Quando estive em Cuba proferindo palestra no V Congresso Internacional de Direito e Informática um de meus pares o Professor Catedrático em Direito Civil da Universidade Espanhola Illes Balears Dr. José Angel Torres Lana comentou, com base em algumas decisões das cortes de seu país, que “a Lei é o que os juízes decidem”. Realmente, se formos observar este comentário veremos que, em alguns casos aqui no Brasil, esta observação se aplica ipse literis.
Digo isso pela vivência que tenho experimento na defesa de entes públicos que, quando chamados em reclamações trabalhistas propostas por funcionários de empresas terceirizadas, são condenados de forma subsidiária no que concerne as obrigações trabalhistas não pagas pela contratada e apuradas em sentença judicial.
Apesar da jurisprudência ser pacífica sobre o assunto escrevemos este curto ensaio para suscitar discussões acerca dos limites do poder de julgar pois, no caso em questão, vemos nítida interpretação jurisprudencial já sumulada que afronta artigo de lei federal vigente (art. 71 da Lei nº 8.666/93).
Estamos falando da Súmula 331, IV do Tribunal Superior do Trabalho que assim se posiciona sobre o assunto:
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
Ora, o artigo art. 71 da Lei nº 8.666/93 fala exatamente o oposto vejamos:
Art.71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Além disso, a Constituição é clara quando dispõe sobre o ingresso de servidores nos quatros públicos deverá ser através de concurso. Vejamos:
Artigo 37- II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Portanto, desde que observado pela Administração a contratação de empresa prestadora de serviços pelo processo de licitação nos termos do artigo 37, XXI, não há que se falar em responsabilidade subsidiária:
Artigo 37 da CF XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento)
Em nosso sentir não cabe ao Poder Judiciário legislar em favor do trabalhador. Não pode editar enunciado (Súmula 331, IV do TST) contrário a legislação federal (art. 71 da Lei nº 8.666/93). Temos consciência plena de que créditos trabalhistas são de suma importância para o trabalhador já que são alimentares e que, além disso, a legislação trabalhista possui princípios que regem a proteção integral do trabalhador bem como de seus direitos porém, esta argumentação não pode deconsiderar o estatuído na legislação vigente sob pena de o comentário do Professor espanhol acima citado virar realidade, ou seja, de que o direito é a quilo que os juízes dizem.
Devemos lembrar que, os bens que são expropriados de uma empresa pública para pagamento do empregado de empresa terceirizada de forma subsidiária pela tomadora, são públicos e destinados a uma coletividade, leia-se (construção de escolas, subsídios agrícolas, manutenção de hospitais, etcc…). Diante disso, perguntamos: Não seria esse dinheiro, proveniente dos cofres públicos, melhor destinado à coletividade do que para pagamento de verbas trabalhistas de um empregado?
Adiciona-se a isso a impossibilidade de defesa judicial pelos patronos das empresas públicas nos casos de terceirização, já que a tomadora de serviços não tem conhecimento do dia-a-dia da empresa pois apesar de fiscalizar dentro dos padrões de normalidade e legalidade não tem condições de exercer atividade ostensiva para verificar detalhes da relação de emprego estabelecida entre o empregado e a empresa contratada como, por exemplo, horas-extras, equiparação salarial, marcação de ponto, etcc…..
Assim, o que acontece é um verdadeiro massacre judicial da empresa pública pois, na grande maioria dos casos, não temos conhecimentos dos fatos e nossa defesa restringe-se a comprovação do pagamento dos encargos sociais exigidos pela tomadora de serviços para pagamento da empresa contratada uma vez que a jurisprudência não aceita mais debates sobre a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelos encargos trabalhistas não cumpridos pela empresa contratada.
O que acontece, em resumo , é uma verdadeira expropriação de bens públicos em favor do particular, o senhor reclamante que esta acima de tudo e de todos, inclusive da própria coletividade. Por isso propugnamos a volta dos debates sobre o assunto para que possamos refletir sobre estes acontecimentos no sentido de melhor direcionar a jurisprudência que deve necessariamente respeitar os ditames legais previstos na legislação em vigor (art. 71 da Lei nº 8.666/93) e não criar entendimentos (Súmula 331, IV do TST) que anulem a eficácia do ordenamento jurídico.
Se este entendimento perdurar corremos o perigo de ver instalado em nosso país uma verdadeira “República de Juízes” onde seus entendimentos serão confundidos com a própria Lei tendo inclusive, como no caso em epígrafe, poder de revogar diplomas legais vigentes.
Informações Sobre o Autor
Mário Antônio Lobato de Paiva
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista