Resumo: Este trabalho foi feito através de revisão de literatura, buscando encontrar o máximo de subsídio para a questão da não incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em se tratando de importação feita por pessoa física. Foram utilizados livros e artigos científicos da base de dados SciElo e Google Acadêmico, reconhecidas para trabalhos acadêmicos. O objetivo da pesquisa teve o intuito de demonstrar que, de acordo com o princípio da não cumulatividade, não pode ser cobrado o imposto sobre IPI de produtos no ato do desembaraço aduaneiro, se os produtos forem importados por pessoas físicas, para consumo próprio. Considera-se importante a posição de alguns doutrinadores e aplicadores do direito, acerca da possibilidade aduzida, a fundamentação utilizada, a opinião da doutrina majoritária e a busca de doutrinadores que reconhecem a questão levantada. Assim, de forma clara e concisa, pretende-se apresentar a fundamentação legal.
Palavras-chave: IPI, não-incidência, desembaraço aduaneiro, importação, não cumulatividade.
Sumário: Introdução. 1. O imposto sobre produtos industrializados. 1.1. Hipóteses de incidência. 1.2. Fato gerador. 1.3. Base de cálculo. 1.4. Alíquota. 1.5. Imunidades e isenções. 1.5.1. Isenção e alíquota zero. 2. Princípios constitucionais tributários. 2.1. Princípio da Legalidade. 2.2. Princípio da Anterioridade. 2.2. Princípio da Anterioridade Nonagesimal. 2.4. Princípio da Irretroatividade Tributária. 2.5. Princípio da Não-cumulatividade. 2.6. Subprincípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador. 3. A não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro da importação por pessoa física. 3.1. O desembaraço Aduaneiro. 3.1.1. Despacho aduaneiro de importação. 3.1.2. O desembaraço aduaneiro propriamente dito. 3.2. Condições para a não-incidência. 3.3. Decisões Judiciais Pertinentes. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é uma das principais fontes de receita oriunda de tributos da União. Existem duas hipóteses de incidência para esse tributo, a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial de produtos ou o desembaraço aduaneiro de produtos oriundos do exterior.
Entretanto, o desembaraço aduaneiro de produtos importados por pessoa física para consumo pessoal não poderá ser tributado, vez que, de acordo com o princípio da não-cumulatividade, os valores pagos pelo contribuinte transformar-se-ão em créditos na próxima transação. Mas, como o importador pessoa física não fará nova transação, não poderá usufruir dos créditos gerados no pagamento do desembaraço aduaneiro.
Nessa linha de pensamento, pretende esse trabalho analisar se existe base legal encontrada para a não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de importação por pessoa física e as jurisprudências pertinentes.
Para a elaboração deste trabalho foi utilizada a revisão de literatura, de modo a conhecer o melhor possível a legislação sobre o assunto, bem como a opinião de juristas, em casos específicos de desembaraço aduaneiro de importação feita por pessoa física. Foram usadas as bases de dados SciElo e Google Acadêmico, sites reconhecidos, além de livros e artigos científicos.
No primeiro capítulo, a abordagem recairá sobre as hipóteses de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota e a questão das imunidades e isenções.
No segundo capítulo, serão mostrados os princípios constitucionais tributários, como o princípio da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade tributária, da interpretação objetiva do fato gerador e o princípio da não-cumulatividade. Sobre o assunto preceitua o texto constitucional, parágrafo 3º, inciso II do artigo 153, que o IPI é um imposto não cumulativo.
O terceiro capítulo versará sobre a não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de importação por pessoa física e, para melhor esclarecimento, divide-se em desembaraço aduaneiro, condições para a não incidência, o procedimento judicial e algumas decisões judiciais pertinentes.
A União mantém a cobrança nos portos no momento do desembaraço aduaneiro, com a alegação de que a não exigência do IPI na importação do automóvel, por exemplo, por pessoa física, para uso próprio, por ofensa à não cumulatividade, viola os princípios da isonomia tributária e da não-discriminação, insculpidos nos artigos 150, inciso II, e 152 da Constituição Federal de 1988. Destaca ainda que a pessoa física que importa veículo é obrigada ao pagamento do IPI, tendo em vista que o fato gerador do imposto é o desembaraço aduaneiro de produto industrializado estrangeiro, na esteira do Código Tributário Nacional, da Lei 45402/64 e do Decreto 4544/02.
Entretanto, existem inúmeras jurisprudências que, alegando o princípio da não-cumulatividade, contemplam a não-incidência de tal imposto para pessoas físicas importadoras. É o objetivo deste trabalho esclarecer sobre os princípios que regem o Direito Tributário, para que o direito se faça presente em todas as esferas, não deixando margem para se ferir a Constituição e o cidadão.
1. O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) já existia antes de receber esse nome, por meio da Emenda Constitucional nº 18, de 1965. Tratava-se do chamado Imposto sobre o Consumo, previsto no art. 15, inciso IV, da Constituição Federal de 1946. À época, o legislador preferiu o nome porque o imposto era, e ainda é suportado pelos consumidores, em razão do fenômeno da repercussão. [1]
Segundo Afonso [2]a arrecadação do IPI é atualmente a segunda maior dos tributos federais em valores, perdendo apenas para a do Imposto de Renda. Embora a competência tributária seja da União, parte da arrecadação vai para os municípios e estados, a teor do art. 159, I e II, da Constituição Federal. A Lei que rege sua cobrança é a de nº 4.501, de 30.11.1964, regulamentada pelo Decreto nº 4.544, de 26.12.2002. [3]
Para Torres [4] a importância do IPI decorre de suas características, dentre as quais pode-se destacar o seu caráter extra-fiscal e sua natureza seletiva.
A extra-fiscalização do IPI consiste na utilização do imposto para fins regulatórios. Ou seja, o imposto serve de instrumento para a implementação de políticas monetárias, econômicas, de comércio exterior, de incentivo à produção, de determinados setores, entre outras. Mesmo que, no caso de produtos que o governo queira frear o consumo (por exemplo: cigarro, bebidas e produtos de luxo), o governo pode colocar alíquotas proibitivas. O IPI tem grande relevância no orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, razão pela qual sua função fiscal prevalece sobre sua função extra-fiscal. [5]
Explica essa mesma autora que, outra característica fundamental do IPI é a seletividade, que acaba tornando o imposto um instrumento de justiça social, na medida em que o legislador pode (e deve) ajustar o impacto tributário que cada classe social é capaz de suportar, protegendo, evidentemente, os menos favorecidos, os quais, em contraposição com as classes mais abastadas, não têm condições de suportar um ônus fiscal muito elevado.
“No que diz respeito à essencialidade é inegável que o Poder Executivo, ao fixar as alíquotas do IPI para os produtos, leva em consideração a massa de contribuintes que irá consumi-lo. Há, sem sombra de dúvidas, uma avaliação da capacidade econômica desses contribuintes ao se julgar a essencialidade do produto, pois esse juízo não poderia ser feito sem que levasse em consideração tal circunstância.” [6]
Este imposto reveste-se de uma série de peculiaridades jurídicas que o tornam adaptável às flutuações da política, das finanças, da conjuntura nacional e até, internacional.
O aspecto material do IPI é a industrialização do produto. Mas, é necessário que haja negócio jurídico além dessa industrialização, porque a mera industrialização em si mesma não satisfaz o aspecto material do imposto. Havendo, portanto, industrialização do produto e negócio jurídico celebrado sobre ele, estará configurado o aspecto material do imposto. [7]
Esse autor diz ainda que, considera-se industrializado o produto nos termos do Art. 46, parágrafo único do Código Tributário Nacional:
“Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
Haver negócio jurídico com o produto industrializado é fabricar o produto num local e leva-lo para outro para celebrar, sobre ele, um determinado negócio jurídico, a simples saída da matriz para a filial não configura negócio jurídico.”
Para ser considerado produto industrializado torna-se imperativo a modificação da natureza ou a finalidade, ou até mesmo o aperfeiçoamento para o consumo, tais como a transformação, o beneficiamento, a montagem etc.
Sabbag [8] entende transformação como sendo o processo exercido sobre matéria prima, ou produto intermediário, que lhe dá nova forma ou finalidade, surgindo assim, novo produto com forma, fins e conceitos diversos daquele anterior ao processo de transformação. Beneficiamento é o processo de modificação, aperfeiçoamento embelezamento ou alterações de funcionamento de um produto existente, por exemplo, colocação de puxadores em um armário. Por fim, para esse autor, montagem é a reunião de diversos produtos, em uma nova sistemática, resultando em novo produto com nova utilidade, por exemplo, montagem de veículos.
Ressalta-se que a legislação, inconstitucionalmente, amplia o conceito de produtos industrializados, assim, incluindo atos como o simples acondicionamento, ou acomodação em nova embalagem, que vise a melhor apresentação do produto ao consumidor como industrialização, haja vista que a embalagem para fins de transporte não caracteriza industrialização.
1.2. Hipóteses de incidência
O artigo nº 51 do Código Tributário Nacional (CTN)[9] determina que são contribuintes o importador ou quem a Lei a ele equiparar, o industrial ou quem a ele equiparar, o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso IV, e, por fim, o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Entretanto, em relação a esse último, a legislação instituidora (Lei 4.501/64) não concretizou o definido pelo CTN.
“Em se tratando de tributo com fato gerador instantâneo, desnecessário seria o tratamento legal do aspecto temporal, considerando-se ocorrido o fato gerador no momento mesmo em que ocorresse a situação de fato definida em lei como geradora da obrigação tributária, qual seja, a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial.” [10]
Através do Regulamento do IPI (Decreto nº 4.544/2002)[11] , o artigo 35 mostra as situações em que ocorrerá o fato gerador, informando os aspectos temporais da hipótese de incidência do imposto. Esse decreto indica, ainda, as referências legais de cada um dos aspectos temporais, porque sabe-se que aquele tipo de norma não admite inovações na ordem jurídica, no sentido de criar obrigações não previstas nas leis que o originaram.
Para Ataliba[12] “designa-se por aspecto espacial a indicação de circunstâncias de lugar contida explícita ou implicitamente na hipótese de incidência relevantes para a configuração do fato impossível”.
De acordo com Aydos e Zandomeneco[13] embora a legislação não faça alusões a respeito do IPI, por se tratar de imposto federal, depreende-se que ele incidirá em qualquer parte do país, considerando-se, inclusive, o princípio da territorialidade.
O Código Tributário Nacional[14] preceitua, em seu artigo 46:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único: para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade ou o aperfeiçoe para o consumo.”
O esclarecimento dado por esse parágrafo único do art. 46, vem ao encontro ao que afirma Machado[15] “é indispensável saber o que se deve entender por produto industrializado”.
Segundo Bottallo[16] “ o IPI deve ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e levá-lo para além do estabelecimento produtor, por força de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade”.
É preciso entender corretamente o significado da palavra, para se evitar erros capazes de violar o mandamento constitucional.
“A legislação do IPI amplia o conceito de produtos industrializados, nele incluindo operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que na verdade não lhes modificam a natureza, nem a finalidade, nem aperfeiçoam para o consumo. Tal ampliação viola o art.46, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Configura, outrossim, flagrante inconstitucionalidade, na medida em que o conceito de produto industrializado, utilizado pela Constituição para definir a competência tributária da União, não pode ser validamente ampliado pelo legislador ordinário.”[17]
Derzi[18] afirma que o IPI tem seu viés na isonomia e equidade, do contrário correr-se-ia o risco de se tornar nocivo aos interesses nacionais colocar a indústria brasileira em posição desfavorável, já que ela arca com o ônus do imposto.
Entretanto, o art. 2º da Lei 4502/64[19] é taxativo ao preceituar que “ o IPI é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor”.
Botallo[20] esclarece que “a obrigação de pagar IPI se aperfeiçoa apenas quando a saída do produto industrializado seja causada por um negócio jurídico”.
Esclarecendo melhor, se o produto industrializado, antes de chegar ao seu destino, for roubado ou furtado, ou no caso de produtos expostos em feiras, não se concretiza o negócio jurídico, portanto, não há incidência do imposto.
1.2. Fato Gerador
Segundo Ataliba[21] o fato gerador é a aplicação da hipótese de incidência ao caso concreto, sendo, assim, a realização útil, concreta, da hipótese abstrata elencada no dispositivo normativo. Desta feita, o fato gerador é a perfeita adequação do fato concreto ao paradigma legal, nascendo assim a subsunção e a partir desta a obrigação tributária para o contribuinte.
“Considera-se ocorrido o fato gerador: 1) na entrega ao comprador, quanto aos produtos vendidos por intermédio de ambulantes; 2) na saída de armazém geral ou outro depositário do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial depositante, quanto aos produtos entregues diretamente a outro estabelecimento; 3) na saída da repartição que promoveu o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos que, por ordem do importador, forem remetidos diretamente a terceiros; 4) na saída do estabelecimento industrial diretamente para estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, por ordem do encomendante, quanto aos produtos mandados industrializar por encomenda; 5) na saída de bens de produção dos associados para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; 6) no quarto dia da data da emissão da respectiva nota fiscal, quanto aos produtos que até o dia anterior não tiverem deixado o estabelecimento do contribuinte; 7) no momento em que ficar concluída a operação industrial, quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento industrial; 8) no início do consumo ou da utilização do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em finalidade diferente da que lhe é prevista na imunidade, ou na saída do fabricante, do importador ou dos seus estabelecimentos distribuidores, por pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras; 9) na aquisição ou, se a venda tiver sido feita antes de concluída a operação industrial, na conclusão desta, quanto aos produtos que, antes de sair do estabelecimento que os tenha industrializado por encomenda, sejam por este adquiridos; 10) na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial, quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no R.I. P. I.; 11) no momento da sua venda, quanto aos produtos objeto de operação de venda que forem consumidos ou utilizados dentro do estabelecimento industrial; 12) na saída simbólica de álcool das usinas produtoras para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; 13) na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegário, antes de aplicada a pena de perdimento, quando as mercadorias importadas forem consideradas abandonadas pelo decurso do referido prazo.” [22]
A mesma fonte informa que, na hipótese de venda, exposição à venda ou consumo no território nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese de descumprimento das condições estabelecidas para a isenção ou a suspensão do imposto, considerar-se-á ocorrido o fato gerador na data da saída dos produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.
1.3. Base de cálculo
Segundo Andrade[23] a base de cálculo representa o montante, a qualificação compreendida no negócio jurídico relativa a produtos industrializados, ou seja, o valor do bem negociado. Devem integrar a operação apenas os valores intrinsecamente vinculados ao negócio industrial. Não devem ser incluídos elementos estranhos ao preço, como seguros, fretes, juros e quaisquer outras importâncias recebidas ou debitadas a título de multas ou indenizações etc., pois tais verbas têm natureza jurídica diversas dos valores das operações, e também pela ausência de previsão legal da incidência do IPI sobre meras entradas de caixa de créditos.
“O Código Tributário Nacional[24] preceitua:
Art. 47. A base de cálculo do imposto é:
I – no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no inciso II do art. 20, acrescido do montante:
a) dos impostos sobre a importação;
b) das taxas exigidas para a entrada do produto no País;
c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis;
d) do imposto de importação.
II – no caso do inciso II do artigo anterior:
a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;
b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente.
III – no caso do inciso III do artigo anterior, o preço da arrematação.
Art. 48. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos.
Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a Lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes.
Art. 50. Os produtos sujeitos ao imposto, quando remetidos de um para outro Estado, ou para o Distrito Federal, serão acompanhados de nota fiscal de modelo especial, emitida em séries próprias e contendo, além dos elementos necessários ao controle fiscal, os dados indispensáveis à elaboração da estatística do comércio por cabotagem e demais vias internas.
Art. 51. O contribuinte do imposto é:
I – o importador ou quem a Lei a ele equiparar;
II – o industrial ou a quem a Lei equiparar;
III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior.
Parágrafo único: Para os efeitos deste imposto considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.”
A Constituição Federal [25], em seu artigo 46, preceitua que cabe à Lei Complementar definir não só os tributos, fatos geradores e contribuintes como as suas respectivas bases de cálculo.
A respeito da inclusão de cobrança de frete, a matéria é disciplinada pelo RIPI/2002, conforme texto a seguir:
“Art. 131. Salvo disposição em contrário deste Regulamento, constitui valor tributável:
I – dos produtos de procedência estrangeira:
a) o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, por ocasião do despacho de importação, acrescido do montante desses tributos e dos encargos cambiais efetivamente;
b) pagos pelo importador ou dele exigíveis (Lei nº 4502, art. 14, inciso I, alínea b);
c) o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento equiparado a industrial (Lei nº 4502, de 1964, art. 18).
II – dos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial (Lei nº 4502, de 1964, art.14, inciso II e Lei nº 7798 de 1989, art. 15).
§ 1º. O valor da operação referido no inciso I, alínea b e II, compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário (Lei nº 4502 de 1964, art. 14, § 1º, Decreto-Lei nº 1543 de 1977, art. 27, e Lei nº 7798, de 1989, art.15).
§ 2º. Será também considerado como cobrado ou debitado pelo contribuinte, ao comprador ou destinatário, para efeitos do disposto no § 1º. O valor do frete, quando o transporte for realizado ou cobrado por firma coligada, controlada ou controladora ( Lei nº 6404, de 1974) ou interligada (Decreto-Lei nº 1950, de 1982) do estabelecimento contribuinte ou por firma com a qual este tenha relação de interdependência, mesmo quando o frete seja subcontratado (Lei nº 4502 de 1964, art.14, § 3º, e Lei nº 7798, de 1989, art. 15).
§ 3º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente (Lei nº 4502 de 1964, art. 14, § 2º, Decreto-Lei nº 1593 de 1977, art. 27 e Lei nº 7798 de 1989, art. 15).”
Ou seja, interpretando o regulamento, tem-se que a incidência do IPI ocorre com a saída do produto do estabelecimento industrial ou assim equiparado. Sua base de cálculo corresponde ao valor em que foi comercializado na saída.
Para Barreto [26] base de cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a dívida tributária.
1.4. Alíquota
De acordo com Andrade [27] a alíquota utilizada varia conforme o produto. Determinado produto tanto pode ter alíquota zero, enquanto outro ter alíquota de mais de 500% (caso dos cigarros). As alíquotas são dispostas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), baseada na nomenclatura do Mercosul (NCM), aprovada pelo Decreto nº 6006 de 28/12/2006, retificado em 08/01/2007.
A principal função do IPI é de arrecadação de tributos, mas também de regulação da economia, daí a possibilidade do Poder Executivo estimular determinado setor produtivo através da redução ou da isenção de suas alíquotas. No caso de produtos que o governo queira frear o consumo (caso dos cigarros e produtos de luxo, por exemplo), o governo pode colocar alíquotas mais elevadas, mas sem que isto importe numa forma disfarçada de confisco.
Observa-se que a alíquota do IPI se manifesta de forma variável atendendo, em tese, aos princípios da seletividade, essencialidade e da não-cumulatividade, podendo, ainda, em determinados momentos de crise onerar ou desonerar determinado setor produtivo, com ganho ou perda significativa na arrecadação de receitas tributárias, agindo como um instrumento de política econômica seja para estimular o consumo, normalizar o crédito, conter a queda de produção e evitar demissões em determinados campos de atividade, visando a recuperação e o equilíbrio da economia. [28]
“Nosso país, como qualquer outro em sua posição emergente, tenta constantemente ocupar seu espaço no mercado globalizado, tendo como guia o capitalismo, sendo este responsável por inúmeras mudanças na política econômica interna de nosso país, mediante a influência dos Tratados Internacionais, Decretos, Leis, Portarias e Medidas Provisórias.” [29]
Explica ainda essa mesma autora, que a essência extrafiscal de determinados impostos, assim como os incentivos fiscais são feitos de uma tentativa interna de tornar as mercadorias e produtos mais competitivos no mercado interno e externo, minimizando os efeitos da carga tributária que vem agregada ao valor do produto, tornando-o inviável ao consumo dentro do território nacional e dificultando a exportação.
Sendo o IPI um imposto de consumo indireto que varia de acordo com a situação político-econômica do momento, é importante também ressaltar a sua função dentro do contexto social. Sendo válido o registro de medidas recentemente adotadas pelo Governo Federal ante a situação de crise mundial que atingiu a economia do nosso país, assim como as medidas de incentivo à exportação, através da não incidência de IPI na exportação de produtos industrializados (art.153, § 3º, III) para manter sua competitividade nos mercados externos. [30]
“Tanto na exportação direta quanto na indireta, feita através de empresa exportadora, o produto é isento do IPI, sendo permitida também a manutenção dos créditos fiscais incidentes sobre os insumos utilizados no processo produtivo. De igual modo, as exportações de produtos manufaturados, semi-elaborados, primeiros e de serviços estão isentas do pagamento do PIS e da COFINS, cujas alíquotas incidem internamente sobre o faturamento das empresas.” [31]
Essa mesma autora afirma que o contribuinte do IPI pode utilizar ainda o mecanismo de drawback que tem por objetivo propiciar ao exportador a possibilidade de adquirir, a preços internacionais, e desonerados de impostos, os insumos (matérias-primas, partes, peças e componentes) incorporados ou utilizados na fabricação de produto exportável.
1.5. Imunidades e isenções
Aydos e Zandomeneco [32] explicam que o Estado obtém os recursos de que necessita para a consecução de suas finalidades, de diversas maneiras, sendo a principal delas, na maioria dos Estados modernos, a arrecadação de tributos. Desta forma, pode-se afirmar que a finalidade precípua da tributação é a de angariar recursos financeiros para fazer frente às despesas estatais.
Entretanto, há situações em que o Estado utiliza sua competência tributária não apenas para trazer recursos aos cofres públicos, mas, principalmente, para estimular ou desestimular condutas ou mesmo para garantir o desenvolvimento regional e mitigar desigualdades. É a chamada função extrafiscal dos tributos. Uma das maneiras de interferir nas decisões dos agentes econômicos é a isenção tributária, situação em que determinado contribuinte acaba sendo desonerado de gravame que, não fosse a isenção concedida, recairia sobre seus ombros.[33]
Segundo Costa [34] existem hipóteses em que há entradas de insumos imunes, isentos, sujeitos à alíquota zero ou, até mesmo, não tributáveis no estabelecimento industrial cujo produto final é tributado pelo IPI. Para compreender melhor tais hipóteses, é essencial distinguir de forma clara e precisa as diferenças entre as formas existentes de não tributação de uma operação. Estas formas de não tributação podem ser imunidade, isenção, não incidência e alíquota zero.
“A imunidade foi a forma encontrada pelo constituinte de limitar o poder de tributar outorgado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Através da imunidade, o sujeito ativo da obrigação tributária fica impedido de exigir o tributo sobre o sujeito passivo no que concerne à operação imune.” [35]
A natureza jurídica da imunidade é de limitação ao poder de tributar e, sua fonte formal, é a Constituição. Pode-se afirmar que toda imunidade é constitucional, ou seja, deve estar prevista na Constituição Federal. “A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária o que é imune. Seria uma limitação da competência tributária”.[36]
A Constituição Federal em vigência elencou em seu texto, mais detidamente no artigo 150, inciso VI, arrola algumas das imunidades, tais como patrimônio e renda e/ou serviços uns dos outros, dos partidos políticos, das entidades sindicais e das instituições de educação ou assistência social, desde que sejam sem fins lucrativos, templos de qualquer culto e livros, jornais, periódicos ou o papel destinado à impressão destes.
Outra hipótese de imunidade para o Imposto sobre Produtos Industrializados, está listada no artigo 153, § 3º, inciso III, para os produtos fabricados no Brasil que tem como destino final a exportação. O legislador constitucional criou esta hipótese de imunidade para que os produtos brasileiros possam romper as divisas pátrias a preços altamente competitivos. Esta imunidade esta escoimada no fato de que deve-se estimular as exportações, visando a busca de equilíbrio, ou até mesmo superávit, na balança comercial.
Costa[37] ensina que isenção é a forma legal de não tributar uma operação em que há hipótese de incidência do imposto, porém, há o impedimento legal para o lançamento do crédito tributário. O conceito de isenção não é pacífico na doutrina, existindo duas correntes sobre o assunto. Uma corrente, que adota o conceito clássico, argumenta que no caso de isenção, o que ocorre é a dispensa de pagamento do tributo, por ser a isenção causa de exclusão do crédito tributário. Esta corrente é defendida por autores como Ataliba (1990), Carrazza (2006) e Rosa Jr (2010) entre outros.
“Na isenção ocorre o fato gerador do tributo, há relação tributária entre o Fisco e o contribuinte e, existe obrigação tributária. O que não se constitui é o crédito tributário, por ser a isenção causa de exclusão do crédito tributário. Este conceito clássico de isenção é o modo adotado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).”[38]
A outra corrente define isenção de uma forma diferente, argumentando que na relação tributária que ocorre isenção, o fato gerador da operação tributária está afastado por norma infraconstitucional, a lei. Machado[39] pertence a esta corrente doutrinária, defendendo que no instituto da isenção o fato gerador do tributo está excluído. Canto[40], co-autor do Código Tributário Nacional, defende que “a isenção afasta o fato gerador, impedindo que se configure a obrigação tributária, logo, não haverá lançamento tributário”.
Existem diversas hipóteses de isenção que podem ser alteradas de forma muito mais célere do que as imunidades que somente são previstas constitucionalmente. A mais conhecida hipótese de isenção tributária, mais detidamente do IPI são os casos dos carros vendidos para portadores de deficiência. As pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de dezoito anos, poderão adquirir, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com isenção do IPI, automóvel de passageiros ou veículo de uso misto, de fabricação nacional, classificado na posição 8703 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto nº 4.070, de 28 de dezembro de 2001.
O benefício poderá ser utilizado uma vez a cada 02(dois) anos, inclusive nas aquisições realizadas antes de 22 de novembro de 2005.
A aquisição do veículo com o benefício fiscal por pessoa que não preencha as condições estabelecidas na Instrução Normativa SRF nº 607, de 05 de janeiro de 2006 (art.7º), assim como a utilização do veículo por pessoa que não seja o beneficiário portador de deficiência, salvo a pessoa por ele autorizada, conforme anexo VIII, sujeitará o adquirente ao pagamento do tributo dispensado, acrescido de juros e multa, nos termos da legislação vigente, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. A isenção do IPI para deficientes não se aplica às operações de arrendamento mercantil (leasing).
O IPI incidirá normalmente sobre quaisquer acessórios opcionais que não constituam equipamentos originais do veículo adquirido. Para efeito de benefício de isenção de IPI a alienação fiduciária em garantia de veículo adquirido pelo beneficiário não se considera alienação.
Em complemento, Costa[41] afirma que isenção e imunidade apresentam nítidas diferenças, quais sejam: na isenção ocorre a incidência tributária, instaurando-se a relação jurídica tributária, enquanto na imunidade não ocorre a incidência tributária, não ocorrendo relação jurídica tributária; na isenção o tributo é devido mas a lei dispensa seu pagamento (doutrina clássica) e na imunidade, o tributo não chega a ser devido; outra diferença nítida está na concessão da isenção, que é através de lei enquanto que a única forma de estabelecer imunidade é através da Constituição Federal.
Segundo Torres[42] por força da imunidade ontológica ou intergovernamental recíproca, prevista no art. 150, VI, a, e § 2º, da Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, bem como as autarquias e as fundações instituídas e mantidas por estas pessoas, não podem ter seu patrimônio onerado pelo IPI, nas operações em que figurem como adquirentes (contribuintes de fato) de produtos industrializados.
“A incidência da citada imunidade revela-se, de um lado, em razão de não serem, estas entidades, dotadas de capacidade contributiva e, de outro, porque o propósito econômico fundamental do tributo está voltado para a tutela do consumo de bens e não para sua produção ou comércio.” [43]
Além disso, o não reconhecimento da referida imunidade, implica excluir o IPI do campo de aplicação da norma que a instituiu, caracterizando, com isso, a negativa de vigência do art. 150, VI, a, da Constituição Federal. A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados (Súmula 591, do STF).
1.5.1. Isenção e Alíquota zero
Segundo Souza [44] enquanto a isenção contém regras próprias e está sujeita a condições e requisitos (art.176, CTN), a alíquota zero expressa uma alíquota, embora livre ou zero, surtindo os mesmos efeitos das demais alíquotas.
No caso de isenção, não tem prevalecido a tese das correntes tributárias segundo as quais a isenção impede a incidência tributária e corta a regra matriz de incidência. Na verdade, a incidência tributária existe em tese, mas é excluída pela lei de isenção. Tanto assim é que, se a condição não for cumprida (art.176, CTN), persiste a obrigação tributária (crédito tributário do Fisco). Este é o entendimento do STF (RE 104.963) em relação a isenção, no sentido de que “a obrigação tributária nasce com o fato gerador, que é a entrada da matéria-prima, mas o crédito tributário é afastado pelo favor fiscal”. [45]
Seixas Filho[46] salienta que a isenção não é a única forma de fomentar a atividade econômica, figurando dentre as diversas medidas possíveis e adequadas a esse fim, as reduções de base de cálculo para investimentos e créditos-prêmios de ICMS e IPI.
“Como alternativa às isenções tributárias em sua função de incentivar determinada atividade econômica, pode o legislador optar pela restituição do imposto pago anteriormente. […] as reduções de bases de cálculo do imposto de renda, créditos prêmios de ICMS e IPI, etc., foram formas que o legislador criou para subvencionar ou subsidiar atividades como o programa de alimentação do trabalhador, formação educacional do trabalhador, fomentar as exportações, etc., sem precisar transferir diretamente do Erário Público recursos financeiros já arrecadados.” [47]
Souza [48] afirma que, se uma empresa que adquire matéria-prima isenta tem o direito de crédito de IPI e outra que adquire matéria-prima com alíquota zero não tem o mesmo direito, trata-se de situações idênticas (não em sentido teórico e formal, mas de resultados iguais em matéria de real tributação) de forma desigual.
“A alíquota-zero não é senão uma das formas de isenção, pois expressa claramente, em lei, e com as mesmas consequências jurídicas. Dizer o legislador que um produto é isento do IPI ou que tem alíquota zero é dizer, de forma clara e inequívoca, que por força de favor legal, o produto referido não sofre qualquer incidência tributária. Os termos se equivalem e, por conseqüência, o que for aplicado para as leis de exclusão da incidência tributária quanto à isenção deveria ser para alíquota zero.” [49]
É de Souza[50] a afirmação que a Procuradoria da Fazenda Nacional, em seu Parecer 405/2003, insistiu na distinção entre alíquota zero e isenção, talvez com a estratégia de centrar o foco no assunto onde teria maior possibilidade de êxito, no Judiciário. Assim, o esforço na elaboração do parecer foi no sentido de mostrar que, pelas diferenças entre alíquota zero e isenção, o direito ao crédito presumido, que, em 2003 vinha sendo concedido a matérias isentas, não deveria se estender aos casos de alíquota zero e não tributada. Já os contribuintes do IPI vinham defendendo o oposto: que a aquisição de insumos à alíquota zero mereceria o mesmo tratamento dispensado à isenção.
Para Rocha [51], a tese de acumulação de créditos de insumos isentos desde a Constituição de 1988, em verdade, tem por fim favorecer o contribuinte com aplicação retroativa de um benefício fiscal previsto em lei, além de acarretar locupletamento indevido.
Outro ponto importante e que ajuda na distinção entre a isenção e a alíquota zero está no momento da revogação dessas benesses concedidas pelo Poder Público. De acordo com Montenegro [52] quando se fala em revogação de isenção trata-se sempre das isenções puras ou simples, já que as isenções condicionadas ou a termo não podem ser revogadas enquanto não houver a implementação do tempo ou enquanto observada a condição imposta.
Entendendo que a isenção é mera dispensa do pagamento, ou seja, mero favor legal que dispensa o pagamento mesmo havendo a obrigação de pagar o tributo, pode-se cobrar o tributo isento no mesmo exercício financeiro da revogação, desobrigando-se do cumprimento do princípio da anualidade, sob a alegação que o contribuinte sabia da obrigação tributária imposta.
No entanto, filiando-se a corrente de que a isenção é uma não incidência, nos termos da imunidade, a revogação da isenção implica na criação, ou nova cobrança, de novo tributo, portanto, devendo-se respeitar o princípio da anualidade.
Sobre o tema o STF se manifestou adotando o defendido por Rubens Gomes de Sousa, permitindo a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro da revogação, pacificando o tema através da Súmula 615, “O princípio da anualidade não se aplica à revogação da isenção do ICM”.
Já sobre a alíquota zero, como há a incidência do tributo, nada impede que no dia seguinte à revogação a alíquota seja aumentada, aos parâmetros anteriores à instituição da alíquota zero.
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Os princípios demonstram a preocupação do legislador constituinte originário, em proteger a sociedade brasileira da criação excessiva de tributos, embora não seja suficiente, pois o Brasil é um dos países de maior carga tributária mundial, o que resulta na estagnação do País, ante a limitação do poder de compra da maioria dos brasileiros, além de frear o desenvolvimento industrial e o investimento estrangeiro. [53]
“A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio intuitivo e as de princípio programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípio da extensão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.”[54]
O jurista Bandeira de Mello[55] define princípio como:
“[…] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
[…] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”
Também há que se observar o conceito que Crisafuli apresenta para os princípios constitucionais tributários, em função de suas características normativas:
“Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais) das quais determinam, e, portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.” [56]
A Constituição Federal [57] elenca em seus princípios, os Princípios Constitucionais Tributários, que estabelecem os parâmetros ao poder de tributar. Ali estão expressos: Princípio da Legalidade, Princípio da Anterioridade, Princípio de Irretroatividade Tributária, Princípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador, Princípio da não cumulatividade, dentre outros.
2.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade tributária é reflexo direto do Estado Democrático de Direito, tendo como função primordial limitar a possibilidade de que os tributos sejam exigidos ou aumentados somente através dos dispositivos legais. [58]
Segundo Raymundo e Bezerra [59] o princípio da legalidade é, também aplicado aos direitos individuais e, de acordo com o preceituado na Constituição Federal, alcança todos os ramos do direito.
“Art. 5º; Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” [60]
Mais adiante, o caput do art. 150 da Carta Magna, na seção II – “Das limitações do poder de tributar” tem a seguinte redação:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
O princípio da legalidade reforça, na área tributária, o comando contido no art. 5º, inciso II da Constituição.
Entende-se, portanto, que, pelo princípio da legalidade, nenhum tributo pode ser criado ou aumentado, sem a criação de uma lei que o regulamente. Esse princípio pode ser visto pelo prisma da legalidade formal e da legalidade material.
Explicam Raymundo e Bezerra [61] que a legalidade formal prevê a inserção da regra tributária no ordenamento jurídico e a legalidade material exige que a lei especifique os elementos que descrevem o fato jurídico e o conteúdo da relação obrigacional.
“Os artigos 150, I e 5º. II, da Constituição Federal vigente, referem-se à legalidade como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário, alíquotas e base de cálculo, além das sanções pecuniárias dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito.” [62]
Entretanto, segundo explica Klein [63], na própria Constituição constam exceções ao princípio da legalidade, podendo ser alteradas as alíquotas dos impostos sobre exportação, importação, produtos industrializados e sobre operações financeiras e contribuição de intervenção sobre o domínio econômico (CIDE – combustíveis), através de ato do Poder Executivo, comumente Decreto Executivo.
“[..] é que tais impostos fazem parte da cadeia interventiva, necessitando o Executivo de instrumento ágil para aumentá-los ou reduzi-los para regular o comércio exterior (impostos de importação e exportação), a economia (IOF) ou a produção nacional (IPI).” [64]
As exceções citadas pelo Desembargador Difini dizem respeito à União e só a ela é facultado alterar alíquotas, nos casos previstos na Constituição, mediante Decreto, não sendo permitido aos Estados e Municípios.
Coelho [65] explica que existe discrepância na doutrina quanto à validade dos atuais instrumentos legislativos existentes que regulam a possibilidade de alteração de alíquotas. Alguns entendem que as autorizações existentes não se encontram recepcionadas pela Constituição e que a Lei Complementar seria o veículo legislativo de autorização adequado para fixar a forma de alteração das alíquotas.
“A quebra da legalidade está mais restrita na Constituição Federal de 1988, uma vez que a faculdade concedida ao Poder Executivo não mais se estende às modificações de bases de cálculo, os quais somente por ato do poder legislativo podem ser alteradas. Acresce ainda que foram eliminadas as impropriedades técnicas existentes nos textos anteriores, como as “tarifas” aduaneiras e de transportes; reduziu-se o número de exceções à legalidade e à anterioridade; eliminou-se ainda a possibilidade, introduzida pela emenda constitucional nº 8 de 17.04.1977, de ampliação do rol exceptivo, mediante a edição de lei complementar.” [66]
Segundo esse mesmo autor, as contribuições de toda natureza, de melhoria ou especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e instituídas no interesse de categorias profissionais e econômicas) conforme dispõe o art. 149 da Constituição, submetem-se, rigorosamente, sem qualquer atenuação, à legalidade e à anterioridade.
2.2. Princípio da Anterioridade
O Princípio da Anterioridade determina que todos os tributos devem ser instituídos ou aumentados no ano anterior à sua vigência, de acordo com o inciso II, alínea “b” do Art. 150 da Constituição Federal.
É uma forma de proteger o contribuinte que poderá programar suas atividades econômicas para não ser surpreendido por criação ou aumento de impostos; entretanto, a diminuição da carga tributária pode acontecer dentro do mesmo ano de vigência.
As exceções ao princípio da anterioridade estão elencadas no mesmo artigo, em seu parágrafo 1º: são os impostos federais de função regulatória (Imposto de importação e Imposto de Exportação, IOF e IPI), imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF, empréstimo compulsório destinado a atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I, CF).
2.3. Princípio da Anterioridade Nonagesimal
A Emenda Constitucional 42/2003[67], acrescentou ao art. 150, inciso III da Constituição, a alínea “c”, que institui, para os tributos em geral, e exigência de aguardar-se um período de 90 (noventa) dias entre a publicação da lei que crie ou aumente tributos e a produção de seus efeitos.
“Art. 150. …
III- Cobrar tributos:
b) No mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) Antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”.”
Desta forma, atualmente, com o objetivo de conferir maior efetividade ao princípio da não-surpresa, garantia individual do contribuinte, os tributos em geral, observadas as exceções estabelecidas pela própria Constituição Federal, estão sujeitos, cumulativamente, ao princípio da anualidade do exercício financeiro e à exigência da noventena entre a instituição ou aumento do tributo e sua cobrança. [68]
Raymundo e Bezerra [69] explicam que a própria Constituição, no corpo de suas disposições, estabelece as exceções ao princípio da não-surpresa tributária, tornando possível a cobrança de tributos como os impostos extraordinários de guerra, os compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública, dada a urgência da situação a exigir imediatos recursos.
“Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.” [70]
Está também preceituado pela Constituição Federal a concessão emitida ao Poder Executivo para alterar as alíquotas – dentro dos limites impostos pela lei – do Imposto de importação e exportação, Imposto sobre produtos industrializados, Imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários.
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação de produtos estrangeiros;
II – exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III – renda e proventos de qualquer natureza;
IV – produtos industrializados;
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI – propriedade territorial rural;
Grandes fortunas, nos termos da lei complementar.
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” [71]
As contribuições de seguridade social estão sujeitas apenas ao princípio da noventena, não sendo exigido que a publicação da lei que as institua ou modifique se dê no ano anterior ao início de sua cobrança.
2.4. Princípio da Irretroatividade Tributária
Quanto ao princípio da irretroatividade tributária, a Carta Magna dedica seu art. 150, inciso III, alínea “a”, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: (…)
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.”[72]
Esse princípio foi incluído no art. 5º, inciso 36 da Constituição: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, com o objetivo de estender seus efeitos a todo o ordenamento jurídico nacional, consequentemente tornando sem valia a sua inclusão pelo legislador, de forma específica, no capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional.
Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração. [73]
Entretanto, explicam Raymundo e Bezerra [74] que, diante da disposição constitucional que veda a irretroatividade em matéria tributária, proibindo que a lei nova alcance fatos geradores passados, o conteúdo do citado verbete anula-se, tornando-se inaplicável perante a ordem constitucional brasileira, fato que vinha sendo acatado pela doutrina e boa parte da jurisprudência.
Todavia, o Princípio da Irretroatividade não se assenta como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, vista que o artigo 106, do CTN, elenca as exceções a este princípio.
“Art. 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.”
Neste sentido, Sabbag [75] ensina que as hipóteses acima corroboram a regra da irretroatividade, pois é natural que se estipule, no plano da hermenêutica, hipóteses de retroação para uma lei interpretativa e para que a lei mais benéfica possa beneficiar os contribuintes.
Com maior prudência é mais adequado no âmbito do Direito Tributário afirmar que não há incompatibilidade entre o Princípio da Irretroatividade e a existência de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos, como comprovam as exceções acima elencadas.
2.5. Princípio da não-cumulatividade
Uma das características específicas do IPI é a sua dependência ao princípio da não-cumulatividade, expresso no art. 153, § 3º, inciso II da Constituição Federal:
“Art. 153. (…)
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:(…)
II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.” [76]
O princípio da não-cumulatividade consiste na dedução do valor do imposto correspondente à saída dos produtos do estabelecimento industrial com o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. [77]
A expressão “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” possibilita:
“Ao contribuinte, um direito de abatimento que serve de freio à ação do Poder Público, no caso deste pretender agir de modo a contrariar a Lei maior, seja na instituição (ação legislativa), seja na cobrança (ação administrativa) do tributo em exame.” [78]
O IPI é um imposto indireto e, portanto, gera repercussão econômica, ou seja, o custo é repassado para o próximo na cadeia surgindo as figuras do contribuinte de fato e de direito.
“Ao instituir o princípio da não-cumulatividade, o constituinte teve em mira favorecer o contribuinte (de direito), deste tributo, aliviando a pressão sobre seus custos de produção, o que, em última análise, reverte em prol do consumidor final (contribuinte de fato) mediante a determinação de preços menos onerados pela carga fiscal.” [79]
Segundo essa autora, o IPI possui algumas características: é neutro, devendo ser indiferente, tanto na competitividade e concorrência quanto na formação de preços no mercado; onera o consumo e nunca a produção ou o comércio, adaptando-se às necessidades de mercado; oferece maiores vantagens ao Fisco, pois sendo plurifásico, permite antecipar o imposto que será devido apenas no consumo (vantagens financeiras) e coloca ademais todos os agentes econômicos das diversificadas etapas de industrialização e circulação como responsável pela arrecadação (vantagens contra o risco de insolvência).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp, 411,478-PR, 1ª Turma, tendo como relator o Ministro Luiz Fux , publicado no DJU em 28.10.2002, assim decidiu:
“[…] O IPI é tributo de natureza indireta uma vez que o contribuinte de fato é o consumidor final da mercadoria objeto da operação, visto que a empresa, que repassa no preço da mercadoria o imposto devido, recolhendo posteriormente aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor final e, em conseqüência, não assume a respectiva carga tributária. Opera-se, assim, no caso do IPI, a substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, inadmitindo-se a repetição do indébito e a compensação do referido tributo, sem a exigência da prova da repercussão […]”
Andrade [80] informa, ainda, que além do IPI, estão sujeitos à mesma sistemática da não-cumulatividade, o ICMS, os impostos de competência residual da União (art. 154: : “A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição), as contribuições previdenciárias residuais da União, e as contribuições sociais previstas no art. 195 do mesmo texto constitucional.
Por sua vez, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 49, estabelece:
“Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença maior em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período seguinte.”
Independente de qual seja o critério material do IPI, todos deverão respeitar o princípio da não-cumulatividade previsto no art. 153, § 3º, II, da Constituição e no art. 49 do Código Tributário Nacional.
2.6. Subprincípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador
O subprincípio da interpretação objetiva do fato gerador tem em si o comando de que sempre é imperioso interpretar o fato gerador objetivamente, sem preocupação com os aspectos relativos à pessoa destinatária da cobrança do tributo ou natureza da atividade.[81]
Esse autor explica que, por esta razão, quem praticar um ato que preencha a hipótese de incidência deverá pagar o tributo, ao menos a priori. Não se vai avaliar a validade do ato jurídico, a capacidade civil do sujeito passivo ou mesmo a licitude do ato que gera a possibilidade de cobrança do tributo, sempre prevalecendo a análise do aspecto objetivo do fato gerador, em abono de equivalência necessária à sustentação do postulado da isonomia tributária.
3. A NÃO INCIDÊNCIA DO IPI NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE IMPORTAÇÃO POR PESSOA FÍSICA.
Existem controvérsias a respeito da não-incidência do IPI no desembaraço aduaneiro da importação por pessoa física. É importante conhecer pelo menos uma dessas opiniões, para que o posicionamento a respeito do assunto seja feito de maneira a não restar dúvidas quanto à constitucionalidade e legalidade do fato.
Uma dessas opiniões controversas é de Silva [82], que afirma delinear-se no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal uma preocupante tendência que, se confirmada, acarretará sérios prejuízos à indústria nacional, além de causar grave ofensa ao Princípio da Isonomia insculpido no art. 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988, ao tratar de forma desigual os consumidores de produtos industrializados no exterior e os consumidores de produtos industrializados no país.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: (…)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.” [83]
A referência desse autor é sobre os julgados recentes do STJ e do STF, desonerando do IPI a importação de bens industriais procedentes do exterior, efetuadas por pessoas físicas. Tais julgados estão escoimados na ofensa do Princípio da não-cumulatividade pela impossibilidade de se compensar o imposto devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadorias.
Contudo, esse autor se contrapõem a fundamentação destes julgados do STJ e STF alegando o ferimento ao Princípio da Isonomia, vez que em seu entendimento, tais julgados tratam de forma desigual as mercadorias produzidas no mercado interno, e que efetivamente incidem o IPI e as mercadorias produzidas no mercado exterior e importadas por pessoa física, as quais não deverá incidir o IPI.
O sentido desses julgados está na interpretação da Constituição Federal, como segue:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação de produtos estrangeiros;
II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III – renda e proventos de qualquer natureza;
IV – produtos industrializados;
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI – propriedade territorial rural;
VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.(…)
§ 3º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.”[84]
Como se sabe, a Receita Federal exige o IPI na importação de todo e qualquer bem industrializado, independente do importador ser ou não contribuinte do imposto. Ocorre, que o importador pessoa física, por óbvio não é contribuinte do imposto, pois sua exigência atenta contra o princípio da não cumulatividade, uma vez que a pessoa física não pode usufruir os créditos gerados pela exação.
O não aproveitamento do imposto para geração de créditos ocorre, pois como pessoa física, consumidor final do produto importado, não sofrerá o bem qualquer ato posterior de industrialização, sendo inviável a compensação do IPI recolhido como crédito de uma posterior.
O princípio constitucional da não cumulatividade existe para evitar a superposição do mesmo imposto sobre a mesma mercadoria ou serviço, o que tornaria o valor final do produto ou serviço extremamente onerosa. Em face deste princípio o pagamento do imposto anterior sobre um serviço ou produto é lançado como crédito, utilizando este crédito na incidência do novo imposto na saída da mercadoria de seu estabelecimento.
Neste sentido, o artigo 46, do Código Tributário Nacional, em seu inciso I, fere o princípio da não cumulatividade quando se tratar de importação tendo como destinatário do produto pessoa física, a qual não poderá utilizar-se do benefício da compensação do imposto pago.
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.” [85]
O presente artigo inclusive vai de encontro ao artigo 49, do mesmo diploma legal, o qual versa exatamente sobre o princípio da não cumulatividade.
“Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.”[86]
Com esta fundamentação, está pacificado junto ao STF e cortes federais, o entendimento que não é cabível a cobrança de Imposto Sobre Produtos Industrializados , IPI, sobre o desembaraço aduaneiro, de produtos importados por pessoas físicas, para utilização particular, in verbis:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do principio da não cumulatividade. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 550170 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/06/2011, DJe-149 DIVULG 03-08-2011 PUBLIC 04-08-2011 EMENT VOL-02559-02 PP-00291)
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA FÍSICA PARA USO PRÓPRIO. NÃO-INCIDÊNCIA. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. 1. Não incide o IPI sobre a importação, por pessoa física, de veículo automotor destinado ao uso próprio. Precedentes: REs 255.682-AgR, da relatoria do ministro Carlos Velloso; 412.045, da minha relatoria; e 501.773-AgR, da relaria do ministro Eros Grau. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 255090 AgR, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-04 PP-00904)
“TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – IPI SOBRE IMPORTAÇÃO – AUTOMÓVEL IMPORTADO POR PESSOA FÍSICA, NÃO COMERCIANTE OU EMPRESÁRIA, PARA USO PRÓPRIO – NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO – PRECEDENTES DO STJ E DO STF. 1.Não incide IPI sobre a importação de veículo por pessoa física não comerciante e não empresária. 2.Precedentes do STJ e do STF. 3.Apelação provida: segurança concedida. 4.Peças liberados pelo Relator, em 26/07/2011, para publicação do acórdão.” (AMS 0027164-69.2010.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma,e-DJF1 p.178 de 05/08/2011)
Desta feita, ilegal se mostra a cobrança do referido imposto para o procedimento de desembaraço aduaneiro de produto importado por pessoa física, eis que, não sendo o importador/destinatário da mercadoria contribuinte do imposto, sendo este incapaz de aproveitar o crédito advindo da operação, o que fere brutalmente o princípio da não cumulatividade, conforme visto em diversos julgados, sobre esta matéria já pacificada pelo STF.
3.1. O desembaraço aduaneiro
O despacho aduaneiro é um procedimento fiscal pelo qual toda mercadoria proveniente ou destinada ao exterior deve ser submetida para que o exportador receba a permissão definitiva para enviar sua mercadoria e o importador obtenha a autorização para receber suas mercadorias importadas. Tem por finalidade a verificação da precisão dos dados declarados pelo importador ou exportador em relação à mercadoria importada ou exportada, já que é com base nesta declaração que serão calculados os impostos porventura devidos. [87]
O Decreto nº 4.543 de 26 de dezembro de 2002, que revogou o Decreto nº 91030/85, regulamenta o procedimento de despacho aduaneiro, estabelecendo quais os documentos necessários para seu processamento, seus prazos e formas. Ambas as modalidades de despacho aduaneiro, quer seja o despacho aduaneiro de exportação, quer seja o de importação, estão previstos e regulados pelo referido decreto. [88]
3.1.1. Despacho Aduaneiro de Importação
Abreu [89] define o despacho aduaneiro de importação como sendo o procedimento fiscal através do qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos apresentados e à legislação vigente, com o escopo de dar-se o seu desembaraço aduaneiro, ou seja, a autorização da entrega da mercadoria ao importador.
A norma que disciplina o despacho aduaneiro de importação é recente. Trata-se do Decreto nº 4543/2002 e da Instrução Normativa SRF 206, também do ano de 2002. Esta instrução atribui três classificações ao despacho aduaneiro por importação: para consumo, quando se trata de mercadorias destinadas ao uso; para admissão, que têm um prazo determinado para permanecer no território aduaneiro; e para internação, especificamente dos produtos oriundos da Zona Franca de Manaus ou da Amazônia Ocidental ou outra área de livre comércio, com a finalidade de introdução no restante do território nacional.
3.1.1.1. A declaração de Importação
Explica ainda Abreu [90] que o despacho aduaneiro de importação tem por base a declaração formulada pelo importador ou por seu representante legal, onde, obrigatoriamente, deverá constar as informações gerais, tais como a identificação do importador, qual o meio de transporte usado, o número identificador da carga, a forma de seu pagamento, e as informações específicas (adição), ou seja, qual é o seu fornecedor, o seu valor aduaneiro, os tributos devidos, o câmbio usado, dentre outras informações constantes do anexo I da INSRF nº 206/2002, de modo a possibilitar que a autoridade aduaneira conheça todos os detalhes sobre aquela operação de importação.
A declaração de importação é formulada no Sistema Integrado do Comércio Exterior – SISCOMEX – um software usado em todo o território nacional que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de fluxo único, computadorizado, de informações. [91]
3.1.1.2. Seleção para conferência aduaneira
Vale-se dos ensinamentos de Coelho e Trevisan [92] para conhecimento de como se processa a seleção para conferência aduaneira: uma vez registrada a declaração de importação e iniciado o procedimento de despacho aduaneiro, a Declaração de Importação (DI) é analisada pelo sistema e selecionada por um dos canais de conferência. Tal procedimento de seleção recebe o nome de parametrização ou seleção parametrizada. Com esse procedimento a DI é direcionada para um dos seguintes canais de conferência aduaneira:
Verde: o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados o exame documental e sua verificação;
Amarelo: é realizado o exame documental e, não sendo constatada irregularidade, efetua-se o desembaraço aduaneiro;
Vermelho: a mercadoria somente é desembaraçada após a realização do exame documental e de sua verificação;
Cinza: é realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificar elementos indicativos de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria.
Esses autores informam ainda que, na constatação de início de fraude, independente do canal de conferência atribuído à DI, o servidor deve encaminhar os elementos verificados ao setor competente, para avaliação da necessidade de aplicação dos procedimentos especiais de controle.
Os bens submetidos a despacho aduaneiro com base em Declaração Simplificada de Importação (DSI) podem ser desembaraços após seleção efetuada pelo supervisor lotado na unidade da RFB de despacho: sem conferência aduaneira, hipótese em que são dispensados o exame documental, a verificação da mercadoria e o exame de valor aduaneiro; ou com conferência aduaneira, hipótese em que a mercadoria somente é desembaraçada e entregue ao importador após a realização do exame documental e de sua verificação e, se for o caso, do exame de valor aduaneiro. [93]
3.1.1.3. Conferência aduaneira
Coelho e Trevisan [94] explicam que a conferência aduaneira tem por finalidade identificar o importador, verificar a mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza, classificação fiscal, quantificação e valor, e confirmar o cumprimento de todas as obrigações, fiscais e outras exigíveis em razão da importação. [95]
Explicam esses autores que a conferência aduaneira das declarações selecionadas pode ser realizada na zona primária ou na zona secundária e deve ser iniciada após a entrega do extrato de declaração e dos documentos que a instruem. Quando realizada na zona secundária, a conferência aduaneira pode ser feita em recintos alfandegários, no estabelecimento do importador ou, excepcionalmente, em outros locais, mediante prévia anuência da autoridade aduaneira. [96]
3.1.1.4. Exame Documental
O exame documental destina-se a constatar:
“A integridade dos documentos apresentados;
A exatidão e correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria;
O cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar, correspondentes aos regimes aduaneiro e de tributação solicitados;
O mérito do benefício fiscal pleiteado; e
A descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal.” [97]
Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria na DI, que exija a verificação desta para sua perfeita identificação, a fim de confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o AFRFB pode condicionar a conclusão do exame documental à realização da verificação da mercadoria. [98]
3.1.1.5.Verificação da Mercadoria
A verificação das mercadorias é o último item a ser observado, para que se proceda ao desembaraço aduaneiro. Destina-se a verificar e quantificar as mercadorias, obter elementos para confirmar sua classificação fiscal, origem e seu estado de novo ou usado, bem como para verificar sua adequação às normas técnicas aplicáveis. Será realizada mediante agendamento, em conformidade com as regras gerais estabelecidas pelo chefe do setor responsável pelo despacho aduaneiro. [99]
A verificação de mercadoria, no curso da conferência aduaneiro ou em qualquer outra ocasião, é realizada por AFRFB, ou sob a sua supervisão por outro servidor integrante da carreira ARF, na presença do importador, ou de seu representante. Poderão ser adotados critérios de seleção e amostragem estabelecidos pela RFB. [100]
Esclarecem Coelho e Trevisan [101] que, quando a verificação da mercadoria for realizada por servidor que não o AFRFB responsável por essa etapa, ou quando for utilizado o critério de verificação por amostragem, deve ser lavrado o Relatório de Verificação Final (RVF). Na hipótese de mercadoria depositada em recinto alfandegário, a verificação pode ser realizada na presença do depositário ou de seus prepostos, dispensada a exigência da presença do importador.
“Regra geral, a conferência da mercadoria é realizada em recinto alfandegário. No entanto, o chefe de ofício ou a requerimento do interessado, a verificação das mercadorias, total ou parcialmente, no estabelecimento do importador ou em outro local, quando: a) o recinto ou instalação aduaneira não dispuser de condições técnicas, de segurança ou de capacidade de armazenagem e manipulação adequadas para a realização da conferência; b) se tratar de bens de caráter cultural; ou c) se tratar de bem cuja identificação dependa de sua montagem (artigo 35 da INSRF nº 680/2006).” [102]
Se a fiscalização aduaneira entender necessário, pode designar perito credenciado pela RFB para proceder à identificação e quantificação da mercadoria. Quando necessária a retirada de amostra para exame laboratorial ou de outra natureza, emite-se termo descrevendo a quantidade e a qualidade da mercadoria retirada. As despesas de perícia, assim como de assistência técnica do perito, são de responsabilidade do importador. [103]
3.1.2. O desembaraço aduaneiro propriamente dito
O desembaraço aduaneiro é, de acordo com o art. 511 do Decreto 4542/2002, o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira. É com o desembaraço aduaneiro que é autorizada a efetiva entrega da mercadoria ao importador e é ele o último ato do procedimento do despacho aduaneiro.[104]
Abreu [105] ensina que o ato do desembaraço aduaneiro tem por termo inicial a conclusão da conferência aduaneira. Se, no processo de conferência não se constatar nenhuma irregularidade, é autorizado o desembaraço aduaneiro. Todavia, antes da entrega da mercadoria ao importador é necessário o registro, pela autoridade aduaneira, do desembaraço no SISCOMEX.
Uma vez registrado o desembaraço aduaneiro no SISCOMEX será expedido e entregue ao importador o Comprovante de Importação, documento comprobatório da regularidade da mercadoria no país. E finalmente, mediante a apresentação do documento de conhecimento de carga, liberado pelo Departamento de Marinha Mercante e da comprovação do pagamento do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), salvo disposição em contrário, será definitivamente entregue a mercadoria ao importador, finalizando, assim, o procedimento de despacho aduaneiro. [106]
O Ministério da Fazenda, através da Secretaria da Receita Federal [107], a respeito do desembaraço aduaneiro, ensina e orienta o seguinte: o despacho aduaneiro de mercadorias na importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação às mercadorias importadas, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro.
Toda mercadoria procedente do exterior, importada a título definitivo ou não, sujeita ou não ao pagamento do imposto de importação deve ser submetida a despacho de importação, que é realizado com base em declaração apresentada à unidade aduaneira sob cujo controle estiver a mercadoria.
“Em geral, o despacho de importação é processado por meio de Declaração de Importação (DI), registrada no Sistema Integrado de Instrução Normativa SRF nº 6801/06. Entretanto, em algumas situações, o importador pode optar pelo despacho aduaneiro simplificado, que pode se dar por meio do SISCOMEX ou por formulários, conforme o caso. Antes de iniciar uma operação de importação, o interessado deve sempre verificar se a mercadoria a ser importada está sujeita a controle administrativo, pois em regra, este deve ser efetuado anteriormente ao embarque da mercadoria no exterior, sob pena de pagamento de multa.” [108]
Explica ainda a Secretaria da Receita Federal que a operação de importação por conta e ordem de terceiro é aquela em que uma pessoa jurídica promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que pode compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transição comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial.
O controle aduaneiro relativo à ativação de pessoa jurídica importadora que opere por conta e ordem de terceiros é exercido conforme o estabelecido na Instrução Normativa SRF nº 225/02; o registro da DI pelo contratado é condicionado à sua prévia habilitação no SISCOMEX para atuar como importador por conta e ordem do adquirente, pelo prazo previsto no contrato.
Os tributos incidentes sobre uma determinada importação e os seus montantes dependem do tipo de mercadoria, seu valor, origem, natureza da operação, qualidade do importador, entre outros. O próprio SISCOMEX contém as alíquotas dos tributos aplicáveis e, com base nas informações fornecidas pelo importador, ele executa os cálculos necessários e debita os valores devidos diretamente na conta corrente informada no momento de registro da DI. [109]
O ato que determina o início do despacho aduaneiro de importação é o registro da DI no SISCOMEX, salvo nos casos de Despacho Antecipado. É no momento desse registro que ocorre o pagamento de todos os tributos devidos na importação.
Se o despacho de importação, em uma de suas modalidades, não for iniciado nos prazos estabelecidos na legislação, que variam entre 45 a 90 dias da chegada da mercadoria ao País, ela é considerada abandonada, o que acarretará a aplicação da pena de perdimento e a destinação da mercadoria para um dos fins previstos na legislação. O mesmo acontece com a mercadoria cujo despacho de importação tenha seu curso interrompido durante 60 dias, por ação ou por omissão do importador. [110]
3.2. Condições para a não incidência
Segundo Quintanilha [111], com a globalização, o comércio entre as nações se desenvolveu em proporções nunca antes vistas. Atualmente, o indivíduo pode adquirir bens produzidos no exterior, sem que seja necessário sair de sua mesa de trabalho. Com a inclusão digital e desenvolvimento das compras on-line, o contribuinte passou a ter acesso a produtos estrangeiros de forma rápida e segura. No entanto, antes de efetuar uma aquisição de produto estrangeiro, o consumidor deve estar atento quanto à incidência de tributos. O ordenamento jurídico pátrio exonerou as exportações da carga tributária, porém, ela recai de forma pesada nas entradas de produtos estrangeiros no território nacional, ou seja, na importação.
Com a finalidade de evitar o alto peso dos tributos, o contribuinte deve estar atento com o posicionamento dos Tribunais Superiores e atualmente resta pacífico o entendimento no sentido que a importação para uso próprio não gera imposto como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). [112]
Tal limitação é clara tendo em vista que para a incidência do IPI, pressupõe-se a existência de uma mercadoria, ou seja, a busca pelo lucro com a circulação de um produto, o que de fato não ocorre quando se trata de importador pessoa física, o qual equipara-se ao consumidor final, se submetendo ao princípio da não-cumulatividade, na forma do art. 153, § 3º, II da Constituição Federal.
O julgado do Supremo Tribunal de Justiça, assim determina:
“Tributário. IPI. Desembaraço Aduaneiro. Veículo Automotor. Pessoa Física. Não incidência. Encerramento da matéria pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. 1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente. 2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “a importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS”. 3. No entanto, o Colendo Superior Tribunal Federal, em decisão proferida no RE nº 203075/DF. Rel. para acórdão Ministro Maurício Correa, dando nova interpretação ao art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/88, decidiu por maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os senhores ministros Ilmar Galvão, Relator e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular; 4. no que se refere especificamente ao IPI. Da mesma forma o Pretório Excelso também já se pronunciou a respeito: “Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade:CF, art.153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente a EC 33/2001. RE 203075/DF. Ministro Maurício Correa, Plenário. DJ de 29.10.1999; RE de 20.11.1998; RE 298.630/SP. Ministro Moreira Alves, 1ª Turma de 09.11.2001”. (Ag.Reg. no RE nº 255682/RS. 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.02.2006). 5. Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário; 6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.” (Resp. 937.629/SP. Rel. Ministro José Delgado. Primeira Turma, julgado em 18.09.2007, DO 04.10.2007, p.203).
Portanto, fica claro que o importador, pessoa física, que importe produtos estrangeiros para uso próprio, não deverá ser considerado contribuinte do IPI.
3.3. Decisões judiciais pertinentes
A seguir, ilustra-se com alguns competentes julgados a respeito da não incidência do imposto nas importações por pessoas físicas.
“Direito Tributário. Importação de Bens para uso próprio por empresa prestadora de serviços médicos: não incidência do ICMS. Não se sujeita ao ICMS a importância de bens, para uso próprio por empresa prestadora de serviços médicos, não comerciante, inclusive a partir da Emenda Constitucional nº 33 de 11.12.2001. Aplicação dos arts. 135, II da Constituição Federal (que sujeita apenas a mercadoria ao ICMS, como tal entendido o bem móvel adquirido com o intuito de revenda habitual, mediante lucro) e do art. 110 do Código Tributário Nacional (que veda à lei instituidora do imposto alterar o sentido das palavras, institutos, conceitos, formas ou figuras do direito privado, utilizadas pela lei constitucional, para definir ou limitar competências tributárias). Apelo desprovido, por unanimidade. (Apelação e Reexame necessários nº 70011092616, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 13.04.2005). Por óbvio não deve incidir o ICMS, principalmente se levar em consideração que o consumidor final não é contribuinte do tributo, suportando somente o ônus financeiro. Por fim, resta claro que o IPI e o ICMS não devem incidir nas importações para uso próprio sob pena de violar o ordenamento jurídico pátrio. “
Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do judiciário nacional.
RC 550.170. AgR/ SP – São Paulo
Julgamento: 07.06.2011. Órgão Julgador: Primeira Turma.
Ementa: Agravo Regimental em Recurso Extraordinário. Tributário. IPI. Importação de Veículo para uso próprio. Não incidência. Agravo Improvido. I. Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física para uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedentes. II. Agravo Regimental improvido. Nos Tribunais Regionais Federais não é diferente, o tema também já foi decidido de forma favorável ao importador. “
“T.R.F… 1. Brasília. DF.
Processo: A MS 0027164-69.2010.4.01. 3800/MG; Apelação em mandado de segurança. Relator: Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral. Órgão Julgador: Sétima Turma. Publicação: eDJF1 p.178 de 06.08.2011. Data da Decisão: 26.07.2011. Decisão: A Turma deu Provimento à apelação para conceder a segurança por unanimidade. Ementa: Tributário. Mandado de Segurança. IPI sobre importação. Automóvel Importado por pessoa física, não comerciante ou empresária, para uso próprio. Não incidência do Tributo. Precedentes do STJ e do STF. 1. Não incide IPI sobre a importação de veículo por pessoa física não comerciante e não empresária; 2. Precedentes do /STJ e STF; 3. Apelação provida: segurança concedida. 4. Peças liberadas pelo Relator em 26.07.2011, para publicação do acórdão.”
“TRF. 2. Rio de Janeiro.
Agravo de Instrumento 2011.02.01.011855-4 nº CNJ: 0011855.95.2011.4.2.0000. Relator: Desembargador Federal Salete Maccaliez. Agravante: União Federal/Fazenda Nacional. Agravado: Otto Siems Schuback. Advogado: Augusto Fauvel de Moraes e outro. Origem: 2ª Vala Federal Cível de Vitória, ES (2011 500 10084 260). Não incide o IPI em importação, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedentes. Rio de Janeiro, 13, setembro de 2011. Salete Maccaliez. Relatora.”
“TRF – 5 – Recife
Número do Processo: 20088 40000 26 XXX
Data do julgamento: 08.09.2011.
Tributário. IPI. Veículo Automotor. Importação. Pessoa Física. Não comerciante. Uso próprio. Não incidência. Princípio da não-cumulatividade. Art. 153. § 3º, II da CF. Precedentes do STF e do STJ. 1. Apelação contra sentença que julgou procedente o pedido, por entender ser indevida a exigência do recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, na importação, por pessoa física e para uso próprio, de veículo automotor. 2. De acordo com o art. 153, II, § 3º da Carta Magna de 1988, o IPI “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. 3. Impossibilidade de o importador, que não seja comerciante ou industrial, compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, cabendo a eles o ônus total do tributo, o que tangencia o princípio da não-cumulatividade, ao contrário do importador, que é comerciante ou industrial, que pode, na operação seguinte, utilizar o crédito do tributo que pagou no ato do desembaraço aduaneiro da mercadoria. 4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que, no caso de o importador ser pessoa física, não comerciante ou empresário, que importa produtos para uso próprio, não é aplicável a incidência do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade. 5. Apelação e remessa oficial não providas.”
São alguns exemplos de jurisprudência que usaram o princípio da não-cumulatividade para a não incidência do imposto nas mercadorias importadas por pessoa física.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão de literatura teve o intuito de conhecer a opinião de diversos juristas a respeito da não incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação por pessoa física.
De tudo o que foi exposto, conclui-se que há uma controvérsia entre autores. Arnauld da Silva, por exemplo, contrapõe o princípio da não-cumulatividade, com o princípio da isonomia, argumentando que, por esse último, a isenção do imposto sobre os produtos importados, deveria valer, também, para os produtos estrangeiros adquiridos no Brasil.
Diz esse jurista que, quando se afirma ofensa ao princípio da não-cumulatividade os acórdãos passam um entendimento equivocado que pressupõe, necessariamente, a existência de uma operação posterior com o produto importador e que essa operação deverá ser tributada.
Entretanto, embora existam pontos controversos, a obediência à Lei é incontestável. A legalidade é um princípio; constitui pressuposto constitucional para a instituição de direitos e deveres do contribuinte. O Princípio da Legalidade no sistema tributário nacional tem a função de limitar o poder de tributar da União e Estados Federados. Qualquer critério sobre o dever de se recolher ou como recolher determinado tributo, se este é ou não devido, deve estar discriminado em lei complementar onde o legislador tem o dever de legislar exaustivamente a definição dos mesmos, seus fatos geradores, bases de cálculo de contribuições. [113]
Também são preceituados os aspectos do processo de instituição de tributos, levando-se em consideração: a) pessoal, que determina os sujeitos da obrigação tributária; b) temporal, pelo qual são estabelecidas as circunstâncias de tempo; c) espacial, que consiste na indicação das circunstâncias de lugar relevantes para a caracterização da obrigação; d) material, que corresponde à própria descrição dos aspectos substanciais do fato ou conjunto de fatos que servem de suporte à hipótese de incidência, inclusive aqueles atinentes à determinação da base imponível e alíquotas.
Portanto, a Lei é o ponto de partida para a regulamentação do tributo, todos os atos devem estar submetidos ao Princípio da Legalidade e, no caso específico do IPI, somando-se o Princípio da não-cumulatividade, justifica-se sua não-incidência em importações de produtos industrializados feitas por pessoas físicas.
Ao ilustrar a teoria encontrada a respeito do assunto, com algumas das inúmeras jurisprudências, chega-se ao objetivo do trabalho, qual seja, o de demonstrar a legitimidade da não-incidência do imposto sobre produtos industrializados nas importações feitas por pessoas físicas, para benefício próprio, sem qualquer característica de revenda/comercialização.
Espera-se ter contribuído para maior clareza de tão polêmico assunto.
Informações Sobre o Autor
Luis Eduardo Oliveira Alejarra
Formado em Direito pelo Instituto Processos, MBA Executivo em Finanças Corporativas, Doutorando pela Universidade de Buenos Aires, advogado sócio do escritório Oliveira e Becker em Brasília – DF