Resumo: O presente estudo tem como estudo a não incidência de tributação quando a cooperativa converte em moeda os bens ou serviços que, para este fim, lhes foram entregues por seus associados com o objetivo de atender a sua finalidade institucional, o que não consiste faturamento ou receita resultante da prática de atos cooperativos que beneficiem à sociedade cooperativa.
Palavras-chave: Cooperativa. Ato cooperativo. Faturamento. Lucro. Receita.
Sumário: 1. Conceito de Sociedades Cooperativas segundo a Lei nº 5.764/71. 2. A Prática do Ato Cooperativo e do Ato Não Cooperativo. Conclusão
1. Conceito de Sociedades Cooperativas segundo a Lei nº 5.764/71
O vocábulo cooperativa, que deriva do latim cooperativus, de cooperari, é empregado na acepção de organização “de sociedade de pessoas visando melhorar as condições econômicas de seus associados”( in, SILVA, De Plácido e Vocabulário Jurídico, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 561.)
Waldirio Bulgarelli, em seu livro “Sociedades Comerciais” (São Paulo: Atlas, 1989, p. 79) registra com clareza, essa particularidade, assegurando: “Nas sociedades cooperativas, como já pusemos em relevo, “a affectio societatis” está em função do “intuitus personae”, já que a sociedade gira em torno das pessoas que a compõem; tanto que a participação do associado é dupla: como associado e como cliente, ou seja, como usuário dos serviços da sociedade, e a sua estrutura é plenamente democrática, sendo a contribuição patrimonial limitada e até inexistente, em muitos casos, como nas cooperativas em que não há capital social. Desta forma (…) os sócios prestam contribuição-patrimonial-limitada ou ilimitada e contribuição pessoal-máxima.”
Reconhecendo o interesse que impregna a doutrina do cooperativismo como entidade de cooperação entre pessoas, na qual o elemento predominante é o da solidariedade humana, o Estado brasileiro, através da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estabeleceu o regime jurídico das sociedades cooperativas, regulamentando sua estrutura, organização e funcionamento, dispondo, dentro da ótica desse instrumento legal, o seguinte:
“Art. 3º. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.”
“Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
I. adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II. variabilidade do capital social, representado por quotas partes;
III. limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV. incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V. singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI. quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII. retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
VIII. indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica, Educacional e Social;
IX. neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X. prestação de assistência aos associados, e, quando prevista nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI. área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.”
A lei de regência deste tipo de sociedade é expressa em dizer que as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica própria, constituída para prestar serviços aos associados, não se confundindo, por um conjunto de características que lhes são exclusivas, com os demais tipos de sociedades.
O traço fundamental que separa umas e outras está na ausência de finalidade lucrativa nas cooperativas, como o reza, expressamente, o artigo 3º do referido diploma legal, de modo que, não auferindo receitas próprias, determina a lei, em seu artigo 80, que suas despesas sejam cobertas pelos mesmos associados:
“Art. 80. As despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços.
Parágrafo único. A cooperativa poderá, para melhor atender à equanimidade de cobertura das despesas da sociedade, estabelecer:
I. rateio, em partes iguais, das despesas gerais da sociedade entre todos os associados, quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela prestados, conforme definidas no estatuto;
II. rateio, em razão diretamente proporcional, entre os associados que tenha usufruído dos serviços durante o ano, das sobras líquidas ou dos prejuízos verificados no balanço do exercício, excluídas as despesas gerais já atendidas na forma do item anterior.”
Tem, portanto, a cooperativa, como finalidade institucional, a elevação sócio-econômica de seus associados, sem qualquer persecução de lucro para si mesma. É ela, por assim dizer, a extensão do próprio associado, ou seja, o instrumento de que se serve este para, pela prática dos princípios de cooperação, otimizar os resultados de suas atividades com a conseqüente obtenção de melhores condições de desenvolvimento, tanto social como econômico.
2. A Prática do Ato Cooperativo e do Ato Não Cooperativo. Conclusão
As características já anotadas anteriormente de serem as sociedades cooperativas uma organização voltada para os próprios cooperados, onde eles são, ao mesmo tempo sócios, destinatários e beneficiários da atividade societária, constituindo-se a entidade como mera intermediária, ou seja, uma longa manus daqueles, tem a ver, tais características, com os denominados “atos cooperativos”, os quais, consoante estabelece o artigo 79 da lei de regência – Lei nº 5.764/71 -, são os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais. Tais atos – esclarece o parágrafo único da mesma regra – não implicam operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria :
“Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
Parágrafo único – O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”.
Sendo certo, como se vê, que o ato cooperativo é aquele praticado entre a cooperativa e seus associados para a consecução dos objetivos sociais da sociedade e que ele não implica operação de mercado nem contrato de compra e venda, tem-se que é impróprio, neste quadro, falar em “receita” da cooperativa quando ela coloca no mercado bens ou serviços dos seus associados, visto que, juridicamente, não está praticando em interesse próprio operação de venda e compra, porque os bens que oferece não são de sua titularidade.
De outra parte, ao lado da prática dos atos cooperativos, como acima definidos, cabe dizer ainda, que estão as sociedades cooperativas autorizadas, pelo mesmo Diploma legal da Lei nº 5.764/71, a praticar as operações de seu objeto social, também com terceiros, não associados.
De fato, a teor do que rezam os artigos 85 e 86 da Lei nº 5.764/71, as cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, enquanto que as cooperativas agropecuárias e as de pesca, poderão adquirir produtos de não associados, destinados a suprir capacidade ociosa. Poderão ainda, conforme lhes autoriza o artigo 88 participar de sociedades não cooperativas, para atendimento de objetivos acessórios ou complementares, in verbis:
“Art. 85. As cooperativas agropecuárias e de pesca poderão adquirir produtos de não associados, agricultores, pecuaristas ou pescadores, para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou suprir capacidade ociosa de instalações industriais das cooperativas que as possuem”.
“Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei.
Parágrafo único: (revogado pela Lei Complementar nº 130, de 2009).
“Art. 88. Poderão as cooperativas participar de sociedades não cooperativas para melhor atendimento dos próprios objetivos e de outros de caráter acessório ou complementar”. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.168-40, de 24 de agosto de 2001)
Tais operações, cumpre esclarecer, não tipificam o denominado ato cooperativo, posto que este compreende apenas aqueles praticados com o associado. Por isso mesmo, a teor do artigo 111 da Lei, são consideradas passíveis de tributação, verbis:
“Art. 111. Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 desta Lei”.
Portanto, quando a cooperativa, na forma dos dispositivos citados, atua com não associados, está agindo como qualquer outra sociedade de finalidade lucrativa, inobstante os resultados dessas operações não sejam passíveis de distribuição entre os associados, como acontece com aquelas outras operações com eles praticadas. Os resultados, neste caso, e conforme dispõe o artigo 87 (Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social” e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos) da Lei, irão para o FATES – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social -, constituindo base para a incidência de tributação.
O STJ corrobora pela não incidência de tributação no que pertine a atos cooperativos, verbis:
“As cooperativas praticam, nos termos da mencionadas leis (n. 5.764/71 e n. 9.718/98), atos que lhes são próprios, chamados de “atos cooperativos”. Por outro lado, certo que também praticam atos comuns a toda e qualquer pessoa jurídica, que, evidentemente fogem à classificação dos atos cooperativos.
Os atos tidos por cooperativos estão definidos no art. 79 da 5.764/71:
“Art. 79. Denomina-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais.
Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”.
Portanto, ato cooperado é o praticado entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas para a consecução dos objetivos sociais. O resultado positivo decorrente desses atos pertencem proporcionalmente a cada um dos cooperados. Em mantendo-se o fim societário, inexiste faturamento ou receita resultante de atos cooperativos que beneficiem à sociedade, não havendo, destarte, base imponível para o PIS.
Se a função da cooperativa é a intermediação de mão-de-obra ou o agenciamento de contratos e serviços para os cooperados, como parece ser a hipótese sub judice, não pode, nesse aspecto, ser tributada.
Diante dessas considerações, conheço do recurso e dou-lhe provimento para declarar a não-incidência do PIS e da Cofins nos atos tipicamente cooperativos da recorrente“. (REsp nº 812.948, j. em 17/08/2006, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DOU, de 17/05/2007).
Desta feita, nas cooperativas agropecuárias o ato cooperativo típico, ou seja, a entrega do produto rural pelo seu associado significa e abrange, a outorga de poder para a cooperativa para a disposição do bem que lhe foi entregue, e não uma transferência de propriedade do mesmo.
Portanto, a venda desse produto ou serviço, implica em uma entrada de receita somente para o associado, pois a cooperativa age por conta e em nome do sócio, e não por sua própria conta.
Assim, para a cooperativa, o resultado da venda dos produtos e serviços que lhe fora entregue representa apenas um mero ingresso e não uma receita efetiva, pois se é certo, que desde a outorga do bem até a sua venda, tem a cooperativa a obrigação e o dever de repassar o resultado para o seu sócio, não há, efetivamente, qualquer possibilidade de aquisição de receita para si mesma passível de incidência de tributação.
No entanto, ainda existem decisões judiciais que desconsideram a natureza jurídica da cooperativa de sociedade de pessoas com objeto de prestação de serviços aos associados, confundindo-a com a sociedade limitada e anônima.
Segue abaixo o acórdão proferido pelo TRF3ªRegião, 6ª Turma, AMS 206529, autos 1999.61.02.012649-6, Rel. Des. Federal Lazarano Neto, julgamento em 09/06/2004, in verbis :
“À luz trazida pelo teor da norma do artigo 79, da Lei nº 5.764/71, “atos cooperativos são apenas aqueles praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais”. E continua no parágrafo único: “O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”. (grifei).
A meu ver, conforme constata-se pela análise dos autos, a sociedade cooperativa viabiliza e intermedia com terceiros a celebração de acordos ou contratos, repassando o produto econômico destas contratações aos seus associados.
Ora, é evidente que se tratam de atos considerados mercantis, e portanto não cooperativos, estando sujeitos à incidência da COFINS…”
Ora, a decisão retrocitada totalmente se opõe à própria natureza jurídica societária da cooperativa.
O Prof. Reginaldo Ferreira Lima, assevera que o ato cooperativo é aquele que busca a concretizar o objetivo social da cooperativa, inclusive operações complementares ou acessórias, in verbis:
“NEGÓCIOS AUXILIARES – operações que a sociedade concretiza tendo em vista a realização dos objetivos da sociedade; são atos inerentes à movimentação interna da sociedade, que não são praticados pelos associados, mas são necessários para que a cooperativa alcance os seus fins.
NEGÓCIOS ACESSÓRIOS – são aqueles eventualmente não ligados diretamente para o alcance dos fins sociais, mas que ocorrem em conseqüência da prática dos negócios auxiliares.”(…)
“Os atos não cooperativos, originários do não exclusivismo, se restringem às atividades de pessoas que, potencialmente poderiam se associar, e que são contratadas em face de um bem maior, ou o interesse de melhor desenvolver o objeto da cooperativa.” (in Direito Cooperativo Tributário, Max Limonad, São Paulo, 1997, p. 51, 54 e 59).
Como aduz a doutrina, ato cooperativo é aquele que atende às finalidades institucionais da cooperativa.
Conclui-se, na hipótese, quando a cooperativa converte em moeda os bens ou serviços que, para este fim, lhes foram entregues por seus associados com o objetivo de atender a sua finalidade institucional, obviamente não existe faturamento ou receita resultante da prática de atos cooperativos que beneficiem à sociedade cooperativa, consequentemente, descabe a incidência de tributação.
Informações Sobre os Autores
Eric Rodrigues Moret
Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Tributário pela UNICURITIBA, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.
Micheli Ferreira Paitach
Pós Graduada em Direito Tributário pela UNICURITIBA