveira, Ob. Cit. p. 17

[47]  Salienta Luís Martins, Ob. Cit. p. 92 que: « …o facto doloso, só por si, não é suficiente para fazer operar a revogação, terá de existir um nexo de causalidade entre conduta dolosa superveniente e o prejuízo relevante para a satisfação dos credores da insolvência».

[48]  O mesmo se aplica aos despachos iniciais, de exoneração, de cessação antecipada.


Informações Sobre os Autores

Fábio da Silva Veiga

Mestrando em Direito dos Contratos e da Empresa, pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Pós-graduado em Iniciação para a Formação à Docência Universitária, pela Universidade de Vigo (Espanha); Bacharel em Direito e Professor de Direito Empresarial, em iniciação, pelas Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ.

Amanda Lúcia Araújo Laranjeira

Mestranda em Direito dos Contratos e das Empresas pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Advogada-Estagiária; Licenciada em Direito pela Universidade do Minho (Braga, Portugal).


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